Apelação Cível Nº 5051374-26.2021.4.04.7100/RS
RELATOR: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: JOSE VINICIUS DE SOUZA BRAZ (Civilmente Incapaz - Art. 110, 8.213/91) (AUTOR)
APELADO: JOAO CARLOS BOEIRA BRAZ (Cônjuge, pai, mãe, tutor, curador ou herdeiro necessário) (AUTOR)
RELATÓRIO
Trata-se de ação de procedimento comum na qual a parte autora postula "restabelecimento de benefício assistencial de prestação continuada, que a parte autora vinha recebendo desde 26/03/1999 (NB 108.174.544-1), cessado em 31/05/2021 (evento 1, PROCADM6, fls. 37-38), bem como declaração de inexistência de débito referente ao valor de R$ 70.147,76 apurado pelo INSS, correspondente à restituição das parcelas pagas no período de 23/02/2016 a 31/05/2021. Foi atribuído à causa o valor de R$24.647,56."
Foram anexados laudo socioeconômico (
).Sobreveio sentença (
) que julgou o pedido formulado na inicial, nos seguintes termos:Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido, com resolução de mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC, para :
1. Declarar a inexistência de débito da parte autora referente à cobrança de valores pagos a título do benefício assistencial de prestação continuada NB 108.11174.544-1;
2. Condenar o INSS a:
a) restabelecer à parte autora o benefício assistencial de prestação continuada NB 108.174.544-1, desde a data da cessação (31/05/2021);
b) pagar as prestações vencidas até o restabelecimento do benefício, atualizadas desde o vencimento até o efetivo pagamento, acrescidas de juros de mora, a contar da citação, conforme fundamentação, descontadas eventuais parcelas já pagas administrativamente;
c) pagar honorários advocatícios ao procurador da parte adversa, fixados nos percentuais mínimos dos incisos do § 3º e atendendo aos §§ 2º e 5º, todos do art. 85 do CPC, excluídas as prestações vincendas a contar da prolação desta sentença (Súmula 111 do STJ);
c) ressarcir à Justiça Federal o valor pago a título de honorários periciais (eventos 36 e 50).
Custas pelo INSS, que é isento do seu pagamento (art. 4º, I, da Lei nº 9.289/96), e sem ressarcimento, dado que não adiantados, sendo a parte autora beneficiária de gratuidade da justiça.
Em suas razões recursais (
), o INSS sustenta que a parte autora não comprovou o preenchimento dos requisitos ensejadores do benefício assistencial, no que pertine à miserabilidade. Aduz, ainda, que "O recebimento indevido de benefício previdenciário/assistencial deve ser ressarcido, independente de boa fé no seu recebimento".Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
O Ministério Público Federal manifestou-se apenas pelo regular processamento do feito.
É o breve relatório.
VOTO
Admissibilidade
Recurso adequado e tempestivo. INSS isento de custas, nos termos do art. 4º, I, da Lei 9.289/1996.
Benefício Assistencial
Assim dispõe o art. 203 da Constituição Federal:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente da contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
(...)
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
Referida garantia foi regulamentada pelo art. 20 da Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS), que com as alterações legislativas posteriores tem a seguinte redação:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 1o Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 2o Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)
§ 3o Observados os demais critérios de elegibilidade definidos nesta Lei, terão direito ao benefício financeiro de que trata o caput deste artigo a pessoa com deficiência ou a pessoa idosa com renda familiar mensal per capita igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 14.176, de 2021)
De acordo com as disposições transcritas, o direito ao benefício assistencial deve ser analisado sob dois aspectos: (a) pessoal (pessoa com deficiência//impedimento de longo prazo ou idosa com 65 anos ou mais) e (b) socioeconômico (estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou desamparo).
Assim dispõe o art. 34 e parágrafo único da Lei 10.741/03:
Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social - Loas.
Parágrafo único. O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a Loas.
Já nos termos do art. 20, §2º, transcrito, a deficiência, embora definida inicialmente como a incapacidade para a vida independente e para o trabalho, com as alterações legislativas o critério incapacidade para o trabalho foi superado, passando a pessoa com deficiência a ser definida como a que possui impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
Impedimento de longo prazo, ao seu turno, considera-se aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos (art. 20, §10).
Em relação à criança e ao adolescente menor de dezesseis anos com deficiência, deve ser avaliado também o impacto da deficiência na limitação do desempenho de atividade e restrição da participação social, compatível com a idade (art. 4º, §1º, do Decreto 6.214/07, com a redação do Decreto 7.617/2011).
Em relação ao aspecto socioeconômico, embora a redação original do art. 20, §3º, estabelecesse como hipossuficiente a pessoa com deficiência ou idoso cuja família possuísse renda per capita inferior a ¼ do salário-mínimo, tal critério foi flexibilizado no julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça do REsp 1.112.557/MG (tema 185 dos recursos repetitivos), no qual firmada tese de que a aferição da miserabilidade poderia se dar por outros meios de prova.
Quanto ao ponto, as Leis 13.146/15 e 14.176/21 introduziram os §11 e §11-A ao art. 20 citado, dispondo que § 11. Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento. § 11-A. O regulamento de que trata o § 11 deste artigo poderá ampliar o limite de renda mensal familiar per capita previsto no § 3º deste artigo para até 1/2 (meio) salário-mínimo, observado o disposto no art. 20 -B desta Lei.
Em síntese, a renda per capita inferior a 1/4 de salário-mínimo, como critério balizador da aferição do quadro de risco social, importa presunção de miserabilidade, não impedindo o Julgador, contudo, de concluir nesse mesmo sentido a partir das demais provas do processo.
Conceito de família
A partir da alteração promovida pela Lei 12.435/11 na Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS, o conceito de família compreende: o requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Quanto aos filhos maiores de idade e capazes, importante refletir sobre a responsabilidade que têm com os membros idosos da família. Uma vez que o benefício em questão, tratado no art. 203, V, da CF, garante um salário-mínimo mensal à pessoa deficiente ou idosa que comprove não possuir meios de prover à própria manutenção ou tê-la provida por sua família, não seria razoável excluir a renda do filho maior e capaz que aufere rendimentos, uma vez que este tem responsabilidade com seus genitores idosos.
Por outro lado, considerar aqueles filhos maiores e capazes que não auferem renda para fins de grupo familiar seria beneficiá-los com uma proteção destinada ao idoso, ou seja, estariam contribuindo para a implementação dos requisitos do benefício (cálculo da renda per capita) sem contribuir para o amparo de seus ascendentes. Logo, tem-se que devem ser computados no cálculo da renda per capita tão somente os filhos que possuem renda.
A jurisprudência das Cortes Superiores orienta, ainda, que devem ser excluídos do cômputo da renda familiar per capita para concessão de benefício assistencial, a partir de interpretação do art. 34 da Lei 10.741/03 (Estatuto do Idoso), (i) o valor recebido por idoso com 65 anos ou mais a título de benefício assistencial ou de benefício previdenciário de renda mínima; (ii) o valor de um salário-mínimo de benefício previdenciário de montante superior recebido por pessoa idosa e (iii) o benefício assistencial recebido por pessoa com deficiência de qualquer idade integrante do grupo familiar.
Nesse sentido, a decisão do Plenário do Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 580.963/PR (tema 312 da repercussão geral):
Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. (...) 4. A inconstitucionalidade por omissão parcial do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003. O Estatuto do Idoso dispõe, no art. 34, parágrafo único, que o benefício assistencial já concedido a qualquer membro da família não será computado para fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS. Não exclusão dos benefícios assistenciais recebidos por deficientes e de previdenciários, no valor de até um salário mínimo, percebido por idosos. Inexistência de justificativa plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de até um salário mínimo. Omissão parcial inconstitucional. 5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003. 6. Recurso extraordinário a que se nega provimento. (RE 580963, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 18/04/2013, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-225 DIVULG 13-11-2013 PUBLIC 14-11-2013)
Também a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça julgou a questão pela sistemática dos recursos repetitivos no REsp 1.355.052/SP (tema 640), nesses termos:
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL PREVISTO NA LEI N. 8.742/93 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA. AFERIÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA DO NÚCLEO FAMILIAR. RENDA PER CAPITA. IMPOSSIBILIDADE DE SE COMPUTAR PARA ESSE FIM O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, NO VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO, RECEBIDO POR IDOSO. 1. Recurso especial no qual se discute se o benefício previdenciário, recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, deve compor a renda familiar para fins de concessão ou não do benefício de prestação mensal continuada a pessoa deficiente. 2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93. 3. Recurso especial provido. Acórdão submetido à sistemática do § 7º do art. 543-C do Código de Processo Civil e dos arts. 5º, II, e 6º, da Resolução STJ n. 08/2008. (REsp 1355052/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/02/2015, DJe 05/11/2015)
Anote-se que suprimida renda de integrante do grupo, também este não será considerado na composição familiar para efeito do cálculo da renda per capita.
Caso concreto
A insurgência recursal assenta-se apenas no requisito socioeconômico, sendo incontroverso o atendimento do quesito pessoal.
No que tange à análise da situação socioeconômica do grupo familiar, as informações colhidas em Estudo Social indicam as seguintes condições:
(...)
Salienta-se que durante a realização da perícia, esteve presente os genitores do autor, o Sr. João Carlos Boeira Braz e a Sra. Lucilia de Souza Braz, aos quais prestaram as informações, visto o autor estar internado em hospital psiquiárico em Pelotas/RS.
(...)
Em visita domiciliar, foi informado que na mesma residência onde reside o autor, José Vinícios de Souza Braz, há moradores compartilhando o mesmo ambiente. Moram na mesma residência, o Sr. João Carlos Boeira Braz e a Sra. Lucilia de Souza Braz.
(...)
Em conversa com o genitor do autor, o Sr. João Carlos Boeira Braz, foi informado que seu filho utiliza medicamentos do Sistema Único de Saúde (SUS) e mensalmente necessita comprar outros que não são disponibilizados pela rede pública. Relatou que mensalmente dispensa a quantia de 200,00 para aquisição de medicamentos.
(...)
O pai do autor, o Sr. João Carlos Boeira Braz, informou que por seu filho ter problemas de saúde, tais como: retardo mental profundo e grave, transtornos fóbico-ansiosos, dentre outros, já ocorreu inclusive, vizinhos venderem suas casas e mudarem de local de moradia, devido aos constantes gritos do Sr. José Vinícios de Souza Braz. O Sr. João Carlos Boeira Braz, informou ainda que não sabe o que fazer com seu filho, relatou que seu filho já administrou diversos medicamentos e nenhum tem o efeito esperado de controlá-lo e tentar ter uma vida um pouco mais tranquila.
(...)
No transcorrer da visita domiciliar foi informado que o Sr. José Vinícios de Souza Braz, reside com seus genitores e todas as despesas são pagas com os valores percebidos de suas aposentadorias, consequentes de suas profissões como agrucultores, percebendo juntos R$ 2.200,00. Foi informado que o Sr. José Vinícios de Souza Braz está internado em hospital psiquiátrico em Pelotas/RS (genitores não sabem informações em que hospital seu filho está), por um período de 1 mês e que após retornará para casa, sendo que não sabem o que fazer para terem uma vida mais estável, visto problemas muito graves de seu filho e que com o valor do Benfício de Prestação continuada (BPC), ao qual estão pleiteando, pensam em procurar uma clínica para auxiliá-lo de forma em tratamento mais adequados.
(...)
Na conjuntura atual o grupo familiar vem enfrentando dificuldades no ambiente familiar, sendo que o autor é em sua vida diária agressivo e violento com seus genitores, conforme relatos, e assim compondo um cenário de vulnerabilidade social. Destaco a importância do Benefício de prestação Continuada (BPC) em benefício ao autor, com o intuito de poder suprir suas necessidades básicas e a melhor manutenção de sua vida diária.
(...)
Estando a renda familiar per capita acima de 1/4 de salário mínimo, não se presume a miserabilidade do núcleo familiar e deve-se averiguar a situação de fato em que a família vive.
Dentre os elementos trazidos no Estudo Social, conforme destacados acima, que demostram a vulnerabilidade social do autor, em grau máximo, soma-se o fato da necessidade de se suprimir da renda familiar o valor de um salário mínimo recebido pelo genitor do autor, que percebe uma aposentadoria e já é pessoa idosa.
Essa situação foi bem enfrentada na sentença, que decidiu de acordo com o somatório das provas anexadas ao feito, bem como com a legislação aplicável ao caso concreto e na linha da jurisprudência deste Tribunal, do que transcrevo excerto da fundamentação da referida sentença, como razões de decidir, inclusive para evitar indevida tautologia, como segue:
(...)
]No caso concreto, trata-se de parte autora acometida de moléstia de natureza psiquiátrica - Retardo Mental Grave, classificada sob o código CID F.72 - conforme conclusão de perito médico do INSS ao ensejo do pedido administrativo (evento 49, PROCADM1, fl. 05), sendo dispensável o laudo médico, estando cumprido o primeiro requisito do art. 20 da Lei n. 8.742/93.
Quanto à condição socioeconômica, a controvérsia neste feito se refere à renda per capita do grupo familiar.
O INSS constatou que os pais do autor percebem, cada um, benefício de aposentadoria por idade, totalizando 02 salários mínimos (evento 1, PROCADM6, fl. 37, item 3, "a"). Conforme observado na decisão que deferiu em parte a tutela de urgência (evento 8), o benefício do genitor do demandante fica descartado para fins de cálculo por se tratar de pessoa com mais de 65 anos de idade, enquanto, por outro lado, deve ser considerada a aposentadoria da mãe do autor, pois conta com menos de 65 anos de idade. Disso resulta que a renda familiar resulta em 1/3 do salário mínimo, quantia que, em tese, afastaria o direito do autor ao benefício assistencial.
Ocorre que, em consonância com a orientação exarada pela jurisprudência mais abalizada, há que se examinar as peculiaridades do caso concreto, as quais apontam para a configuração do direito postulado pelo autor.
Veja-se que a situação clínica do autor descrita por seus pais na avaliação sócioeconômica, revelando o comportamento agressivo e instável do filho (evento 23), mostra-se coerente com o diagnóstico de Retardo Mental Grave apurado por perícia do INSS ao tempo da concessão do benefício, situação que com o passar do tempo será cada vez menos passível de ser administrada pelos genitores do autor, pois ambos contam com idade avançada e possuem limitado nível de instrução, tudo levando à necessidade de internar o filho em estabelecimento adequado para o tratamento, como era o caso à data da perícia social, quando José Vinícius estava em instituição localizada em Pelotas/RS.
Nesse passo, a necessidade de internação do autor aponta inequivocamente para o aumento das despesas da família, cuja fonte de sustento, restrita aos benefícios etários de valor mínimo dos genitores, certamente não poderá suportar o pagamento mensal de uma instituição psiquiátrica sem prejuízo da sobrevivência dos pais do requerente.
Tal perspectiva, além dos gastos com a aquisição de medicamentos (R$ 354,67 - evento 1, INF9), aponta inequivocamente para situação de vulnerabilidade social a recomendar o restabelecimento do benefício assistencial do autor a partir de 31/05/2021, data da equivocada cessação.
Pelas mesmas razões, deve ser declarada a inexistência de débitos da parte autora para com o INSS em relação ao período de 23/02/2016 a 31/05/2021. (grifo nosso)
Entendo, portanto, estar bem caracterizado o risco social a que está submetido o autor, frente à demonstrada hipossuficiência econômica, miserabilidade ou situação de abandono.
Atendidos os requisitos pessoal e socioeconômico, deve ser restabelecido o benefício assistencial, com pagamento das parcelas devidas desde o cancelamento.
Correção monetária e juros de mora
A partir do julgamento definitivo pelo Supremo Tribunal Federal do tema 810 da repercussão geral (RE 870947) e pelo Superior Tribunal de Justiça do tema 905 dos recursos repetitivos (REsp 1495146), bem como das alterações veiculadas pela EC 113/2021, as condenações judiciais de natureza assistencial sujeitam-se à atualização monetária pelo IPCA-E até o advento da EC 113/2021 e aos juros de mora, incidentes desde a citação (súmula 204 do STJ), de forma simples (não capitalizada), com a observância dos seguintes índices e períodos:
- 1% ao mês até 29/06/2009;
- a partir de 30/06/2009, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança (art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei n. 11.960/2009) até o advento da EC 113/2021.
A partir de 09/12/2021, para fins de atualização monetária e juros de mora, deve ser observada a redação dada ao art. 3º da EC 113/2021, a qual estabelece que, nas discussões e condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente. As eventuais alterações legislativas supervenientes devem ser igualmente observadas.
Ressalte-se, a fim de evitar recorrentes embargos declaratórios, que não há que se cogitar de violação aos Temas 810/STF e 905/STJ em razão da aplicação da SELIC, uma vez que o julgamento da questão pelo tribunais superiores não impede a alteração pelo poder constituinte derivado, cujo poder de reforma está limitado materialmente apenas às hipóteses previstas no art. 60, §4º, da Constituição Federal.
Anote-se que é pacífico no Superior Tribunal de Justiça que a correção monetária e os juros legais, como consectários da condenação, configuram matéria de ordem pública, podendo ser tratada pelo Tribunal sem necessidade de prévia provocação da parte e não lhes sendo aplicados os óbices do julgamento "extra petita" ou da "reformatio in pejus". A propósito: AgRg no REsp 1.291.244/RJ, Relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 05/03/2013; AgRg no REsp 1.440.244/RS, Relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 10/10/2014; REsp 1781992/MG, Relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 26/03/2019, DJe 23/04/2019; AgInt no REsp 1663981/RJ, Relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 14/10/2019, DJe 17/10/2019.
Assim, altero de ofício os consectários legais.
Honorários Recursais
Vencida a parte recorrente tanto em primeira como em segunda instância, majora-se o saldo final dos honorários sucumbenciais que se apurar aplicando os critérios fixados pelo Juízo de origem, para a ele acrescer vinte por cento, nos termos do § 11 do art. 85 do CPC, observados os limites previstos no § 3º do referido artigo.
Prequestionamento
O enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal e a análise da legislação aplicável são suficientes para prequestionar, às instâncias superiores, os dispositivos que as fundamentam. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração para esse exclusivo fim, o que evidenciaria finalidade de procrastinação do recurso, passível, inclusive, de cominação de multa, nos termos do art. 1.026, §2º, do CPC.
Conclusão
A sentença deve ser mantida integralmente.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.
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Apelação Cível Nº 5051374-26.2021.4.04.7100/RS
RELATOR: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: JOSE VINICIUS DE SOUZA BRAZ (Civilmente Incapaz - Art. 110, 8.213/91) (AUTOR)
APELADO: JOAO CARLOS BOEIRA BRAZ (Cônjuge, pai, mãe, tutor, curador ou herdeiro necessário) (AUTOR)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PREENCHIMENTO DE REQUISITOS. MISERABILIDADE. O CRITÉRIO ECONÔMICO PRESENTE NA LOAS NÃO É ABSOLUTO.
1. São dois os requisitos para a concessão do benefício assistencial: condição de pessoa com deficiência/impedimento de longo prazo ou idosa (65 anos ou mais); e b) situação de risco social (estado de miserabilidade, de hipossuficiência econômica ou de desamparo).
2. O critério econômico presente na LOAS (§3º do art. 20 da Lei n.º 8.742/1993 - renda familiar mensal per capita igual ou inferior a 1/4 do salário mínimo) importa presunção de miserabilidade, não impedindo o Julgador, contudo, de concluir nesse mesmo sentido a partir das demais provas do processo.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 27 de fevereiro de 2024.
Documento eletrônico assinado por ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004178581v3 e do código CRC f1554802.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 20/02/2024 A 27/02/2024
Apelação Cível Nº 5051374-26.2021.4.04.7100/RS
RELATOR: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
PRESIDENTE: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
PROCURADOR(A): JANUÁRIO PALUDO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: JOSE VINICIUS DE SOUZA BRAZ (Civilmente Incapaz - Art. 110, 8.213/91) (AUTOR)
ADVOGADO(A): FABRÍCIO DA SILVA PIRES (DPU)
APELADO: JOAO CARLOS BOEIRA BRAZ (Cônjuge, pai, mãe, tutor, curador ou herdeiro necessário) (AUTOR)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 20/02/2024, às 00:00, a 27/02/2024, às 16:00, na sequência 1009, disponibilizada no DE de 07/02/2024.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
Votante: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
Votante: Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PAULO ROBERTO DO AMARAL NUNES
Secretário
Conferência de autenticidade emitida em 09/03/2024 04:03:31.