APELAÇÃO CÍVEL Nº 5002123-29.2014.4.04.7118/RS
RELATOR | : | TAIS SCHILLING FERRAZ |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | JOAO DIRCEU CARVALHO (Absolutamente Incapaz (Art. 3º, II e III CC)) |
: | SIMONE CARVALHO (Curador) | |
ADVOGADO | : | ELISANGELA DOS SANTOS |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. INCAPACIDADE. CRITÉRIO ECONÔMICO. TERMO INICIAL.
O benefício assistencial é devido à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
Em relação ao pressuposto econômico, o art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/1993 - LOAS estabelecia que seria considerada hipossuficiente a pessoa com deficiência ou idoso cuja família possuísse renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo.
Entretanto, o Supremo Tribunal Federal, ao analisar os recursos extraordinários 567.985 e 580.963, ambos submetidos à repercussão geral, reconheceu a inconstitucionalidade do § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/1993, assim como do art. 34 da Lei 10.741/2003 - Estatuto do Idoso, permitindo que o requisito econômico, para fins de concessão do benefício assistencial, seja aferido caso a caso.
Comprovado o preenchimento dos requisitos legais, é devida a concessão do benefício assistencial.
Fixada a data do início da incapacidade entre o requerimento administrativo e a data do ajuizamento, deve a última estabelecida como o termo inicial do benefício.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação e determinar a implantação do benefício, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 30 de agosto de 2017.
Juíza Federal Taís Schilling Ferraz
Relatora
| Documento eletrônico assinado por Juíza Federal Taís Schilling Ferraz, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9088105v7 e, se solicitado, do código CRC ABD211DD. | |
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 5002123-29.2014.4.04.7118/RS
RELATOR | : | TAIS SCHILLING FERRAZ |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | JOAO DIRCEU CARVALHO (Absolutamente Incapaz (Art. 3º, II e III CC)) |
: | SIMONE CARVALHO (Curador) | |
ADVOGADO | : | ELISANGELA DOS SANTOS |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
RELATÓRIO
Trata-se de ação previdenciária interposta por JOÃO DIRCEU CARVALHO, em 20-02-2014, contra o INSS - Instituto Nacional do Seguro Social, objetivando a concessão de benefício assistencial ao portador de deficiência.
Perícia médica realizou-se em 10-06-2015 (Evento 41) e foi complementada em 21-01-2016 (Evento 100).
Estudo socioeconômico foi levado a efeito em 26-08-2015 (Evento 68).
O julgador monocrático, em sentença (Evento 136) publicada em 05-10-2016, deferiu a tutela de urgência no sentido de determinar que o Instituto Nacional do Seguro Social conceda, imediatamente, a contar da intimação, o benefício assistencial em favor da parte autora, devendo comprovar o cumprimento da medida, nos autos, no prazo de 20 (vinte) dias e julgou procedente o pedido para: determinar ao INSS que implante, em favor da parte autora, o benefício assistencial de prestação continuada de nº 87/506.925.829-6, com DIB em 01/04/2010, no valor de um salário mínimo; e condenar o INSS a pagar as parcelas vencidas e não pagas, decorrentes da concessão do benefício, desde 01/04/2010, devidamente acrescidas de correção monetária e juros de mora, nos termos da fundamentação. Condenou o INSS ao pagamento de honorários advocatícios a serem fixados em percentual que será definido quando liquidado o julgado, bem como a ressarcir à Justiça Federal os honorários periciais adiantados no presente feito.
O INSS, em sua apelação (Evento 145), alega que o autor, na inicial, requereu a implantação do benefício assistencial NB 521.102.675-2, desde 04-07-2007, enquanto o julgador a quo condenou o INSS a pagar o benefício desde a data da incapacidade comprovada pelo laudo judicial, em 01-04-2010. Todavia, o benefício foi indeferido ao autor no ano de 2007 pela razão de que o mesmo não compareceu à prova pericial para comprovar sua incapacidade, o que se traduz em inércia do autor em comparecer ao exame pericial. Informa que somente verificou as condições para o benefício assistencial quando do requerimento protocolado em 05-11-2014, tendo sido indeferido pela ausência de comprovação da incapacidade de longo prazo. Por essas razões, a sentença estaria equivocada, não podendo o benefício ser concedido anteriormente ao segundo requerimento, na medida em que não houve pretensão resistida. Dessa forma, acaso esta Corte entenda comprovados os requisitos para a concessão do benefício assistencial, este somente pode ser concedido a partir do requerimento de 05-11-2014, do que resulta que a incapacidade do autor não se caracteriza como de longo prazo (período superior a 2 anos). Por fim, afirma que não houve comprovação da situação de miserabilidade, levando em consideração o valor do salário da irmã do autor.
Sem contrarrazões.
Após parecer do Ministério Público Federal pelo provimento do apelo (Evento 5 desta instância), subiram os autos a essa Corte para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Inicialmente, anoto que se encontram preenchidos os requisitos de admissibilidade recursal.
PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO
Em matéria previdenciária, a prescrição atinge as parcelas anteriores ao quinquênio que precedeu ao ajuizamento da ação, conforme o parágrafo único do artigo 103 da Lei n°8.213/1991. Vale frisar ainda que, consoante entendimento jurisprudencial pacificado, nas relações de trato sucessivo em que figurar como devedora a Fazenda Pública, como na espécie, "quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do quinquênio anterior à propositura da ação" (Súmula n.º 85 do STJ).
Por sua vez, o Código Civil de 2002, em seus artigos 3º, II, e 198, I, impunha o impedimento da fruição do prazo prescricional contra os absolutamente incapazes. Consequentemente, por essa legislação, estaria reconhecida a condição de absolutamente incapaz da parte autora (enquadrada no grupo de pessoas que, por enfermidade, ou deficiência mental, não tiveram o necessário discernimento para dos atos da vida civil), que possuiria direito a receber todas as parcelas vencidas, desde a data do requerimento administrativo.
Com a superveniência da Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), que entrou em vigor em 07-07-2015, quando publicada no DOU, conforme seu art. 127, é que o artigo 3º, inciso II, do Código Civil, que não ampararia a parte autora diante da prescrição quinquenal, passou a valer.
Sinale-se que o laudo pericial é claro ao afirmar que a autora apresenta problemas decorrentes do parto, e desde de tenra idade sofre de distúrbios mentais, não podendo ser prejudicada pela inércia de seus representantes de legais, em ajuizar a ação de interdição.
Partindo do fato inconteste de que a autora é incapaz desde criança, importante estabelecer que o efeitos da sentença de interdição é apenas declaratório, não constitutivo de sua condição de incapacidade. Assim, se é a sua incapacidade que determina que o prazo prescricional não corra contra ela, isso se dá independentemente da interdição.
Todavia, mesmo que se encontrasse em vigor a redação do art. 3º do Código Civil alterada pela Lei 13.146/2015 ("Estatuto da Pessoa com Deficiência"), definindo como absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil apenas os menores de 16 anos - situação essa na qual não se encontra a demandante -, e o inciso I do art. 198 do Código Civil disponha que a prescrição não corre contra os incapazes de que trata o art. 3º, é de questionar-se a proteção a ser dada aos indivíduos que por enfermidade ou deficiência mental não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos.
A vulnerabilidade do indivíduo - inquestionável no caso, pois restou devidamente comprovado nos autos que a autora não possui discernimento para os atos da vida civil -, não pode jamais ser desconsiderada pelo ordenamento jurídico, ou seja, o Direito não pode fechar os olhos à falta de determinação de alguns indivíduos e tratá-los como se tivessem plena capacidade de interagir em sociedade em condições de igualdade.
Veja-se que, no próprio parecer do projeto de lei que deu origem ao Estatuto da Pessoa com Deficiência apresentado no Senado Federal, foi referido que:
"Para facilitar a compreensão, optamos por fazer uma análise conjunta dos dispositivos constantes dos arts. 6º e 84, além de algumas das alterações contidas no art. 114, uma vez que dispõem sobre a capacidade civil das pessoas com deficiência. Seu cerne é o reconhecimento de que condição de pessoa com deficiência, isoladamente, não é elemento relevante para limitar a capacidade civil. Assim, a deficiência não é, a priori, causadora de limitações à capacidade civil. Os elementos que importam, realmente, para eventual limitação dessa capacidade, são o discernimento para tomar decisões e a aptidão para manifestar vontade. Uma pessoa pode ter deficiência e pleno discernimento, ou pode não ter deficiência alguma e não conseguir manifestar sua vontade." (grifei)
A Lei 13.146/2015, embora editada com o propósito de promover uma ampla inclusão das pessoas portadoras de deficiência, ao contrário, justamente aniquila a proteção dos incapazes, rompendo com a própria lógica dos direitos humanos.
Com efeito, a teoria das incapacidades existe para proteger o incapaz, ou seja, protege-se o indivíduo que não tem idade suficiente ou que padece de algum mal que lhe impede de discernir bem sua conduta, ressaltando-se que a proteção não se dá apenas em relação aos outros indivíduos e contra as situações da vida, mas, também (e talvez, sobretudo), em relação ao próprio incapaz, o qual pode representar um risco a si mesmo em algumas situações. Ao suprimir a incapacidade absoluta do portador de deficiência psíquica ou intelectual, o Estatuto contempla, da pior e mais prejudicial forma possível, o pressuposto de igualdade nele previsto, dando o mesmo tratamento para os desiguais.
Portanto, embora as disposições legais, tenho que deve ser aplicada interpretação sistemática, mantendo a proteção que havia na legislação anterior.
Do benefício assistencial devido à pessoa com deficiência:
Os critérios de concessão do benefício assistencial estão previstos na Lei nº 8.742/1993, que assim dispõe:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
§ 1o Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
§ 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
§ 3o Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.
§ 4o O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória.
§ 5o A condição de acolhimento em instituições de longa permanência não prejudica o direito do idoso ou da pessoa com deficiência ao benefício de prestação continuada.
§ 6º A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento de que trata o § 2o, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social - INSS.
§ 7o Na hipótese de não existirem serviços no município de residência do beneficiário, fica assegurado, na forma prevista em regulamento, o seu encaminhamento ao município mais próximo que contar com tal estrutura.
§ 8o A renda familiar mensal a que se refere o § 3o deverá ser declarada pelo requerente ou seu representante legal, sujeitando-se aos demais procedimentos previstos no regulamento para o deferimento do pedido.
§ 9º A remuneração da pessoa com deficiência na condição de aprendiz não será considerada para fins do cálculo a que se refere o § 3o deste artigo.
§ 10. Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2o deste artigo, aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.
Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa com deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho, ou seja, aquela portadora de incapacidade que impede o exercício de atividade remunerada, o que deve ser analisado à luz do caso concreto.
Em relação à criança com deficiência, deve ser analisado o impacto da incapacidade na limitação do desempenho de atividades e na restrição da participação social, compatível com a sua idade.
Assim, em conclusão, o benefício assistencial é devido à pessoa com deficiência integrante de grupo familiar em situação de miserabilidade.
Da condição socioeconômica:
Em relação ao critério econômico, o art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/1993, estabelecia que se considerava hipossuficiente a pessoa com deficiência ou idoso cuja família possuísse renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo.
Contudo, o Superior Tribunal de Justiça, por sua Terceira Seção, ao apreciar recurso especial representativo de controvérsia, relativizou o critério estabelecido pelo referido dispositivo legal. Entendeu que, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, "a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo" (REsp n. 1.112.557/MG, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Terceira Seção, j. 28/10/2009, DJ 20/11/2009).
Além disso, o STJ, órgão ao qual compete a uniformização da interpretação da lei federal, acrescentou, no julgado citado, que "em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado".
Como se percebe, o entendimento da Corte Superior consolidou-se no sentido de que é possível a aferição da miserabilidade do deficiente ou do idoso por outros meios, ainda que não observado estritamente o critério da renda familiar per capita previsto no § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/1993.
O Supremo Tribunal Federal, ao analisar os recursos extraordinários 567.985 e 580.963, ambos submetidos à repercussão geral, reconheceu a inconstitucionalidade do § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/1993 - LOAS, assim como do parágrafo único do art. 34 da Lei 10.741/2003 - Estatuto do Idoso.
No primeiro caso, o STF identificou a ocorrência de um processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro), assentando, assim, que o critério econômico presente na LOAS não pode ser tomado como absoluto.
Quanto ao parágrafo único do art. 34, que estabelece que o benefício assistencial já concedido a qualquer idoso membro da família "não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS", entendeu a Suprema Corte que violou o princípio da isonomia. Isso porque abriu exceção para o recebimento de dois benefícios assistenciais por idosos, mas não permitiu a percepção conjunta de benefício de idoso com o de deficiente ou de qualquer outro previdenciário.
Assim, incorreu o legislador em equívoco, pois, tratando-se de situações idênticas, deveria ser possível a exclusão do cômputo do benefício, independentemente de sua origem..
Este Tribunal, a propósito, já vinha decidindo no sentido da desconsideração da interpretação restritiva do artigo 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, como se percebe dos seguintes precedentes: Apelação Cível 5001120-20.2010.404.7202, 6ª. Turma, Relator Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle; Apelação Cível 5000629-13.2010.404.7202, 5ª. Turma, Relator Ricardo Teixeira do Valle Pereira; AC 0012386-06.2011.404.9999, 5ª Turma, Relator Rogério Favreto.
Reconhecida a inconstitucionalidade do critério objetivo para aferição do requisito econômico do benefício assistencial, em regime de repercussão geral, cabe ao julgador, na análise do caso concreto, identificar o estado de miserabilidade da parte autora e de sua família. De registrar que esta Corte, ainda que por outros fundamentos, vinha adotando uma maior flexibilização nos casos em que a renda per capita superava o limite estabelecido no art. 20, § 3º, da LOAS, agora dispensável enquanto parâmetro objetivo de aferição da renda familiar.
Em conclusão, o benefício assistencial destina-se àquelas pessoas que se encontram em situação de elevada pobreza por não possuírem meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, ainda que a renda familiar per capita venha a ser considerada como meio de prova desta situação.
Do caso concreto:
A parte autora nasceu em 29-01-1964, contando, atualmente, com 53 anos de idade.
A incapacidade de prover a própria subsistência ou tê-la suprida de outra forma ficou comprovada com a prova pericial.
Informou o médico perito, Dr. Juliano Nogara, especialista em psiquiatria, conforme exame realizado em 10-06-2015, que a parte autora possui Esquizofrenia paranóide (F200). Nos dizeres do perito:
"O autor apresenta transtorno psicótico, atualmente,que é sua patologia principal e ocasiona incapacidade laboral definitiva. Do ponto de vista psiquiátrico, não tem previsão de retorno as atividades laborais. Não há nexo causal dos sintomas com o trabalho realizado. Não sofreu nenhum acidente que corroborasse para a patologia atual. Não tem condições de exercer as atividades da vida civil. As medicações por si mesmas, não produzem incapacidade laboral. Apresenta incapacidade laboral pretérita desde abril de 2010, de forma contínua, até os dias atuais."
Tal moléstia ocasiona, portanto, incapacidade total e definitiva para o trabalho, sendo a readaptação dificultada pela idade e grau de instrução.
O perito consignou que o autor estudou até o 3º ano do 2º grau. Em relação ao seu histórico laboral, seu último trabalho foi de auxiliar de serviços gerais.
Relatou o expert que em 2005, iniciou o demandante com os seguintes sinais e sintomas: ouvia vozes de pessoas que não conhecia, enxergava vultos que lhe perseguiam e tinha a nítida impressão que essas pessoas imaginárias queriam lhe fazer mal. Tem histórico de várias internações em hospital psiquiátrico, e avaliação no Instituto Psiquiátrico Forense, por roubo. Houve períodos de intensificação do quadro e melhora, contudo a partir de abril de 2010, tendo-se intensificado esses sintomas, já descritos, e passado a sentir muito medo de sair de casa ou ficar sozinho. Por vezes, apresentou melhora do quadro psicótico, contudo não permanece sem ter algumas alucinações. Não apresenta histórico de uso nocivo de substâncias de abuso.
Instado a informar a data de início da incapacidade, o examinador indicou que houve incapacidade em 2007, que perdurou aproximadamento 6 (seis) meses, e a incapacidade reiniciou em abril de 2010, mantendo-se contínua até o momento do exame médico pericial (Evento 100, perícia complementar).
O perito ainda registrou que o autor é incapaz para os atos de vida diária, como se vestir, higienizar-se, alimentar-se e locomover-se, necessitando de auxílio para tomar seus remédios, não tendo o necessário discernimento para transações financeiras. Noticia que o requerente necessita de acompanhamento psiquiátrico.
No que refere à alegação do réu de que a incapacidade não seria de longo prazo, por não se estender por período superior a 2 anos, a indicação de que a incapacidade vem desde abril de 2010, mostrando-se presente no momento da perícia (10-06-2015), além do prognóstico de definitividade, contrariam a assertiva.
Quanto à condição socioeconômica do grupo familiar da parte autora, o estudo social (Evento 68), realizado em 26-08-2015, informa que o requerente mora com a irmã, Simone, 37 anos, desempregada, e seu sobrinho, Jéferson, 07 anos, estudante. Nenhum dos integrantes do núcleo familiar desenvolvia atividade remunerada. Os meios de subsistência adivinham de uma poupança da irmã de quando estava trabalhando.
O imóvel onde residem é próprio, deixado pelos pais falecidos. A construção é de alvenaria na parte externa, com divisórias de madeira pela parte interna. A moradia foi reformada logo após o falecimento do pai, que deixou uma pensão para mãe do autor. A residência possui 08 cômodos, divididos em 05 quartos, sala, cozinha e banheiro. Não é nova e nem antiga, estando em bom estado de conservação.
Explicita o assistente social que, após o óbito da mãe, o demandante ficou vivendo sem nenhum tipo de recurso financeiro, pois seus irmãos possuem suas respectivas famílias e seus compromissos, assim não podendo auxiliá-lo nas despesas que demanda, como alimentação, vestuário, etc. A irmã, Simone, que é quem lhe auxilia nos cuidados do tratamento medicamentoso, se encontra desempregada e separada do esposo, tendo que criar o filho sozinha, o qual necessita de muitos cuidados e gastos, assim não sendo possível dar conta dos cuidados com o irmão, o filho, e despesas da casa, que giram em torno de R$ 612,00.
O perito concluiu necessitar o autor do recebimento do benefício assistencial aqui postulado o mais breve possível, para possibilitar uma melhora social e viver com dignidade, com os mínimos recursos sociais dos quais o requerente precisa.
No Evento 79 foram juntadas informações constantes no CNIS, referentes ao autor e sua irmã, Simone.
Observo ser possível verificar que, no ano de 2010, a remuneração auferida variou de R$ 254,92 a R$ 721,31 (salário mínimo igual a R$ 510,00, de onde resulta uma renda per capita de 1/3 do SM aproximadamente); em 2011, de R$ 95,34 a R$ 1.050,95 (salário mínimo igual a R$ 545,00, de onde resulta uma renda per capita de 60% do SM aproximadamente); em 2012, de R$ 319,51 a R$ 1.258,97 (salário mínimo igual a R$ 622,00, de onde resulta uma renda per capita de 60% do SM aproximadamente); em 2014, de R$ 319,68 a R$ 1.172,15 (salário mínimo igual a R$ 724,00, de onde resulta uma renda per capita de 1/3 do SM aproximadamente) e, em 2015, de R$ 984,32 a R$ 1.102,16 (salário mínimo igual a R$ 788,00, donde resulta uma renda per capita de 1/3 aproximadamente). Como se vê, na média ter-se-ia o valor de 1/3 do salário mínimo como a renda per capita. Considerando que de tal renda devem ser abatidos gastos ordinários como alimentação, luz, vestuário, medicamentos, etc., não há empecilho ao benefício assistencial nesses períodos.
Anoto ainda que quando fixado o início da incapacidade e no requerimento administrativo havido em 05-11-2014, a irmã esteva desempregada.
Quanto ao demandante, houve o recolhimento de contribuições previdenciárias, as quais entendo que também não descaracterizam a situação de risco social do núcleo familiar, porquanto o fato não demonstra que o mesmo efetivamente estivesse laborando e percebendo renda, sobretudo em razão da existência de incapacidade total e permanente.
Importante registrar que na data indicada como de início da incapacidade (abril/2010) o autor não detinha a qualidade de segurado, daí resultando que somente poderia ser deferido benefício assistencial.
Reconhecido, pois, o direito ao benefício, frente às circunstâncias que cercam a realidade econômica do grupo social.
Termo inicial
O perito médico informou que a incapacidade constatada teve início em 04/2010, e aí houve a fixação da DIB pelo julgador monocrático.
É certo que somente a partir dessa data seria possível fixar o termo inicial, não havendo como retroceder ao primeiro requerimento administrativo, ocorrido em 04-07-2007, até porque, além de não haver pedido do autor nesse sentido, na ocasião o indeferimento teve motivação no não comparecimento do demandante à perícia.
Assim, tendo sido fixada a DII (data de início da incapacidade) entre a data do primeiro requerimento administrativo e o ajuizamento da presente ação (20-02-2014), período em que o INSS não teve notícia das condições de capacidade do autor, até porque o mesmo não compareceu como já dito à perícia médica marcada, impõe-se estabelecer a DIB na data em que ajuizado o feito, ou seja, em 20-02-2014, momento em que caracterizada a pretensão resistida.
Dessa forma, comprovada a presença de ambos os requisitos, deve ser reformada a sentença a fim de conceder o benefício desde a data do ajuizamento da ação, e não da data de início da incapacidade como fixado em sentença, nem da data do segundo requerimento administrativo (05-11-2014), como postulado pelo INSS.
Tutela específica - implantação do benefício
Considerando que foi deferida tutela de urgência no juízo a quo, no sentido de determinar que o Instituto Nacional do Seguro Social concedesse, imediatamente, a contar da intimação, o benefício assistencial em favor da parte autora, devendo comprovar o cumprimento da medida, nos autos, no prazo de 20 (vinte) dias, e que, em consulta ao Sistema Plenus da autarquia previdenciária, verificou-se não ter sido implantado o benefício ao autor até o presente momento, determino o cumprimento do acórdão no tocante à implantação do benefício da parte autora, a ser efetivada em 10 dias, especialmente diante do seu caráter alimentar e da necessidade de efetivação imediata dos direitos sociais fundamentais, sob pena de multa diária de R$ 100,00 (cem reais).
Conclusão:
À vista do parcial provimento do recurso do INSS, alterada a sentença no sentido de alterar o termo inicial do benefício para a data do ajuizamento da presente ação.
Prequestionamento
Restam prequestionados, para fins de acesso às instâncias recursais superiores, os dispositivos legais e constitucionais elencados pelas partes, cuja incidência restou superada pelas próprias razões de decidir.
Dispositivo:
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação e determinar a implantação do benefício.
Juíza Federal Taís Schilling Ferraz
Relatora
| Documento eletrônico assinado por Juíza Federal Taís Schilling Ferraz, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9088104v5 e, se solicitado, do código CRC F73B9C03. | |
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 30/08/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5002123-29.2014.4.04.7118/RS
ORIGEM: RS 50021232920144047118
RELATOR | : | Juíza Federal TAÍS SCHILLING FERRAZ |
PRESIDENTE | : | Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
PROCURADOR | : | Dr. Cláudio Dutra Fontella |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | JOAO DIRCEU CARVALHO (Absolutamente Incapaz (Art. 3º, II e III CC)) |
: | SIMONE CARVALHO (Curador) | |
ADVOGADO | : | ELISANGELA DOS SANTOS |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 30/08/2017, na seqüência 624, disponibilizada no DE de 14/08/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO E DETERMINAR A IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Juíza Federal TAÍS SCHILLING FERRAZ |
VOTANTE(S) | : | Juíza Federal TAÍS SCHILLING FERRAZ |
: | Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA | |
: | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
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| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Lídice Peña Thomaz |
| Data e Hora: | 30/08/2017 19:14 |
