APELAÇÃO CÍVEL Nº 5001716-70.2011.4.04.7201/SC
RELATOR | : | LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON |
APELANTE | : | ERNA CORREA |
ADVOGADO | : | MAURICIO ALESSANDRO VOOS |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | OS MESMOS |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
EMENTA
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PESSOA IDOSA. CONDIÇÃO SOCIOECONÔMICA. MISERABILIDADE. CONCESSÃO. FRAUDE. RESTABELECIMENTO DO BENEFÍCIO. IMPOSSIBILIDADE. RESTITUIÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS. DESCABIMENTO. BOA-FÉ. CARÁTER ALIMENTAR. APOSENTADORIA POR IDADE. PREENCHIMENTO DE REQUISITOS. INOCORRÊNCIA.
1. O direito ao benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição Federal e no art. 20 da Lei 8.742/93 (LOAS) pressupõe o preenchimento de dois requisitos: a) condição de pessoa com deficiência ou idosa e b) condição socioeconômica que indique miserabilidade; ou seja, a falta de meios para prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família.
2. In casu, o benefício foi concedido mediante fraude, com adulteração de documentos, fato que não era do conhecimento da parte autora. Como não foram preenchidos os requisitos para concessão, não deve ser restabelecido o benefício.
3. Descabida a restituição dos valores já percebidos, em razão do caráter alimentar e da boa-fé da requerente. Precedentes.
4. Incabível a concessão de aposentadoria por idade, uma vez que não preenchido o requisito carência.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 16 de junho de 2015.
Des. Federal LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON
Relator
| Documento eletrônico assinado por Des. Federal LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7555332v3 e, se solicitado, do código CRC 33E01ACB. | |
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 5001716-70.2011.404.7201/SC
RELATOR | : | LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON |
APELANTE | : | ERNA CORREA |
ADVOGADO | : | MAURICIO ALESSANDRO VOOS |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | OS MESMOS |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
RELATÓRIO
Trata-se de ação ordinária ajuizada por Erna Correa, que recebeu benefício assistencial no período de 11/06/2003 a 01/07/2009, cancelado pelo INSS em razão da apuração de que tal benefício havia sido concedido mediante fraude, com falsificação de documentos. A autora requer o restabelecimento do benefício, o pagamento das prestações atrasadas, bem como não ser compelida a restituir os valores percebidos no período. Alega que decaiu o direito de o INSS revisar o benefício assistencial. Alternativamente, pede a concessão de aposentadoria por idade, uma vez que implementou os requisitos legais.
A autora alega que um suposto advogado, de nome Gerson Souza da Silva, ofereceu seus serviços para encaminhar junto ao INSS o pedido de aposentadoria, deferido menos de dois meses após. No entanto, o pedido encaminhado na autarquia foi para concessão de benefício assistencial ao idoso, mediante a adulteração da data de nascimento no documento de identidade, no CPF e na certidão de casamento da autora, informando que a requerente havia nascido em 05/02/1936, quando a data correta era 05/02/1942. Além disso, foi falsificado o nome do marido na certidão de casamento, constando Ilton em lugar de Anilton Corrêa. Assim, restou omitida a informação de que o cônjuge era aposentado, percebendo mais de dois salários mínimos de benefício (evento 1, ProcAdm7).
Concedido irregularmente o benefício assistencial em 11/06/2003 (evento 1, ProcAdm7, p. 20), a autora alega que recebeu os valores de boa-fé durante seis anos, imaginando tratar-se de aposentadoria. No entanto, o benefício foi cancelado em 1º/07/2009 (evento 1, ProcAdm8, p. 36), após o INSS informar sobre a fraude e oportunizar à requerente o contraditório, que foi exercido (evento 1, ProcAdm8, pp. 22, 28-29).
Houve ação criminal (2004.72.00014344-3), que tramitou na 1ª Vara Federal Criminal de Florianópolis/SC, em que a autora foi ouvida como testemunha, relatando os fatos acima (evento 1, Precatória9, p. 31). A decisão foi pela condenação de servidores do INSS e de outras pessoas, entre elas o suposto advogado Gerson Souza da Silva. Especificamente em relação ao caso da ora autora, Gerson foi condenado pelo crime de estelionato (evento 1, Sent13, p. 21).
Além de ter o benefício assistencial cancelado, a requerente recebeu notificação da autarquia em junho de 2009 para restituir os valores indevidamente recebidos no período, no valor de R$ 23.950,44 (evento1, GPS6). Nova notificação foi enviada em junho de 2011, com o valor do débito atualizado para R$ 47.736,11 (evento 7, Oficio/C2).
Sobreveio sentença, em que o MM. Magistrado a quo julgou improcedentes os pedidos da requerente, que apelou, aduzindo que foi vítima de fraude, que não tinha conhecimento das falsificações e do encaminhamento irregular do pedido de benefício assistencial. Alega que decaiu o direito do INSS de revisar o ato administrativo de concessão do benefício assistencial, pois passados mais de cinco anos. Requer:
a) o restabelecimento do benefício assistencial, porquanto há expectativa de direito adquirido;
b) o pagamento das prestações vencidas desde o cancelamento do benefício assistencial;
c) a anulação do débito lançado pelo INSS para restituição do montante percebido durante seis anos, em razão do caráter alimentar do benefício e pelo fato de os valores terem sido recebidos de boa-fé;
d) alternativamente, a concessão da aposentadoria por idade.
O Ministério Público opinou pelo desprovimento da apelação da autora (evento4, Parecer1).
Com contrarrazões, vieram os autos conclusos.
É o relatório.
VOTO
Do benefício assistencial
Trata a presente ação do direito da parte autora à percepção do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição Federal de 1988, e regulado pela Lei 8.742/93, a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS).
A Carta Magna instituiu o benefício assistencial ao portador de deficiência e ao idoso nos seguintes termos:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
(...)
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
A Lei 8.742/1993 regulou a matéria em seu art. 20, conforme transcrição a seguir:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
§ 1o Para os efeitos do disposto no caput, entende-se como família o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991, desde que vivam sob o mesmo teto.
§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho.
§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
§ 4º O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo o da assistência médica.
§ 5º A situação de internado não prejudica o direito do idoso ou do portador de deficiência ao benefício.
§ 6o A concessão do benefício ficará sujeita a exame médico pericial e laudo realizados pelos serviços de perícia médica do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS.
Com as mudanças introduzidas pelas Leis 12.435/2011 e 12.470/2011, o referido art. 20 passou a ter a seguinte redação:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
§ 1o Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
§ 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
§ 3o Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.
§ 4o O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória.
§ 5o A condição de acolhimento em instituições de longa permanência não prejudica o direito do idoso ou da pessoa com deficiência ao benefício de prestação continuada
§ 6º A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento de que trata o § 2o, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social - INSS.
§ 7o Na hipótese de não existirem serviços no município de residência do beneficiário, fica assegurado, na forma prevista em regulamento, o seu encaminhamento ao município mais próximo que contar com tal estrutura.
§ 8o A renda familiar mensal a que se refere o § 3o deverá ser declarada pelo requerente ou seu representante legal, sujeitando-se aos demais procedimentos previstos no regulamento para o deferimento do pedido.
§ 9º A remuneração da pessoa com deficiência na condição de aprendiz não será considerada para fins do cálculo a que se refere o § 3o deste artigo.
§ 10 Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2o deste artigo, aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.
No que pertine aos idosos, especificamente, o art. 38 da mesma Lei, com a redação dada pela Lei n.º 9.720, de 30 de novembro de 1998, dispunha (antes de ser revogado pela Lei 12.435/2011) que a idade prevista no art. 20 seria diminuída para 67 anos a partir de 1º de janeiro de 1998. Esta idade sofreu nova redução, para 65 anos, pelo art. 34, caput, da Lei n.º 10.741, de 1º de outubro de 2003 (Estatuto do Idoso).
Assim, o direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento de dois requisitos:
a) condição de pessoa com deficiência - incapacidade para a vida independente e para o trabalho, de acordo com a redação original do art. 20 da LOAS, ou com impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, conforme disposto na atual redação do dispositivo em comento; ou condição de pessoa idosa - idade superior a 65 anos (a partir de 1º de janeiro de 2004).
b) condição socioeconômica - ausência de meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
Do conceito de família
O conceito de família, para fins de cálculo da renda per capita para concessão do benefício assistencial, modificou-se ao longo do tempo.
- Em sua redação original, o § 1º do art. 20 da Lei 8.742/93 estabelecia que:
§ 1º Para os efeitos do disposto no caput, entende-se por família a unidade mononuclear, vivendo sob o mesmo teto, cuja economia é mantida pela contribuição de seus integrantes.
- Em 30 de novembro de 1998, foi promulgada a Lei nº 9.720, que deu a seguinte redação àquele dispositivo, bem mais restritiva:
§ 1º Para os efeitos do disposto no caput, entende-se como família o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/1991, desde que vivam sob o mesmo teto.
- Já o referido art. 16 da Lei de Benefícios dispunha que:
Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:
I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido;
II - os pais;
III - o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido;
- Outra alteração, introduzida pela Lei 12.435/2011, estabeleceu novo conceito de família, in verbis:
§ 1º Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Embora mais amplo, o conceito atual não contempla todos os desenhos familiares existentes na sociedade contemporânea. A sua interpretação literal pode levar o julgador a contrariar o objetivo da norma constitucional, que prevê socorro do Poder Público ao portador de deficiência e ao idoso que não tenham condições de prover a própria manutenção ou de tê-la provida pela sua família.
No mesmo sentido é o entendimento de Luciano Meneghetti Pereira, que consigna que, para atender ao mandamento constitucional, não é possível uma interpretação puramente literal e restritiva do conceito de família do § 1º, art. 20, da LOAS, "sob pena de incorrer-se em injustiças e macular a intenção constitucional que estabeleceu o benefício" (in "Análise crítica do benefício de prestação continuada e a sua efetivação pelo Judiciário". Brasília, Revista CEJ, n. 56, jan./abr. 2012, p. 19. Disponível em: .
Assim, tenho que o rol de integrantes da família elencados na legislação ordinária não é taxativo, merecendo uma análise acurada no caso concreto.
Da condição socioeconômica
O art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993, tanto em sua redação original quanto após as modificações introduzidas pelas Leis 12.435/2011 e 12.470/2011, estabelece que é considerada hipossuficiente a pessoa com deficiência ou idosa cuja família possua renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo. No entanto, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp 1.112.557 representativo de controvérsia, relativizou o critério econômico previsto na legislação, admitindo a aferição da miserabilidade da pessoa deficiente ou idosa por outros meios de prova que não a renda per capita, consagrando os princípios da dignidade da pessoa humana e do livre convencimento do juiz, conforme estampa a ementa pertinente:
RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente o cidadão social e economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido.
(REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009)
Além disso, o Supremo Tribunal Federal, ao analisar os recursos extraordinários 567.985 e 580.963, ambos submetidos à repercussão geral, reconheceu, por maioria, a inconstitucionalidade do § 3º do art. 20 da Lei 8.742/1993 (LOAS), assim como do parágrafo único do art. 34 da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso).
Nessa senda, reconhecida a inconstitucionalidade do critério econômico objetivo em regime de repercussão geral, bem como a possibilidade de admissão de outros meios de prova para verificação da hipossuficiência familiar em sede de recursos repetitivos, tenho que cabe ao julgador, na análise do caso concreto, aferir o estado de miserabilidade da parte autora e de sua família, autorizador ou não da concessão do benefício assistencial.
Caso concreto
No caso ora entelado, a autora recebeu o benefício assistencial no período de 11/06/2003 a 01/07/2009, cancelado pelo INSS ao apurar a ocorrência de fraude, mediante a adulteração da data de nascimento (para 05/02/1936, quando o correto era 05/02/1942) e do nome do cônjuge da requerente. O benefício foi concedido à autora quando ela tinha 61 anos, em vez dos 67 anos exigidos por lei à época (art. 38 da Lei 8.742/93, com redação dada pela Lei 9.720/1998).
Como bem lançado pelo MM. Magistrado a quo, o pedido para restabelecimento do benefício não merece acolhida, uma vez que os elementos trazidos aos autos indicam que à época da DER a requerente não preenchia o requisito etário, tampouco o requisito hipossuficiência familiar. Outrossim, embora tenha preenchido o requisito etário posteriormente, o laudo socioeconômico realizado em 11/06/2012, aponta que não há miserabilidade familiar. A assistente social relatou que o casal (Erna, 70 anos, e Anilton, 75 anos) vive há 12 anos em uma casa própria, de alvenaria, com dois pavimentos, sendo que no térreo há duas salas comerciais que são alugadas, situada em Joinville/SC. Informou que tanto o imóvel quanto os móveis que guarnecem a residência estão em bom estado de conservação e que a família dispõe de um automóvel Chevette ano 1990. As fotos acostadas ao estudo corroboram tais informações.
A perita noticiou, ainda, que a renda familiar é de R$ 1.812,00 mensais, proveniente da aposentadoria do cônjuge (R$ 862,00), das atividades de costura realizadas pela autora (R$ 100,00) e do aluguel das duas salas comerciais (R$ 850,00). As despesas mensais englobam R$ 600,00 aplicados em alimentação, R$ 110,00 em energia elétrica, R$ 97,00 em água, R$ 38,00 em gás, R$ 56,00 em telefone, R$ 120,00 em medicamentos e R$ 50,00 em combustível, totalizando gastos de R$ 1.071,00 ao mês. O parecer da assistente social foi pela inexistência de carência econômica (evento 67, LaudPeri1).
Com base nestas informações, conclui-se que não restou preenchido o requisito hipossuficiência familiar, indispensável à concessão do benefício assistencial. Em vista disso, não merece guarida o apelo da parte autora no que tange ao restabelecimento do benefício e ao pagamento das prestações atrasadas.
Além disso, importante consignar que o benefício assistencial está sujeito a revisões a cada dois anos, conforme disposto no art. 21 da Lei 8.742/93, o que afasta a alegação da parte autora de que decaíra o direito do INSS de revisar o ato administrativo de concessão.
Da restituição dos valores
In casu, não há prova de que a autora tenha recebido o benefício assistencial de má-fé, tampouco participado das fraudes perpetradas por servidores do INSS e por outros agentes condenados criminalmente, que captavam "clientes" para protocolizar os pedidos irregulares de concessão de benefício previdenciário, conforme já referido.
Além disso, na audiência realizada em 17/07/2012, as testemunhas ouvidas foram uníssonas ao afirmar que não havia nada que desabonasse a conduta da autora (evento 82, Audio2).
Assim, tendo em vista que a requerente é pessoa idosa, que percebeu de boa-fé o benefício assistencial, de caráter alimentar, ao longo de seis anos, pensando tratar-se de sua aposentadoria, tenho que os valores recebidos não devem ser restituídos. No mesmo sentido é a jurisprudência desta Corte:
PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO DE RESSARCIMENTO PROPOSTA PELO INSS DOS VALORES PAGOS À RÉ A TÍTULO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE MÁ-FÉ DA RÉ NO RECEBIMENTO TIDO POR INDEVIDO. IRREPETIBILIDADE DOS VALORES PAGOS POR ERRO ADMINISTRATIVO. ART. 115 DA LEI 8.213/91. AÇÃO IMPROCEDENTE. DESCABIMENTO DA CONDENAÇÃO DO INSS AO PAGAMENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. Não cabe descontos, no benefício previdenciário, a título de restituição de valores pagos aos segurados por erro administrativo, cujo recebimento deu-se de boa-fé, face ao princípio da irrepetibilidade ou da não devolução dos alimentos. Precedentes do STJ. 2. Segundo dispõe o art. 23 da Lei n. 8.906/94, "os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor". Vale dizer, os honorários fixados judicialmente não pertencem à parte vitoriosa na demanda, pois com a vigência do novo Estatuto da Advocacia, tal verba passou a constituir direito do advogado, sua remuneração pelos serviços prestados em Juízo. No mesmo sentido, os precedentes do STJ: AGA nº 351879/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Franciulli Netto, julg. em 17/04/2001; EDREsp nº 430940/MG, 2ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, julg. em 06/08/2002; REsp nº 234676/RS, 4ª Turma, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, julg. em 15/02/2000; EDREsp nº 394626/DF, 1ª Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, julg. em 02/05/2002. 3. In casu, a parte ré foi revel e sequer constituiu procurador nos autos, razão pela qual, embora improcedente a demanda, não é devida a condenação do autor (no caso, o INSS) ao pagamento de honorários advocatícios. (TRF4, APELREEX 5001273-11.2014.404.7203, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão Celso Kipper, juntado aos autos em 10/10/2014)
PREVIDENCIÁRIO. RESTITUIÇÃO AO ERÁRIO DE VALORES RECEBIDOS A MAIOR A TÍTULO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PRESUNÇÃO DE BOA-FÉ. Consoante orientação jurisprudencial desta Corte e do Superior Tribunal de Justiça, os valores pagos indevidamente a título de benefício assistencial não são passíveis de restituição, quando recebidos de boa-fé, mormente na hipótese de erro administrativo. (TRF4, APELREEX 5009785-75.2012.404.7001, Quinta Turma, Relatora p/ Acórdão Vivian Josete Pantaleão Caminha, juntado aos autos em 07/03/2013)
Ante o exposto, é de ser cancelado o débito lançado pelo INSS.
Da aposentadoria por idade
Alternativamente, a autora requer a concessão de aposentadoria por idade, uma vez que preencheu os requisitos legais. No entanto, não merece prosperar o pedido, como bem lançado pelo MM. Magistrado a quo, cuja fundamentação transcrevo, in verbis (evento 96, Sent1):
Já no tocante à aposentadoria por idade urbana, a autora completou o requisito etário no ano de 2002 (60 anos), de modo que teria de comprovar a existência de 126 meses de contribuição, para fins de carência. Embora o INSS não tenha apresentado o extrato de tempo de contribuição da autora (no CNIS nada consta), verifica-se que ela alega a existência de vínculos empregatícios nos períodos de 17/08/1971 a 15/10/1971 (Malharia Arp Ltda.), 28/10/1971 a 13/01/1975 (Casimiro Silveira Ltda.) e 11/07/1977 a 20/12/1978 (Ley-Mar Confecções Ltda.), os quais são insuficientes para o complemento do período de carência exigido para a concessão desse benefício.
O pedido não merece guarida no ponto.
Dos ônus sucumbenciais
Entendo que o ônus sucumbencial deve ser suportado integralmente pela parte autora, uma vez que apenas um dos quatro pedidos foi provido. A parte autora deve ser condenada ainda em custas processuais. Tanto a verba honorária quanto as custas processuais restam com exigibilidade suspensa em razão da assistência judiciária gratuita concedida.
Conclusão
O apelo da parte autora foi parcialmente provido, para o fim de anular o débito lançado pelo INSS para restituição dos valores já percebidos a título de benefício assistencial.
Dispositivo
Ante o exposto, voto no sentido de dar parcial provimento à apelação da parte autora.
É o voto.
Des. Federal LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 16/06/2015
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5001716-70.2011.4.04.7201/SC
ORIGEM: SC 50017167020114047201
RELATOR | : | Des. Federal LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON |
PRESIDENTE | : | Rogerio Favreto |
PROCURADOR | : | Dra. Márcia Neves Pinto |
APELANTE | : | ERNA CORREA |
ADVOGADO | : | MAURICIO ALESSANDRO VOOS |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | OS MESMOS |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 16/06/2015, na seqüência 71, disponibilizada no DE de 28/05/2015, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON |
: | Des. Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA | |
: | Des. Federal ROGERIO FAVRETO |
Lídice Peña Thomaz
Diretora de Secretaria
| Documento eletrônico assinado por Lídice Peña Thomaz, Diretora de Secretaria, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7629226v1 e, se solicitado, do código CRC 6D0A6F35. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Lídice Peña Thomaz |
| Data e Hora: | 17/06/2015 18:59 |
