Apelação Cível Nº 5010187-71.2021.4.04.9999/RS
RELATOR: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
APELANTE: ELISANDRA DOS SANTOS DE BARROS
ADVOGADO: RODRIGO DALPIAS (OAB RS048389)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Trata-se de recurso em face de sentença prolatada em 6-5-2021 NCPC que julgou o pedido de de benefício assistencial à pessoa portadora de deficiência, cujo dispositivo reproduzo a seguir:
Em face do exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados por ELISANDRA DOS SANTOS DE BARROS contra o INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS. Sucumbente, condeno a autora ao pagamento das custas processuais, bem como em honorários advocatícios ao procurador do réu, que fixo em R$ 1.500,00, observados os critérios previstos no § 2º do art. 85, c/c § 8º do mesmo dispositivo, todos do Código de Processo Civil. Suspendo a exigibilidade da verba sucumbencial, uma vez que a requerente é beneficiária da gratuidade da justiça (art. 98, § 3º, do CPC). Sentença não sujeita a reexame necessário.
Inconformada, a parte autora recorreu alegando, em apertada síntese, que é portadora de Síndrome de Imunodeficiência Adquirida HIV (CID-10 B24), doença incurável que a incapacita para exercer qualquer atividade laborativa, devido a alta estigma social que causa, bem como a vulnerabilidade socioeconômica que se encontra a apelante.
Requereu a reforma da sentença pela concessão do benefício.
Oportunizada as contrarrazões, vieram os autos para esta Corte para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Juízo de admissibilidade
A apelação preenche os requisitos legais de admissibilidade.
Benefício de prestação continuada ao idoso e ao deficiente (LOAS)
A Constituição Federal de 1988 dispôs em seu artigo 203:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente da contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
(...)
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
A regulamentação desse dispositivo constitucional veio com a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, denominada Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), que, em seu artigo 20, passou a especificar as condições para a concessão do benefício, no valor de um salário mínimo mensal, à pessoa com deficiência e ao idoso com 70 anos ou mais comprovadamente carentes.
Após as alterações promovidas pelas Leis nº 9.720, de 30 de novembro de 1998, e nº 10.741, de 1º de outubro de 2003 (Estatuto do Idoso), relativas à redução do critério etário para 67 e 65 anos, respectivamente, sobrevieram as Leis nº 12.435, de 06 de julho de 2011, e nº 12.470, de 31 de agosto de 2011, as quais conferiram ao aludido artigo 20, da LOAS, a seguinte redação, ora em vigor:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
(...)
Portanto, o direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos:
1.a) idoso (assim considerado aquele com 65 anos ou mais, a partir de 1º de janeiro de 2004, data da entrada em vigor do Estatuto do Idoso) ou
1.b) condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, conforme redação original do artigo 20, da LOAS, e, após as alterações da Lei nº 12.470, de 31-10-2011, tratar-se de pessoa com impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas) ;
2) Situação de risco social (ausência de meios para, dignamente, prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família).
Requisito etário
Tratando-se de benefício requerido na vigência do Estatuto do Idoso, é considerada idosa a pessoa com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. O requisito é objetivo, ou seja, comprovado o atributo etário, a análise do requisito incapacitante é desnecessária, bastando apenas verificar a situação de vulnerabilidade socioeconômica a que submetido o idoso.
Condição de deficiente
Mister salientar, por oportuno, que a incapacidade para a vida independente a que se refere a Lei 8.742/93, na redação original, deve ser interpretada de forma a garantir o benefício assistencial a uma maior gama possível de pessoas com deficiência, consoante pacífica jurisprudência do STJ (v.g. STJ, 5ª Turma, RESP 360.202/AL, Rel. Min. Gilson Dipp, DJU de 01-07-2002) e desta Corte (v.g. AC n. 2002.71.04.000395-5/RS, 6ª Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, DJU de 19-04-2006).
Desse modo, a incapacidade para a vida independente:
a) não exige que a pessoa possua uma vida vegetativa ou seja incapaz de se locomover;
b) não significa incapacidade para as atividades básicas do ser humano, tais como alimentar-se, fazer a higiene pessoal e vestir-se sozinho;
c) não impõe a incapacidade de se expressar ou se comunicar; e
d) não pressupõe dependência total de terceiros.
Situação de risco social
Tendo em vista a inconstitucionalidade dos artigos 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e do artigo 34, § único, da Lei 10.741/2003, reconhecida no julgamento dos REs 567985 e 580963 em 18.04.2013, a miserabilidade para fins de benefício assistencial deve ser verificada em cada caso concreto.
Nesse sentido, os cuidados necessários com a parte autora, em decorrência de sua deficiência, incapacidade ou avançada idade, que acarretarem gastos - notadamente com medicamentos, alimentação especial, fraldas descartáveis, tratamento médico, psicológico e fisioterápico, entre outros -, configuram despesas a ser consideradas na análise da condição de risco social da família do demandante (TRF4, APELREEX 5002022-24.2011.404.7012, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão Celso Kipper, juntado aos autos em 27/06/2013).
A jurisprudência desta Corte Regional, bem como do Superior Tribunal de Justiça, é pacífica no sentido de que qualquer benefício de valor mínimo recebido por idoso de 65 anos ou mais (salvo quando recebido por força de deficiência, quando então o requisito etário é afastado) deve ser excluído da apuração da renda familiar, bem como essa renda mínima não é o único critério a balizar a concessão do benefício, devendo ser examinado juntamente com outros meios de aferição do estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo do autor e de sua família (Pet n.º 7203/PE - 3ª Seção - Unânime - Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura - DJe 11-10-2011; TRF4 - AC n.º 0019220-88.2012.404.9999 - 6ª T. - unânime - Rel. Des. Celso Kipper - D.E. 22-03-2013; REsp n.º 1112557/MG - 3ª Seção - unânime - Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho - DJe 20-11-2009).
Também, o fato de a parte autora ser beneficiária e perceber renda proveniente do Programa Bolsa Família, não só não impede a percepção do benefício assistencial do art. 203, V, da Constituição Federal, como constitui forte indicativo de que a unidade familiar encontra-se em situação de risco social (TRF4, APELREEX 2009.71.99.006237-1, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão Celso Kipper, D.E. 07/10/2014).
Logo, em linhas gerais, para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, a situação de risco social a que se encontra exposta a pessoa idosa ou portadora de deficiência e sua família deve ser analisada em cada caso concreto (TRF4, EINF 0016689-58.2014.404.9999, Terceira Seção, Relator Ricardo Teixeira do Valle Pereira, D.E. 29/05/2015).
Fixados os parâmetros de valoração da prova, passo ao exame da situação específica dos autos.
A autora Elisandra dos Santos de Barros data de nascimento em 13-10-1990 - 30 anos de idade - sustentou que é portadora de moléstia de cunho infectológico que a incapacita para o exercício de atividade laborativa; que a estigma social, a idade, a baixa instrução e a falta de recursos financeiros e familiares a tornam vulnerável à vida diária.
Com efeito, realizada prova pericial em 25-10-2019, na qual o perito psiquiatra Dr Renan Marsiaj de Oliveira Junior diagnosticou que a requerente é portadora Síndrome da imuno deficiência adquirida B 24; Hepatite C B 18; Diabete mellitus E 11 e Hipertensão arterial sistêmica I 10. Apesar desse diagnóstico, conclui o perito que a recorrente não está incapacitada para o trabalho (evento 19, LAUDO1, p 2).
Sem embargo, mesmo sem sintomatologia da doença, há que reconhecer que o portador de HIV sofre acentuada resistência de grande parte da sociedade, inclusive do meio empresário, e o estigma a que está sujeito é ainda bastante profundo, interferindo sobremaneira nas suas chances de se colocar profissionalmente no mercado de trabalho.
Destarte, não se poderia exigir do doente portador de HIV a mesma condição para o labor de uma pessoa que não tem o vírus ou que padece de outras espécies de doenças caracterizadas pela condição crônica ou progressiva, tornando possível a outorga de amparo por incapacidade ou benefício assistencial, de forma definitiva. Precedentes desta Corte:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. CONCESSÃO. PORTADOR DE HIV. INCAPACIDADE PARA O TRABALHO E PARA A VIDA INDEPENDENTE E ESTADO DE MISERABILIDADE COMPROVADOS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA MANTIDA. 1. Ainda que em oposição ao laudo pericial, concede-se o benefício assistencial ao portador de HIV, mesmo sem apresentar sintomas, quando sua recolocação no mercado de trabalho mostrar-se improvável, considerando-se as suas condições pessoais e o estigma social da doença, capaz de diminuir consideravelmente as suas chances de obter ou de manter um emprego formal. 2. Comprovados a incapacidade para o trabalho e para a vida independente e o estado de miserabilidade, é de ser mantida a sentença que concedeu à parte autora o benefício assistencial, desde a data do requerimento administrativo. (TRF4, APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0014757-06.2012.404.9999, 6ª TURMA, Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, POR MAIORIA, D.E. 03/07/2013, PUBLICAÇÃO EM 04/07/2013)
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. PORTADOR DE DEFICIÊNCIA. HIV. PERÍCIA. 1. Há direito a benefício por incapacidade para pessoa vivendo com HIV, assintomática para AIDS, se o preconceito e a discriminação, associados a outros fatores, impedirem ou reduzirem o exercício de atividade laboral remunerada, como também ao benefício de prestação continuada, se este conjunto de fatores obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de oportunidades. A sorologia para o HIV, por si só, não afasta a avaliação sobre a capacidade, sendo necessário perquirir as possibilidades de inserção laboral da autora aliadas ao estigma associado à doença. 2. Hipótese em que se determina a cassação da sentença e a reabertura da instrução para a realização de perícia socioeconômica para a aferição das condições econômicas e sociais e eventual hipossuficiência do núcleo familiar. (TRF4, AC 5003036-40.2016.4.04.7118, QUINTA TURMA, Relator LUIZ CARLOS CANALLI, juntado aos autos em 23/02/2018) (grifou-se)
No entanto, a mera invocação de estigmatização social não decorre imediatamente no direito ao benefício. Faz-se necessária a demonstração em concreto da ocorrência do processo discriminatório.
Outrossim, em que pese às conclusões do perito, à análise atual da condição de deficiente a que se refere o artigo 20, da LOAS, não mais se concentra na incapacidade laboral e na impossibilidade de sustento, mas, senão, na existência de restrição capaz de obstaculizar a efetiva participação social de quem o postula de forma plena e justa.
Ora, não obstante tratar-se de pessoa jovem com 30 anos de idade, apresenta baixa instrução, catadora de latinhas (segundo o perito), cuja atividade a expõe a contato direto com produtos químicos, objetos não higienizados e contaminados, o que é extremamente perigoso em razão de sua baixa imunidade.
Assim, frente a este quadro e diante da resistência de parte da sociedade em aceitar com normalidade pessoas portadoras dessa moléstia, sua inserção no mercado de trabalho praticamente inexiste.
Nessa quadra, forçoso concluir que a incapacidade da parte autora à vida independente e para o trabalho restou evidenciada.
Com isso, passo a análise da condição socioeconômica da requerente e de sua família.
Foi realizado estudo socioeconômico do grupo familiar da autora em 16-10-2020, como segue parte (evento 70, LAUDO1, p. 1):
Nome da Requerente: Elisandra dos Santos de Barros Data de Nascimento: 13/10/1990
Realizamos entrevista no dia 16/10/2020 as 14 hs, fomos recebidos pela Sra. Elisa, a requerente Elisandra estava dormindo no momento, não estava a par da visita domiciliar. Relata ter contraído doença em 2008, quando estava em trabalho de parto do seu filho Gabriel (12 anos), desde então faz uso dos retrovirais. Elisandra ficou viúva do seu primeiro marido, após casou-se novamente, atualmente está separada, relata sofrer violência doméstica.
Na residência residem a Sra. Elisa (67 anos), também separada por agressão doméstica, Elisandra (30 anos), Gabriel (12 anos), Bryan (4 anos). Dona Elisa recebe o Benefício Bolsa Família por todos os integrantes são seus dependentes, não soube precisar o valor.
Elizandra relata que nunca desenvolveu nenhum trabalho laboral, pois seu marido não permitia, depois de separados, o mesmo não ajuda no sustento do filho.
A família recebe ajuda com alimentos hortifruti na Comunidade de Albatroz de quinze em quinze dias. Dona Elisa recebe o BPC de amparo ao idoso, no valor de um salário mínimo. Para complementar a renda, Dona Elisa cata latinhas pela Cidade. Elizandra está recebendo o auxílio emergencial referente ao Covid-19 do Governo Federal.
Com relação a moradia a casa é de madeira, humilde, contém três quartos, sala, cozinha, banheiro e pátio. A família gasta em torno de R$100,00 com abastecimento de água, R$ 56,00 de energia elétrica, R$ 100,00 com internet, R$ 380,00 com alimentação, R$ 75,00 gás de cozinha. Dona Elisa relata que compra cesto básico de uma mercado de Imbé
A família vive do benefício da idosa(R$1.045,00), do Bolsa Família(R$ 257,00), do auxílio emergencial(R$300,00) e da coleta de materiais reciclados(R$100,00),
PARECER Considerando a análise contida acima, a requente não apresenta incapacidade para vida independente para o trabalho, apresenta boas condições pessoais de realizar qualquer atividade laborativa, sua doença não a impossibilita, sendo assim não atende aos critérios de auxílio doença por BPC/LOAS
Efetivamente, deflui do estudo socioeconômico que o grupo familiar é formado tão somente pela autora, seus dois filhos menores, e sua mãe. A renda familiar é oriunda tão somente do programa de transferência de renda Bolsa Família mensais, o auxílio emergencial temporário e a venda de latinhas. A autora não possui renda. A Assistente Social não teceu parecer em relação às condições socieconômicas, mas em área que já fora analisada pelo perito médico. Desta forma, sua conclusão perde força.
Resta evidente que o valor recebido pela genitora não pode ser considerado para cálculo de renda per capita do grupo familiar, pelos fundamentos já esboçados, restando apenas a renda obtida pela venda de material reciclável, que evidentemente é insuficiente à manutenção de duas crianças e dois adultos.
Demais, o valor recebido a título de Bolsa Família, constitui forte indicativo de que a unidade familiar encontra-se em situação de risco social.
Precedente desta Corte:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. INCAPACIDADE. CRITÉRIO ECONÔMICO. BOLSA FAMÍLIA. EXCLUSÃO. CONSECTÁRIOS. 1. O benefício assistencial é devido à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.. 2. O Supremo Tribunal Federal, ao analisar os recursos extraordinários 567.985 e 580.963, ambos submetidos à repercussão geral, reconheceu a inconstitucionalidade do § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/1993, assim como do art. 34 da Lei 10.741/2003 - Estatuto do Idoso, permitindo que o requisito econômico, para fins de concessão do benefício assistencial, seja aferido caso a caso. 3. O valor recebido a título de Bolsa Família como renda da família, o qual, além de ser ínfimo, constitui forte indicativo de que a unidade familiar encontra-se em situação de risco social. 4. O Supremo Tribunal Federal reconheceu no RE 870947, com repercussão geral, a inconstitucionalidade do uso da TR, determinando, no recurso paradigma, a adoção do IPCA-E para o cálculo da correção monetária. 5. Considerando que o recurso que originou o precedente do STF tratava de condenação da Fazenda Pública ao pagamento de débito de natureza administrativa, o Superior Tribunal de Justiça, no REsp 1495146, em precedente também vinculante, e tendo presente a inconstitucionalidade da TR como fator de atualização monetária, distinguiu os créditos de natureza previdenciária, em relação aos quais, com base na legislação anterior, determinou a aplicação do INPC. 6. Os juros de mora, a contar da citação, devem incidir à taxa de 1% ao mês, até 29-06-2009. A partir de então, incidem uma única vez, até o efetivo pagamento do débito, segundo o índice oficial de remuneração básica aplicado à caderneta de poupança. (TRF4, AC 5007457-58.2019.4.04.9999, SEXTA TURMA, Relator ARTUR CÉSAR DE SOUZA, juntado aos autos em 27/06/2019)
Assim, considerando a inconstitucionalidade dos artigos 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e do artigo 34, § único, da Lei 10.741/2003, reconhecida no julgamento dos REs 567985 e 580963 em 18.04.2013, face as considerações aduzidas, e observada a razoabilidade ao considerar o valor numérico conjugado com outros fatores indicativos da situação de risco social, e considerando ainda que o direito ao benefício de prestação continuada não pressupõe a verificação de um estado de miserabilidade extremo - bastando estar demonstrada a insuficiência de meios para o beneficiário, dignamente, prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família -, tenho por configurada a situação de risco social a que está exposto a parte autora.
Por tudo exposto, preenchidos os requisitos imprescindíveis à concessão do benefício, deve ser reformada a sentença para conceder à ELISANDRA DOS SANTOS DE BARROS o benefício de prestação continuada ao deficiente.
Termo inicial
O marco inicial do benefício é da data do requerimento administrativo em 9-2-2017 (evento 17, INFBEN2, p.1), cumprindo ao INSS pagar as parcelas vencidas. Não há que se falar em prescrição de parcelas eis que a ação foi distribuída em 8-7-2019.
Como a parte autora logrou êxito na integralidade do pedido, invertem-se os ônus da sucumbência, nos termos do art. 86, parágrafo único, do novo Código de Processo Civil (CPC), para condenar a requerida ao pagamento de custas e honorários advocatícios, como segue.
Correção monetária e juros de mora
A correção monetária incide a contar do vencimento de cada prestação e é calculada pelos seguintes índices oficiais: [a] IGP-DI de 5-1996 a 3-2006, de acordo com o artigo 10 da Lei n. 9.711/1998 combinado com os §§ 5º e 6º do artigo 20 da Lei n. 8.880/1994; e, [b] INPC a partir de 4-2006, de acordo com a Lei n. 11.430/2006, que foi precedida pela MP n. 316/2006, que acrescentou o artigo 41-A à Lei n. 8.213/1991 (o artigo 31 da Lei n. 10.741/2003 determina a aplicação do índice de reajustamento do RGPS às parcelas pagas em atraso).
A incidência da TR como índice de correção monetária dos débitos judiciais da Fazenda Pública foi afastada pelo Supremo naquele julgamento. No recurso paradigma foi determinada a utilização do IPCA-E, como já o havia sido para o período subsequente à inscrição do precatório (ADI n. 4.357 e ADI n. 4.425).
O Superior Tribunal de Justiça (REsp 149146) - a partir da decisão do STF e levando em conta que o recurso paradigma que originou o precedente tratava de condenação da Fazenda Pública ao pagamento de débito de natureza não previdenciária (benefício assistencial) - distinguiu os créditos de natureza previdenciária para estabelecer que, tendo sido reconhecida a inconstitucionalidade da TR como fator de atualização, deveria voltar a incidir, em relação a eles, o INPC, que era o índice que os reajustava à edição da Lei n. 11.960/2009.
É importante registrar que os índices em questão (INPC e IPCA-E) tiveram variação praticamente idêntica no período transcorrido desde 7-2009 até 9-2017 (mês do julgamento do RE n. 870.947): 64,23% contra 63,63%. Assim, a adoção de um ou outro índice nas decisões judiciais já proferidas não produzirá diferenças significativas sobre o valor da condenação.
A conjugação dos precedentes acima resulta na aplicação, a partir de 4-2006, do INPC aos benefícios previdenciários e o IPCA-E aos de natureza assistencial.
Os juros de mora devem incidir a partir da citação. Até 29-6-2009 à taxa de 1% ao mês (artigo 3º do Decreto-Lei n. 2.322/1987), aplicável analogicamente aos benefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter eminentemente alimentar (Súmula n. 75 do Tribunal).
A partir de então, deve haver incidência dos juros até o efetivo pagamento do débito, segundo o índice oficial de remuneração básica aplicado à caderneta de poupança, de acordo com o artigo 1º-F, da Lei n. 9.494/1997, com a redação que lhe foi conferida pela Lei n. 11.960/2009. Eles devem ser calculados sem capitalização, tendo em vista que o dispositivo determina que os índices devem ser aplicados "uma única vez".
Honorários advocatícios
Incide, no caso, a sistemática de fixação de honorários advocatícios prevista no art. 85 do NCPC, porquanto a sentença foi proferida após 18/03/2016 (data da vigência do NCPC definida pelo Pleno do STJ em 02/04/2016).
Invertidos os ônus sucumbenciais, estabeleço a verba honorária em 10% (dez por cento) sobre o valor das parcelas vencidas até a data do presente julgado, considerando as variáveis dos incisos I a IV do § 2º do artigo 85 do NCPC.
Custas e despesas processuais
O INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (art. 4, I, da Lei nº 9.289/96) e na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais, como as relacionadas a correio, publicação de editais e condução de oficiais de justiça (artigo 11 da Lei Estadual nº 8.121/85, com a redação da Lei Estadual nº 13.471/2010, já considerada a inconstitucionalidade formal reconhecida na ADInº 70038755864, julgada pelo Órgão Especial do TJ/RS); para os feitos ajuizados a partir de 2015, é isenta a Autarquia Previdenciária do pagamento da taxa única de serviços judiciais, na forma do estabelecido na Lei Estadual nº 14.634/2014 (artigo 5º). Deverá o INSS, portanto, reembolsar os valores adiantados a título de honorários periciai
Cumprimento imediato do julgado
A renda mensal do benefício, em face da ausência de efeito suspensivo de qualquer outro recurso, deve ser implementada em 45 dias a partir da intimação. A parte interessada deverá indicar, em 10 dias, o eventual desinteresse no cumprimento do acórdão.
Conclusão
Dado provimento à apelação da parte autora. Honorários advocatícios, que estabeleço em 10% (dez por cento) sobre as parcelas vencidas até a data do presente julgado, considerando as variáveis dos incisos I a IV do § 2º do artigo 85 do NCPC, adequando consectários à orientação do STF no RE 870947, determinando o imediato cumprimento do acórdão.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento ao recurso e determinar o imediato cumprimento do acórdão.
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Apelação Cível Nº 5010187-71.2021.4.04.9999/RS
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APELANTE: ELISANDRA DOS SANTOS DE BARROS
ADVOGADO: RODRIGO DALPIAS (OAB RS048389)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PORTADOR DE HIV. ASSINTOMÁTICA. BOLSA FAMÍLIA. CONSECTÁRIOS.
1. Comprovados os requisitos da deficiência para o labor e hipossuficiência econômica do grupo familiar, cabível a concessão do benefício assistencial.
2. Ainda que em oposição ao laudo pericial, concede-se o benefício assistencial ao portador de HIV, mesmo sem apresentar sintomas, quando sua recolocação no mercado de trabalho mostrar-se improvável, considerando-se as suas condições pessoais e o estigma social da doença, capaz de diminuir consideravelmente as suas chances de obter ou de manter um emprego formal.
3. O valor recebido a título de Bolsa Família como renda da família, o qual, além de ser ínfimo, constitui forte indicativo de que a unidade familiar encontra-se em situação de risco social.
4. O Supremo Tribunal Federal reconheceu no RE 870947, com repercussão geral, a inconstitucionalidade do uso da TR, determinando, no recurso paradigma, a adoção do IPCA-E para o cálculo da correção monetária.
5. Considerando que o recurso que originou o precedente do STF tratava de condenação da Fazenda Pública ao pagamento de débito de natureza administrativa, o Superior Tribunal de Justiça, no REsp 1495146, em precedente também vinculante, e tendo presente a inconstitucionalidade da TR como fator de atualização monetária, distinguiu os créditos de natureza previdenciária, em relação aos quais, com base na legislação anterior, determinou a aplicação do INPC.
6. Os juros de mora, a contar da citação, devem incidir à taxa de 1% ao mês, até 29-06-2009. A partir de então, incidem uma única vez, até o efetivo pagamento do débito, segundo o índice oficial de remuneração básica aplicado à caderneta de poupança.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento ao recurso e determinar o imediato cumprimento do acórdão, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 07 de julho de 2021.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Telepresencial DE 07/07/2021
Apelação Cível Nº 5010187-71.2021.4.04.9999/RS
RELATOR: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
PRESIDENTE: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
PROCURADOR(A): MARCUS VINICIUS AGUIAR MACEDO
APELANTE: ELISANDRA DOS SANTOS DE BARROS
ADVOGADO: RODRIGO DALPIAS (OAB RS048389)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Telepresencial do dia 07/07/2021, na sequência 1189, disponibilizada no DE de 28/06/2021.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO AO RECURSO E DETERMINAR O IMEDIATO CUMPRIMENTO DO ACÓRDÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
Votante: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Votante: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
PAULO ROBERTO DO AMARAL NUNES
Secretário
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