Apelação Cível Nº 5000264-68.2021.4.04.7138/RS
RELATOR: Juiz Federal MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS
APELANTE: SARA UBERTI REIS (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta por SARA UBERTI REIS em AÇÃO PREVIDENCIÁRIA que move em face do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, objetivando a condenação da Autarquia Federal à concessão do Benefício Assistencial ao idoso - LOAS, NB: 704.007.414-2, desde 10/09/2018.
Em síntese, a parte autora relatou que ingressou com requerimento do benefício assistencial de amparo ao idoso (NB 704.007.414-2), o qual foi indeferido em razão da falta de atualização do CadÚnico. Afirmou que implementava tanto o requisito etário, quanto o econômico na época do requerimento. Relatou que vive em situação de risco social e não possui qualquer tipo de renda desde o falecimento de seu companheiro, Adão Clademir Mazzotti, o que ocorreu em 15/08/2020. Por fim, requereu o pagamento dos reflexos pecuniários desde 10/09/2018, monetariamente corrigidos e acrescidos de juros legais, bem como o pagamento de indenização por danos morais em valor não inferior ao montante devido a título de atrasados. Juntou documentos.
A sentença foi julgada parcialmente procedente, nos seguintes termos (
):Ante o exposto, afasto a preliminar e prejudicial de mérito arguidas e JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido contido na presente ação, nos termos do artigo 487, inciso I, do CPC, para condenar o INSS a:
a) conceder o benefício de amparo social ao idoso à parte autora (NB 704.007.414-2), desde a DER 10/09/2018 até 15/08/2020, no valor de um salário mínimo mensal; e
b) pagar a importância resultante do somatório das prestações vencidas entre as datas acima indicadas, monetariamente corrigidas nos termos da fundamentação; o montante será apurado na fase de execução.
Tendo em conta as disposições do art. 86, parágrafo único, do CPC/15 e a sucumbência recíproca, condeno o INSS e a parte autora ao pagamento dos honorários advocatícios de sucumbência.
Ainda, considerando o estabelecido no art. 85, §§ 2º; 3º, I e § 4º do CPC/15, bem como que o proveito econômico desta demanda será inferior a 200 (duzentos) salários-mínimos, montante que se depreende da análise ao valor da causa, arbitro os honorários de sucumbência no percentual de 10% sobre o valor atualizado da condenação, compreendidas as parcelas vencidas até a data da prolação da sentença (Súmula nº 76 do Tribunal Regional Federal da 4º Região e Súmula 111 do STJ), a ser apurado quando da liquidação do julgado, vedada a compensação de tais rubricas.
Suspendo, contudo, a exigibilidade dos valores devidos pelo demandante a título de ônus sucumbenciais, nos termos do art. 98, § 3º do CPC, face ao benefício da assistência judiciária gratuita concedido a ele.
Ambos os litigantes são isentos do pagamento das custas processuais em razão do disposto no art. 4º, I e II, da Lei nº 9.289/96, cabendo à autora, no entanto, o ressarcimento do valor referente aos honorários periciais adiantados pela Seção Judiciária do Estado do Rio Grande do Sul, cuja exigibilidade fica suspensa em razão da concessão da assistência judiciária gratuita
Apela a parte autora, sustentando, em, síntese, que pelas provas produzidas no processo, a está demonstrado que vive em condição de miserabilidade; que a renda auferida pelo seu filho Leandro, com o qual reside, não é suficiente para atender suas necessidades básicas de sobrevivência; que somente passou a residir com seu filho, de forma temporária, até que consiga se recolocar financeiramente. Postula a reforma da sentença com a concessão do benefício assistencial pelo INSS no período posterior a data do óbito do companheiro, ocorrido em 15/08/2020 (
).Oportunizada as contrarrazões, vieram os autos para esta Corte para julgamento.
O parecer ministerial atuante nesta Instância é pelo desprovimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
1. Premissas
O benefício assistencial encontra-se previsto no art. 203, inciso V, da Constituição Federal e regulamentado pelo artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pelas Leis nº 12.435, de 06/07/2011, e nº 12.470, de 31/08/2011.
Portanto, o direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos:
1.1. Etário ou Condição de Deficiência
(a) idoso (assim considerado aquele com 65 anos ou mais, a partir de 1º de janeiro de 2004, data da entrada em vigor do Estatuto do Idoso), que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. O requisito é objetivo, ou seja, comprovado o atributo etário, a análise do requisito incapacitante é desnecessária, bastando apenas verificar a situação de vulnerabilidade socioeconômica a que submetido o idoso ou
(b) condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, conforme redação original do artigo 20, da LOAS, e, após as alterações da Lei nº 12.470, de 31-10-2011, tratar-se de pessoa com impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas);
Mister salientar, por oportuno, que a incapacidade para a vida independente a que se refere a Lei 8.742/93, na redação original, deve ser interpretada de forma a garantir o benefício assistencial a uma maior gama possível de pessoas com deficiência, consoante pacífica jurisprudência do STJ (v.g. STJ, 5ª Turma, RESP 360.202/AL, Rel. Min. Gilson Dipp, DJU de 01-07-2002) e desta Corte (v.g. AC n. 2002.71.04.000395-5/RS, 6ª Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, DJU de 19-04-2006).
Desse modo, a incapacidade para a vida independente:
a) não exige que a pessoa possua uma vida vegetativa ou seja incapaz de se locomover; b) não significa incapacidade para as atividades básicas do ser humano, tais como alimentar-se, fazer a higiene pessoal e vestir-se sozinho; c) não impõe a incapacidade de se expressar ou se comunicar; e d) não pressupõe dependência total de terceiros.
1.2. Situação de risco social
O art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993, em sua redação original, estabelecia que se considerava hipossuficiente a pessoa com deficiência ou idoso cuja família possuísse renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo.
O Supremo Tribunal Federal, ao analisar os recursos extraordinários 567.985 e 580.963, ambos submetidos à repercussão geral, reconheceu a inconstitucionalidade do art. 20, § 3º da Lei 8.742/1993, assim como do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003 - Estatuto do Idoso.
No primeiro caso, o STF identificou a ocorrência de um processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro), assentando, assim, que o critério econômico presente na LOAS não pode ser tomado como absoluto, cabendo a análise da situação de necessidade à luz das circunstâncias fáticas.
É dizer, o critério objetivo de ¼ do salário mínimo per capita - que orientou a análise dos benefícios assistenciais por vários anos - é mantido, sem excluir contudo, a análise subjetiva, caso a caso, dos aspectos socioeconômicos que cercam a subsistência da parte autora e de sua família.
No que tange ao art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, o qual estabelece que o benefício assistencial já concedido a qualquer idoso membro da família "não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS", entendeu a Suprema Corte a existência de violação ao princípio da isonomia.
Isso porque, o dispositivo legal aludido abriu exceção apenas para o recebimento de dois benefícios assistenciais por idosos maiores de 65 anos, discriminando os portadores de deficiência e os idosos titulares de benefício previdenciário mínimo.
Assim, numa interpretação extensiva do referido artigo, eventual percepção de benefício previdenciário de valor mínimo por membro da família idoso (maior de 65 anos) ou inválido/deficiente deve, também, ser desconsiderado para fins de apuração da renda familiar.
Cito recente jurisprudência a respeito da conclusão acerca da situação de risco social pelo magistrado verificada mediante a análise do estudo social apresentado e dos demais elementos de prova coligidos, in verbis:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PESSOA IDOSA. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO ANTERIOR À PERÍCIA SOCIAL. NÃO COMPROVAÇÃO DE PREJUÍZO. CERCEAMENTO DA DEFESA PELA NÃO PRODUÇÃO DE PROVA TESTEMUNHAL. INOCORRÊNCIA. REQUISITO SOCIOECONÔMICO. NÃO COMPROVAÇÃO MISERABILIDADE.
1. O benefício assistencial, previsto no art. 203, inciso V, da Constituição Federal, e regulamentado pela Lei 8.742/1993, é devido ao idoso (idade superior a 65 anos) e à pessoa com deficiência que não têm condições de prover o próprio sustento ou de tê-lo provido pela própria família.
2. Não há nulidade processual em face da não intimação prévia dos procuradores da autora acerca da data e hora da perícia socioeconômica, visto que não demonstrado prejuízo na produção da prova. Assim como, não há cerceamento da defesa pela não determinação de prova testemunhal, pois cabe ao magistrado determinar as provas necessárias ao feito.
3. Quanto ao requisito socioeconômico para concessão do amparo assistencial, o critério objetivo de ¼ do salário mínimo per capita - que orientou a análise dos benefícios assistenciais por vários anos - é mantido, sem excluir contudo, a análise subjetiva, caso a caso, dos aspectos socioeconômicos que cercam a subsistência da parte autora e de sua família.
4. A conclusão acerca da situação de risco social, para fins de percepção de benefício assistencial, compete apenas ao magistrado, mediante a análise do estudo social apresentado e dos demais elementos de prova coligidos. Situação de vulnerabilidade social não comprovada no caso concreto.
(TRF4, AC 5004301-91.2021.4.04.9999, 11ª Turma, Rel. Des. Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO, DJe 07/12/2022).
2. Caso concreto
A parte autora ajuizou a ação em face do INSS objetivando a concessão do Benefício Assistencial NB: 704.007.414-2, em 10/09/2018.
A controvérsia cinge-se à presença do requisito da situação de risco social da apelante a partir de 15/08/2020, data do óbito do seu companheiro, quando, então, a apelante passou a residir com seu filho.
Com efeito, a sentença de improcedência deve ser mantida por seus próprios fundamentos (
):"...
Do benefício assistencial devido à pessoa idosa
O benefício assistencial encontra previsão no art. 203, V, da Constituição Federal de 1988 e corresponde à garantia de um salário mínimo mensal ao idoso ou à pessoa portadora de deficiência, desde que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção, ou de tê-la provida por sua família.
A regulamentação deu-se por meio da Lei nº 8.742/93, de 07/12/1993 (Lei Orgânica da Assistência Social), que, com redação dada pela Lei nº 12.435/2011, exige o preenchimento dos seguintes requisitos: a) idade igual ou superior a 65 anos, ou deficiência (art. 20, § 2º da LOAS); b) renda per capita do grupo familiar inferior a ¼ (um quarto) do salário-mínimo.
Considerando que a data de nascimento do requerente é 16/03/1953 (
), contando com 65 anos de idade à época do requerimento, preenche o requisito etário.Do conceito de família
No que diz respeito ao conceito de família, para fins de cálculo da renda per capita para concessão do benefício assistencial, sofreu modificações ao longo do tempo.
Em sua redação original, o § 1º do art. 20 da Lei 8.742/93 estabelecia que: "Para os efeitos do disposto no caput, entende-se por família a unidade mononuclear, vivendo sob o mesmo teto, cuja economia é mantida pela contribuição de seus integrantes".
Em 30 de novembro de 1998, foi promulgada a Lei nº 9.720, que deu a seguinte redação àquele dispositivo, bem mais restritiva: "Para os efeitos do disposto no caput, entende-se como família o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/1991, desde que vivam sob o mesmo teto".
Já o referido art. 16 da Lei de Benefícios dispunha que:
Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:
I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido;
II - os pais;
III - o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido.
Outra alteração, no entanto, introduzida pela Lei 12.435/2011, estabeleceu novo conceito de família, in verbis: "Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto".
Mesmo sendo mais amplo, ainda assim o conceito atual não contempla todos os desenhos familiares existentes na sociedade contemporânea. A sua interpretação literal pode levar o julgador a contrariar o objetivo da norma constitucional, que prevê socorro do Poder Público ao portador de deficiência e ao idoso que não tenham condições de prover a própria manutenção ou de tê-la provida pela sua família.
Assim, deve-se ter em vista que o rol de integrantes da família elencados na legislação ordinária não é taxativo, merecendo análise no caso concreto. Nesse sentido, decidiu o TRF da 4ª Região: Apelação Cível nº 5051840-35.2012.404.7100, Relator Luiz Carlos de Castro Lugon, Quinta Turma, D.E. 26/03/2014; Apelação Cível nº 0021609-12.2013.404.9999, Relator Roger Raupp Rios, Quinta Turma, D.E. 11/02/2014.
Do critério da renda per capita
A teor dos reiterados posicionamentos jurisprudenciais, o critério de renda per capita inferior a ¼ do salário-mínimo deve ser tomado apenas como um parâmetro para se examinar as reais condições econômicas da família. Não constitui, assim, requisito impeditivo que, por si só, obsta a concessão do benefício de prestação continuada, sendo que outros meios de prova devem ser considerados para se confirmar a condição de miserabilidade da parte requerente no caso em concreto. Nesse sentido, decidiu o TFR da 4ª Região:
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PORTADOR DE DEFICIÊNCIA. CONDIÇÃO SOCIOECONÔMICA. MISERABILIDADE. PREENCHIMENTO DE REQUISITOS. RENDA FAMILIAR. ART. 20, §3º, DA LEI 8.742/93. RELATIVIZAÇÃO DO CRITÉRIO ECONÔMICO OBJETIVO. STJ E STF. PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DO LIVRE CONVENCIMENTO DO JUIZ. BENEFÍCIO DE RENDA MÍNIMA. IDOSO. EXCLUSÃO. TUTELA ESPECÍFICA. IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO. 1. O direito ao benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição Federal e no art. 20 da Lei 8.742/93 (LOAS) pressupõe o preenchimento de dois requisitos: a) condição de pessoa com deficiência ou idosa e b) condição socioeconômica que indique miserabilidade; ou seja, a falta de meios para prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família. 2. O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp 1.112.557 representativo de controvérsia, relativizou o critério econômico previsto no art. 20, §3º, da Lei 8.742/93, admitindo a aferição da miserabilidade da pessoa deficiente ou idosa por outros meios de prova que não a renda per capita, consagrando os princípios da dignidade da pessoa humana e do livre convencimento do juiz. 3. Reconhecida pelo STF, em regime de repercussão geral, a inconstitucionalidade do §3º do art. 20 da Lei 8.742/93 (LOAS), que estabelece critério econômico objetivo, bem como a possibilidade de admissão de outros meios de prova para verificação da hipossuficiência familiar em sede de recursos repetitivos, tenho que cabe ao julgador, na análise do caso concreto, aferir o estado de miserabilidade da parte autora e de sua família, autorizador ou não da concessão do benefício assistencial. 4. Deve ser excluído do cômputo da renda familiar o benefício previdenciário de renda mínima (valor de um salário mínimo) percebido por idoso integrante da família. Aplicação analógica do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003. 5. O cumprimento imediato da tutela específica, diversamente do que ocorre no tocante à antecipação de tutela prevista no art. 273 do CPC, independe de requerimento expresso por parte do segurado ou beneficiário e o seu deferimento sustenta-se na eficácia mandamental dos provimentos fundados no art. 461 do CPC. (TRF4, APELREEX nº 0001177-06.2012.404.9999, Relator Roger Raupp Rios, Quinta Turma, D.E. 28/02/2014). Grifei.
Como mencionado na ementa acima, também o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp 1.112.557 representativo de controvérsia, relativizou o critério econômico previsto na legislação, admitindo a aferição da miserabilidade da pessoa deficiente ou idosa por outros meios de prova que não a renda per capita.
O próprio STF, recentemente, assim se posicionou sobre o tema:
Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo fosse concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovassem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, § 3º da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que "considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo". O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Reclamação como instrumento de (re)interpretação da decisão proferida em controle de constitucionalidade abstrato. Preliminarmente, arguido o prejuízo da reclamação, em virtude do prévio julgamento dos recursos extraordinários 580.963 e 567.985, o Tribunal, por maioria de votos, conheceu da reclamação. O STF, no exercício da competência geral de fiscalizar a compatibilidade formal e material de qualquer ato normativo com a Constituição, pode declarar a inconstitucionalidade, incidentalmente, de normas tidas como fundamento da decisão ou do ato que é impugnado na reclamação. Isso decorre da própria competência atribuída ao STF para exercer o denominado controle difuso da constitucionalidade das leis e dos atos normativos. A oportunidade de reapreciação das decisões tomadas em sede de controle abstrato de normas tende a surgir com mais naturalidade e de forma mais recorrente no âmbito das reclamações. É no juízo hermenêutico típico da reclamação - no "balançar de olhos" entre objeto e parâmetro da reclamação - que surgirá com maior nitidez a oportunidade para evolução interpretativa no controle de constitucionalidade. Com base na alegação de afronta a determinada decisão do STF, o Tribunal poderá reapreciar e redefinir o conteúdo e o alcance de sua própria decisão. E, inclusive, poderá ir além, superando total ou parcialmente a decisão-parâmetro da reclamação, se entender que, em virtude de evolução hermenêutica, tal decisão não se coaduna mais com a interpretação atual da Constituição. 4. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade do critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 6. Reclamação constitucional julgada improcedente. (Rcl 4374, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 18/04/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-173 DIVULG 03-09-2013 PUBLIC 04-09-2013). Grifei.
Não resta dúvida, portanto, que cabe ao julgador, casuisticamente, aferir o estado de miserabilidade do requerente e de sua família, de modo a constatar, ou não, a presença do requisito econômico necessário à concessão do benefício assistencial.
Aliás, para fins de aferição da renda, vale observar recente tese fixada pela Primeira Seção do STJ em 25/02/2015, no julgamento do REsp n. 1355052, submetido ao rito dos recursos repetitivos (Tema n. 640): "benefício previdenciário ou assistencial, no valor de um salário mínimo, recebido por idoso ou deficiente que faça parte do núcleo familiar, não deve ser considerado na aferição da renda per capita prevista no artigo 20, parágrafo 3º da Lei n. 8.742/93, ante a interpretação do que dispõe o artigo 34, parágrafo único, da Lei n. 10.741/03 (Estatuto do Idoso)".
Importa ressaltar, também nesse contexto, que os valores oriundos de programas sociais de transferência de renda, como o Bolsa Família, não são computados na renda mensal bruta da família para fins de concessão do benefício de prestação continuada ao idoso ou portador de deficiência, conforme exposto pelo art. 4º, §2º, do Regulamento do Benefício de Prestação Continuada (Decreto nº 6.214/2007).
Com relação às parcelas decorrentes de eventuais empréstimos tomados pelo grupo familiar, contudo, tenho que não podem ser levadas em conta para decréscimo da renda familiar. Isto porque se presume que a respectiva prestação mensal se constitui em uma compensação por um proveito econômico antecipado, que verteu em favor do grupo familiar. É esse o entendimento do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (RC nº 5006916-75.2013.404.7108/RS e RC nº 5005650-08.2012.404.7102/RS).
Feitas essas considerações, passo a analisar o preenchimento dos requisitos para a concessão do benefício no caso concreto.
Da vulnerabilidade socioeconômica
Por ocasião do estudo socioeconômico realizado por assistente social (
), constatou-se que o grupo familiar da parte autora é composto pela autora e por seu filho, Leandro Reis Mazzotti, de 33 anos de idade.Apurou-se que a demandante provém seu sustento pela remuneração auferida pelo filho decorrente de vínculo de emprego com a Fábrica de Calçados Moda Dez, auferindo R$1.300,00 por mês. Segundo relatado, Leandro pretende mudar-se para Passo Fundo no final deste ano para viver com sua namorada.
A demandante reside em imóvel alugado, misto, em estado regular de conservação. A casa tem 90m², sendo composto por uma sala, uma cozinha, quatro dormitórios, banheiro e garagem. Está guarnecida com móveis e eletrodomésticos antigos em bom estado de conservação.
Os gastos médios mensais, aí incluídas as despesas com água, telefone luz, gás, alimentação e aluguel, somam cerca de R$ 1.306,00. A autora não tem gasto com medicamentos, eis que todos os remédios por ela utilizados são fornecidos pela rede pública de saúde.
A autora tem mais dois filhos, casados, que auxiliam, de forma eventual, com alimentos. Declarou que vivia em união estável com Adão Clademir Mazzotti, que era aposentado por incapacidade, o qual faleceu em 15/08/2020. Relatou que não lhe foi deferido o benefício de pensão por morte.
Destaca-se o parecer conclusivo da Assistente Social:
"A autoria vivia em união estável com Adão Clademir Mazzotti, que recebia o benefício de aposentadoria por invalidez, não sabe informar porque após a sua morte em 15/08/2020, não ganhou o benefício pensão por morte previdenciária. Não possui nenhuma renda, o seu filho Leandro é que vem garantindo-lhe os meios de sobrevivência. Devido a baixa renda atendem precariamente suas necessidades básicas de sobrevivência, sofrendo privações e sem conseguir atender as situações econômicas que se apresentam no cotidiano sofrendo vulnerabilidades sociais. Trabalhou muito pouco tempo como costureira de calçados, quando foi morar com o companheiro não trabalhou mais e nem contribuiu para a previdencia. Devido a idade avançada e falta de qualificação profissional não tem chance de ser reinserida no mercado de trabalho. Trata-se de pessoa idosa sofrendo vulnerabilidades sociais e com seus direitos sociais ameaçados. A autora recorre ao benefício pleiteado, como medida de proteção social, em razão das vulnerabilidades agravadas pela insuficiência de renda."
Pois bem.
Quando do protocolo do pedido administrativo, foi informado que o núcleo familiar da autora era constituído por ela, pelo seu companheiro, Adão Clademir Mazzotti, e pela neta do casal, Fernanda Garcia Mazzotti, de dez anos de idade (
). A renda familiar era de um salário mínimo proveniente de benefício previdenciário de titularidade de Adão.O benefício foi indeferido por falta de inscrição ou atualização dos dados no CadÚnico.
No entanto, consta no processo administrativo a folha resumo do Cadastro Único, com entrevista em 29/01/2018.
À luz das informações registradas pela assistente social e diante dos termos do entendimento firmado pelo STF nos julgamentos da Reclamação 4.374 e do Recurso Extraordinário 567.985, este com repercussão geral, nos quais restou definido o montante de meio salário mínimo por membro do grupo familiar como referencial econômico para fins de benefício assistencial, é possível enquadrar a parte autora nos requisitos à concessão do benefício até o óbito de Adão Clademir Mazzotti.
Isso porque, em período anterior ao óbito de Adão, o valor recebido a título de aposentadoria por ele era de um salário mínimo, o qual deveria ser dividido entre três pessoas.
Após o falecimento de Adão, a informação constante no processo é de que a autora passou a residir com seu filho, cuja remuneração nos anos de 2020 e 2021 oscilou entre R$1.300,00 (valor declarado à assistente social) e R$1.900,00 (mês de 07/2020 - CNIS). Não há registro do vínculo empregatício de Leandro, filho da autora, com a empresa Fábrica de Calçados Moda Dez, consoante CNIS anexado ao feito (
). O último contrato com registro no CNIS perdurou de 01/07/2016 a 21/09/2020.A partir desta data, entendo que desapareceram as condições para enquadramento no limite de renda. Além disso, as fotografias anexadas pela assistente social, de residência diversa daquela indicada quando do requerimento do benefício, indicam que a autora vive em condições razoáveis, as quais lhe permitem sobreviver com dignidade (
).Diante do exposto, a parte autora faz jus ao benefício de amparo assistencial (NB 704.007.414-2) desde a DER, em 10/09/2018 até 15/08/2020.
..."
Conforme restou fundamentado, a partir das informações obtidas pelo laudo social e demais elementos obtidos na presente ação judicial, não se verifica no caso condição de miserabilidade, extrema pobreza ou vulnerabilidade social da parte autora que justificasse a concessão do benefício assistencial após o falecimento do seu companheiro, nos termos dos parâmetros legais estabelecidos no artigo 20 da Lei nº 8.742/1993.
O laudo de avaliação socioeconômica apontou para uma renda do grupo familiar da apelante no valor médio de R$ 1.300,00. Considerando que reside com a requerente apenas o o seu filho, Leandro Reis Mazzotti, a renda per capta, no caso dos autos, supera os valores exigidos para a concessão do benefício de prestação continuada (
).Quanto à infraestrutura e às condições de habitabilidade da residência da postulante, as fotografias anexadas pela assistente social atestam que trata-se de residência modesta, porém com bom estado de conservação e dotada de mobiliário suficiente para permitir uma vida digna aos seus moradores (
).Nesse contexto, não se verificam fundamentos para alterar as conclusões adotadas pela sentença, uma vez que o benefício assistencial de prestação continuada visa atender às situações limites de miserabilidade, não se destinando a melhorar as condições de vida do seu beneficiário.
Assim, conclui-se que não se encontram atendidos os requisitos legais definidos pela Lei n.º 8.742/93, por não haver condição de vulnerabilidade social, inexistindo o direito da parte apelante ao benefício assistencial de prestação continuada previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, após 15/08/2020.
Desprovido, portanto, o apelo.
3. Consectários de Sucumbência
Diante do desprovimento do apelo, impõe-se a majoração dos honorários advocatícios de 10% (dez por cento) sobre a base de cálculo fixada na sentença para 15% (quinze por cento) sobre a mesma base de cálculo, nos termos do artigo 85, § 11, do CPC, cuja exigibilidade resta suspensa em razão da prévia concessão da AJG (
).4. Custas Processuais
Sem custas, na forma do artigo 4º, inciso II, da Lei 9.289/1996.
5. Conclusão
a) Recurso da parte autora desprovido, para o fim de manter o deferimento do benefício assistencial, somente no período de 10/09/2018 até 15/08/2020, nos termos da fundamentação;
b) Majorada a sucumbência, conforme descrito.
6. Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.
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Apelação Cível Nº 5000264-68.2021.4.04.7138/RS
RELATOR: Juiz Federal MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS
APELANTE: SARA UBERTI REIS (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PESSOA IDOSA. REQUISITO SOCIOECONÔMICO. MISERABILIDADE. NÃO COMPROVAÇÃO.
1. O benefício assistencial, previsto no art. 203, inciso V, da Constituição Federal, e regulamentado pela Lei 8.742/1993, é devido ao idoso (idade superior a 65 anos) e à pessoa com deficiência que não têm condições de prover o próprio sustento ou de tê-lo provido pela própria família.
2. Quanto ao requisito socioeconômico para concessão do amparo assistencial, o critério objetivo de ¼ do salário mínimo per capita - que orientou a análise dos benefícios assistenciais por vários anos - é mantido, sem excluir contudo, a análise subjetiva, caso a caso, dos aspectos socioeconômicos que cercam a subsistência da parte autora e de sua família.
3. A conclusão acerca da situação de risco social, para fins de percepção de benefício assistencial, compete apenas ao magistrado, mediante a análise do estudo social apresentado e dos demais elementos de prova coligidos.
4. Situação de vulnerabilidade social comprovada apenas em parcela do período requerido, no caso concreto. Sentença mantida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 28 de março de 2023.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO ORDINÁRIA DE 28/03/2023
Apelação Cível Nº 5000264-68.2021.4.04.7138/RS
RELATOR: Juiz Federal MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS
PRESIDENTE: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
PROCURADOR(A): PAULO GILBERTO COGO LEIVAS
APELANTE: SARA UBERTI REIS (AUTOR)
ADVOGADO(A): DANIEL TICIAN
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária do dia 28/03/2023, na sequência 103, disponibilizada no DE de 16/03/2023.
Certifico que a 11ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 11ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS
Votante: Juiz Federal MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS
Votante: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
Votante: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
LIGIA FUHRMANN GONCALVES DE OLIVEIRA
Secretária
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