Apelação/Remessa Necessária Nº 5018554-55.2019.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: ROSALINA JORECKI DA SILVA
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Rosalina Jorecki da Silva interpôs apelação em face de sentença (prolatada em 11/01/2019) que julgou parcialmente procedente o pedido formulado no bojo de ação declaratória de irrepetibilidade de valores de benefício assistencial, declarando a irrepetibilidade dos valores recebidos em decorrência da concessão judicial do amparo assistencial e julgando improcedente o pedido para a restituição do montante supostamente devolvido indevidamente pela parte autora ao INSS em face da cobrança realizada administrativamente pela autarquia. A parte ré foi condenada, ainda, ao pagamento das custas processuais, por metade, e dos honorários advocatícios, arbitrados em 10% sobre o valor da condenação (Evento 3 - SENT17).
Insurgiu-se especificamente em relação à devolução dos valores pagos indevidamente ao INSS em face da cobrança realizada pela autarquia para a restituição das parcelas de benefício assistencial. Sustentou que, uma vez declarada, em primeiro grau, a irrepetibilidade dos valores recebidos, o montante que já havia sido pago ao INSS em face de tal cobrança deve ser restituído (Evento 3 - APELAÇÃO21).
Com contrarrazões, subiram os autos.
VOTO
Remessa necessária
Conforme o artigo 29, §2º, da Lei nº 8.213/91, o valor do salário de benefício não será inferior ao de um salário mínimo, nem superior ao do limite máximo do salário de contribuição na data de início do benefício.
De acordo com a Portaria MF nº 15, do Ministério da Fazenda, de 16 de janeiro de 2018, o valor máximo do salário de contribuição, a partir de 1º de janeiro de 2018, é de R$ 5.645,80 (cinco mil, seiscentos e quarenta e cinco reais e oitenta centavos).
No âmbito do Superior Tribunal de Justiça há entendimento sedimentado no sentido de que a sentença ilíquida está sujeita a reexame necessário (Súmula 490). Importa atentar, no entanto, que é excluída da ordem do duplo grau de jurisdição a sentença contra a União e respectivas autarquias e fundações de direito público que esteja a contemplar condenação ou proveito econômico na causa por valor certo e líquido inferior 1.000 (mil) salários mínimos, por força do artigo 496, §3º, inciso I, do Código de Processo Civil.
Em ações de natureza previdenciária, o valor da condenação ou do proveito econômico à parte, considerado cômputo de correção monetária e somados juros de mora, em nenhuma situação alcançará o valor de 1.000 (um mil) salários mínimos. É o que se dá mesmo na hipótese em que a renda mensal inicial (RMI) do benefício previdenciário deferido seja fixada no valor máximo (teto) e bem assim seja reconhecido o direito do beneficiário à percepção de parcelas em atraso, a partir daquelas correspondentes a 5 (cinco) anos que antecedem a propositura da ação (art. 103, parágrafo único da Lei nº 8.213/91).
Assim, no presente caso, não se pode fazer projeção alguma de montante exigível que legalmente releve a decisão proferida a reexame necessário.
Nesse contexto, não conheço da remessa oficial.
Caso concreto
Com a finalidade de contextualizar a situação ora em análise, cumpre salientar que a autora, hoje com 84 anos de idade (nascida em 08/03/1936), ajuizou, em 26/06/2006, o processo judicial nº 2006.71.15.001481-3, que tramitou perante a 1ª Vara Federal de Santa Rosa/RS, postulando a concessão do benefício assistencial de prestação continuada. Sobreveio sentença de procedência em 13/11/2006, a qual foi confirmada em segundo grau em 19/10/2007, concedendo-lhe o amparo assistencial desde 01/03/2006 (Evento 3 - INIC2).
Da análise do processo administrativo depreende-se que o benefício passou a ser concedido no âmbito administrativo a contar de 15/04/2014, sendo que a liberação dos pagamentos em atraso (conforme valor apurado em liquidação de sentença) ocorreu por meio de Requisição de Pequenos Valores (RPV).
Ocorre que, em 22/10/2010, a autora tornou-se beneficiária de pensão por morte em virtude do óbito do esposo, servidor público do Município de Independência - RS, benefício inacumulável com o amparo assistencial de que era titular.
Compulsando-se os autos, percebe-se que, em 01/07/2014, a requerente compareceu à Agência da Previdência Social para informar acerca do recebimento do benefício previdenciário, afirmando que fora instruída por seu advogado a devolver os valores referentes ao benefício assistencial (Evento 3 - PET12, fl. 5 e fl. 12). Diante disso, o amparo assistencial foi suspenso a contar de 01/07/2014 (DCB)(Evento 3 - PET12, fl. 28), destacando-se, todavia, que, nessa ocasião, a APS não realizou nenhum procedimento para efetivar o ressarcimento das parcelas (Evento 3 - PET12, fls. 35 e ss.).
Posteriormente, em 27/12/2016, a autora compareceu novamente à agência do INSS com a intenção de ressarcir os valores recebidos indevidamente, momento em que manifestou interesse em parcelar a dívida. Nesse contexto, realizou-se um cálculo para aferir o montante a ser restituído, referente ao lapso temporal decorrido entre 15/04/2014 e 31/05/2014 (período em que o pagamento ocorreu na esfera administrativa), o qual resultou no valor de R$ 1.350,23 (dívida consolidada em 27/12/2016) (Evento 3 - PET12, fl. 29).
Assim sendo, a autora e o INSS celebraram, em 27/12/2016, o Termo de Parcelamento nº 35295003889201679 (Evento 3 - PET12, fls. 31 e ss.), objetivando estabelecer um acordo para o parcelamento da dívida referente às parcelas pagas administrativamente (ou seja, no período compreendido entre 15/04/2014 e 31/05/2014), por meio do qual ficou consignado o parcelamento da dívida (no valor de R$ 1.350,23) em 18 prestações mensais de, aproximadamente, R$ 75,00. Ressalte-se que, embora a celebração do Termo tenha ocorrido de forma consensual, a autora alegou, na inicial, que não lhe foram fornecidas explicações adequadas ao seu grau de discernimento, referindo-se ao documento como uma imposição de vontade da autarquia.
No que se refere ao referido acordo, a autora alega que realizou o pagamento de cinco parcelas, perfazendo um total de R$ 383,19. Afirma possuir direito de restituição em relação ao montante desembolsado, em face da declaração de irrepetibilidade dos valores recebidos a título de benefício assistencial (Evento 3 - SENT17). Embora o juízo de primeiro grau tenha proferido decisão no sentido de que a autora não logrou êxito em comprovar o efetivo pagamento desse valor, a análise do conjunto probatório, especialmente do processo administrativo (Evento 3 - PET12), permite concluir de maneira diversa, conforme adiante se verá.
Nesse sentido, consta dos autos do processo administrativo um documento denominado "Consulta GPS - banco de movimento" que demonstra a existência de cinco registros de pagamento relativos às prestações do Termo de Parcelamento, sendo estes referentes às competências de 12/2016, 01/2017, 02/2017, 03/2017 e 05/2017, cuja soma totaliza o valor exato de R$ 383,19 (Evento 3 - PET12, fl. 61). Na mesma página encontra-se uma anotação realizada por servidor do INSS onde se lê: Total devolvido (R$ 383,19) menos Débito total (R$ 1.350,23) é igual a Saldo a cobrar (R$ 967,00).
Tanto é verdade que o pagamento foi realizado, que a autora recebeu o Ofício de Cobrança nº 272/2017, datado de 10/10/2017 (Evento 3 - ANEXOSPET4, fls. 3 e 4), tratando do "Parcelamento de dívida do NB nº 87/606.202.219-8, juntamente com a restituição de valores recebidos indevidamente através de RPV devido a pensão por morte do marido". O referido ofício noticiou a rescisão automática do Termo de Parcelamento, em virtude do não pagamento de três parcelas (consecutivas ou não), e informou a inscrição em dívida ativa, no sistema CADIN, do débito restante, no valor de R$ 967,00, facultando-lhe o pagamento desse valor no prazo de 30 dias. Percebe-se, portanto, que o valor exigido pela autarquia é justamente o resultado da subtração do valor pago pela autora (R$ 383,19) do débito total perante o INSS (R$ 1.350,23).
Cumpre salientar, por fim, que, tendo em vista que a suposta irregularidade na concessão do benefício assistencial remonta à data em que a autora tornou-se beneficiária de pensão por morte (isto é, 22/10/2010), entendeu o INSS que os valores gerados e liberados por meio de RPV, ou seja, aqueles referentes ao período compreendido entre o início da pensão (22/10/2010) e o início dos pagamentos administrativos (14/04/2014), também deveriam ser restituídos, conforme ficou consignado no Relatório de Apuração e Cobrança datado de 30/12/2016 (Evento 3 - PET12, fls. 34 e ss.).
Assim sendo, o Ofício nº 272 também solicitou a restituição de R$ 27.035,47, montante correspondente aos valores recebidos pela autora por meio de RPV, tendo sido emitida uma Guia de Recolhimento da Previdência Social para tal finalidade.
Portanto, considerando-se que a autora logrou êxito em comprovar os pagamentos realizados à parte ré em face da cobrança administrativa, deve-se dar provimento à apelação, a fim de determinar a devolução, pelo INSS à apelante, do valor de R$ 383,19. Isto porque os valores cobrados pela autarquia em âmbito administrativo foram declarados inexigíveis pela decisão de primeiro grau, nos seguintes termos (Evento 3 - SENT17):
Sendo assim, diante do princípio da irrepetibilidade ou da não-devolução dos valores com caráter alimentar, não há que se falar em restituição ao réu dos valores pagos a parte autora, sendo proferida a declaração de inexigibilidade dos valores cobrados.
(...)
EM RAZÃO DO EXPOSTO, julgo parcialmente procedente o pedido deduzido por ROSALIA JORECKI DA SILVA em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS para tão somente declarar a inexigibilidade dos valores cobrados pelo réu relativamente ao beneficio concedido pelajustiça Federal (fl. 22).
Diante do exposto, conclui-se que a autora faz jus à restituição pretendida, cabendo ao INSS observar os parâmetros abaixo.
Correção monetária
Após o julgamento, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, em regime de repercussão geral, do Tema 810 (RE n. 870.947), a que se seguiu o dos embargos de declaração da mesma decisão, rejeitados e com afirmação de inexistência de modulação de efeitos, deve a atualização monetária obedecer ao Tema 905 do Superior Tribunal de Justiça, que estabelece para as condenações judiciais de natureza previdenciária:
As condenações impostas à Fazenda Pública de natureza previdenciária sujeitam-se à incidência do INPC, para fins de correção monetária, no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91.
Assim, a correção monetária das parcelas vencidas dos benefícios previdenciários será calculada conforme a variação dos seguintes índices, que se aplicam conforme a pertinente incidência ao período compreendido na condenação:
- IGP-DI de 05/96 a 03/2006 (art. 10 da Lei n.º 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5º e 6º, da Lei n.º 8.880/94);
- INPC a partir de 04/2006 (art. 41-A da lei 8.213/91).
Tratando-se, por fim, da apuração de montante correspondente às parcelas vencidas de benefícios assistenciais, deve observar-se a aplicação do IPCA-E.
Juros moratórios
Os juros de mora, de 1% (um por cento) ao mês, serão aplicados a contar da citação (Súmula 204 do STJ), até 29 de junho de 2009. A partir de 30 de junho de 2009, os juros moratórios serão computados de forma equivalente aos aplicáveis à caderneta de poupança, conforme dispõe o art. 5º da Lei 11.960/09, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei nº 9.494/97.
Prequestionamento
O enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal, assim como a análise da legislação aplicável, são suficientes para prequestionar junto às instâncias Superiores os dispositivos que as fundamentam. Assim, deixo de aplicar os dispositivos legais ensejadores de pronunciamento jurisdicional distinto do que até aqui foi declinado. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração tão somente para este fim, o que evidenciaria finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa.
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto por dar provimento à apelação, a fim de determinar ao INSS que restitua à parte autora a quantia acima requerida, nos termos da fundamentação.
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Apelação/Remessa Necessária Nº 5018554-55.2019.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: ROSALINA JORECKI DA SILVA
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (LOAS). IRREPETIBILIDADE DOS VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ. DEVOLUÇÃO DE VALORES INEXIGÍVEIS.
Declarada judicialmente a irrepetibilidade de quantia recebida a título de benefício assistencial, considerando-se sua natureza alimentar e o recebimento de boa-fé por parte do beneficiário, devem ser restituídas à parte autora as parcelas indevidamente pagas em face da cobrança, no âmbito administrativo, dos valores declarados inexigíveis.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação, a fim de determinar ao INSS que restitua à parte autora a quantia acima requerida, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 23 de junho de 2020.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 15/06/2020 A 23/06/2020
Apelação/Remessa Necessária Nº 5018554-55.2019.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PROCURADOR(A): FÁBIO BENTO ALVES
APELANTE: ROSALINA JORECKI DA SILVA
ADVOGADO: IRACILDO BINICHESKI (OAB RS017322)
ADVOGADO: REGIS LUIS WITCAK (OAB RS090014)
ADVOGADO: ROSELEIDE BINICHESKI (OAB RS099032)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 15/06/2020, às 00:00, a 23/06/2020, às 14:00, na sequência 753, disponibilizada no DE de 03/06/2020.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO, A FIM DE DETERMINAR AO INSS QUE RESTITUA À PARTE AUTORA A QUANTIA ACIMA REQUERIDA.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
Votante: Juíza Federal GISELE LEMKE
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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