Apelação Cível Nº 5014749-60.2020.4.04.9999/RS
PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5000195-03.2019.8.21.0056/RS
RELATOR: Juiz Federal EDUARDO TONETTO PICARELLI
APELANTE: ELIDA DALLA NORA
ADVOGADO: EDUARDO BAPTISTELA (OAB RS047433)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação em face de despacho/decisão (
) publicada em 28/07/2021 na qual o juízo a quo determinou o indeferimento da petição inicial, e por conseguinte extinguiu o processo sem julgamento do mérito, nos seguintes termos:Considerando que reiteradamente intimada para emendar a inicial, a fim de acostar lado médico sobre a capacidade da autora para os atos da vida civil, não o fez, já que o documento acostado não refere a (in)capacidade, indefiro a inicial, com base nos artigos 321, parágrafo único, e 330, IV, ambos do Código de Processo Civil.
Baixe-se.
Apelou a parte autora (
), requerendo a reforma da decisão com o devido recebimento da inicial e total procedência do pedido, diante da juntada de laudo e atestado médico comprovatório da deficiência alegada.A Autarquia Previdenciária não se manifestou quanto à decisão.
Processado o feito, vieram os autos a esta Corte para julgamento.
O Ministério Público Federal - MPF com assento nesta Corte opinou pela manutenção do despacho/decisão que indeferiu a petição inicial (
).É o relatório.
VOTO
Da decisão atacada e do recebimento do recurso
Nos termos do artigo 283, §1º, do Código de Processo Civil, a sentença é espécie de pronunciamento judicial pelo qual se encerra a fase cognitiva do procedimento comum, com ou sem resolução do mérito, consoante artigos 485 e 487, respectivamente, do CPC.
No caso em apreço, a decisão do juízo a quo determinou o indeferimento da petição inicial pelo não preenchimento dos pressupostos processuais necessários, nos termos do artigo 485, inciso I do CPC.
Ocorre que, a decisão que determina o indeferimento da petição inicial, é pronunciamento judicial que não resolve o mérito, de acordo com artigo 485, inciso I, do CPC, e desse modo qualifica-se como sentença, apta a ser atacada mediante interposição do recurso de apelação, por força do artigo 1.009, do CPC.
Assim, importa referir que a apelação deve ser conhecida, por ser própria, regular e tempestiva.
Vencida a preliminar, passo à analise do mérito.
Do indeferimento da petição inicial
A parte autora insurge-se contra a decisão que determinou o indeferimento da petição inicial e, consequentemente, a extinção do processo sem julgamento de mérito.
Declara a requerente fazer jus ao benefício assistencial à pessoa deficiente, por ser portadora de Transtorno de Retardo Mental - CID F 70.0, bem como por apresentar situação de risco social pautada na percepção de ínfima renda mensal.
Embora seja portadora do referido transtorno, declara dispor da capacidade de discernimento necessária para a prática dos atos da vida civil, restando impossibilitada apenas para o exercício de atividades laborativas (
).Ocorre que não fora comprovado, pela requerente, tal estado incapacitante, quer por atestados ou laudos médicos, quer por termo de interdição de incapaz, conforme decisão do juízo a quo (
).Desse modo, devido à ausência de pressuposto processual, qual seja, a incapacidade laborativa decorrente de deficiência, necessária à concessão do benefício assistencial, foi determinado o indeferimento da petição inicial e a consequente extinção do processo, nos termos dos artigos 321, parágrafo único, e 330, IV, ambos do Código de Processo Civil.
Todavia, indevida a decisão judicial analisada, tendo em vista que não fora fornecida à autora a oportunidade processual de comprovar sua incapacidade laboral, vez que de plano o juizo a quo determinou o indeferimento da inicial, restando impossibilitada de valer-se da instrução probatória.
Em despacho (
), o magistrado de 1ª instância intimou a autora quanto à necessidade de ajuizamento de ação de interdição, na Justiça Estadual, por se tratar de pessoa incapaz para a prática dos atos da vida civil. Todavia, desnecessária tal medida processual, vez que em suas declarações a requerente afirmar portar deficiência que não lhe retira a capacidade para as atividades cotidianas, embora a impossibilite para o exercício de atividade laborativa que lhe garanta o sustento.Dessa forma, não há razões que determinem a necessidade de interdição da parte autora, pois ausentes as condições do artigo 749 do CPC, vez que se a requerente se encontra em gozo de capacidade plena e integral para prática de atos e gerência própria.
Nessa mesma linha de entendimento, tem decidido essa Corte:
Veja-se que, no próprio parecer do projeto de lei que deu origem ao Estatuto da Pessoa com Deficiência apresentado do Senado Federal, foi referido que: "Para facilitar a compreensão, optamos por fazer uma análise conjunta dos dispositivos constantes dos arts. 6º e 84, além de algumas das alterações contidas no art. 114, uma vez que dispõem sobre a capacidade civil das pessoas com deficiência. Seu cerne é o reconhecimento de que condição de pessoa com deficiência, isoladamente, não é elemento relevante para limitar a capacidade civil. Assim, a deficiência não é, a priori, causadora de limitação à capacidade civil. Os elementos que importam, realmente, para eventual limitação dessa capacidade, são o discernimento para tomar decisões e a aptidão para manifestar vontade. Uma pessoa pode ter deficiência e pleno discernimento, ou pode não ter deficiência alguma e não conseguir manifestar sua vontade. (TRF-4- AC: 50082323020164047202 SC 5008232-30.2016.4.04.7202, Relator: PAULO AFONSO BRUM VAZ, Data de Julgamento: 15/08/2018, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC).
Alternativa possível à regularização da representação processual da requerente, caso não aceita a procuração constituída em face de seu cônjuge, seria a nomeação de curador especial, nos termos do artigo 72, inciso I do CPC, para zelar pelos interessses da autora no trâmite processual, como já decidido por essa Corte:
EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PORTADOR DE DEFICIÊNCIA. NOMEAÇÃO DE CURADOR. REQUISITOS. BENEFÍCIO NO VALOR MÍNIMO RECEBIDA POR IDOSO. EXCLUSÃO DO CÔMPUTO. TERMO INICIAL. PRESCRIÇÃO. NÃO INCIDÊNCIA.
1. O benefício assistencial de prestação continuada, instituído pelo artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, e regulamentado pela Lei nº 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social/LOAS, alterada pelas Leis nº 12.435/2011 e 12.470/2011) é assegurado à pessoa portadora de deficiência e ao idoso (idade de 65 anos ou mais, considerada partir de 01/01/2004) em situação de risco social, objetivamente indicada pela renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo (LOAS, art. 20, § 3º), além de outros meios de aferição do estado de miserabilidade e hipossuficiência econômica do autor e de sua família.
2. Devem ser excluídos do cálculo da renda familiar per capita, o valor auferido por idoso com 65 anos ou mais a título de benefício assistencial ou benefício previdenciário de renda mínima (TRF4, EINF 5003869-31.2010.404.7001, Terceira Seção, Relator p/ Acórdão Roger Raupp Rios, juntado aos autos em 10/02/2014).
3. Comprovada a incapacidade e caracterizada a situação de miserabilidade, cabível a concessão do benefício assistencial.
4. A prescrição não corre contra os incapazes.
(TRF4, AC 5002256-55.2015.4.04.7015, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, juntado aos autos em 25/09/2018)
Assim, tendo restado a parte autora cerceada em seu direito de defesa, vez que não lhe fora oportunizado momento processual para produção de provas que infirmassem os termos por ela alegados, deve ser reformada a decisão que determinou o indeferimento de sua petição inicial.
Por se tratar de demanda em que não houve instrução probatória, necessária à concessão do benefício assistencial, o processo não se encontra em condições de imediato julgamento, nos termos do artigo 1.013, do CPC, razão pela qual o Tribunal não pode proceder à análise do mérito da apelação interposta.
Desse modo, merece parcial provimento o apelo da autora, para ser reformada a sentença de indeferimento, com o retorno dos autos à origem, a fim de que seja reaberta a instrução probatória para que se oportunize à autora a produção de provas necessárias à comprovação de seu direito e se proceda ao regular deslinde da demanda.
Conclusão
Dar parcial provimento à apelação da autora, para ser reformada a sentença, do juízo a quo, de indeferimento de sua petição inicial, devendo ser reaberta a instrução probatória.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação da parte autora e determinar o retorno dos autos à origem, a fim de que seja reaberta a instrução probatória.
Documento eletrônico assinado por FRANCISCO DONIZETE GOMES, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002891958v34 e do código CRC 204eb96c.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5014749-60.2020.4.04.9999/RS
PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5000195-03.2019.8.21.0056/RS
RELATOR: Juiz Federal EDUARDO TONETTO PICARELLI
APELANTE: ELIDA DALLA NORA
ADVOGADO: EDUARDO BAPTISTELA (OAB RS047433)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. REABERTURA DA INSTRUÇÃO probatória.
1. Não é obrigatória a interdição de deficiente que defende ser capaz para atos da vida civil, não se podendo confundir deficiência e pleno discernimento. 2. Não sendo obrigatória a interdição da parte, é indevido o indeferimento da inicia por ausência de apresentação de Termo de Curatela. Caso seja reconhecida deficiência intelectual da parte que prejudique sua capacidade civil durante a instrução, cabe a aplicação do instito da curatela especial (CPC, art. 72, inc. I).
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação da parte autora e determinar o retorno dos autos à origem, a fim de que seja reaberta a instrução probatória, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 30 de novembro de 2021.
Documento eletrônico assinado por FRANCISCO DONIZETE GOMES, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002891959v7 e do código CRC 5e7530ee.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 23/11/2021 A 30/11/2021
Apelação Cível Nº 5014749-60.2020.4.04.9999/RS
RELATOR: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PROCURADOR(A): THAMEA DANELON VALIENGO
APELANTE: ELIDA DALLA NORA
ADVOGADO: EDUARDO BAPTISTELA (OAB RS047433)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 23/11/2021, às 00:00, a 30/11/2021, às 16:00, na sequência 253, disponibilizada no DE de 11/11/2021.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA E DETERMINAR O RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM, A FIM DE QUE SEJA REABERTA A INSTRUÇÃO PROBATÓRIA.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES
Votante: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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