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PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. LEI Nº 8. 742/93. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. RENDA PER CAPITA FAMILIAR. REQUISITOS ATENDIDOS. CONSECTÁRIOS LEGAIS DA C...

Data da publicação: 06/05/2022, 07:01:08

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. LEI Nº 8.742/93. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. RENDA PER CAPITA FAMILIAR. REQUISITOS ATENDIDOS. CONSECTÁRIOS LEGAIS DA CONDENAÇÃO. TUTELA ANTECIPADA. 1. O direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: a) condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, de acordo com a redação original do artigo 20 da LOAS, ou impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, conforme redação atual do referido dispositivo) ou idoso (neste caso, considerando-se, desde 1º de janeiro de 2004, a idade de 65 anos); e b) situação de risco social (estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo) da parte autora e de sua família. 2. Hipótese que se enquadra na tese jurídica estabelecida no IRDR 12 (5013036-79.2017.4.04.0000/RS): o limite mínimo previsto no artigo 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 ('considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo') gera, para a concessão do benefício assistencial, uma presunção absoluta de miserabilidade. 3. Atendidos os requisitos legais definidos pela Lei n.º 8.742/93, deve ser reconhecido o direito da parte autora ao benefício assistencial de prestação continuada previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal. 4. As informações constantes no estudo social demonstram que a renda familiar per capita declarada, somada a outros fatores referidos no laudo social, permitem o enquadramento no parâmetro de ¼ (um quarto) do salário mínimo, de forma que a parte autora não possui condições de prover a sua subsistência ou de tê-la provida por sua família, encontrando-se, pois, em estado de miserabilidade que justifica a concessão do benefício, nos termos dos parâmetros legais estabelecidos no artigo 20 da Lei nº 8.742/1993. Autor é portador de transtorno mental, vive sozinho em imóvel cedido e sobrevive do auxílio governamental Bolsa-Família e da ajuda de seus pais, os quais também apresentam baixa renda. 5. Hipótese em que está delineada a deficiência do autor, para o fim de obter o benefício pleiteado. Ainda que não haja incapacidade laboral total, isto é, para todas as atividades, há uma deficiência para a prática de atividades laborais, e para algumas das atividades domésticas. Autor apresenta transtorno mental / retardo mental leve, com comprometimento cognitivo permanente. A condição implica impedimentos de longo prazo. Isto é, autor encontra-se em situação de deficiência em relação à sociedade, para o fim de desenvolver atividades profissionais em igualdade com a população. Trata-se, sim, de impedimentos de longo prazo à vida independente, o que se enquadra no conceito legal de deficiência e incapacidade laboral para o recebimento do benefício pleiteado, na forma da lei de regência. Enquadra-se a parte autora, assim, no conceito legal de pessoa com deficiência previsto no § 2º do artigo 20 da Lei Orgânica da Assistência Social. 6. Por se tratar de benefício assistencial, que não tem natureza previdenciária, a correção monetária deverá ser feita de acordo com o IPCA-E, como ressalvado pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Tema 905. 7. Concedida a imediata tutela antecipada. Seu deferimento sustenta-se na eficácia mandamental dos provimentos fundados no artigo 461 do CPC/73 e nos artigos 497, 536 e parágrafos e 537 do CPC/15. 8. Provido o apelo da parte autora, inverte-se a sucumbência. (TRF4, AC 5002582-40.2022.4.04.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relatora CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, juntado aos autos em 28/04/2022)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5002582-40.2022.4.04.9999/PR

RELATORA: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI

APELANTE: JOAO MARIA ALVES DA SILVA

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

RELATÓRIO

Trata-se de ação de procedimento comum ajuizada por JOÃO MARIA ALVES DA SILVA em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, objetivando provimento judicial que lhe assegure a concessão do benefício assistencial à pessoa com deficiência - BPC, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS, sob as seguintes alegações: "que o autor é pessoa deficiente, sofre de transtorno mental não especificado, sua deficiência foi diagnosticada no ano de 2001, mesmo período em que o autor teve o benefício de prestação continuada deferido administrativamente, porém, tal benefício foi suspenso em 01/04/2019. O benefício foi suspenso sob a fundamentação de renda per capita familiar superior a ¼ do salário mínimo, porém, na última atualização do cadastro único, realizada em 08/10/2019, a renda per capita da família ficou demonstrada como sendo no valor de R$ 89,00 (oitenta e nove reais). Ainda, ressalta-se que o autor vive sozinho, em uma casa de madeira, localizada na vila Copel, do município de Reserva do Iguaçu -PR, a residência possui três cômodos e não possui água encanada." (evento 191).

Realizadas perícia médica (evento 139), complementada posteriormente (evento 169) e avaliação social (evento 145).

Prolatada sentença de improcedência, em 27/01/2022, com o seguinte dispositivo:

"Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado na inicial e, por consequência, julgo extinto o feito, com resolução de mérito, com fulcro no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil.

Condeno a parte requerente ao pagamento dos honorários advocatícios, os quais, em apreciação equitativa, fixo em R$ 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, com fulcro no artigo 85, caput e parágrafo 3º, do Código de Processo Civil, considerando a baixa complexidade da causa. Todavia, com base no artigo 98, §3º, do Código de Processo Civil, suspendo a exigibilidade de tais verbas até que a parte requerente tenha condições de pagá-las, observando o prazo máximo de 05 (cinco) anos, quando não mais poderão ser exigidas.” (evento 191)

Apela o autor (evento 198), requerendo a reforma da decisão monocrática, para condenar o INSS a conceder o Benefício Assistencial em favor da recorrente, desde quando indevidamente indeferido. Subsidiariamente, requer a anulação da sentença, a fim de reabrir a instrução processual, determinando a realização de nova perícia médica. Reitera a concessão do benefício de Assistência Judiciária Gratuita, nos termos do artigo 98 do Código de Processo Civil.

Defende que o recorrente é acometido de deficiência que, em interação com diversas barreiras, é capaz de obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em condições de igualdade com as demais pessoas. Nesse sentido, de acordo com os atestados médicos juntados aos autos, restou constatada a existência de quadro de deficiência do recorrente, em razão de não poder ser considerado em igualdade de condições em sua inserção na sociedade. No entanto, o magistrado a quo julgou improcedente a ação por inexistência de incapacidade laboral. Todavia, os parâmetros e conceitos utilizados encontram-se ultrapassados pela novel legislação acerca do tema e o entendimento da jurisprudência. Aponta a superação do paradigma da deficiência como “incapacidade para o trabalho e para a vida independente” para o novo conceito de deficiência, de acordo com a alteração da redação original do artigo 20, § 2º, da LOAS, com o advento do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/15). Diz que não mais se conceitua a deficiência que enseja o acesso ao BPC-LOAS como aquele que incapacite a pessoa para a vida independente e para o trabalho, e sim aquele que possui algum tipo de impedimento, que, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com as demais pessoas. Em momento algum a norma condiciona o recebimento do benefício à demonstração da incapacidade para o trabalho ou para a vida independente. Destarte, o recorrente enquadra-se no conceito de deficiência introduzido pela Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, o que foi corroborado pelo atestado médico juntado nos autos, devendo ser concedido o benefício assistencial, já que preenchidos todos os requisitos. Aduz que o recorrente não possui apenas uma moléstia ensejadora de deficiência, mas sim um conjunto de desordens permanentes, de maneira que se enquadra no novel conceito de deficiência estabelecido pelo legislador.

Subsidiariamente, requer, diante do princípio da eventualidade, caso mantida a sentença, sua anulação, para o fim da reabertura da instrução processual, com a realização de nova perícia médica nos moldes estabelecidos pelo IF-BRA, devendo ser analisada a existência da deficiência (e não a incapacidade) com fundamento no CID-10 conjugado com o CIF.

Com contrarrazões pelo INSS (evento 202), vieram os autos a esta Corte para julgamento.

O Ministério Público Federal apresentou parecer pelo provimento da apelação (evento 209).

É o relatório.

Inclua-se em pauta.

VOTO

DIREITO INTERTEMPORAL

Inicialmente, cumpre o registro de que a sentença recorrida foi publicada em data posterior a 18/3/2016, quando passou a vigorar o novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105, de 16/3/2015), consoante decidiu o Plenário do STJ.

REMESSA EX OFFICIO

Nos termos do artigo 496 do CPC/2015, está sujeita à remessa ex officio a sentença prolatada contra as pessoas jurídicas de direito público nele nominadas - à exceção dos casos em que, por simples cálculos aritméticos, seja possível concluir que o montante da condenação ou o proveito econômico obtido na causa é inferior a 1.000 (mil) salários mínimos.

Logo, não se trata de hipótese de sujeição da sentença à remessa ex officio, pois, no caso, a sentença é de improcedência.

SÍNTESE DOS FATOS

JOÃO MARIA ALVES DA SILVA apela de sentença de improcedência proferida em ação previdenciária em que se postula benefício assistencial à pessoa com deficiência, sob a alegação de que sofre de transtorno mental não especificado, e sua renda per capita familiar é insuficiente.

Alega o apelante estar satisfeito o requisito da deficiência, pois, diante do novo conceito de incapacidade e da análise do caso concreto em tela, tem-se que o recorrente preenche todos os requisitos que ensejam a concessão do BPC-LOAS, uma vez que se enquadra no novo conceito de deficiência introduzido pela Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, sendo imperativa a concessão do Benefício Assistencial.

Caso mantida a sentença, requer, subsidiariamente, sua anulação, para o fim da reabertura da instrução processual, com a realização de nova perícia médica nos moldes estabelecidos pelo IF-BRA.

O apelo merece acolhida.

BENEFÍCIO ASSISTENCIAL

A Constituição Federal dispôs em seu artigo 203, inciso V:

Artigo 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente da contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

(...)

V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

A regulamentação desse dispositivo constitucional veio com a Lei nº 8.742, de 07 de dezembro de 1993, denominada Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), que, em seu artigo 20, passou a especificar as condições para a concessão do benefício, no valor de um salário mínimo mensal, à pessoa com deficiência e ao idoso. Após as alterações promovidas pelas Leis nº 9.720, de 30 de novembro de 1998, e nº 10.741, de 1º de outubro de 2003 (Estatuto do Idoso), relativas à redução do critério etário para 67 e 65 anos, respectivamente, sobrevieram as Leis nº 12.435, de 06 de julho de 2011, e nº 12.470, de 31 de agosto de 2011, as quais conferiram ao aludido dispositivo a seguinte redação, ora em vigor:

Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)

§ 1º Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)

§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011)

§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)

§ 4º O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)

§ 5º A condição de acolhimento em instituições de longa permanência não prejudica o direito do idoso ou da pessoa com deficiência ao benefício de prestação continuada. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)

§ 6º A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento de que trata o § 2o, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social - INSS. (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011)

§ 7º Na hipótese de não existirem serviços no município de residência do beneficiário, fica assegurado, na forma prevista em regulamento, o seu encaminhamento ao município mais próximo que contar com tal estrutura. (Incluído pela Lei nº 9.720, de 30.11.1998)

§ 8º A renda familiar mensal a que se refere o § 3º deverá ser declarada pelo requerente ou seu representante legal, sujeitando-se aos demais procedimentos previstos no regulamento para o deferimento do pedido.(Incluído pela Lei nº 9.720, de 30.11.1998)

§ 9º A remuneração da pessoa com deficiência na condição de aprendiz não será considerada para fins do cálculo a que se refere o § 3º deste artigo. (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)

§ 10. Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2º deste artigo, aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos. (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011).

Portanto, o direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: a) condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, de acordo com a redação original do artigo 20 da LOAS, ou impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, conforme redação atual do referido dispositivo) ou idoso (neste caso, considerando-se, desde 1º de janeiro de 2004, a idade de 65 anos); e b) situação de risco social (estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo) da parte autora e de sua família.

CONDIÇÃO DE DEFICIENTE

Por oportuno, importante considerar que a incapacidade para a vida independente a que se refere a Lei nº 8.742/93, na redação original, deve ser interpretada de forma a garantir o benefício assistencial a uma maior gama possível de pessoas com deficiência, consoante pacífica jurisprudência do STJ (RESP nº 360.202/AL, STJ, 5ª Turma, Relator Ministro Gilson Dipp, DJU de 01/07/2002) e desta Corte (AC nº 2002.71.04.000395-5/RS, TRF/4ª Região, 6ª Turma, Relator Desembargador Federal João Batista Pinto Silveira, DJU de 19/04/2006).

Desse modo, a incapacidade para a vida independente (a) não exige que a pessoa possua uma vida vegetativa ou seja incapaz de se locomover; (b) não significa incapacidade para as atividades básicas do ser humano, tais como alimentar-se, fazer a higiene pessoal e vestir-se sozinho; (c) não impõe a incapacidade de se expressar ou se comunicar; e (d) não pressupõe dependência total de terceiros. Para o atendimento desse requisito, afigura-se suficiente que a pessoa portadora de deficiência não possua condições de completa autoderminação ou depende de algum auxílio, acompanhamento, vigilância ou atenção de outra pessoa para viver com dignidade e, ainda, que não tenha condições de buscar no mercado de trabalho meios de prover a sua própria subsistência.

Tal análise, que deve sempre ser realizada à luz do caso concreto, deve cogitar, ainda, a possibilidade de readaptação da pessoa em outra atividade laboral, tendo em vista as suas condições pessoais (espécie de deficiência ou enfermidade, idade, profissão, grau de instrução).

A ratificação pelo Brasil, em 2008, da Convenção Internacional Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, a qual fora incorporada ao nosso ordenamento jurídico com status de emenda constitucional (artigo 5º, § 3º, da Constituição Federal), conferiu ainda maior amplitude ao tema, visando, sobretudo, promover, proteger e assegurar o exercício pleno e equitativo dos direitos humanos e das liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência (artigo 1º da referida Convenção).

Assim é que a Lei nº 12.470, de 31 de agosto de 2011, que alterou o § 2º do artigo 20 da LOAS, e, mais recentemente, o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, com início de vigência em 5 de janeiro de 2016), praticamente reproduziram os termos do artigo 1º, da aludida Convenção, redimensionando o conceito de pessoa com deficiência de maneira a abranger diversas ordens de impedimentos de longo prazo capazes de obstaculizar a plena e equânime participação social do portador de deficiência, considerando o meio em que este se encontra inserido.

Com a consolidação desse novo paradigma, o conceito de deficiência desvincula-se da mera incapacidade para o trabalho e para a vida independente - abandonando critérios de análise restritivos, voltados ao exame das condições biomédicas do postulante ao benefício -, para se identificar com uma perspectiva mais abrangente, atrelada ao modelo social de direitos humanos, visando à remoção de barreiras impeditivas de inserção social.

Nesse contexto, a análise atual da condição de deficiente a que se refere o artigo 20 da LOAS, não mais se concentra na incapacidade laboral e na impossibilidade de sustento, mas, senão, na existência de restrição capaz de obstaculizar a efetiva participação social de quem o postula de forma plena e justa.

SITUAÇÃO DE RISCO SOCIAL

A redação atual do § 3º do artigo 20 da LOAS manteve como critério para a concessão do benefício assistencial a idosos ou deficientes a percepção de renda familiar mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.

Ocorre que o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar recurso especial representativo de controvérsia (Tema 185), com base no compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana - especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física e do amparo ao cidadão social e economicamente vulnerável -, relativizou o critério econômico estabelecido na LOAS, assentando que a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção, ou de tê-la provida por sua família, uma vez que se trata apenas de um elemento objetivo para se aferir a necessidade, de modo a se presumir absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo (STJ, REsp nº 1.112.557/MG, 3ª Seção, Relator Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe de 20/11/2009).

Posteriormente, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Reclamação nº 4374 e o Recurso Extraordinário nº 567.985 (este com repercussão geral), estabeleceu que o critério legal de renda familiar per capita inferior a 1/4 do salário mínimo encontra-se defasado para caracterizar a situação de miserabilidade, não se configurando, portanto, como a única forma de aferir a incapacidade da pessoa para prover sua própria manutenção ou tê-la provida por sua família:

Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que "considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo". O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade do critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 5. Recurso extraordinário a que se nega provimento. (RE nº 567985, Plenário, Relator Ministro MARCO AURÉLIO, Rel. p/ acórdão Ministro GILMAR MENDES, DJe de 03/10/2013)

Em julgados ocorridos após o recurso especial representativo de controvérsia e o recurso extraordinário com repercussão geral acima citados, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal mantiveram o entendimento de que a renda mensal percebida não é o único critério a ser considerado para a aferição da condição de miserabilidade, explicitando que devem ser analisadas as diversas informações sobre o contexto socioeconômico constantes de laudos, documentos e demais provas:

PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Ao contrário do que sustenta o agravante, o Tribunal de origem adotou o entendimento pacificado pela Terceira Seção desta Corte, no julgamento do REsp. 1.112.557/MG, representativo da controvérsia, de que a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a hipossuficiência quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo. 2. O pedido foi julgado improcedente pelas instâncias ordinárias não com base na intransponibilidade do critério objetivo da renda, mas com fundamento na constatação de que não se encontra configurada a condição de miserabilidade da parte autora, uma vez que mora em casa própria ampla e conservada, possui carro e telefone, e as necessidades básicas de alimentação, vestuário, higiene, moradia e saúde podem ser supridas com a renda familiar informada. 3. Agravo Regimental desprovido. (STJ, AgRg no AREsp nº 538.948/SP, 1ª Turma, Relator Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe 27/03/2015)

Agravos regimentais em reclamação. Perfil constitucional da reclamação. Ausência dos requisitos. Recursos não providos. 1. Por atribuição constitucional, presta-se a reclamação para preservar a competência do STF e garantir a autoridade de suas decisões (art. 102, inciso I, alínea l, CF/88), bem como para resguardar a correta aplicação de súmula vinculante (art. 103-A, § 3º, CF/88). 2. A jurisprudência desta Corte desenvolveu parâmetros para a utilização dessa figura jurídica, dentre os quais se destaca a aderência estrita do objeto do ato reclamado ao conteúdo das decisões paradigmáticas do STF. 3. A definição dos critérios a serem observados para a concessão do benefício assistencial depende de apurado estudo e deve ser verificada de acordo com as reais condições sociais e econômicas de cada candidato à beneficiário, não sendo o critério objetivo de renda per capta o único legítimo para se aferir a condição de miserabilidade. Precedente (Rcl nº 4.374/PE) 4. Agravos regimentais não providos. (STF, Reclamação nº 4154, Plenário, Relator Ministro DIAS TOFFOLI, DJe de 21/11/2013)

Nesse sentido, os cuidados necessários com a parte autora, em decorrência de sua deficiência, incapacidade ou avançada idade, que acarretarem gastos - notadamente com medicamentos, alimentação especial, fraldas descartáveis, tratamento médico, psicológico e fisioterápico, entre outros -, configuram despesas que podem ser consideradas na análise da condição de risco social da família do demandante (APELREEX nº 0001612-04-2017.404.9999, TRF/4ª Região, 6ª Turma, Rel. Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, D.E. de 09/06/2017).

Também, eventual circunstância de a parte autora ser beneficiária e perceber renda proveniente do Programa Bolsa Família, não só não impede a percepção do benefício assistencial do artigo 203, V, da Constituição Federal, como constitui forte indicativo de que a unidade familiar encontra-se em situação de risco social (APELREEX nº 2009.71.99.006237-1, TRF4, 6ª Turma, Relator p/ acórdão Desembargador Federal CELSO KIPPER, D.E. 07/10/2014).

Ainda dentro desta questão, recentemente, este Tribunal Regional Federal, com o objetivo de pacificação do tema sobre se a renda familiar per capita inferior ao limite objetivo mínino (¼ do salário mínimo) gera uma presunção absoluta ou relativa de miserabilidade, julgou o IRDR (Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas) nº 12.

Salientando que a técnica legislativa adotada - presunção legal absoluta - dispensa o esforço interpretativo e probatório nos casos em que se verifica a condição de miserabilidade daqueles cuja renda familiar sequer atinge o patamar mínimo fixado pela LOAS (1/4 do salário mínimo), estabeleceu a seguinte tese jurídica: o limite mínimo previsto no art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 ('considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo') gera, para a concessão do benefício assistencial, uma presunção absoluta de miserabilidade:

PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. TRF4. IRDR 12. PROCESSO EM TRAMITE NOS JEFs. IRRELEVÊNCIA. ADOÇÃO DA TÉCNICA DO PROCESSO-MODELO E NÃO CAUSA-PILOTO. ART. 20, § 3º, DA LEI 8.742/93. PRESUNÇÃO ABSOLUTA DE MISERABILIDADE. 1. É possível a admissão, nos Tribunais Regionais Federais, de IRDR suscitado em processo que tramita nos Juizados Especiais Federais. 2. Empregada a técnica do julgamento do procedimento-modelo e não da causa-piloto, limitando-se o TRF a fixar a tese jurídica, sobretudo porque o processo tramita no sistema dos JEFs. 3. Tese jurídica: o limite mínimo previsto no art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 ('considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo') gera, para a concessão do benefício assistencial, uma presunção absoluta de miserabilidade. (grifos) (TRF 4ª R., INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS (SEÇÃO) nº 5013036-79.2017.404.0000, 3ª Seção, Relator Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ, por unanimidade, juntado aos autos em 22/02/2018)

Em suma, o que temos é um entendimento jurisprudencial firme de que o limite mínimo previsto no artigo 20, § 3º, da Lei 8.742/93, traduz uma presunção absoluta de miserabilidade quando a renda familiar for inferior a ¼ (um quarto) de salário mínimo (miserabilidade é presumida), devendo ser comprovada por outros fatores (qualquer meio de prova admitido em direito) nos demais casos, isto é, quando a renda familiar per capita superar este piso.

Prosseguindo, o Plenário do STF, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 580.963/PR, também declarou a inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/03), o qual estabelece que o benefício assistencial já concedido a qualquer idoso membro da família não será computado para fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS, com base nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da isonomia, bem como no caráter de essencialidade de que se revestem os benefícios de valor mínimo, tanto previdenciários quanto assistenciais, concedidos a pessoas idosas e também àquelas portadoras de deficiência. De acordo com o STF, portanto, não se justifica que, para fins do cálculo da renda familiar per capita, haja previsão de exclusão apenas do valor referente ao recebimento de benefício assistencial por membro idoso da família, quando verbas de outra natureza (benefício previdenciário), bem como outros beneficiários de tais verbas (membro da família portador de deficiência), também deveriam ser contemplados.

Mais recentemente, a 1ª Seção do STJ, com fundamento nos princípios da igualdade e da razoabilidade, firmou entendimento segundo o qual, também nos pedidos de benefício assistencial feitos por pessoas portadoras de deficiência, deve ser excluído do cálculo da renda familiar per capita qualquer benefício, no valor de um salário mínimo, recebido por maior de 65 (sessenta e cinco) anos, independentemente se assistencial ou previdenciário, aplicando-se, analogicamente, o disposto no parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso:

PREVIDENCIÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL PREVISTO NA LEI N. 8.742/93 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA. AFERIÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA DO NÚCLEO FAMILIAR. RENDA PER CAPITA. IMPOSSIBILIDADE DE SE COMPUTAR PARA ESSE FIM O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, NO VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO, RECEBIDO POR IDOSO. 1. Recurso especial no qual se discute se o benefício previdenciário, recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, deve compor a renda familiar para fins de concessão ou não do benefício de prestação mensal continuada a pessoa deficiente. 2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93. 3. Recurso especial provido. Acórdão submetido à sistemática do § 7º do art. 543-C do Código de Processo Civil e dos arts. 5º, II, e 6º, da Resolução STJ n. 08/2008. (REsp nº1.355.052/SP, 1ª Seção, Relator Ministro BENEDITO GONÇALVES, DJe de 05/11/2015)

Assim, em regra, integram o cálculo da renda familiar per capita os rendimentos auferidos pelo cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto (artigo 20, § 1º, da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei n.º 12.435/2011).

Por outro lado, no cálculo da renda familiar per capita, deve ser excluído o valor auferido por idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais a título de benefício assistencial ou benefício previdenciário de renda mínima, ou de benefício previdenciário de valor superior ao mínimo, até o limite de um salário mínimo, bem como o valor auferido a título de benefício previdenciário por incapacidade ou assistencial em razão de deficiência, independentemente de idade. Ressalto que tal pessoa, em decorrência da exclusão de sua renda, também não será considerada na composição familiar, para efeito do cálculo da renda per capita. (APELREEX nº 5035118-51.2015.404.9999, TRF/4ª Região, 6ª Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, e-Proc em 14/03/2016, evento 94 - APELREEX nº 5013854-43.2014.404.7208, TRF/4ª Região, 5ª Turma, Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, e-Proc em 13/05/2016, evento 8).

Tal posicionamento - excluir do cálculo de renda per capita todos os benefícios de renda mínima, de idosos e incapazes, de natureza previdenciária ou assistencial - fundamenta-se no fato de que nesses casos o benefício percebido visa a amparar unicamente seu beneficiário, não sendo suficiente para alcançar os demais membros do grupo familiar.

Logo, em linhas gerais, para efeito de concessão do benefício em tela, a situação de risco social a que se encontra exposta a pessoa idosa ou portadora de deficiência e sua família deve ser analisada em cada caso concreto.

CASO CONCRETO

Na hipótese vertente, o demandante postula a concessão de benefício assistencial à pessoa com deficiência.

A sentença apelada indeferiu o benefício entendendo não haver deficiência, para o fim de concessão do benefício postulado.

Foram realizadas no caso duas perícias médicas (eventos 139 e 169).

Tenho que está demonstrada a condição de deficiência do apelante JOÃO MARIA ALVES DA SILVA, nascido em 24/01/1989, portador de Transtorno Mental Não Especificado (CID10 F99), o que gera impedimentos a longo prazo e incapacidade parcial para atividades profissionais, conforme demonstrado pelas perícias médicas realizadas a pedido do Juízo.

A primeira perícia médica (evento 139), realizada em 11/05/2021, informa que o autor nunca trabalhou, apenas realiza serviços domésticos. Qeixa-se de transtorno mental, CID F70 e F71.1. Mora sozinho e necessita do auxílio de terceiros para a realização de compras. Sempre foi acometido da patologia, porém em grau leve e moderado, o que não impede de realizar atividades cotidianas. Faz acompanhamento médico cerca de 3 (três) vezes no ano no Sistema Único de Saúde. Encontra-se apto para realizar atividades simples. É portador da patologia CIDF70 - Retardo Mental Leve. A patologia é de caráter permanente, porém não o impede de realizar atividades.

Requerida pelo autor a complementação da perícia médica, foi determinada a realização de nova perícia pelo Juízo.

Do laudo pericial, realizado em 25/08/2021, extrai-se:

"1. Qual ou quais o(s) problema(s) de saúde apresentado(s) pelo autor?

R.: Paciente com independência para realizar atividades básicas da vida diária, faz higiene pessoal e se alimenta sozinho, com limitações e restrições para fazer aquisição e preparar alimentos. Tem tolerância física adequada para realizar exercícios e caminhadas, porém com dificuldade de interação afetiva e emocional, com limitação para dirigir veículos automotores.

2. Esses problemas de saúde são para toda a vida?

R.: Sim.

3. É possível especificar a data de início da(s) doença(s) e a gravidade desta(s)?

R.: Desde o nascimento. Comprometimento cognitivo permanente.

4. Esses problemas de saúde provocam deficiência física ou mental ou que lhes sejam equiparados?

R.: Sim, deficiência mental.

5. O quadro de saúde do autor indica impedimento de longo prazo?

R.: Sim.

6. A patologia do autor gera impedimentos de ordem física (como participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com outras pessoas da sua idade)?

R.: Sim.

7. Existe incapacidade para as atividades habituais? Existindo, ela é parcial ou total?

R.: Sim. parcial.

8. O autor tem condições de reabilitação para as atividades habituais ou eventualmente laborais?

R.: Não.

9. Precisa de acompanhamento, auxílio ou supervisão de terceiros para desenvolver suas atividades da vida diária? Essa necessidade decorre da deficiência?

R.: Sim para ambas." (evento 169 - LAUDOPERIC1)

Conforme mencionado por este segundo laudo pericial, o autor apresenta deficiência mental, desde o nascimento, com comprometimento cognitivo permanente. O quadro de saúde do autor indica impedimento de longo prazo. Necessita de acompanhamento, auxílio ou supervisão de terceiros para desenvolver suas atividades da vida diária, em decorrência da deficiência.

Assim, tenho que está delineada a deficiência do autor, para o fim de obter o benefício pleiteado.

Ainda que não haja incapacidade laboral total, isto é, para todas as atividades, há uma deficiência para a prática de atividades laborais, e para algumas das atividades domésticas. A condição do autor implica impedimentos de longo prazo. Isto é, autor encontra-se em situação de deficiência em relação à sociedade, para o fim de desenvolver atividades profissionais em igualdade com a população.

Trata-se, sim, de impedimentos de longo prazo à vida independente, o que se enquadra no conceito legal de deficiência e incapaciddade laboral para o recebimento do benefício pleiteado, na forma da lei de regência.

Enquadra-se a autora, assim, no conceito legal de pessoa com deficiência previsto no § 2º do artigo 20 da Lei Orgânica da Assistência Social.

No mesmo sentido, destacou o Ministério Público Federal no parecer oferecido nesta instância:

"Tem-se que o ponto de maior controvérsia debatido nos autos diz respeito à deficiência do autor.

A este respeito, observo que o Estatuto da Pessoa com Deficiência Lei nº 13.146/15) alterou a redação do art. 20 da Lei nº 8.742/93, a qual determina em seu parágrafo segundo que “Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.”

Portanto, entende-se por pessoa com deficiência aquela pessoa que possui algum tipo de impedimento que a veta de participar plena e efetivamente na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, não tendo este conceito nenhuma relação com a capacidade para o labor, uma vez que a pessoa com deficiência pode, ainda sim, ser capaz de trabalhar e manter uma vida independente.

No caso dos autos, restou demonstrado através do atestado médico juntado e da perícia realizada que o recorrente possui um conjunto de desordens permanentes, dentre elas CIDF70 – retardo mental leve que o acometerá durante toda sua vida, gerando impedimentos de ordem física e parcial incapacidade para as atividades cotidianas.

Por isso, é de se ter por preenchidos os requisitos para a concessão do benefício assistencial postulado." (evento 209)

Devem ser acolhidas, assim, as alegações do recorrente.

Preenchido, portanto, o requisito da incapacidade da parte autora.

Com relação ao requisito socioeconômico, foi realizada avaliação social em 14/06/2021 (evento 145 - OUT1).

Do estudo, extraio o seguinte trecho:

"Compreendeu-se que João Maria Alves da Silva, mora sozinho, ao lado da residência dos pais Sebastião Fernandes da Silva (zoio de cobra) e Rita de Lourdes Alves. Sendo estes os membros da família mais próximos do requerente e que o auxiliam de maneira mais sistemática.

Cumpre esclarecer que a visita foi no âmbito domiciliar e de trabalho de João, visto que estava trabalhando quando da abordagem. O local de trabalho é próximo a sua residência, sendo levado pelos pais até o local em que estava trabalhando, posteriormente este servidor se dirigiu até a casa do requerente para verificar as condições de moradia.

A casa em que reside é cedida pela COPEL, não soube explicar como se dá a forma de contrapartida, tem água e energia elétrica.

O requerente não possui renda fixa, é mantido pelos genitores, sobretudo no que diz respeito à alimentação e faz pequenos “bicos” na chácara de Edfonso Zanella (Edo) que tem um pequeno negócio de fabricação de móveis rústicos.

O trabalho é realizado de maneira informal e esporádica recebendo pelos dias que trabalha (R$50 a R$100,00) reais, fazendo alguns pequenos serviços de ordem braçal, que não exigem grandes habilidades. O dinheiro que João adquire geralmente é utilizado para pagar água e luz. Relatou que está inserido no Programa bolsa-família.

A casa em que reside é antiga, tem uma série de limitações no contexto da estrutura, e tem poucos móveis, sofá, televisão, em um contexto precário em relação a saúde e higiene incompatíveis com as necessidades humanas.

Observou-se um descuido habitacional severo, acúmulo de entulho como: papéis, roupas, produtos de limpeza, uma limitação em relação ao armazenamento de comida da residência e lixo orgânico.

Chama a atenção a quantidade de roupas no espaço da casa, segundo a genitora alguns momentos organiza o ambiente mas o filho não tem uma rotina de cuidados com o contexto doméstico, relatou.

Frequenta a rede de saúde do município, quando precisa fazer exames, e com a pandemia passou a procurar menos o aparelho público. Não há CAPS no município.

A deficiência informada foi mental e visual. Os pais do requerente pontuaram de forma abrangente sobre a deficiência, percebe-se que há uma noção limitada sobre a deficiência apontam dificuldades para enxergar, momentos de instabilidade de João, situações em que fica agressivo.

A relação do requerente com a escola foi marcada por barreiras, estudou na APAE e algum tempo na escola regular, segundo os pais fez até o 1º (primeiro) ano do ciclo básico.

O pai do requerente, pessoa deficiente visual, perdeu totalmente a visão, possui aposentadoria por idade, sendo o dinheiro proveniente dessa renda que sustenta sua casa e auxilia o filho. É a pessoa de referência da família. Mencionou que esteve preso por alguns anos e quem assumiu a responsabilidade com todas as limitações foi João, isso antes do requerente ter a visão afetada.

Sobre serviços, sistemas e políticas de transporte colocou que não tem carro, quando precisam avisam a assistência social para utilizar o carro e isso em uma necessidade eventual." (evento 145 - OUT1)

Extrai-se do estudo social que o autor reside sozinho, ao lado de seus pais, em imóvel cedido pela COPEL. O requerente não possui renda fixa, é mantido pelos genitores, e, no que diz respeito à alimentação, faz pequenos “bicos” em um pequeno negócio de fabricação de móveis rústicos. O trabalho é realizado de maneira informal e esporádica, recebendo pelos dias que trabalha (R$50 a R$100,00) reais, fazendo alguns pequenos serviços de ordem braçal, que não exigem grandes habilidades. O dinheiro adquirido geralmente é utilizado para pagar água e luz. Está inserido no Programa Bolsa-Família. A casa em que reside é antiga, tem uma série de limitações na estrutura, poucos móveis, e precária em relação a saúde e higiene. A deficiência apresentada pelo autor, segundo informado, é mental e visual. A relação do requerente com a escola foi marcada por barreiras, estudou na APAE e algum tempo na escola regular, segundo os pais fez até o 1º (primeiro) ano do ciclo básico. O pai do requerente é deficiente visual, perdeu totalmente a visão, possui aposentadoria por idade, sendo o dinheiro proveniente dessa renda que sustenta sua casa e auxilia o filho. É a pessoa de referência da família. Mencionou que esteve preso por alguns anos e quem assumiu a responsabilidade com todas as limitações foi João, isso antes do requerente ter a visão afetada.

Consta ainda nestes autos (evento 145 - PARECER2):

Verifico, no caso, que a parte autora enquadra-se no requisito da vulnerabilidade social, dada sua baixa renda familiar. O autor tem deficiência permanente, fortes limitações para o trabalho, vive em casa cedida, sobrevivendo do auxílio governamental Bolsa Família e de auxílio dos pais, também de pouca renda.

O ponto foi assim decidido pela sentença recorrida:

"Passo à análise do requisito da miserabilidade, do estudo social realizado na mov.165.1, extrai-se que: “Alguns aspectos são importantes a serem considerados das situações observadas e/ou constatadas visualizou-se precárias condições de moradia, baixo nível de escolaridade pessoas da rede família regressa do sistema penitenciário, um certo nível de isolamento social e menção a doença limitadora de atividades do cotidiano além de fragilidade ou ausência de vínculos comunitários, oque pode estar associado a quantidade de elementos que acumula. No que tange ao Serviço Social os elementos expostos combinados produzem uma condição de vulnerabilidade. Percebe-se que a estrutura familiar apresenta como uma retaguarda material ao requerente, não tendo uma inserção mais ampla na sociedade, os serviços públicos são localizados, atendimento pela assistência social, saúde e APAE. Não está inserido em programas de geração de emprego e renda. Verifica-se um isolamento social, os sistemas públicos de proteção social são restritos (assistência social, saúde e educação) e numa inserção precária e descontinuada.”

Sendo assim, com fundamento na previsão constitucional, o benefício de amparo assistencial previsto na Lei n. 8.742/93, prevê as condições que poderão ser usadas como elementos probatórios, sendo, a condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade.

O autor apresenta vulnerabilidade, (...)." (evento 191)

Com efeito, as informações constantes no estudo social demonstram que a renda familiar per capita declarada, somada a outros fatores referidos no laudo social, permite o enquadramento no parâmetro de ¼ do salário mínimo, de forma que a parte autora não possui condições de prover a sua subsistência ou de tê-la provida por sua família, encontrando-se, pois, em estado de miserabilidade que justifica a concessão do benefício, nos termos dos parâmetros legais estabelecidos no artigo 20 da Lei nº 8.742/1993, conforme decidido pela sentença apelada.

Tal situação, como visto, se enquadra na tese jurídica estabelecida no INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS 12 (5013036-79.2017.4.04.0000/RS), da 3ª Seção deste Regional, qual seja: 'o limite mínimo previsto no art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 ('considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo') gera, para a concessão do benefício assistencial, uma presunção absoluta de miserabilidade'.

Reformada, portanto, a sentença de improcedência, para que seja concedido o amparo à parte autora, nos termos postulados.

TERMO INICIAL

Presente o direito da parte autora à concessão do benefício assistencial de prestação continuada, os efeitos financeiros devem dar-se desde quando indevidamente suspenso, em 05/04/2019 (evento 1 - OUT9).

Cumpre ao INSS pagar as parcelas vencidas, descontando-se eventuais valores já pagos administrativamente ou por força de antecipação de tutela.

CONSECTÁRIOS LEGAIS DA CONDENAÇÃO

CORREÇÃO MONETÁRIA

A corrreção monetária deve ser feita pelo IPCA-E.

Por se tratar de benefício assistencial, que não tem natureza previdenciária, a correção monetária deverá ser feita de acordo com o IPCA-E, como ressalvado pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Tema 905:

Cumpre registrar que a adoção do INPC não configura afronta ao que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral (RE 870.947/SE). Isso porque, naquela ocasião, determinou-se a aplicação do IPCA-E para fins de correção monetária de benefício de prestação continuada (BPC), o qual se trata de benefício de natureza assistencial, previsto na Lei 8.742/93. Assim,é imperioso concluir que o INPC, previsto no art. 41-A da Lei 8.213/91, abrange apenas a correção monetária dos benefícios de natureza previdenciária.

Nesse sentido:

(...) 3. A conjugação dos precedentes dos tribunais superiores resulta na aplicação do INPC aos benefícios previdenciários, a partir de abril 2006, reservando-se a aplicação do IPCA-E aos benefícios de natureza assistencial. (...) (TRF 4ª R,, AC nº 5015991-69.2016.4.04.7000/PR, Relator Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, 08/04/2021)

JUROS MORATÓRIOS

a) os juros de mora, de 1% (um por cento) ao mês, serão aplicados a contar da citação (Súmula 204 do STJ), até 29/06/2009;

b) a partir de 30/06/2009, os juros moratórios serão computados de acordo com os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, conforme dispõe o artigo 5º da Lei 11.960/09, que deu nova redação ao artigo 1º-F da Lei nº 9.494/97, consoante decisão do STF no RE nº 870.947, DJE de 20/11/2017.

CONSECTÁRIOS DA SUCUMBÊNCIA

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS

O Juízo a quo decidiu no ponto:

"Condeno a parte requerente ao pagamento dos honorários advocatícios, os quais, em apreciação equitativa, fixo em R$ 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, com fulcro no artigo 85, caput e parágrafo 3º, do Código de Processo Civil, considerando a baixa complexidade da causa. Todavia, com base no artigo 98, §3º, do Código de Processo Civil, suspendo a exigibilidade de tais verbas até que a parte requerente tenha condições de pagá-las, observando o prazo máximo de 05 (cinco) anos, quando não mais poderão ser exigidas." (evento 191)

Invertida a sucumbência, condeno o INSS ao pagamento dos honorários advocatícios, que fixo nos percentuais mínimos previstos em cada faixa dos incisos do § 3º do artigo 85 do CPC, considerando as parcelas vencidas até a data deste julgamento (Súmulas 111 do STJ e 76 do TRF/4ª Região).

CUSTAS PROCESSUAIS

O INSS é isento do pagamento das custas processuais no Foro Federal (artigo 4º, inciso I, da Lei nº 9.289/96), mas não quando demandado na Justiça Estadual do Paraná (Súmula 20 do TRF/4ª Região).

Condeno, portanto, o INSS ao pagamento das custas judiciais, uma vez que o feito tramitou na Justiça Estadual do Paraná.

TUTELA ANTECIPADA

Concedida a tutela antecipada, para determinar a implantação do benefício previdenciário no prazo de 45 (quarenta e cinco) dias.

Seu deferimento sustenta-se na eficácia mandamental dos provimentos fundados no artigo 461 do Código de Processo Civil de 1973 e nos artigos 497, 536 e parágrafos e 537 do Código de Processo Civil de 2015.

PREQUESTIONAMENTO

Objetivando possibilitar o acesso das partes às Instâncias Superiores, considero prequestionadas as matérias constitucionais e/ou legais suscitadas, ainda que não referidos expressamente os respectivos artigos na fundamentação do voto.

CONCLUSÃO

a) Apelação do autor provida, para o fim de conceder o benefício assistencial, inclusive em tutela antecipada;

b) Alterada a fixação dos honorários advocatícios, com a inversão da sucumbência.

DISPOSITIVO

Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação.



Documento eletrônico assinado por CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, Desembargadora Federal Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003152148v46 e do código CRC 9ed6b25f.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI
Data e Hora: 28/4/2022, às 14:33:2


5002582-40.2022.4.04.9999
40003152148.V46


Conferência de autenticidade emitida em 06/05/2022 04:01:07.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5002582-40.2022.4.04.9999/PR

RELATORA: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI

APELANTE: JOAO MARIA ALVES DA SILVA

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. LEI Nº 8.742/93. PESSOA com deficiência. RENDA PER CAPITA FAMILIAR. REQUISITOS ATENDIDOS. CONSECTÁRIOS LEGAIS DA CONDENAÇÃO. TUTELA ANTECIPADA.

1. O direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: a) condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, de acordo com a redação original do artigo 20 da LOAS, ou impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, conforme redação atual do referido dispositivo) ou idoso (neste caso, considerando-se, desde 1º de janeiro de 2004, a idade de 65 anos); e b) situação de risco social (estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo) da parte autora e de sua família.

2. Hipótese que se enquadra na tese jurídica estabelecida no IRDR 12 (5013036-79.2017.4.04.0000/RS): o limite mínimo previsto no artigo 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 ('considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo') gera, para a concessão do benefício assistencial, uma presunção absoluta de miserabilidade.

3. Atendidos os requisitos legais definidos pela Lei n.º 8.742/93, deve ser reconhecido o direito da parte autora ao benefício assistencial de prestação continuada previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal.

4. As informações constantes no estudo social demonstram que a renda familiar per capita declarada, somada a outros fatores referidos no laudo social, permitem o enquadramento no parâmetro de ¼ (um quarto) do salário mínimo, de forma que a parte autora não possui condições de prover a sua subsistência ou de tê-la provida por sua família, encontrando-se, pois, em estado de miserabilidade que justifica a concessão do benefício, nos termos dos parâmetros legais estabelecidos no artigo 20 da Lei nº 8.742/1993. Autor é portador de transtorno mental, vive sozinho em imóvel cedido e sobrevive do auxílio governamental Bolsa-Família e da ajuda de seus pais, os quais também apresentam baixa renda.

5. Hipótese em que está delineada a deficiência do autor, para o fim de obter o benefício pleiteado. Ainda que não haja incapacidade laboral total, isto é, para todas as atividades, há uma deficiência para a prática de atividades laborais, e para algumas das atividades domésticas. Autor apresenta transtorno mental / retardo mental leve, com comprometimento cognitivo permanente. A condição implica impedimentos de longo prazo. Isto é, autor encontra-se em situação de deficiência em relação à sociedade, para o fim de desenvolver atividades profissionais em igualdade com a população. Trata-se, sim, de impedimentos de longo prazo à vida independente, o que se enquadra no conceito legal de deficiência e incapacidade laboral para o recebimento do benefício pleiteado, na forma da lei de regência. Enquadra-se a parte autora, assim, no conceito legal de pessoa com deficiência previsto no § 2º do artigo 20 da Lei Orgânica da Assistência Social.

6. Por se tratar de benefício assistencial, que não tem natureza previdenciária, a correção monetária deverá ser feita de acordo com o IPCA-E, como ressalvado pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Tema 905.

7. Concedida a imediata tutela antecipada. Seu deferimento sustenta-se na eficácia mandamental dos provimentos fundados no artigo 461 do CPC/73 e nos artigos 497, 536 e parágrafos e 537 do CPC/15.

8. Provido o apelo da parte autora, inverte-se a sucumbência.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar do Paraná do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Curitiba, 26 de abril de 2022.



Documento eletrônico assinado por CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, Desembargadora Federal Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003152149v8 e do código CRC 00f6e4fc.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI
Data e Hora: 28/4/2022, às 14:33:2


5002582-40.2022.4.04.9999
40003152149 .V8


Conferência de autenticidade emitida em 06/05/2022 04:01:07.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 18/04/2022 A 26/04/2022

Apelação Cível Nº 5002582-40.2022.4.04.9999/PR

RELATORA: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI

PRESIDENTE: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI

PROCURADOR(A): MAURICIO GOTARDO GERUM

APELANTE: JOAO MARIA ALVES DA SILVA

ADVOGADO: ANDRE FRANCO DE OLIVEIRA PASSOS (OAB PR027535)

ADVOGADO: GEONIR EDVARD FONSECA VINCENSI (OAB PR017507)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 18/04/2022, às 00:00, a 26/04/2022, às 16:00, na sequência 381, disponibilizada no DE de 04/04/2022.

Certifico que a Turma Regional suplementar do Paraná, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PARANÁ DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.

RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI

Votante: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI

Votante: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA

Votante: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO

SUZANA ROESSING

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 06/05/2022 04:01:07.

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