Apelação Cível Nº 5009607-12.2019.4.04.9999/RS
RELATOR: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
APELANTE: LUIS VEIGA
ADVOGADO: MARCO AURELIO ZANOTTO (OAB RS060192)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Trata-se de apelação da parte autora em face de sentença prolatada em 07/10/2018, na vigência do NCPC, que julgou improcedente o pedido de benefício assistencial, cujo dispositivo reproduzo a seguir:
ANTE O EXPOSTO, julgo improcedentes os pedidos de LUIS VEIGA contra o INSTITUTO 'NACIONAL DO SEGURO SOCIAL, condenando o autor ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios, que arbitro em R$1.000,00 (mil reais), atento ao trabalho desenvolvido pelo profissional, de,acordo com o artigo 85, e parágrafos, do Código de Processo _CiviI, suspensa a exigibilidade em razão do beneficio da AJG concedido.
Sustentou, em apertada síntese, que restou comprovado que o parte recorrente esta acometido de moléstias incapacitantes para o seu labor, requerendo que o autor seja submetido à perícia com especialista nas moléstias que o acometem.
Apresentada as contrarrazões, vieram os autos para esta Corte para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Juízo de admissibilidade
A apelação preenche os requisitos legais de admissibilidade.
Benefício de prestação continuada ao idoso e ao deficiente (LOAS)
A Constituição Federal de 1988 dispôs em seu artigo 203:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente da contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
(...)
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
A regulamentação desse dispositivo constitucional veio com a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, denominada Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), que, em seu artigo 20, passou a especificar as condições para a concessão do benefício, no valor de um salário mínimo mensal, à pessoa com deficiência e ao idoso com 70 anos ou mais comprovadamente carentes.
Após as alterações promovidas pelas Leis nº 9.720, de 30 de novembro de 1998, e nº 10.741, de 1º de outubro de 2003 (Estatuto do Idoso), relativas à redução do critério etário para 67 e 65 anos, respectivamente, sobrevieram as Leis nº 12.435, de 06 de julho de 2011, e nº 12.470, de 31 de agosto de 2011, as quais conferiram ao aludido artigo 20, da LOAS, a seguinte redação, ora em vigor:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
(...)
Portanto, o direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos:
1.a) idoso (assim considerado aquele com 65 anos ou mais, a partir de 1º de janeiro de 2004, data da entrada em vigor do Estatuto do Idoso) ou
1.b) condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, conforme redação original do artigo 20, da LOAS, e, após as alterações da Lei nº 12.470, de 31-10-2011, tratar-se de pessoa com impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas);
2) Situação de risco social (ausência de meios para, dignamente, prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família).
Requisito etário
Tratando-se de benefício requerido na vigência do Estatuto do Idoso, é considerada idosa a pessoa com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. O requisito é objetivo, ou seja, comprovado o atributo etário, a análise do requisito incapacitante é desnecessária, bastando apenas verificar a situação de vulnerabilidade socioeconômica a que submetido o idoso.
Condição de deficiente
Mister salientar, por oportuno, que a incapacidade para a vida independente a que se refere a Lei 8.742/93, na redação original, deve ser interpretada de forma a garantir o benefício assistencial a uma maior gama possível de pessoas com deficiência, consoante pacífica jurisprudência do STJ (v.g. STJ, 5ª Turma, RESP 360.202/AL, Rel. Min. Gilson Dipp, DJU de 01-07-2002) e desta Corte (v.g. AC n. 2002.71.04.000395-5/RS, 6ª Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, DJU de 19-04-2006).
Desse modo, a incapacidade para a vida independente:
a) não exige que a pessoa possua uma vida vegetativa ou seja incapaz de se locomover;
b) não significa incapacidade para as atividades básicas do ser humano, tais como alimentar-se, fazer a higiene pessoal e vestir-se sozinho;
c) não impõe a incapacidade de se expressar ou se comunicar; e
d) não pressupõe dependência total de terceiros.
Situação de risco social
Tendo em vista a inconstitucionalidade dos artigos 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e do artigo 34, § único, da Lei 10.741/2003, reconhecida no julgamento dos REs 567985 e 580963 em 18.04.2013, a miserabilidade para fins de benefício assistencial deve ser verificada em cada caso concreto.
Nesse sentido, os cuidados necessários com a parte autora, em decorrência de sua deficiência, incapacidade ou avançada idade, que acarretarem gastos - notadamente com medicamentos, alimentação especial, fraldas descartáveis, tratamento médico, psicológico e fisioterápico, entre outros -, configuram despesas a ser consideradas na análise da condição de risco social da família do demandante (TRF4, APELREEX 5002022-24.2011.404.7012, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão Celso Kipper, juntado aos autos em 27/06/2013).
A jurisprudência desta Corte Regional, bem como do Superior Tribunal de Justiça, é pacífica no sentido de que qualquer benefício de valor mínimo recebido por idoso de 65 anos ou mais (salvo quando recebido por força de deficiência, quando então o requisito etário é afastado) deve ser excluído da apuração da renda familiar, bem como essa renda mínima não é o único critério a balizar a concessão do benefício, devendo ser examinado juntamente com outros meios de aferição do estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo do autor e de sua família (Pet n.º 7203/PE - 3ª Seção - Unânime - Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura - DJe 11-10-2011; TRF4 - AC n.º 0019220-88.2012.404.9999 - 6ª T. - unânime - Rel. Des. Celso Kipper - D.E. 22-03-2013; REsp n.º 1112557/MG - 3ª Seção - unânime - Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho - DJe 20-11-2009).
Também, o fato de a parte autora ser beneficiária e perceber renda proveniente do Programa Bolsa Família, não só não impede a percepção do benefício assistencial do art. 203, V, da Constituição Federal, como constitui forte indicativo de que a unidade familiar encontra-se em situação de risco social (TRF4, APELREEX 2009.71.99.006237-1, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão Celso Kipper, D.E. 07/10/2014).
Logo, em linhas gerais, para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, a situação de risco social a que se encontra exposta a pessoa idosa ou portadora de deficiência e sua família deve ser analisada em cada caso concreto (TRF4, EINF 0016689-58.2014.404.9999, Terceira Seção, Relator Ricardo Teixeira do Valle Pereira, D.E. 29/05/2015).
Fixados os parâmetros de valoração da prova, passo ao exame da situação específica dos autos.
Tratando-se de benefício por incapacidade, o julgador firma sua convicção, via de regra, por meio da prova pericial. Tal assertiva, todavia, não é absoluta, uma vez que o julgador não está adstrito ao laudo pericial (art. 479, CPC).
No caso concreto, para comprovar a incapacidade laboral, a parte autora acostou aos autos atestado expedido pela Dra Dagmary Ayala Garcia RMS RS 4301068 que atesta a impossibilidade de trabalho por tempo indeterminado do autor, eis que portador de doença com CID M513 (evento 3, ANEXOSPET4, p.5).
Durante a instrução processual foi realizada perícia médica em 04/04/2018, pelo expert Renan Marsiaj de Oliveira Júnior, médico psiquiatra e do trabalho, diagnosticando que a parte autora é portadora de Discopatia Degenerativa lombar M51 e Coxartrose M16; concluindo, no entanto, que o autor apresenta patologias que não o incapacitam para atividade laboral habitual (evento 3, LAUDOPERIC9, p. 2).
Destarte, a despeito de o julgador não estar adstrito às conclusões do laudo pericial, é inquestionável que, tratando-se de controvérsia cuja solução dependa de prova técnica, por força do art. 145 do CPC, o juiz só poderá recusar a conclusão do laudo, se houver motivo relevante, uma vez que o perito judicial encontra-se em posição equidistante das partes, mostrando-se imparcial e com mais credibilidade. Nesse sentido, os julgados desta Corte: AC nº 2006.71.99.002349-2/RS; Relator Juiz Federal Sebastião Ogê Muniz; DJ de 01/11/2006; AC nº 2008.71.99.005415-1/RS; Relator Juiz Federal Nicolau Konkel Júnior; DJ de 04/02/2009.
Ademais, é imprescindível considerar, além do estado de saúde, as condições pessoais do segurado, como a sua idade, a instrução, a experiência laborativa e, por fim, a realidade do mercado de trabalho atual, já exíguo até para pessoas jovens e que estão em perfeitas condições de saúde.
O laudo pericial produzido durante a instrução processual, não confirmou as alegações declinadas na inicial no que diz respeito à existência de incapacidade para o exercício de atividades que a parte autora vinha exercendo.
Sem embargo, tenho que restou fragilizada a conclusão do senhor perito, eis que trata-se de pessoa com 65 anos de idade, carpinteiro/pedreiro, baixa instrução, cujo cerne de suas atividades laborais demandam esforço físico, e que, em função de sua moléstia, potencializa riscos que venham a comprometer a sua integridade física.
Nesse diapasão, a fim de que se possa decidir com segurança, entendo prudente que seja realizada nova perícia judicial, com médico especializado nas moléstias que acometem a parte autora, devendo as partes ser intimadas para, querendo, apresentar novos quesitos, devendo o expert responder a todos os quesitos formulados pelas partes e pelo juízo, e prestar todas as informações relativas ao quadro da paciente, sequelas e limitações eventualmente constatadas, condições de trabalho para a atividade habitual desenvolvida, existência (ou não) de incapacidade laboral (parcial ou total, temporária ou definitiva).
Deverá, ainda, ser, necessariamente, ser realizado estudo socioeconômico pelos fundamentos.
Registro que, nos termos do art. 480 do CPC/2015, o magistrado pode determinar a realização de nova perícia quando a matéria não estiver suficientemente esclarecida.
Ademais, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região - TRF4, em reiterados julgados, manifestou-se pela necessidade de renovação da prova pericial quando o laudo se mostra insuficiente para o deslinde do feito:
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA E APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCAPACIDADE LABORATIVA. DÚVIDA. ANULAÇÃO DA SENTENÇA. REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL. Anulada a sentença a fim de ser aberta a instrução, para que seja realizada nova perícia com médico ortopedista avaliando as implicações decorrentes da patologia e as influências desta na capacidade laborativa da parte autora. (AC nº 0000542-54.2014.404.9999, 5ª TURMA, Rel. Des. Federal LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON, unânime, D.E. 10-03-2015).
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. LAUDO LACÔNICO. NECESSIDADE DE REABERTURA DA INSTRUÇÃO. ANULAÇÃO DA SENTENÇA(...) 2.Sendo a prova pericial lacônica, é necessária a complementação da prova, impondo-se a anulação da sentença, a fim de que seja reaberta a instrução processual, com a realização de nova perícia, juntados exames e autorizada a formulação de quesitos pelas partes. (TRF4, AC 0005591-47.2012.404.9999, Quinta Turma, Relator Ricardo Teixeira do Valle Pereira, D.E. 21/06/2012)
Diante de tais considerações tenho por anular a sentença para a reabertura da instrução processual.
Dou parcial provimento à apelação da parte autora.
Conclusão
Dou provimento à apelação da parte autora,
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação. para anular a sentença, determinando a reabertura da instrução processual, com a realização de perícia com médico especializado nas moléstias que acometem o requerente, bem como seja realizado o estudo socioeconômico.
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EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. Necessidade DE REPETIÇÃO DA PROVA. REABERTURA DA INSTRUÇÃO. ANULAR A SENTENÇA
1. Comprovados os requisitos da idade avançada e hipossuficiência econômica do grupo familiar, cabível a concessão do benefício assistencial.
2. Mostrando-se necessário o aprofundamento das investigações acerca do estado de saúde e da alegada incapacidade do segurado, impõe-se a realização de nova perícia e realização de estudo socioeconômico.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação. para anular a sentença, determinando a reabertura da instrução processual, com a realização de perícia com médico especializado nas moléstias que acometem o requerente, bem como seja realizado o estudo socioeconômico, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 30 de outubro de 2019.
Documento eletrônico assinado por JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001401356v3 e do código CRC 977d88e9.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Ordinária DE 30/10/2019
Apelação Cível Nº 5009607-12.2019.4.04.9999/RS
RELATOR: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
PRESIDENTE: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
APELANTE: LUIS VEIGA
ADVOGADO: MARCO AURELIO ZANOTTO (OAB RS060192)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária do dia 30/10/2019, às , na sequência 384, disponibilizada no DE de 14/10/2019.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO. PARA ANULAR A SENTENÇA, DETERMINANDO A REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL, COM A REALIZAÇÃO DE PERÍCIA COM MÉDICO ESPECIALIZADO NAS MOLÉSTIAS QUE ACOMETEM O REQUERENTE, BEM COMO SEJA REALIZADO O ESTUDO SOCIOECONÔMICO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
Votante: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Votante: Juíza Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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