Apelação Cível Nº 5005559-39.2021.4.04.9999/SC
RELATORA: Juíza Federal GISELE LEMKE
APELANTE: NILMA RICHTER RODRIGUES
ADVOGADO: MAURI RAUL COSTA JUNIOR (OAB SC023061)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Trata-se de ação ordinária em que a parte autora requer a concessão de benefício assistencial por ter deficiência (decorrente de epilepsia secundária a neurocisticercose e depressão) e encontrar-se em situação de vulnerabilidade social.
Sobreveio sentença de improcedência (evento 180, Cert89-92), atacada por apelação da autora (evento 180, Cert 96-102). O recurso foi parcialmente provido nesta Corte, em que anulada a sentença para realização de perícia médica e social (evento 180, Cert112-116), o que foi levado a efeito.
O magistrado de origem, da Comarca de Fraiburgo/SC, proferiu nova sentença em 14/10/2019, julgando improcedente a demanda, uma vez que não comprovados os impedimentos de longo prazo e a miserabilidade. A parte autora foi condenada ao pagamento de despesas processuais e de honorários advocatícios (sem fixar o montante), cuja exigibilidade resta suspensa em virtude da concessão de gratuidade da justiça (evento 180, Cert 202-205).
A demandante apelou, sustentando que os documentos trazidos aos autos comprovam a deficiência e a situação de hipossuficiência (evento 180, Cert 209-216).
O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do recurso (evento 197, Parecer1).
Com contrarrazões (evento 190), os autos vieram conclusos para julgamento.
VOTO
Benefício assistencial
O direito ao benefício assistencial, previsto no art. 203, V, da Constituição Federal, e nos arts. 20 e 21 da Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS) pressupõe o preenchimento de dois requisitos: a) condição de pessoa com deficiência ou idosa (com mais de 65 anos) e b) situação de risco social, ou seja, de miserabilidade ou de desamparo.
O referido art. 20 da LOAS, com as modificações introduzidas pelas Leis 12.435 e 12.470, ambas de 2011, e pela Lei 13.146, de 2015, detalha os critérios para concessão do benefício:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
§ 1o Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
§ 2o Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
§ 3o Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.
§ 4o O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória.
§ 5o A condição de acolhimento em instituições de longa permanência não prejudica o direito do idoso ou da pessoa com deficiência ao benefício de prestação continuada.
§ 6º A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento de que trata o § 2o, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social - INSS
§ 7o Na hipótese de não existirem serviços no município de residência do beneficiário, fica assegurado, na forma prevista em regulamento, o seu encaminhamento ao município mais próximo que contar com tal estrutura.
§ 8o A renda familiar mensal a que se refere o § 3o deverá ser declarada pelo requerente ou seu representante legal, sujeitando-se aos demais procedimentos previstos no regulamento para o deferimento do pedido.
§ 9o Os rendimentos decorrentes de estágio supervisionado e de aprendizagem não serão computados para os fins de cálculo da renda familiar per capita a que se refere o § 3o deste artigo.
§ 10. Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2o deste artigo, aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.
§ 11. Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento.
A Lei nº 10.741/2003 - Estatuto do Idoso, por sua vez, em complemento à LOAS, dispõe:
Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social - Loas.
Parágrafo único. O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a Loas.
Em relação à criança com deficiência, deve ser analisado o impacto da incapacidade na limitação do desempenho de atividades e na restrição da participação social, compatível com a sua idade.
Conceito de família
A partir da alteração promovida pela Lei n. 12.435/2011 na Lei Orgânica da Assistência Social, o conceito de família compreende: o requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Quanto aos filhos maiores de idade e capazes, importante refletir sobre a responsabilidade que estes têm com os membros idosos da família. Uma vez que o benefício em questão, tratado no art. 203, V, da Constituição Federal, garante um salário mínimo mensal à pessoa deficiente ou idosa que comprove não possuir meios de prover à própria manutenção ou tê-la provida por sua família, não seria razoável excluir a renda de filho maior e capaz que aufere rendimentos, uma vez que este tem responsabilidade para com seus genitores idosos.
Por outro lado, considerar aqueles filhos maiores e capazes que não auferem renda para fins de grupo familiar seria beneficiá-los com uma proteção destinada ao idoso, ou seja, estariam contribuindo para a implementação dos requisitos do benefício (cálculo da renda per capita) sem contribuir para o amparo de seus ascendentes. Logo, tem-se que devem ser computados no cálculo da renda per capita tão somente os filhos que possuem renda.
Condição socioeconômica
Em relação ao critério econômico, o art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/1993, estabelecia que era hipossuficiente a pessoa com deficiência ou idoso cuja família possuísse renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo.
No entanto, ao julgar o REsp 1.112.557 representativo de controvérsia, o Superior Tribunal de Justiça relativizou o critério econômico previsto na legislação, admitindo a aferição da miserabilidade por outros meios de prova que não a renda per capita, consagrando os princípios da dignidade da pessoa humana e do livre convencimento do juiz:
RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
(...) 4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente o cidadão social e economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido.
(REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009)
Nesse sentido, tenho adotado posição de flexibilizar os critérios de reconhecimento da miserabilidade, merecendo apenas adequação de fundamento frente à deliberação do Supremo Tribunal Federal, que, por maioria, ao analisar os recursos extraordinários 567.985 e 580.963, ambos submetidos à repercussão geral, reconheceu a inconstitucionalidade do § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/1993 - LOAS, assim como do art. 34 da Lei 10.741/2003 - Estatuto do Idoso.
Com efeito, reconhecida a inconstitucionalidade do critério econômico objetivo em regime de repercussão geral, cabe ao julgador, na análise do caso concreto, aferir o estado de miserabilidade da parte autora e de sua família.
Mais recentemente, a Lei 13.146/2015 introduziu o § 11 no referido artigo 20 da LOAS, o qual dispõe que para concessão do benefício assistencial poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento.
Controvérsia dos autos
A controvérsia recursal envolve a comprovação da miserabilidade e dos impedimentos de longo prazo.
Caso concreto
A parte autora, nascida em 05/05/1971, aos 39 anos de idade requereu administrativamente o benefício assistencial em 13/01/2011, pedido indeferido, sob o argumento de que não comprovada a miserabilidade, tampouco os impedimentos de longo prazo (evento 180, Cert159 ).
A presente ação foi ajuizada em 26/05/2011.
Consta do CNIS que a autora era contribuinte individual e esteve em auxílio-doença de 11/2011 a 02/2013 e de 03/2013 a 09/2014, voltando a contribuir ao sistema entre agosto e novembro de 2015. Em 02/2016 novamente entrou em auxílio-doença, convertido em aposentadoria por invalidez em 02/2019, a qual se encontrava ativa em 04/2021.
Passo à análise da situação social e econômica da família.
Condição socioeconômica
O estudo socioeconômico (evento Cert186-190), realizado em 05/2017, apontou que a autora, Nilma (46 anos), vivia com o marido, Aloir (46 anos), e com o filho, Alvaro (14 anos), em casa própria em madeira, com dois quartos, sala, cozinha, banheiro e lavanderia, com estrutura física em boas condições e acesso à energia elétrica e a abastecimento de água, situada em Fraiburgo/SC. A assistente social afirmou que a residência era guarnecida com móveis e eletrodomésticos suficientes para o atendimento das necessidades básicas.
Na data da visita domiciliar, a renda era de um salário mínimo da autora (proveniente do auxílio-doença acima mencionado), somado ao salário de R$ 1.200,00 percebido pelo marido, totalizando R$ 2.137,00.
As despesas mensais eram de R$ 100,00 com energia elétrica, R$ 90,00 com água, R$ 700,00 com alimentação, R$ 300,00 com saúde (medicamentos, exames e consultas), R$ 100,00 com transporte, R$ 70,00 com gás de cozinha e R$ 70,00 com internet, perfazendo R$ 1.430,00.
A conclusão da assistente social foi de que a família não era elegível ao benefício de prestação continuada.
Logo, não restou demonstrada a miserabilidade familiar, sobretudo considerando que a autora esteve em vários períodos desde a DER em gozo de auxílio-doença e encontra-se desde 02/2019 aposentada por invalidez, não merece reapors
Como os requisitos são cumulativos para concessão do benefício assistencial, não merece reparos a sentença de improcedência.
Desprovido o recurso da requerente.
Majoração dos honorários de sucumbência
Tendo em vista que o magistrado de origem condenou a demandante em honorários advocatícios, porém não determinou o respectivo montante, não procedo à usual majoração da verba honorária em casos de desprovimento do recurso, nos termos do art. 85, § 11 do CPC.
Conclusão
Desprovido o recurso da demandante.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação da parte autora.
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Apelação Cível Nº 5005559-39.2021.4.04.9999/SC
RELATORA: Juíza Federal GISELE LEMKE
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ADVOGADO: MAURI RAUL COSTA JUNIOR (OAB SC023061)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PESSOA COM DEFICIÊNCIA CONDIÇÃO SOCIOECONÔMICA. MISERABILIDADE. inexistência.
1. O direito ao benefício assistencial, previsto no art. 203, V, da Constituição Federal, e nos arts. 20 e 21 da Lei 8.742/93 (LOAS) pressupõe o preenchimento de dois requisitos: a) condição de pessoa com deficiência ou idosa e b) situação de risco social, ou seja, de miserabilidade ou de desamparo.
2. Reconhecida a inconstitucionalidade do critério econômico objetivo em regime de repercussão geral, bem como a possibilidade de admissão de outros meios de prova para verificação da hipossuficiência familiar, cabe ao julgador, na análise do caso concreto, aferir o estado de miserabilidade da parte autora e de sua família.
3. Ausente a miserabilidade familiar, é de ser indeferido o pedido de benefício assistencial ao deficiente.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 11 de maio de 2021.
Documento eletrônico assinado por GISELE LEMKE, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002473696v3 e do código CRC bd1c75ae.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 04/05/2021 A 11/05/2021
Apelação Cível Nº 5005559-39.2021.4.04.9999/SC
RELATORA: Juíza Federal GISELE LEMKE
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PROCURADOR(A): CARLOS EDUARDO COPETTI LEITE
APELANTE: NILMA RICHTER RODRIGUES
ADVOGADO: MAURI RAUL COSTA JUNIOR (OAB SC023061)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 04/05/2021, às 00:00, a 11/05/2021, às 14:00, na sequência 582, disponibilizada no DE de 23/04/2021.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Juíza Federal GISELE LEMKE
Votante: Juíza Federal GISELE LEMKE
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 19/05/2021 04:01:20.