Apelação Cível Nº 5058974-73.2017.4.04.9999/RS
RELATOR: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA
APELANTE: ROSANGELA SILVERIO DE LIMA
ADVOGADO: KATIUCIA RECH
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RELATÓRIO
Trata-se de apelação da parte autora de sentença (prolatada em 11/09/2017 na vigência do NCPC) que julgou improcedente o pedido de benefício assistencial, cujo dispositivo reproduzo a seguir:
Ante o exposto, fulcro no art. 487, I do CPC, JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado por ROSANGELA SILVERIO DE LIMA em face do INSTITUTO NACIONAL DE SEGURO SOCIAL – INSS, conforme fundamentação supra.
Sucumbente, condeno a parte autora ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios ao patrono do demandado, que fixo em 20% sobre o valor atualizado da causa, com base no art. 85, § 2º do CPC, considerando o tempo de tramitação, o trabalho realizado e a natureza da lide. Fica, porém, dispensado do pagamento, uma vez que beneficiário da AJG.
Apelou, em apertada síntese, que restou comprovada a incapacidade e vulnerabilidade a que está sujeita a requerente.
O Ministério Público Federal opinou pelo regular prosseguimento do feito.
É o relatório.
VOTO
Juízo de admissibilidade
O apelo preenche os requisitos legais de admissibilidade.
Benefício de prestação continuada ao idoso e ao deficiente (LOAS)
A Constituição Federal de 1988 dispôs em seu artigo 203:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente da contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
(...)
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
A regulamentação desse dispositivo constitucional veio com a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, denominada Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), que, em seu artigo 20, passou a especificar as condições para a concessão do benefício, no valor de um salário mínimo mensal, à pessoa com deficiência e ao idoso com 70 anos ou mais comprovadamente carentes.
Após as alterações promovidas pelas Leis nº 9.720, de 30 de novembro de 1998, e nº 10.741, de 1º de outubro de 2003 (Estatuto do Idoso), relativas à redução do critério etário para 67 e 65 anos, respectivamente, sobrevieram as Leis nº 12.435, de 06 de julho de 2011, e nº 12.470, de 31 de agosto de 2011, as quais conferiram ao aludido artigo 20, da LOAS, a seguinte redação, ora em vigor:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
(...)
Portanto, o direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos:
1.a) idoso (assim considerado aquele com 65 anos ou mais, a partir de 1º de janeiro de 2004, data da entrada em vigor do Estatuto do Idoso) ou
1.b) condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, conforme redação original do artigo 20, da LOAS, e, após as alterações da Lei nº 12.470, de 31-10-2011, tratar-se de pessoa com impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas);
2) Situação de risco social (ausência de meios para, dignamente, prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família).
Requisito etário
Tratando-se de benefício requerido na vigência do Estatuto do Idoso, é considerada idosa a pessoa com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. O requisito é objetivo, ou seja, comprovado o atributo etário, a análise do requisito incapacitante é desnecessária, bastando apenas verificar a situação de vulnerabilidade socioeconômica a que submetido o idoso.
Condição de deficiente
Mister salientar, por oportuno, que a incapacidade para a vida independente a que se refere a Lei 8.742/93, na redação original, deve ser interpretada de forma a garantir o benefício assistencial a uma maior gama possível de pessoas com deficiência, consoante pacífica jurisprudência do STJ (v.g. STJ, 5ª Turma, RESP 360.202/AL, Rel. Min. Gilson Dipp, DJU de 01-07-2002) e desta Corte (v.g. AC n. 2002.71.04.000395-5/RS, 6ª Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, DJU de 19-04-2006).
Desse modo, a incapacidade para a vida independente:
a) não exige que a pessoa possua uma vida vegetativa ou seja incapaz de se locomover;
b) não significa incapacidade para as atividades básicas do ser humano, tais como alimentar-se, fazer a higiene pessoal e vestir-se sozinho;
c) não impõe a incapacidade de se expressar ou se comunicar; e
d) não pressupõe dependência total de terceiros.
Situação de risco social
Tendo em vista a inconstitucionalidade dos artigos 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e do artigo 34, § único, da Lei 10.741/2003, reconhecida no julgamento dos REs 567985 e 580963 em 18.04.2013, a miserabilidade para fins de benefício assistencial deve ser verificada em cada caso concreto.
Nesse sentido, os cuidados necessários com a parte autora, em decorrência de sua deficiência, incapacidade ou avançada idade, que acarretarem gastos - notadamente com medicamentos, alimentação especial, fraldas descartáveis, tratamento médico, psicológico e fisioterápico, entre outros -, configuram despesas a ser consideradas na análise da condição de risco social da família do demandante (TRF4, APELREEX 5002022-24.2011.404.7012, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão Celso Kipper, juntado aos autos em 27/06/2013).
A jurisprudência desta Corte Regional, bem como do Superior Tribunal de Justiça, é pacífica no sentido de que qualquer benefício de valor mínimo recebido por idoso de 65 anos ou mais (salvo quando recebido por força de deficiência, quando então o requisito etário é afastado) deve ser excluído da apuração da renda familiar, bem como essa renda mínima não é o único critério a balizar a concessão do benefício, devendo ser examinado juntamente com outros meios de aferição do estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo do autor e de sua família (Pet n.º 7203/PE - 3ª Seção - Unânime - Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura - DJe 11-10-2011; TRF4 - AC n.º 0019220-88.2012.404.9999 - 6ª T. - unânime - Rel. Des. Celso Kipper - D.E. 22-03-2013; REsp n.º 1112557/MG - 3ª Seção - unânime - Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho - DJe 20-11-2009).
Também, o fato de a parte autora ser beneficiária e perceber renda proveniente do Programa Bolsa Família, não só não impede a percepção do benefício assistencial do art. 203, V, da Constituição Federal, como constitui forte indicativo de que a unidade familiar encontra-se em situação de risco social (TRF4, APELREEX 2009.71.99.006237-1, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão Celso Kipper, D.E. 07/10/2014).
Logo, em linhas gerais, para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, a situação de risco social a que se encontra exposta a pessoa idosa ou portadora de deficiência e sua família deve ser analisada em cada caso concreto (TRF4, EINF 0016689-58.2014.404.9999, Terceira Seção, Relator Ricardo Teixeira do Valle Pereira, D.E. 29/05/2015).
Fixados os parâmetros de valoração da prova, passo ao exame da situação específica dos autos.
Ora, decidiu o julgador a quo pela improcedência do pedido inicial, conforme excerto que transcrevo (evento 3, SENT29):
No caso dos autos, a autora é nascida em 21/11/1975 (fl. 17), contando, pois, atualmente, com 41 anos de idade. Realizada perícia médica judicial (fls. 124v/128), afirmou o perito que a autora é portadora de "transtorno depressivo recorrente, episódio atual leve, com CID F33.0".
Referiu o perito que:
Não ha elementos técnicos acostados aos autos ou trazidos ao Ato Pericial que demonstrem incapacidade laborativa.
Não há presença de patologia que possa ser enquadrada no conceito de deficiência, nos termos do art. 4° do Decreto n°3.298/99 ou nos termos do art. 20 da Lei 8.742/93. A autora apresenta quadro depressivo recorrente, com sintomatologia leve a moderada, sem apresentar evidencia de prejuízo importante na capacidade cognitiva ou na regulação do comportamento. Não há alienação mental grave. Não há incapacidade para os atos da vida civil.
Assim, não há dúvidas de que a autora possui problemas de saúde, mas, a meu sentir não restou cabalmente comprovada que a incapacidade que lhe acomete está enquadrada nos moldes do art. 20, § 2°, incisos I e Il, da Lei n° 8.742/93, para o trabalho e para a vida independente, como exige a lei. Por isso, ausente a prova do requisito da deficiência para a concessão do beneficio, não faz jus a parte Autora, então, ao beneficio de prestação continuada.
Sem embargo, em que pese às conclusões do perito, há que se ponderar que a incapacidade para vida independente, referida na Lei nº 8.742/93, não deve ser interpretada de forma restritiva, inflexível.
Ora, não obstante tratar-se de pessoa jovem, com 40 anos de idade, constata-se que tem pouca instrução, exerce atividades como diarista, estando impedida diante da piora dos sintomas, conforme laudo: " Desde meados de 2012 teve piora dos sintomas. havendo necessidade de internações e acompanhamento regular através da Equipe de Atenção Básica da Secretaria Municipal de Saúde. Traz atestado emitido pela psicóloga do serviço, datado de 30/12/2014, relatando CID 10 F33.1 e F60.9." (evento 3, LAUDPERI24).
Ademais, o acervo probatória estriba as alegações da autora acometida de depressão com crises convulsivas, conforme atestados acostados aos autos (evento 3, ANEXOS PET4, p.38, PET6, p.4); encaminhamento para internação psiquiátrica, expedido no ano de 2014 por médica vinculada à Secretaria de Saúde do Município de Sobradinho RS, em função de tentativa de suicídio da autora ( evento 3, PET6, p.2).
Destarte, forçoso concluir que a incapacidade da parte autora à vida independente e para o trabalho restou evidenciada.
No entanto, à concessão do benefício assistencial necessário análise, não só em relação às condições de incapacidade para o trabalho, mas também o contexto socioeconômico em que o autor se encontra inserido, estudo que não foi realizado nestes autos.
Nessa senda, é certo que, nos termos do art. 480 do CPC/2015, o magistrado pode determinar a realização de perícia quando a matéria não estiver suficientemente esclarecida.
Ademais, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região - TRF4, em reiterados julgados, manifestou-se pela necessidade de renovação da prova pericial quando o laudo se mostra insuficiente para o deslinde do feito:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. LAUDO PERICIAL INSUFICIENTE. ANULAÇÃO DA SENTENÇA. PERÍCIA MÉDICA POR ESPECIALISTAS. 1. Inexiste liberdade absoluta na elaboração da prova pericial por parte do expert, que deve se empenhar em elucidar ao juízo e às partes todos os elementos necessários à verificação do real estado de saúde do segurado que objetiva a concessão de benefício por incapacidade.2. In casu, o laudo pericial, elaborado por profissional não especialista na área das moléstias apresentadas pela parte autora, apresenta-se lacônico e não analisa, exaustivamente, a incapacidade laboral da parte autora.3. Anulação da sentença a partir da prova pericial para que, retornados os autos à origem, seja realizada prova técnica por ortopedista e psiquiatra. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 0014086-46.2013.404.9999, 5ª Turma, Juiz Federal LUIZ ANTONIO BONAT, D.E. 15/10/2015, PUBLICAÇÃO EM 16/10/2015)
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA E APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCAPACIDADE LABORATIVA. DÚVIDA. anulação DA SENTENÇA. REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL. Anulada a sentença a fim de ser aberta a instrução, para que seja realizada nova perícia com médico ortopedista avaliando as implicações decorrentes da patologia e as influências desta na capacidade laborativa da parte autora. (AC nº 0000542-54.2014.404.9999, 5ª TURMA, Rel. Des. Federal LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON, unânime, D.E. 10-03-2015).
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. LAUDO LACÔNICO. NECESSIDADE DE REABERTURA DA INSTRUÇÃO. ANULAÇÃO DA SENTENÇA(...) 2.Sendo a prova pericial lacônica, é necessária a complementação da prova, impondo-se a anulação da sentença, a fim de que seja reaberta a instrução processual, com a realização de nova perícia, juntados exames e autorizada a formulação de quesitos pelas partes. (TRF4, AC 0005591-47.2012.404.9999, Quinta Turma, Relator Ricardo Teixeira do Valle Pereira, D.E. 21/06/2012)
Assim, inexistindo elementos de prova aptos à formação da convicção do juízo, deve ser anulada a sentença, pois entendo necessário laudo socioeconômico, detalhado, informando, comprovadamente: com fotos, onde efetivamente vive a parte autora, gastos mensais com água, luz, alimentação, medicamentos; com quem vive, o que faz atualmente, se recebe auxílio de parentes, ou algum benefício, bem como informações que o assistente social entender cabível, para verificação do risco social.
Ressalto que deve ser oportunizada a juntada, querendo, de outros documentos relativos à parte autora, e que possam contribuir à realização do estudo.
Prequestionamento
O prequestionamento da matéria segue a sistemática prevista no art. 1.025 do CPC/2015.
Conclusão
Entendo por anular, de ofício, a sentença e determinar o retorno dos autos à origem para que seja reaberta a instrução com a realização de laudo socioeconômico. Prejudicada a análise do recurso.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por, de ofício, anular a sentença e determinar a reabertura da instrução processual, a fim de que seja realizado laudo socioeconômico, restando prejudicado o exame do recurso.
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Apelação Cível Nº 5058974-73.2017.4.04.9999/RS
RELATOR: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA
APELANTE: ROSANGELA SILVERIO DE LIMA
ADVOGADO: KATIUCIA RECH
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. NECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE PROVA. REABERTURA DA INSTRUÇÃO. ANULAR A SENTENÇA.
1. Comprovados os requisitos da idade avançada e hipossuficiência econômica do grupo familiar, cabível a concessão do benefício assistencial.
2. Mostrando-se necessário o aprofundamento das investigações acerca das condições socioeconômicas, impõe-se a realização de estudo socioeconômico.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, decidiu de ofício, anular a sentença e determinar a reabertura da instrução processual, a fim de que seja realizado laudo socioeconômico, restando prejudicado o exame do recurso, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 26 de setembro de 2018.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 26/09/2018
Apelação Cível Nº 5058974-73.2017.4.04.9999/RS
RELATOR: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA
PRESIDENTE: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
APELANTE: ROSANGELA SILVERIO DE LIMA
ADVOGADO: KATIUCIA RECH
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 26/09/2018, na sequência 323, disponibilizada no DE de 11/09/2018.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª Turma, por unanimidade, decidiu de ofício, anular a sentença e determinar a reabertura da instrução processual, a fim de que seja realizado laudo socioeconômico, restando prejudicado o exame do recurso.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA
Votante: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA
Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Votante: Juíza Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
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