APELAÇÃO CÍVEL Nº 5068820-17.2017.4.04.9999/RS
RELATOR | : | ARTUR CÉSAR DE SOUZA |
APELANTE | : | ELIDA SARA PAIVA PAIS |
ADVOGADO | : | FABIANO CESAR SIQUEIRA |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. IDOSO. VIABILIDADE. CONSECTÁRIOS.
1. Comprovados os requisitos da idade avançada e hipossuficiência econômica do grupo familiar, cabível a concessão do benefício assistencial.
2. O Supremo Tribunal Federal reconheceu no RE 870947, com repercussão geral, a inconstitucionalidade do uso da TR, determinando, no recurso paradigma, a adoção do IPCA-E para o cálculo da correção monetária.
3. Considerando que o recurso que originou o precedente do STF tratava de condenação da Fazenda Pública ao pagamento de débito de natureza administrativa, o Superior Tribunal de Justiça, no REsp 1495146, em precedente também vinculante, e tendo presente a inconstitucionalidade da TR como fator de atualização monetária, distinguiu os créditos de natureza previdenciária, em relação aos quais, com base na legislação anterior, determinou a aplicação do INPC.
4. Os juros de mora, a contar da citação, devem incidir à taxa de 1% ao mês, até 29-06-2009. A partir de então, incidem uma única vez, até o efetivo pagamento do débito, segundo o índice oficial de remuneração básica aplicado à caderneta de poupança.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação, e determinando o cumprimento imediato do acórdão no que se refere à implantação do benefício, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 18 de julho de 2018.
Juiz Federal Artur César de Souza
Relator
| Documento eletrônico assinado por Juiz Federal Artur César de Souza, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9414899v6 e, se solicitado, do código CRC 809CE81C. | |
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 5068820-17.2017.4.04.9999/RS
RELATOR | : | ARTUR CÉSAR DE SOUZA |
APELANTE | : | ELIDA SARA PAIVA PAIS |
ADVOGADO | : | FABIANO CESAR SIQUEIRA |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
RELATÓRIO
Trata-se de apelação da parte autora contra sentença (prolatada em 22/06/2017 na vigência do NCPC) que julgou improcedente o pedido de benefício assistencial, cujo dispositivo reproduzo a seguir:
Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido ajuizado por ELIDA SARA PAIVA PAIS, qualificada na inicial, contra o INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, também identificado, forte no que dispõe o artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil.
CONDENO a autora ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios ao patrono do requerido, que fixo em R$900,00, atenta à natureza da causa e ao labor desenvolvido pelo profissional, cuja exigibilidade resta suspensa, a teor do preceituado no artigo 98, §3°, do CPC.
Inconformada, recorreu alegando, em apertada síntese, que o Juízo de origem considerou, para fins de cálculo da renda familiar total, o auxílio financeiro de pessoas não incluídas no conceito legal de grupo familiar, inexistindo, conforme esse, qualquer rendimento destinado à manutenção da recorrente. Ademais, sustentou que o grupo familiar considerado, por contar com mais 04 (quatro) idosos e um adolescente deficiente mental, possui alto custo de manutenção das suas necessidades, conforme reconhecido pelo parecer favorável do estudo social.
Ao final, asseverou que as condições habitacionais do grupo familiar, demonstram a situação de precariedade socioeconômica em que se encontra a requerente.
Sem as contrarrazões, vieram os autos ao Tribunal.
O Ministério Público Federal opinou pelo provimento da apelação.
É o relatório.
VOTO
Juízo de admissibilidade
O apelo preenche os requisitos legais de admissibilidade.
Benefício de prestação continuada ao idoso e ao deficiente (LOAS)
A Constituição Federal de 1988 dispôs em seu artigo 203:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente da contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
(...)
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
A regulamentação desse dispositivo constitucional veio com a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, denominada Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), que, em seu artigo 20, passou a especificar as condições para a concessão do benefício, no valor de um salário mínimo mensal, à pessoa com deficiência e ao idoso com 70 anos ou mais comprovadamente carentes.
Após as alterações promovidas pelas Leis nº 9.720, de 30 de novembro de 1998, e nº 10.741, de 1º de outubro de 2003 (Estatuto do Idoso), relativas à redução do critério etário para 67 e 65 anos,respectivamente, sobrevieram as Leis nº 12.435, de 06 de julho de 2011, e nº12.470, de 31 de agosto de 2011, as quais conferiram ao aludido artigo 20, da LOAS, a seguinte redação, ora em vigor:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
(...)
Portanto, o direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos:
1.a) idoso (assim considerado aquele com 65 anos ou mais, a partir de 1º de janeiro de 2004, datada entrada em vigor do Estatuto do Idoso) ou
1.b) condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, conforme redação original do artigo 20, da LOAS, e, após as alterações da Lei nº12.470, de 31-10-2011, tratar-se de pessoa com impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas);
2) Situação de risco social (ausência de meios para, dignamente, prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família).
Requisito etário
Tratando-se de benefício requerido na vigência do Estatuto do Idoso, é considerada idosa a pessoa com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. O requisito é objetivo, ou seja, comprovado o atributo etário, a análise do requisito incapacitante é desnecessária, bastando apenas verificar a situação de vulnerabilidade socioeconômica a que submetido o idoso.
Condição de deficiente
Mister salientar, por oportuno, que a incapacidade para a vida independente a que se refere a Lei8.742/93, na redação original, deve ser interpretada de forma a garantir o benefício assistencial a uma maior gama possível de pessoas com deficiência,consoante pacífica jurisprudência do STJ (v.g. STJ, 5ª Turma, RESP 360.202/AL,Rel. Min. Gilson Dipp, DJU de 01-07-2002) e desta Corte (v.g. ACn. 2002.71.04.000395-5/RS, 6ª Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, DJU de 19-04-2006). Desse modo, a incapacidade para a vida independente:
a) não exige que a pessoa possua uma vida vegetativa ou seja incapaz de se locomover;
b) não significa incapacidade para as atividades básicas do ser humano, tais como alimentar-se, fazer a higiene pessoal e vestir-se sozinho;
c) não impõe a incapacidade de se expressar ou se comunicar; e
d) não pressupõe dependência total de terceiros.
Situação de risco social
Tendo em vista a inconstitucionalidade dos artigos 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e do artigo 34, §único, da Lei 10.741/2003, reconhecida no julgamento dos REs 567985 e 580963 em 18.04.2013, a miserabilidade para fins de benefício assistencial deve ser verificada em cada caso concreto.
Nesse sentido, os cuidados necessários com a parte autora, em decorrência de sua deficiência, incapacidade ou avançada idade, que acarretarem gastos - notadamente com medicamentos, alimentação especial, fraldas descartáveis, tratamento médico, psicológico e fisioterápico, entre outros -, configuram despesas a ser consideradas na análise da condição de risco social da família do demandante (TRF4, APELREEX 5002022-24.2011.404.7012, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão Celso Kipper, juntado aos autos em 27/06/2013).
A jurisprudência desta Corte Regional, bem como do Superior Tribunal de Justiça, é pacífica no sentido de que qualquer benefício de valor mínimo recebido por idoso de 65 anos ou mais (salvo quando recebido por força de deficiência, quando então o requisito etário é afastado) deve ser excluído da apuração da renda familiar,bem como essa renda mínima não é o único critério a balizar a concessão do benefício, devendo ser examinado juntamente com outros meios de aferição do estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo do autor e de sua família (Pet n.º 7203/PE - 3ª Seção - Unânime - Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura - DJe 11-10-2011; TRF4 - AC n.º0019220-88.2012.404.9999 - 6ª T. - unânime - Rel. Des. Celso Kipper - D.E. 22-03-2013; REsp n.º 1112557/MG - 3ª Seção - unânime - Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho - DJe 20-11-2009).
Também, o fato da parte autora ser beneficiária e perceber renda proveniente do Programa Bolsa Família, não só não impede a percepção do benefício assistencial do art. 203, V, da Constituição Federal, como constitui forte indicativo de que a unidade familiar encontra-se em situação de risco social (TRF4, APELREEX 2009.71.99.006237-1, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão Celso Kipper, D.E. 07/10/2014).
Logo, em linhas gerais, para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, a situação de risco social a que se encontra exposta a pessoa idosa ou portadora de deficiência e sua família deve ser analisada em cada caso concreto (TRF4, EINF 0016689-58.2014.404.9999, Terceira Seção, Relator Ricardo Teixeira do Valle Pereira, D.E. 29/05/2015).
Fixados os parâmetros de valoração da prova, passo ao exame da situação específica dos autos.
No que se refere ao requisito etário, é incontroverso, eis que a autora, nascida em 06/08/1937, conta atualmente com 80 anos de idade, consoante faz prova da cópia da carteira de identidade (evento 3, ANEXOS PET4).
Portanto, a matéria controvertida resume-se à miserabilidade do grupo familiar do requerente.
A controvérsia foi devidamente analisada no parecer ministerial conforme fundamentos abaixo transcritos, os quais adoto como razões de decidir, que transcrevo in verbis (evento 10, PARECER1, p.1):
(...)
A apelante destaca que o motivo que levou à improcedência do pedido foi a renda do núcleo familiar ser superior a ¼ de salário mínimo por pessoa, a considerar o seguinte trecho da sentença (evento 3, SENT25):
(...)
Na espécie, o estudo social de fls. 78-81 relata que a demandante reside com suas irmãs, cunhados e sobrinhos, que somam dez pessoas na residência, sendo que a renda familiar seria de R$ 6.000,00.
O estudo ainda revela que a demandante possui sobrinhos com síndrome de Down e autismo. Ainda resta consignado que embora residam em casa alugada, possuem estrutura mobiliária suficiente para suprir as necessidades da família.
E a quantia per capita representava, na época do laudo, cerca de 70% do salário mínimo.
Ora, a renda equivalente a 70% do salário mínimo por pessoa, considerando os
valores vigentes à época do laudo, muito embora não expresse riqueza, não chega a alcançar a condição de miserabilidade. Ainda que os valores decorrentes do benefício buscado pudessem auxiliar na qualidade de vida da autora, não é este o objetivo da norma.
(...)
No entanto, observa-se que o magistrado de primeira instância considerou, para fins de cálculo da renda familiar de Elida, a renda de sua sobrinha Mirian, de sua irmã Nelida (viúva), de seu sobrinho Carlos e de sua irmã Carmen (viúva) (valores discriminados na tabela do evento 3 - LAUDPERI17).
E, conforme já foi apontado alhures, a Lei Orgânica de Assistência Social, no que tange à definição de composição familiar, leva em conta tão somente o cônjuge ou companheiro; os pais, madrasta ou o padrasto; os irmãos solteiros; os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, tendo por critério suplementar que estes residam sob o mesmo teto.
Excluem-se, portanto, no caso em tela, as irmãs viúvas, bem com os sobrinhos, de forma que não poderiam ser consideradas os rendimentos de Mirian, Nélida, Carlos e Carmen para avaliar a situação de Elida. Sendo assim, a renda familiar da apelante é igual a zero.
Não obstante, como também já se explicou, o critério de avaliação da miserabilidade deve se dar de maneira subjetiva, a partir da análise do caso concreto, e não exclusivamente por meio da renda familiar do requerente.
Pois bem.
Verificou-se pelo laudo social realizado judicialmente (evento 3, LAUDPERI17) que a autora reside com duas irmãs viúvas e com os grupos familiares destas (que incluem filhos, cônjuges dos filhos, netos e bisnetos), que totalizam 10 pessoas para além de Elida.
Ainda conforme o estudo social, este grupo de pessoas reside em casa alugada que possui 03 quartos, uma sala, uma cozinha, um banheiro e uma "parte inferior" onde residem Adriano, sobrinho-neto de Elida, e seus dois filhos. Além disso, a casa conta com uma peça localizada nos fundos da garagem, onde residem Mirta, sobrinha de Elida, seu marido e seu filho.
Depreende-se assim, que, ainda que casa possua peças apropriadas e mobílias
básicas, não dispõe de estrutura suficiente para abrigar, de maneira adequada seus numerosos habitantes, denotando a existência de uma situação de vulnerabilidade socioeconômica que os imponha tais condições de habitação.
De outra banda, a perita assistencial, ao analisar o grupo familiar, considerou que "pôde-se notar que das onze pessoas que residem na casa, cinco são idosas, um é adolescente diagnosticado com Síndrome de Down e Autismo, uma apresenta problemas visuais, outra é considerada etilista e uma criança".
Concluiu então pelo parecer favorável à pretensão da autora, afirmando que "(...) os custos com a manutenção das necessidades familiares são elevados, tornando-se ainda maior com o custeio das despesas geradas pela autora".
Diante de tal contexto, mostra-se perfeitamente cabível a concessão do benefício uma vez que plenamente demonstrada a situação de miserabilidade da requerente, dependente financeira total de parentes que dispõem, eles mesmos, de esparsos recursos financeiros.
(...)
Outrossim, agrego fundamentos no que se refere ao conceito de grupo familiar. A partir da entrada em vigor da Lei n.º 12.435, de 06-07-2011, que alterou a redação do art. 20, § 1º, da Lei n.º 8.742/93, o conceito de família, para efeito de concessão do benefício assistencial, passou a ser o conjunto de pessoas, que vivam sob o mesmo teto, ali elencadas:
Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Nesse sentido, precedentes do Superior Tribunal de Justiça e do TRF4:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. ARTS. 2º, I E V, E PARÁGRAFO ÚNICO, E 16 DA LEI N. 8.213/1991. SÚMULA 282/STF. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO. ART. 20 DA LEI N. 8.213/1991. CONCEITO DE RENDA FAMILIAR. PESSOAS QUE VIVAM SOB O MESMO TETO DO VULNERÁVEL SOCIAL E QUE SEJAM LEGALMENTE RESPONSÁVEIS PELA SUA MANUTENÇÃO. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, PROVIDO PARA RESTABELECER A SENTENÇA. 1. Os recursos interpostos com fulcro no CPC/1973 sujeitam-se aos requisitos de admissibilidade nele previstos, conforme diretriz contida no Enunciado Administrativo n. 2 do Plenário do STJ. 2. O conceito de renda mensal da família contido na Lei n. 8.472/1991 deve ser aferido levando-se em consideração a renda das pessoas do grupo familiar indicado no § 1º do artigo 20 que compartilhem a moradia com aquele que esteja sob vulnerabilidade social (idoso, com 65 anos ou mais, ou pessoa com deficiência). 3. São excluídas desse conceito as rendas das pessoas que não habitem sob o mesmo teto daquele que requer o benefício social de prestação continuada e das pessoas que com ele coabitem, mas que não sejam responsáveis por sua manutenção socioeconômica. 4. No caso, o fato de a autora, ora recorrente, passar o dia em companhia de outra família não amplia o seu núcleo familiar para fins de aferição do seu estado de incapacidade socioeconômica. 5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido.
(REsp Nº 1.538.828 - SP , Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 21/09/2017).
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. CONCESSÃO A MENOR DE IDADE. DEFICIÊNCIA E ESTADO DE MISERABILIDADE COMPROVADOS. SENTENÇA REFORMADA. TUTELA ESPECÍFICA. 1. Para fins de composição da renda mensal familiar, não podem ser consideradas as renda percebidas pela avó do autor e por seu companheiro, uma vez que estes não se enquadram no conceito de família definido pela Lei 8.742/93, com as alterações introduzidas pela Lei nº 9.720-98 e pela Lei nº 12.435, de 06-07-11. 2. Inexiste impedimento à concessão do benefício assistencial de prestação continuada a menor de idade. Ao contrário, a assistência social a crianças e adolescentes é prioritária em nosso País, à luz do art. 203, incisos I e II, da Constituição Federal. Se o menor é deficiente, a proteção social é reforçada, conforme os incisos IV e V do mesmo artigo. Em matéria de assistência social, à vista do princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento do Estado Democrático de Direito (CF, art. 1º, III), não é possível interpretação restritiva contrária aos que a Constituição e a lei manifestamente buscaram proteger. (TRF4, AC nº 0006201-83.2010.404.9999, Relator Des. Federal Celso Kipper, 6ª Turma, DE 01-02-11). 3. Comprovado o estado de miserabilidade e ser a criança portadora de deficiência, é de ser reformada a sentença para conceder o benefício assistencial à parte autora, desde a data do requerimento administrativo. 4. Determina-se o cumprimento imediato do acórdão naquilo que se refere à obrigação de implementar o benefício, por se tratar de decisão de eficácia mandamental que deverá ser efetivada mediante as atividades de cumprimento da sentença stricto sensu previstas no art. 461 do CPC, sem a necessidade de um processo executivo autônomo (sine intervallo). (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 0017197-72.2012.404.9999, 6ª TURMA, Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, POR UNANIMIDADE, D.E. 31/01/2013, PUBLICAÇÃO EM 01/02/2013)
Destarte, frente a esse contexto, para cálculo da renda per capita familiar, há que se excluir as irmãs, idosas, viúvas, bem com os sobrinhos, idosos, de forma que não poderiam ser consideradas os rendimentos de Mirian, Nélida, Carlos e Carmen. Sendo assim, a renda familiar da requerente é inexistente, para fazer frente aos gastos com alimentação, luz, água, gás, medicamentos de um grupo de 5 pessoas idosas. Observo que não foi considerada a irmã da autora que mora no mesmo terreno, cujo marido é etilista e o filho é um adolescente com síndrome de Down e autismo.
Assim, considerando as condições de extrema precariedade relatadas pela assistente social, tenho que restou demonstrada a insuficiência de meios para o beneficiário, dignamente, prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, configurada a situação de risco social necessária à concessão do benefício.
Dessa forma, comprovados ambos os requisitos, a decisão recorrida merece ser reformada para conceder à autora o benefício requerido.
Termo inicial
Presentes a condição de idoso e a situação de risco social no caso em concreto têm direito a parte autora à concessão do benefício assistencial de prestação continuada desde a DER em 29/03/2012 (evento 3, ANEXOS PET4), cumprindo ao INSS pagar as parcelas vencidas. Observo que não há que se discutir prescrição de parcelas, considerando que a ação foi distribuída em 04/02/2013 (evento 3, CAPA1).
Como a parte autora logrou êxito na integralidade do pedido, invertem-se os ônus da sucumbência, nos termos do art. 86, parágrafo único, do novo Código de Processo Civil (CPC), para condenar a requerida ao pagamento de custas e honorários advocatícios, como segue.
Correção monetária
A correção monetária, segundo o entendimento consolidado da 3ª Seção deste Tribunal, incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelos seguintes índices oficiais:
- IGP-DI de 05/96 a 03/2006, de acordo com o art. 10 da Lei n. 9.711/98, combinado com o art. 20, §§ 5º e 6º, da Lei n. 8.880/94;
- INPC a partir de 04/2006, de acordo com a Lei n. 11.430/06, precedida da MP nº 316, de 11/08/2006, que acrescentou o art. 41-A à Lei n. 8.213/91, sendo que o art. 31 da Lei nº 10.741/03, determina a aplicabilidade do índice de reajustamento dos benefícios do RGPS às parcelas pagas em atraso.
A incidência da TR como índice de correção monetária dos débitos judiciais da Fazenda Pública foi afastada pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 870947, com repercussão geral, tendo-se determinado, no recurso paradigma a utilização do IPCA-E, como já havia sido determinado para o período subsequente à inscrição em precatório, por meio das ADIs 4.357 e 4.425.
Interpretando a decisão do STF, e tendo presente que o recurso paradigma que originou o precedente tratava de condenação da Fazenda Pública ao pagamento de débito de natureza não previdenciária (benefício assistencial), o Superior Tribunal de Justiça, em precedente também vinculante (REsp 149146), distinguiu, para fins de determinação do índice de atualização aplicável, os créditos de natureza previdenciária, para estabelecer que, tendo sido reconhecida a inconstitucionalidade da TR como fator de atualização, deveria voltar a incidir, em relação a tal natureza de obrigação, o índice que reajustava os créditos previdenciários anteriormente à Lei 11.960/09, ou seja, o INPC.
Importante ter presente, para a adequada compreensão do eventual impacto sobre os créditos dos segurados, que os índices em referência - INPC e IPCA-E tiveram variação praticamente idêntica no período transcorrido desde julho de 2009 até setembro de 2017, quando julgado o RE 870947, pelo STF (IPCA-E: 64,23%; INPC 63,63%), de forma que a adoção de um ou outro índice nas decisões judiciais já proferidas não produzirá diferenças significativas sobre o valor da condenação.
A conjugação dos precedentes acima resulta na aplicação do INPC aos benefícios previdenciários, a partir de abril de 2006, reservando-se a aplicação do IPCA-E aos benefícios de natureza assistencial.
Juros de mora
Os juros de mora devem incidir a partir da citação.
Até 29-06-2009, os juros de mora devem incidir à taxa de 1% ao mês, com base no art. 3º do Decreto-Lei n. 2.322/87, aplicável analogicamente aos benefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter eminentemente alimentar, consoante firme entendimento consagrado na jurisprudência do STJ e na Súmula 75 desta Corte.
A partir de então, deve haver incidência dos juros, uma única vez, até o efetivo pagamento do débito, segundo o índice oficial de remuneração básica aplicado à caderneta de poupança, nos termos estabelecidos no art. 1º-F, da Lei 9.494/97, na redação da Lei 11.960/2009, considerado hígido pelo STF no RE 870947, com repercussão geral reconhecida. Os juros devem ser calculados sem capitalização, tendo em vista que o dispositivo determina que os índices devem ser aplicados "uma única vez" e porque a capitalização, no direito brasileiro, pressupõe expressa autorização legal (STJ, 5ª Turma, AgRgnoAgRg no Ag 1211604/SP, Rel. Min. Laurita Vaz).
Honorários advocatícios
Incide, no caso, a sistemática de fixação de honorários advocatícios prevista no art. 85 do NCPC, porquanto a sentença foi proferida após 18/03/2016 (data da vigência do NCPC definida pelo Pleno do STJ em 02/04/2016).
Invertidos os ônus sucumbenciais, estabeleço a verba honorária em 10% (dez por cento) sobre as parcelas vencidas até a data do presente julgado, considerando as variáveis dos incisos I a IV do § 2º do artigo 85 do NCPC, devendo restituir os honorários periciais.
Custas e despesas processuais
O INSS é isento do pagamento das custas processuais quando demandado na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais, como as relacionadas a correio, publicação de editais e condução de oficiais de justiça (artigo 11 da Lei Estadual nº 8.121/85, com a redação da Lei Estadual nº 13.471/2010, já considerada a inconstitucionalidade formal reconhecida na ADI nº 70038755864 julgada pelo Órgão Especial do TJ/RS).
Cumprimento imediato do julgado (tutela específica)
Considerando a eficácia mandamental dos provimentos fundados no art. 497 do novo CPC, que repete dispositivo constante do art. 461 do antigo CPC, e tendo em vista que a presente decisão não está sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo (TRF4, 3ª Seção, Questão de Ordem na AC n. 2002.71.00.050349-7/RS, Rel. para o acórdão Des. Federal Celso Kipper, julgado em 09/08/2007), determino o cumprimento imediato do acórdão, a ser efetivado em 45 dias, mormente pelo seu caráter alimentar e necessidade de efetivação imediata dos direitos sociais fundamentais.
Prequestionamento
O prequestionamento da matéria segue a sistemática prevista no art. 1.025 do CPC/2015.
Conclusão
Dado provimento à apelação, adequando consectários à orientação do STF no RE 870947, e determinando o cumprimento imediato do acórdão no que se refere à implantação do benefício.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação, e determinando o cumprimento imediato do acórdão no que se refere à implantação do benefício.
Juiz Federal Artur César de Souza
Relator
| Documento eletrônico assinado por Juiz Federal Artur César de Souza, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9414898v5 e, se solicitado, do código CRC B911D3D4. | |
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 18/07/2018
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5068820-17.2017.4.04.9999/RS
ORIGEM: RS 00003260320138210144
RELATOR | : | Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA |
PRESIDENTE | : | Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
PROCURADOR | : | Dr. Cícero Augusto Pujol Corrêa |
APELANTE | : | ELIDA SARA PAIVA PAIS |
ADVOGADO | : | FABIANO CESAR SIQUEIRA |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 18/07/2018, na seqüência 39, disponibilizada no DE de 02/07/2018, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO, E DETERMINANDO O CUMPRIMENTO IMEDIATO DO ACÓRDÃO NO QUE SE REFERE À IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA |
VOTANTE(S) | : | Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA |
: | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA | |
: | Juíza Federal TAÍS SCHILLING FERRAZ |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
| Documento eletrônico assinado por Lídice Peña Thomaz, Secretária de Turma, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9442834v1 e, se solicitado, do código CRC 6D160FAD. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Lídice Peña Thomaz |
| Data e Hora: | 18/07/2018 12:48 |
