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PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PORTADOR DE HIV. ASSINTOMÁTICA. CONSECTÁRIOS. TRF4. 5044104-23.2017.4.04.9999...

Data da publicação: 20/02/2021, 07:01:16

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PORTADOR DE HIV. ASSINTOMÁTICA. CONSECTÁRIOS. 1. Comprovados os requisitos da deficiência para o labor e hipossuficiência econômica do grupo familiar, cabível a concessão do benefício assistencial. 2. Ainda que em oposição ao laudo pericial, concede-se o benefício assistencial ao portador de HIV, mesmo sem apresentar sintomas, quando sua recolocação no mercado de trabalho mostrar-se improvável, considerando-se as suas condições pessoais e o estigma social da doença, capaz de diminuir consideravelmente as suas chances de obter ou de manter um emprego formal. 3. O Supremo Tribunal Federal reconheceu no RE 870947, com repercussão geral, a inconstitucionalidade do uso da TR, determinando, no recurso paradigma, a adoção do IPCA-E para o cálculo da correção monetária. 4. Considerando que o recurso que originou o precedente do STF tratava de condenação da Fazenda Pública ao pagamento de débito de natureza administrativa, o Superior Tribunal de Justiça, no REsp 1495146, em precedente também vinculante, e tendo presente a inconstitucionalidade da TR como fator de atualização monetária, distinguiu os créditos de natureza previdenciária, em relação aos quais, com base na legislação anterior, determinou a aplicação do INPC. 5. Os juros de mora, a contar da citação, devem incidir à taxa de 1% ao mês, até 29-06-2009. A partir de então, incidem uma única vez, até o efetivo pagamento do débito, segundo o índice oficial de remuneração básica aplicado à caderneta de poupança. (TRF4, AC 5044104-23.2017.4.04.9999, SEXTA TURMA, Relator JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER, juntado aos autos em 12/02/2021)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5044104-23.2017.4.04.9999/RS

RELATOR: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER

APELANTE: MARCIA CRISTIANE MENGEL

ADVOGADO: VILSON ROBERTO POHLMANN (OAB RS023959)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

RELATÓRIO

Trata-se de ação ajuizada por Marcia Cristiane Mengel em face do INSS, postulando a concessão de Benefício Assistencial de Prestação Continuada (LOAS), sob o fundamento de que é portadora de Síndrome da Imunodeficiência Humana (HIV), o que a incapacita para o trabalho, não tendo condições de prover o próprio sustento. Foi exarada sentença em 29-3-2017 com o seguinte dispositivo (evento 59, SENT1, p.1):

ISSO POSTO, JULGO IMPROCEDENTE O PEDIDO de Márcia Cristiane Mengel deduzido em face de INSS, e encerro o processo na forma do art. 487, l, do CPC. Condeno a parte autora ao pagamento das custas e das despesas do processo, além de honorários advocatícios aos procuradores da pane ré, que estabeleço em 10% sobre o valor atribuído à causa, avaliados o tempo de tramitação, o grau de zelo profissional, local da prestação do serviço e trabalho demandado, atentando-se para as regras do art. 85, § 2° e § 3°, do CPC. Fica suspensa a exigibilidade de pagamento das verbas de sucumbência, por litigar a parte autora ao abrigo da justiça gratuita.

A parte autora recorreu argumentando, em síntese, que está desempregada, com 45 anos de idade e é portadora da Síndrome da Imunodeficiência Humana (HIV), conforme exames e atestados médicos juntados aos autos, uma vez que se encontra impossibilitada de realizar suas atividades laborais. Sustentou que deixou de comparecer na perícia médica marcada pelo motivo de não ter meios financeiros de custear com transporte até a cidade de Porto Alegre; e, por isso, teve cerceada sua defesa pela falta da prova técnica. Pugnou pela anulação da sentença diante do vício apontado, devendo ser oportunizada a reabertura da instrução, para preenchimento dos requisitos autorizadores a que se refere a referida ação de benefício assistencial.

Na Sessão de 13-6-2018 a Sexta Turma desta Corte por unanimidade, decidiu dar provimento a apelação para anular a sentença e determinar a reabertura da instrução processual, a fim de que fosse realizado laudo socioeconômico complementar e perícia médica.

Relizado o laudo em 22-8-2018 (evento 31, LAUDOPERIC2)

Prolatada nova sentença em 7-6-2019 julgando improcedente o pedido de Márcia Cristiane Mengel, condenando-a ao pagamento de custas e das despesas do processo, além de honorários advocatícios, suspensos por litigar ao abiro da justiça gratuita.

Inconformada, recorreu alegando, em síntese, que embora o laudo pericial judicial demonstre condições para estar inserida no mercado de trabalho, há precendente da Turma Regional de Uniformização da 4ª Região que há a necessidade de se avaliar adequadamente as condições pessoais e sociais, bemcomo o grau de restrição pra o trabalho. Sustentou que no ano de 2017 foi acometida de meningite bacteriana correndo risco de morte, necessitando ser internada. Asseverou que a assistente social confirmou as condições de vulnerabilidade que se encontra o seu grupo familiar. Requereu a reforma da sentença para conceder à apelante o benefício assistencial ao deficiente desde a DER.

Oportunizada as contrarrazões, vieram os autos para esta Corte para julgamento.

O Ministério Público Federal opinou pelo provimento da apelação.

É o relatório.

VOTO

Juízo de admissibilidade

A apelação preenche os requisitos legais de admissibilidade.

Benefício de prestação continuada ao idoso e ao deficiente (LOAS)

A Constituição Federal de 1988 dispôs em seu artigo 203:

Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente da contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

(...)

V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

A regulamentação desse dispositivo constitucional veio com a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, denominada Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), que, em seu artigo 20, passou a especificar as condições para a concessão do benefício, no valor de um salário mínimo mensal, à pessoa com deficiência e ao idoso com 70 anos ou mais comprovadamente carentes.

Após as alterações promovidas pelas Leis nº 9.720, de 30 de novembro de 1998, e nº 10.741, de 1º de outubro de 2003 (Estatuto do Idoso), relativas à redução do critério etário para 67 e 65 anos, respectivamente, sobrevieram as Leis nº 12.435, de 06 de julho de 2011, e nº 12.470, de 31 de agosto de 2011, as quais conferiram ao aludido artigo 20, da LOAS, a seguinte redação, ora em vigor:

Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)

(...)

Portanto, o direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos:

1.a) idoso (assim considerado aquele com 65 anos ou mais, a partir de 1º de janeiro de 2004, data da entrada em vigor do Estatuto do Idoso) ou

1.b) condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, conforme redação original do artigo 20, da LOAS, e, após as alterações da Lei nº 12.470, de 31-10-2011, tratar-se de pessoa com impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas) ;

2) Situação de risco social (ausência de meios para, dignamente, prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família).

Requisito etário

Tratando-se de benefício requerido na vigência do Estatuto do Idoso, é considerada idosa a pessoa com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. O requisito é objetivo, ou seja, comprovado o atributo etário, a análise do requisito incapacitante é desnecessária, bastando apenas verificar a situação de vulnerabilidade socioeconômica a que submetido o idoso.

Condição de deficiente

Mister salientar, por oportuno, que a incapacidade para a vida independente a que se refere a Lei 8.742/93, na redação original, deve ser interpretada de forma a garantir o benefício assistencial a uma maior gama possível de pessoas com deficiência, consoante pacífica jurisprudência do STJ (v.g. STJ, 5ª Turma, RESP 360.202/AL, Rel. Min. Gilson Dipp, DJU de 01-07-2002) e desta Corte (v.g. AC n. 2002.71.04.000395-5/RS, 6ª Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, DJU de 19-04-2006).

Desse modo, a incapacidade para a vida independente:

a) não exige que a pessoa possua uma vida vegetativa ou seja incapaz de se locomover;

b) não significa incapacidade para as atividades básicas do ser humano, tais como alimentar-se, fazer a higiene pessoal e vestir-se sozinho;

c) não impõe a incapacidade de se expressar ou se comunicar; e

d) não pressupõe dependência total de terceiros.

Situação de risco social

Tendo em vista a inconstitucionalidade dos artigos 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e do artigo 34, § único, da Lei 10.741/2003, reconhecida no julgamento dos REs 567985 e 580963 em 18.04.2013, a miserabilidade para fins de benefício assistencial deve ser verificada em cada caso concreto.

Nesse sentido, os cuidados necessários com a parte autora, em decorrência de sua deficiência, incapacidade ou avançada idade, que acarretarem gastos - notadamente com medicamentos, alimentação especial, fraldas descartáveis, tratamento médico, psicológico e fisioterápico, entre outros -, configuram despesas a ser consideradas na análise da condição de risco social da família do demandante (TRF4, APELREEX 5002022-24.2011.404.7012, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão Celso Kipper, juntado aos autos em 27/06/2013).

A jurisprudência desta Corte Regional, bem como do Superior Tribunal de Justiça, é pacífica no sentido de que qualquer benefício de valor mínimo recebido por idoso de 65 anos ou mais (salvo quando recebido por força de deficiência, quando então o requisito etário é afastado) deve ser excluído da apuração da renda familiar, bem como essa renda mínima não é o único critério a balizar a concessão do benefício, devendo ser examinado juntamente com outros meios de aferição do estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo do autor e de sua família (Pet n.º 7203/PE - 3ª Seção - Unânime - Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura - DJe 11-10-2011; TRF4 - AC n.º 0019220-88.2012.404.9999 - 6ª T. - unânime - Rel. Des. Celso Kipper - D.E. 22-03-2013; REsp n.º 1112557/MG - 3ª Seção - unânime - Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho - DJe 20-11-2009).

Também, o fato de a parte autora ser beneficiária e perceber renda proveniente do Programa Bolsa Família, não só não impede a percepção do benefício assistencial do art. 203, V, da Constituição Federal, como constitui forte indicativo de que a unidade familiar encontra-se em situação de risco social (TRF4, APELREEX 2009.71.99.006237-1, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão Celso Kipper, D.E. 07/10/2014).

Logo, em linhas gerais, para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, a situação de risco social a que se encontra exposta a pessoa idosa ou portadora de deficiência e sua família deve ser analisada em cada caso concreto (TRF4, EINF 0016689-58.2014.404.9999, Terceira Seção, Relator Ricardo Teixeira do Valle Pereira, D.E. 29/05/2015).

Fixados os parâmetros de valoração da prova, passo ao exame da situação específica dos autos.

No caso concreto, verifica-se que a recorrente é portadora do vírus HIV, mas teve o pedido de benefício assistencial indeferido administrativamente pelo INSS, que considerou inexistir incapacidade para a vida e para o trabalho.

Foi deferida pelo Juízo de origem a realização de perícia médica e de avaliação socioeconômica (evento 3, DESPADEC30, p.1). A parte autora não compareceu ao local do exame médico (Evento 3, OFÍCIO/C48, Página 1). Alegou que não dispunha de recursos para o deslocamento à Porto Alegre. Ocorre que o Juízo de origem declarou o perdimento da prova pericial médica e indeferiu pedido de nova data para perícia, prolatando a sentença de improcedência.

A Sexta Turma desta Corte na Sessão de 13-6-2018 anulou a sentença por enteder que a hipótese dos autos reclamava análise, não só em relação às condições de incapacidade para o trabalho, como também as condições pessoais, sociais, econômicas e culturais em face da doença; determinando então, novo estudo socioeconômcio do grupo social da autora e laudo médico, com especialidade em infectologia.

Com efeito, em 12-2-2019 foi realizada perícia médica com a infectologista Dra Siena Bibel Capella CRM RS 010055, que diagnostiou quadro compatível com CID 10 B24 doença pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) não especificada, sem incapacidade laboral, cujo laudo segue excertos (evento 31, DECISÃO/4, p. 26):

Histórico/anamnese: Mora no Salto do Jacuí com uma filha de 19 anos, casada, o marido desta está em seguro desemprego. A filha faz o trabalho de casa. Diz saber ser portadora do HIV desde 2005.

Convém por em relevo que a incapacidade para a vida independente a que se refere a Lei 8.742/93, na redação original, deve ser interpretada de forma a garantir o benefício assistencial a uma maior gama possível de pessoas com deficiência, consoante pacífica jurisprudência do STJ (v.g. STJ, 5ª Turma, RESP 360.202/AL, Rel. Min. Gilson Dipp, DJU de 01-07-2002) e desta Corte (v.g. AC n. 2002.71.04.000395-5/RS, 6ª Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, DJU de 19-04-2006).

Ademais, à análise da incapacidade para a vida independente não exige que a pessoa possua uma vida vegetativa ou seja incapaz de se locomover; não significa incapacidade para as atividades básicas do ser humano, tais como alimentar-se, fazer a higiene pessoal e vestir-se sozinho; não impõe a incapacidade de se expressar ou se comunicar e não pressupõe dependência total de terceiros.

Além disto, mesmo sem sintomatologia da doença, há que reconhecer que o portador de HIV sofre acentuada resistência de grande parte da sociedade, inclusive do meio empresário, e o estigma a que está sujeito é ainda bastante profundo, interferindo sobremaneira nas suas chances de se colocar profissionalmente no mercado de trabalho.

No entanto, a mera invocação de estigmatização social não decorre imediatamente no direito ao benefício. Faz-se necessária a demonstração em concreto da ocorrência do processo discriminatório.

Precedentes recentes desta Corte:

PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. INCAPACIDADE NÃO COMPROVADA. HIV. ESTIGMA SOCIAL. PERÍCIA SOCIAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. 1. Tratando-se de benefícios por incapacidade, o Julgador firma sua convicção, via de regra, por meio da prova pericial. 2. Ainda que acometido o segurado de infecção assintomática pelo vírus HIV, diante da ausência de incapacidade, o direito ao benefício por incapacidade poderá ser reconhecido caso seja comprovado preconceito e discriminação, os quais, associados a outros fatores, impeçam ou reduzam o exercício de atividade laboral remunerada. 3. A não realização de perícia social requerida com o objetivo de comprovar o estigma social existente consiste em cerceamento de defesa, devendo a sentença ser anulada, com a reabertura da instrução processual. (TRF4, AC 5020446-33.2018.4.04.9999, SEXTA TURMA, Relatora TAÍS SCHILLING FERRAZ, juntado aos autos em 23/11/2018)

PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE AUXÍLIO-DOENÇA E CONVERSÃO EM APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. HIV. Tutela específica. 1. Ainda que em oposição ao laudo médico-judicial, concede-se o benefício por incapacidade ao portador de HIV, mesmo sem apresentar sintomas, quando sua recolocação no mercado de trabalho mostrar-se improvável, considerando-se as suas condições pessoais e o estigma social da doença, capaz de diminuir consideravelmente as suas chances de obter ou de manter um emprego formal. 2. Comprovado pelo conjunto probatório que a parte autora é portadora de enfermidade que a incapacita para o trabalho de forma total e definitiva, é de ser concedido o auxílio-doença desde a DER e convertido em aposentadoria por invalidez desde a data do presente julgamento. 3. Determina-se o cumprimento imediato do acórdão naquilo que se refere à obrigação de implementar o benefício de aposentadoria por invalidedez, por se tratar de decisão de eficácia mandamental que deverá ser efetivada mediante as atividades de cumprimento da sentença stricto sensu previstas no art. 497 do CPC/15, sem a necessidade de um processo executivo autônomo (sine intervallo). (TRF4, AC 5025540-25.2019.4.04.9999, SEXTA TURMA, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, juntado aos autos em 28/05/2020)

Ora, trata-se de pessoa atualmente com 49 anos de idade, baixa instrução que viu-se obrigada a trabalhar como faxineira, segundo laudo do primeiro estudo socioeconômico, atividades que a expunham em contato direto com produtos químicos, objetos não higienizados e contaminados, o que é extremamente perigoso em razão de sua baixa imunidade, vivendo às expensas de filha casada.

Destarte, frente a este contexto, possível inferir a resistência de parte da sociedade em aceitar com normalidade pessoas portadoras dessa moléstia, sua inserção no mercado de trabalho praticamente inexiste, tendo se mantido por força de antecipação de tutela do benefício assistencial do ano de 2014 a 2017.

Nessa quadra, forçoso concluir que a incapacidade da parte autora à vida independente e para o trabalho restou evidenciada.

Com isso, passo a análise da condição socioeconômica da requerente e de sua família.

No tocante ao requisito econômico, importa referir que a situação de vulnerabilidade social é aferida não apenas com base na renda familiar, que não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. Deverá ser analisado o contexto socioeconômico em que o autor se encontra inserido.

Foi realizado novo estudo socioeconômico em 22-8-2018 como segue (evento 31, LAUDOPERIC2, p.1):

Deflui do laudo que o grupo familiar reside em moradia simples alugada, composto pela autora, sua filha casada e gênro, com renda composta pela renda de Giovane (gênro) em torno de R$ 1.300,00 como operador de máquinas.

À análise do grupo social é preciso ter claro que a partir da entrada em vigor da Lei n.º 12.435, de 06-07-2011, que alterou a redação do art. 20, § 1º, da Lei n.º 8.742/93, o conceito de família, para efeito de concessão do benefício assistencial, passou a ser o conjunto de pessoas, que vivam sob o mesmo teto, ali elencadas:

"Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto."

Dessarte, o gênro e a filha casada não compõe o mesmo grupo familiar da autora, restando esta sem remuneração alguma.

Com efeito, negar-se o benefício em tais casos, equivaleria a condená-la, a intentar retornar à única atividade que desempenhou em toda a sua vida laboral, agravando ainda mais seu estado de saúde. Além disso, há que se considerar que são mínimas as chances de recolocação em um mercado de trabalho atual.

Assim, preenchidos os requisitos imprescindíveis à concessão do benefício, deve ser reformada a sentença para conceder à MARCIA CRISTIANE MENGEL o benefício de prestação continuada ao deficiente.

Termo inicial

O marco inicial do benefício é da DER 17-3-2014(evento 3, ANEXOSPET4, p. 7), descontadas as parcelas concedidas por força de antecipação de tutela. Não há que se falar em prescrição de parcelas considerando que a ação foi distribuída em 7-4-2014 (evento 3, CAPA1, p 1)

Como a parte autora logrou êxito na integralidade do pedido, invertem-se os ônus da sucumbência, nos termos do art. 86, parágrafo único, do novo Código de Processo Civil (CPC), para condenar a requerida ao pagamento de custas e honorários advocatícios, como segue.

Correção monetária e juros de mora

A correção monetária incide a contar do vencimento de cada prestação e é calculada pelos seguintes índices oficiais: [a] IGP-DI de 5-1996 a 3-2006, de acordo com o artigo 10 da Lei n. 9.711/1998 combinado com os §§ 5º e 6º do artigo 20 da Lei n. 8.880/1994; e, [b] INPC a partir de 4-2006, de acordo com a Lei n. 11.430/2006, que foi precedida pela MP n. 316/2006, que acrescentou o artigo 41-A à Lei n. 8.213/1991 (o artigo 31 da Lei n. 10.741/2003 determina a aplicação do índice de reajustamento do RGPS às parcelas pagas em atraso).

A incidência da TR como índice de correção monetária dos débitos judiciais da Fazenda Pública foi afastada pelo Supremo naquele julgamento. No recurso paradigma foi determinada a utilização do IPCA-E, como já o havia sido para o período subsequente à inscrição do precatório (ADI n. 4.357 e ADI n. 4.425).

O Superior Tribunal de Justiça (REsp 149146) - a partir da decisão do STF e levando em conta que o recurso paradigma que originou o precedente tratava de condenação da Fazenda Pública ao pagamento de débito de natureza não previdenciária (benefício assistencial) - distinguiu os créditos de natureza previdenciária para estabelecer que, tendo sido reconhecida a inconstitucionalidade da TR como fator de atualização, deveria voltar a incidir, em relação a eles, o INPC, que era o índice que os reajustava à edição da Lei n. 11.960/2009.

É importante registrar que os índices em questão (INPC e IPCA-E) tiveram variação praticamente idêntica no período transcorrido desde 7-2009 até 9-2017 (mês do julgamento do RE n. 870.947): 64,23% contra 63,63%. Assim, a adoção de um ou outro índice nas decisões judiciais já proferidas não produzirá diferenças significativas sobre o valor da condenação.

A conjugação dos precedentes acima resulta na aplicação, a partir de 4-2006, do INPC aos benefícios previdenciários e o IPCA-E aos de natureza assistencial.

Os juros de mora devem incidir a partir da citação. Até 29-6-2009 à taxa de 1% ao mês (artigo 3º do Decreto-Lei n. 2.322/1987), aplicável analogicamente aos benefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter eminentemente alimentar (Súmula n. 75 do Tribunal).

A partir de então, deve haver incidência dos juros até o efetivo pagamento do débito, segundo o índice oficial de remuneração básica aplicado à caderneta de poupança, de acordo com o artigo 1º-F, da Lei n. 9.494/1997, com a redação que lhe foi conferida pela Lei n. 11.960/2009. Eles devem ser calculados sem capitalização, tendo em vista que o dispositivo determina que os índices devem ser aplicados "uma única vez".

Honorários advocatícios

Incide, no caso, a sistemática de fixação de honorários advocatícios prevista no art. 85 do NCPC, porquanto a sentença foi proferida após 18/03/2016 (data da vigência do NCPC definida pelo Pleno do STJ em 02/04/2016).

Invertidos os ônus sucumbenciais, estabeleço a verba honorária em 10% (dez por cento) sobre o valor das parcelas vencidas até a data do presente julgado, considerando as variáveis dos incisos I a IV do § 2º do artigo 85 do NCPC

Cumprimento imediato do julgado (tutela específica)

A renda mensal do benefício, em face da ausência de efeito suspensivo de qualquer outro recurso, deve ser implementada em 45 dias a partir da intimação. A parte interessada deverá indicar, em 10 dias, o eventual desinteresse no cumprimento do acórdão.

Conclusão

Dar provimento à apelação. Invertidos os ônus sucumbenciais, estabeleço a verba honorária em 10% (dez por cento) sobre o valor das parcelas vencidas até a data do presente julgado, considerando as variáveis dos incisos I a IV do § 2º do artigo 85 do NCPC. Consectários adequados à orientação do STF no RE 870947, determinando o cumprimento imediato do acórdão.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação, determinando o cumprimento imediato do acórdão.



Documento eletrônico assinado por JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002302416v19 e do código CRC 5907778e.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
Data e Hora: 12/2/2021, às 10:14:33


5044104-23.2017.4.04.9999
40002302416.V19


Conferência de autenticidade emitida em 20/02/2021 04:01:15.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5044104-23.2017.4.04.9999/RS

RELATOR: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER

APELANTE: MARCIA CRISTIANE MENGEL

ADVOGADO: VILSON ROBERTO POHLMANN (OAB RS023959)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PORTADOR DE HIV. ASSINTOMÁTICA. CONSECTÁRIOS.

1. Comprovados os requisitos da deficiência para o labor e hipossuficiência econômica do grupo familiar, cabível a concessão do benefício assistencial.

2. Ainda que em oposição ao laudo pericial, concede-se o benefício assistencial ao portador de HIV, mesmo sem apresentar sintomas, quando sua recolocação no mercado de trabalho mostrar-se improvável, considerando-se as suas condições pessoais e o estigma social da doença, capaz de diminuir consideravelmente as suas chances de obter ou de manter um emprego formal.

3. O Supremo Tribunal Federal reconheceu no RE 870947, com repercussão geral, a inconstitucionalidade do uso da TR, determinando, no recurso paradigma, a adoção do IPCA-E para o cálculo da correção monetária.

4. Considerando que o recurso que originou o precedente do STF tratava de condenação da Fazenda Pública ao pagamento de débito de natureza administrativa, o Superior Tribunal de Justiça, no REsp 1495146, em precedente também vinculante, e tendo presente a inconstitucionalidade da TR como fator de atualização monetária, distinguiu os créditos de natureza previdenciária, em relação aos quais, com base na legislação anterior, determinou a aplicação do INPC.

5. Os juros de mora, a contar da citação, devem incidir à taxa de 1% ao mês, até 29-06-2009. A partir de então, incidem uma única vez, até o efetivo pagamento do débito, segundo o índice oficial de remuneração básica aplicado à caderneta de poupança.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação, determinando o cumprimento imediato do acórdão, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 10 de fevereiro de 2021.



Documento eletrônico assinado por JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002302417v3 e do código CRC 4f7a62e6.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
Data e Hora: 12/2/2021, às 10:14:33


5044104-23.2017.4.04.9999
40002302417 .V3


Conferência de autenticidade emitida em 20/02/2021 04:01:15.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Telepresencial DE 10/02/2021

Apelação Cível Nº 5044104-23.2017.4.04.9999/RS

RELATOR: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER

PRESIDENTE: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ

PROCURADOR(A): EDUARDO KURTZ LORENZONI

APELANTE: MARCIA CRISTIANE MENGEL

ADVOGADO: VILSON ROBERTO POHLMANN (OAB RS023959)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Telepresencial do dia 10/02/2021, na sequência 830, disponibilizada no DE de 29/01/2021.

Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO, DETERMINANDO O CUMPRIMENTO IMEDIATO DO ACÓRDÃO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER

Votante: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER

Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA

Votante: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ

PAULO ROBERTO DO AMARAL NUNES

Secretário



Conferência de autenticidade emitida em 20/02/2021 04:01:15.

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