Apelação Cível Nº 5008389-46.2019.4.04.9999/RS
RELATOR: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: IRACEMA FERREIRA GOMES
ADVOGADO: MATHEUS COELHO MORAES (OAB RS102735)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RELATÓRIO
Trata-se de apelação do INSS em face de sentença prolatada em 05/05/2018 na vigência do NCPC que julgou improcedente o pedido de concessão benefício assistencial, cujo dispositivo reproduzo a seguir:
Pelo exposto, com fundamento no art. 487, inc. I, do CPC, julgo PROCEDENTE o pedido formulado por IRACEMA FERREIRA GOMES em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS, extinguindo o processo, com resolução do mérito, para conceder à autora o benefício assistencial previsto no art. 203, inc. V, da CF, e regulado pela Lei n° 8.742/93 (LOAS), a contar da data desta decisão.
Condeno o réu ao pagamento de honorários advocatícios, os quais fixo, tendo em vista a natureza e a baixa complexidade da causa, fixo em R$ 800,00, com fundamento no art. 85 do CPC, no enunciado n° 76 da Súmula do TRF-4 e n° 111 da Súmula do STJ.
O réu resta isento do pagamento das custas processuais, conforme prevê o art. 11, caput, da Lei n° 8.121/85 (Regimento de Custas do Estado do Rio Grande do Sul), com relação data pela Lei n° 13.471/2010 (TRF-4, AG 0005256-81.2014.404.0000, 6ª Turma, Rel. Des. Vânia Hack de Almeida, D.E. 10.12.2014).
REQUISITEM-SE os honorários periciais.
A parte autora opôs embargos de declaração alegando contradição no julgado, considerando que a parte autora completou 65 anos há alguns meses, devendo o início do beneficio ser deferido a partir da data em que completou tal idade, sob pena de prejuízo. Os embargos foram recebidos e rejeitados.
O INSS requereu, preliminarmente, o reconhecimento de carência de ação, com a extinção do feito pela ausência de interesse processual, considerando que não houve pedido administrativo do benefício assistencial em razão da idade, tão somente em relação à incapacidade.
No mérito, sustentou, em síntese, que o correto seria julgar improcedente o pedido em função dos requisitos do benefício indeferido no ano de 2013. Alegou que ao invés de reconhecer que o ato administrativo do INSS, praticado em 2013 estava correto, o juízo considerou que a autora completou a idade de 65 anos em 12/2017, e concedeu um benefício assistencial ao idoso, com início na data da sentença (05/05/2018).
Na eventualidade, pugnou pelo afastamento à condenação em honorários advocatícios, considerando fatos novos quando do julgamento procedente do pedido.
Apresentada as contrarrazões, vieram os autos para esta Corte para julgamento.
O Ministério Público Federal opinou pelo provimento à apelação.
É o relatório.
VOTO
Juízo de admissibilidade
A apelação preenche os requisitos legais de admissibilidade.
Preliminar - Carência de ação
O INSS alegou a falta de interesse de agir da parte autora, pois que o requerente teria efetuado o requerimento administrativo tão somente para benefício assistencial em função de alegada incapacidade e não para a concessão de amparo assistencial ao idoso, o que afasta o seu interesse processual.
Com efeito, tenho por oportuno postergar a apreciação de tal pedido para o momento em que serão analisadas as hipóteses de concessão do benefício, eis que os argumentos esboçados pelo INSS em preliminar, são os mesmos quando das alegações de mérito.
Benefício de prestação continuada ao idoso e ao deficiente (LOAS)
A Constituição Federal de 1988 dispôs em seu artigo 203:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente da contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
(...)
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
A regulamentação desse dispositivo constitucional veio com a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, denominada Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), que, em seu artigo 20, passou a especificar as condições para a concessão do benefício, no valor de um salário mínimo mensal, à pessoa com deficiência e ao idoso com 70 anos ou mais comprovadamente carentes.
Após as alterações promovidas pelas Leis nº 9.720, de 30 de novembro de 1998, e nº 10.741, de 1º de outubro de 2003 (Estatuto do Idoso), relativas à redução do critério etário para 67 e 65 anos, respectivamente, sobrevieram as Leis nº 12.435, de 06 de julho de 2011, e nº 12.470, de 31 de agosto de 2011, as quais conferiram ao aludido artigo 20, da LOAS, a seguinte redação, ora em vigor:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
(...)
Portanto, o direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos:
1.a) idoso (assim considerado aquele com 65 anos ou mais, a partir de 1º de janeiro de 2004, data da entrada em vigor do Estatuto do Idoso) ou
1.b) condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, conforme redação original do artigo 20, da LOAS, e, após as alterações da Lei nº 12.470, de 31-10-2011, tratar-se de pessoa com impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas);
2) Situação de risco social (ausência de meios para, dignamente, prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família).
Condição de deficiente
Mister salientar, por oportuno, que a incapacidade para a vida independente a que se refere a Lei 8.742/93, na redação original, deve ser interpretada de forma a garantir o benefício assistencial a uma maior gama possível de pessoas com deficiência, consoante pacífica jurisprudência do STJ (v.g. STJ, 5ª Turma, RESP 360.202/AL, Rel. Min. Gilson Dipp, DJU de 01-07-2002) e desta Corte (v.g. AC n. 2002.71.04.000395-5/RS, 6ª Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, DJU de 19-04-2006).
Desse modo, a incapacidade para a vida independente:
a) não exige que a pessoa possua uma vida vegetativa ou seja incapaz de se locomover;
b) não significa incapacidade para as atividades básicas do ser humano, tais como alimentar-se, fazer a higiene pessoal e vestir-se sozinho;
c) não impõe a incapacidade de se expressar ou se comunicar; e
d) não pressupõe dependência total de terceiros.
Situação de risco social
Tendo em vista a inconstitucionalidade dos artigos 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e do artigo 34, § único, da Lei 10.741/2003, reconhecida no julgamento dos REs 567985 e 580963 em 18.04.2013, a miserabilidade para fins de benefício assistencial deve ser verificada em cada caso concreto.
Nesse sentido, os cuidados necessários com a parte autora, em decorrência de sua deficiência, incapacidade ou avançada idade, que acarretarem gastos - notadamente com medicamentos, alimentação especial, fraldas descartáveis, tratamento médico, psicológico e fisioterápico, entre outros -, configuram despesas a ser consideradas na análise da condição de risco social da família do demandante (TRF4, APELREEX 5002022-24.2011.404.7012, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão Celso Kipper, juntado aos autos em 27/06/2013).
A jurisprudência desta Corte Regional, bem como do Superior Tribunal de Justiça, é pacífica no sentido de que qualquer benefício de valor mínimo recebido por idoso de 65 anos ou mais (salvo quando recebido por força de deficiência, quando então o requisito etário é afastado) deve ser excluído da apuração da renda familiar, bem como essa renda mínima não é o único critério a balizar a concessão do benefício, devendo ser examinado juntamente com outros meios de aferição do estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo do autor e de sua família (Pet n.º 7203/PE - 3ª Seção - Unânime - Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura - DJe 11-10-2011; TRF4 - AC n.º 0019220-88.2012.404.9999 - 6ª T. - unânime - Rel. Des. Celso Kipper - D.E. 22-03-2013; REsp n.º 1112557/MG - 3ª Seção - unânime - Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho - DJe 20-11-2009).
Também, o fato de a parte autora ser beneficiária e perceber renda proveniente do Programa Bolsa Família, não só não impede a percepção do benefício assistencial do art. 203, V, da Constituição Federal, como constitui forte indicativo de que a unidade familiar encontra-se em situação de risco social (TRF4, APELREEX 2009.71.99.006237-1, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão Celso Kipper, D.E. 07/10/2014).
Logo, em linhas gerais, para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, a situação de risco social a que se encontra exposta a pessoa idosa ou portadora de deficiência e sua família deve ser analisada em cada caso concreto (TRF4, EINF 0016689-58.2014.404.9999, Terceira Seção, Relator Ricardo Teixeira do Valle Pereira, D.E. 29/05/2015).
Fixados os parâmetros de valoração da prova, passo ao exame da situação específica dos autos.
As questões controversas foram devidamente analisadas na sentença recorrida, conforme fundamentos abaixo transcritos, os quais transcrevo e adoto como razões de decidir para evitar tautologia (evento 3, SENT19, p.1):
(...)
Analisando o laudo pericial acostado às fls. 62-64 dos autos, verifica-se que a parte autora não está incapacitada.
Entretanto, consoante consignou a procuradora da parte autora, apesar de esta não estar incapaz, preenche o critério etário, uma vez que o documento de fl. 06 demonstram que Iracema contada com 65 anos, se tratando, portanto, de pessoa idosa, nos termos do Estatuto do Idoso, art. 34:
"Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social – Loas".
Condição econômica
Nos termos do art. 20, § 3°, da Lei n° 8.742/93, “considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo”.
O estudo social elaborado pela Assistente Social Diana Ceolin, acostado às fls. 33-35, concluiu que a família da autora é composta por duas pessoas, a autora e seu esposo.
Conforme informações angariadas pela perita, a família possui a renda proveniente do benefício previdenciário recebido por Francisco Paulo de Silva, seu companheiro (aposentadoria – 1 salário mínimo) e do Bolsa Família (R$ 77,00), sendo que a família não recebe auxílio de outras pessoas.
Se extrai do laudo pericial:
“Segundo informações colidas junto à família e assistência social, não recebem outra renda a não ser da aposentadoria e bolsa família.
(…)
A senhora possui muita dificuldade de execução de tarefas, pois seu problema relacionado à saúde impossibilita as atividades.
Qualificadores:
Individual: impossibilidade de locomoção e execução de tarefas de trabalho.
Social: Afastamento de convívio em sociedade e participação social.
(…)
Autora que apresenta problemas de saúde e com uma lista enorme de medicamentos, que segundo ela, são extremamente necessários e que não possui condições para adquirir.
A autora reside em casa simples, medindo 6x7 metros quadrados”.
Portanto, restou demonstrado que a parte autora é pessoa idosa, com mais de 65 anos de idade, nos termos do art. 20, caput, da Lei nº 8.742/93, vivendo atualmente apenas da renda de seu companheiro e da assistência do Bolsa Família, além de apresentar dificuldades de locomoção e execução de tarefas de trabalho e necessitar de uma vasta lista de medicamento cuja sua condição financeira não possibilita adquirir, sendo incontroversa, portanto, a hipossuficiência familiar.
Dessa forma, preenchidos os requisitos legais, deve ser deferido à autora o benefício de prestação continuada.
(...)
Outrossim, o INSS se insurge alegando que o Juiz singular considerou fatos não elencados na inicial, vez que concedeu à autora o benefício assistencial ao idoso a partir da sentença, requisito etário cumprido no curso do processo, ao passo que o pedido veiculado na inicial era para concessão de benefício assistencial ao deficiente.
Tenho que não merece guarida o argumento do INSS. Esta Corte tem entendido, em face da natureza pro misero do direito previdenciário, e calcada nos princípios da proteção social e da fungibilidade dos pedidos (em equivalência ao da fungibilidade dos recursos), não consistir julgamento ultra ou extra petita a concessão de benefício diverso do pedido, uma vez preenchidos os requisitos legais.
Ainda que o laudo pericial médico não tenha indicado que a requerente é pessoa com deficiência com impedimento de longo prazo, verifica-se que ela, atualmente, está prestes a completar 67 anos de idade (evento 3, ANEXOSPET4, p.2), podendo receber benefício assistencial pelo requisito de pessoa idosa com mais de 65 anos, desde que também atendido o requisito da miserabilidade, ainda que tal pedido não tenha sido formulado na inicial, já que conforme entendimento pacífico no TRF/4ª Região. Nessa linha, os seguintes precedentes:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL AO PORTADOR DE DEFICIÊNCIA. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE DOS BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS. CONCESSÃO. REQUISITOS LEGAIS PREENCHIDOS. TUTELA ESPECÍFICA. 1. Esta Corte tem entendido, em face da natureza pro misero do Direito Previdenciário, e calcada nos princípios da proteção social e da fungibilidade dos pedidos (em equivalência ao da fungibilidade dos recursos), não consistir julgamento ultra ou extra petita a concessão de uma aposentadoria diversa da pedida. 2. Deficiência demonstrada pelo conjunto probatório constante dos autos, em especial pelo laudo pericial judicial que demonstram a existência de moléstia incapacitante, uma vez que portadora de diabetes e hipertensão, bem como vasculopatia periférica e neuropatia decorrentes. 3. Requisito da hipossuficiência familiar demonstrado pelo estudo social e acerca da razoabilidade de considerar o valor numérico conjugado com outros fatores indicativos da situação de risco social, bem como considerando que o direito ao benefício de prestação continuada não pressupõe a verificação de um estado de miserabilidade extremo - bastando estar demonstrada a insuficiência de meios para o beneficiário, dignamente, prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família -, tenho por configurada a situação de risco social necessária à concessão do benefício. 4. Determina-se o cumprimento imediato do acórdão naquilo que se refere à obrigação de implementar o benefício em favor da parte autora, por se tratar de decisão de eficácia mandamental que deverá ser efetivada mediante as atividades de cumprimento da sentença stricto sensu previstas no art. 497 do CPC/15, sem a necessidade de um processo executivo autônomo (sine intervallo). (TRF4, AC 5027156-69.2018.4.04.9999, SEXTA TURMA, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, juntado aos autos em 12/06/2019)
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. AVERBAÇÃO DE TEMPO DE ATIVIDADE RURAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. INCLUSÃO DE PERÍODO RURAL POSTERIOR A 31/10/1991. NECESSIDADE DE RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES. IMPOSSIBILIDADE DE PROLAÇÃO DE SENTENÇA CONDICIONAL. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO DIVERSO DO POSTULADO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. REQUISITOS LEGAIS. NÃO COMPROVAÇÃO. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. 1. Considera-se comprovado o exercício de atividade rural havendo início de prova material complementada por prova testemunhal idônea. 2. A prova material juntada aos autos para comprovar atividade rural possui eficácia probatória tanto para o período anterior quanto para o período posterior à data do documento, desde que corroborado por prova testemunhal idônea e convincente. Precedente STJ. 3. De acordo com o art. 39, inc. II, da Lei n° 8.213/91, o reconhecimento do tempo rural posterior à referida Lei, para fins de aposentadoria por tempo de serviço, fica condicionado ao recolhimento, pelo segurado, das contribuições previdenciárias, na condição de facultativo. 4. Esta Corte tem entendido, em face da natureza pro misero do Direito previdenciário, e calcada nos princípios da proteção social e da fungibilidade dos pedidos (em equivalência ao da fungibilidade dos recursos), não consistir julgamento ultra ou extra petita a concessão de uma aposentadoria diversa da pedida, uma vez preenchidos pelo segurado os requisitos legais relativos à aposentadoria deferida. 5. Demonstrado que a autora não estava no exercício da atividade rural em período imediatamente anterior ao requerimento ou ao implemento do requisito etário, incabível a concessão da aposentadoria rural por idade. 6. Caracterizada a sucumbência recíproca, os honorários advocatícios são fixados em 10% sobre o valor da causa, devendo cada uma das partes arcar com 50%, vedada a compensação, nos termos do artigo 85, §14, do CPC, e suspensa a exigibilidade em relação à parte autora, uma vez que concedida AJG. (TRF4 5040897-16.2017.4.04.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, juntado aos autos em 21/06/2019)
Logo, não há óbice à concessão de benefício assistencial ao idoso em lugar do benefício ao deficiente.
Considerando que o direito ao benefício de prestação continuada não pressupõe a verificação de um estado de miserabilidade extremo - bastando estar demonstrada a insuficiência de meios para o beneficiário, dignamente, prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, tenho por configurada a situação de risco social necessária à concessão do benefício.
Dessa forma, comprovados ambos os requisitos, há que se manter hígida a sentença que concedeu à autora o benefício assistencial.
Termo inicial
Presentes os requisitos no caso em concreto, tem direito a parte autora a concessão do benefício assistencial de prestação continuada como fixada, a contar da data da sentença em 05/05/2018.
Correção monetária
A correção monetária das parcelas vencidas dos benefícios previdenciários será calculada conforme a variação dos seguintes índices:
- IGP-DI de 05/96 a 03/2006 (art. 10 da Lei n.º 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5º e 6º, da Lei n.º 8.880/94);
- INPC a partir de 04/2006 (art. 41-A da lei 8.213/91, na redação da Lei n.º 11.430/06, precedida da MP n.º 316, de 11/08/2006, e art. 31 da Lei n.º 10.741/03, que determina a aplicação do índice de reajustamento dos benefícios do RGPS às parcelas pagas em atraso).
A utilização da TR como índice de correção monetária dos débitos judiciais da Fazenda Pública, que fora prevista na Lei 11.960/2009, que introduziu o art. 1º-F na Lei 9.494/97, foi afastada pelo STF no julgamento do tema 810, através do RE 870947, com repercussão geral, o que restou confirmado, no julgamento de embargos de declaração por aquela Corte, sem qualquer modulação de efeitos. O precedente do STF é aplicável desde logo, uma vez que, nos termos da decisão do Relator, a pendência do julgamento dos embargos de declaração é que motivava a suspensão nacional dos processos.
No julgamento do tema 905, através do REsp 1.495146, e interpretando o julgamento do STF, o STJ definiu quais os índices que se aplicariam em substituição à TR, concluindo que aos benefícios assistenciais deveria ser utilizado IPCA-E, conforme decidiu a Suprema Corte, no recurso representativo da controvérsia e que, aos previdenciários, voltaria a ser aplicável o INPC, uma vez que a inconstitucionalidade reconhecida restabeleceu a validade e os efeitos da legislação anterior, que determinava a adoção deste último índice, nos termos acima indicados.
Ainda que o STJ não tenha levantado a suspensão dos efeitos da tese que firmou no julgamento do Tema 905, nada obsta à utilização dos respectivos argumentos, por esta Turma, como razões de decidir, uma vez que bem explicitam os critérios atualizatórios, a partir da natureza dos benefícios – assistencial ou previdenciária.
A conjugação dos precedentes dos tribunais superiores resulta, assim, na aplicação do INPC aos benefícios previdenciários, a partir de abril 2006, reservando-se a aplicação do IPCA-E aos benefícios de natureza assistencial.
Importante ter presente, para a adequada compreensão do eventual impacto sobre os créditos dos segurados, que os índices em referência - INPC e IPCA-E tiveram variação muito próxima no período de julho de 2009 (data em que começou a vigorar a TR) e até setembro de 2019, quando julgados os embargos de declaração no RE 870947 pelo STF (IPCA-E: 76,77%; INPC 75,11), de forma que a adoção de um ou outro índice nas decisões judiciais já proferidas não produzirá diferenças significativas sobre o valor da condenação.
Juros de mora
Os juros de mora devem incidir a partir da citação.
Até 29-06-2009, já tendo havido citação, deve-se adotar a taxa de 1% ao mês a título de juros de mora, conforme o art. 3º do Decreto-Lei n. 2.322/87, aplicável analogicamente aos benefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter eminentemente alimentar, consoante firme entendimento consagrado na jurisprudência do STJ e na Súmula 75 desta Corte.
A partir de então, deve haver incidência dos juros, uma única vez, até o efetivo pagamento do débito, segundo percentual aplicado à caderneta de poupança, nos termos estabelecidos no art. 1º-F, da Lei 9.494/97, na redação da Lei 11.960/2009, considerado, no ponto, constitucional pelo STF no RE 870947, decisão com repercussão geral.
Os juros de mora devem ser calculados sem capitalização, tendo em vista que o dispositivo legal em referência determina que os índices devem ser aplicados "uma única vez" e porque a capitalização, no direito brasileiro, pressupõe expressa autorização legal (STJ, AgRg no AgRg no Ag 1211604/SP).
Honorários advocatícios
Incide, no caso, a sistemática de fixação de honorários advocatícios prevista no art. 85 do NCPC, porquanto a sentença foi proferida após 18/03/2016 (data da vigência do NCPC definida pelo Pleno do STJ em 02/04/2016).
Ante a sucumbência mínima da parte autora, tenho que os honorários de sucumbência, a serem pagos integralmente pelo INSS.
À míngua de recurso da parte autora no ponto, mantidos como fixados.
Nego provimento à apelação do INSS no ponto.
Cumprimento imediato do julgado (tutela específica)
Considerando a eficácia mandamental dos provimentos fundados no art. 497 do novo CPC, que repete dispositivo constante do art. 461 do antigo CPC, e tendo em vista que a presente decisão não está sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo (TRF4, 3ª Seção, Questão de Ordem na AC n. 2002.71.00.050349-7/RS, Rel. para o acórdão Des. Federal Celso Kipper, julgado em 09/08/2007), determino o cumprimento imediato do acórdão, a ser efetivado em 45 dias, mormente pelo seu caráter alimentar e necessidade de efetivação imediata dos direitos sociais fundamentais.
Conclusão
Rejeito a preliminar.
Nego provimento à apelação.
Adequar consectários à orientação do STF no RE 870947.
Determinar o cumprimento imediato do acórdão.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação, determinando o cumprimento imediato do acórdão.
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MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL.PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE DOS BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS. CONSECTÁRIOS.
1. O benefício assistencial é devido à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família..
2. Não há óbice à concessão de benefício diverso do pedido, em razão do princípio da fungibilidade das ações previdenciárias, tendo por fim a garantia da efetividade do direito social à previdência social. Assim, não há que se falar em falta de interesse de agir quando protocolizado pedido administrativo de benefício diverso do pleiteado na ação judicial. (...). (TRF4, AG 5001600-55.2019.4.04.0000, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 05/02/2019).
3. A utilização da TR como índice de correção monetária dos débitos judiciais da Fazenda Pública, prevista na Lei 11.960/2009, foi afastada pelo STF no julgamento do Tema 810, através do RE 870947, com repercussão geral, o que restou confirmado, no julgamento de embargos de declaração por aquela Corte, sem qualquer modulação de efeitos.
4. O Superior Tribunal de Justiça, no REsp 1495146, em precedente também vinculante, e tendo presente a inconstitucionalidade da TR como fator de atualização monetária, distinguiu os créditos de natureza previdenciária, em relação aos quais, com base na legislação anterior, determinou a aplicação do INPC, daqueles de caráter administrativo, para os quais deverá ser utilizado o IPCA-E.
5. Os juros de mora, a contar da citação, devem incidir à taxa de 1% ao mês, até 29-06-2009. A partir de então, incidem uma única vez, até o efetivo pagamento do débito, segundo o percentual aplicado à caderneta de poupança.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, determinando o cumprimento imediato do acórdão, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 04 de dezembro de 2019.
Documento eletrônico assinado por JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001480154v3 e do código CRC d7665ecc.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Ordinária DE 04/12/2019
Apelação Cível Nº 5008389-46.2019.4.04.9999/RS
RELATOR: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
PRESIDENTE: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
PROCURADOR(A): RODOLFO MARTINS KRIEGER
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: IRACEMA FERREIRA GOMES
ADVOGADO: MATHEUS COELHO MORAES (OAB RS102735)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária do dia 04/12/2019, às 10:00, na sequência 432, disponibilizada no DE de 18/11/2019.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO, DETERMINANDO O CUMPRIMENTO IMEDIATO DO ACÓRDÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
Votante: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Votante: Juíza Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 01:36:31.