Experimente agora!
VoltarHome/Jurisprudência Previdenciária

BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. RECEBIMENTO DE BOA-FÉ. DEVOLUÇÃO DE VALORES. INEXIGIBILIDADE. TRF4. 5002087-61.2021.4.04.7208...

Data da publicação: 29/03/2022, 07:01:04

EMENTA: BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. RECEBIMENTO DE BOA-FÉ. DEVOLUÇÃO DE VALORES. INEXIGIBILIDADE. 1. Verifica-se que o benefício assistencial foi recebido de boa-fé pela autora. 2. Reconhece-se a inexigibilidade da devolução dos valores recebidos. (TRF4, AC 5002087-61.2021.4.04.7208, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, juntado aos autos em 21/03/2022)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5002087-61.2021.4.04.7208/SC

PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5002087-61.2021.4.04.7208/SC

RELATOR: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: JANAINA DOS SANTOS (AUTOR)

ADVOGADO: JANAINA BAIAO LAURENTINO (OAB SC021914)

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS em face de sentença que julgou procedente a ação, declarando "a inexistência do débito referente ao ato administrativo que exige da parte autora a devolução de valores recebidos a título do benefício assistencial" (evento 35 do processo de origem).

O apelante sustentou estar "devidamente demonstrada a existência de má-fé [...], sendo devido o ressarcimento dos valores indevidamente recebidos".

Argumentou que "houve omissão de informações sobre a alteração da renda mensal do grupo familiar" (evento 41 do processo de origem).

Foram apresentadas contrarrazões.

O Ministério Público Federal, em seu parecer, manifestou-se pelo desprovimento da apelação (evento 4).

É o relatório.

VOTO

A sentença relatou da seguinte forma a lide:

Pretende a parte autora a declaração de inexistência de débito com o INSS, relacionado a valores supostamente recebidos indevidamente, referentes ao benefício nº 87/101.355.482-2, DIB 27.08.1997.

Aduz que, após 23 anos recebendo o benefício foi surpreendida com uma correspondência do INSS, datada de 27.09.2020, comunicando o indício de irregularidade na percepção do benefício de amparo assistencial em razão de renda familiar, decorrente do aumento da renda per capita oriunda da renda mensal da autora e seu companheiro, em data posterior à concessão do benefício. O INSS entendeu que havia irregularidade na manutenção do recebimento do benefício, bem assim a necessidade de devolução da quantia de R$ 66.631,71 (sessenta e seis mil, seiscentos e trinta reais e setenta e um centavos).

Alega ainda, que sua deficiência é a surdez e não enseja despesas extras com medicamentos, alimentação, especial, fraldas descartáveis, razão pela qual não apresentou defesa na via administrativa. Sustenta, entretanto, que durante o período em que recebeu benefício não omitiu qualquer informação do INSS quanto à situação financeira do grupo familiar e, mesmo após se estabelecer em união estável manteve o CadUnico atualizado. Agiu de boa-fé, pois recebia o benefício desde os seus 13 (treze) anos de idade, acreditando ser devido em razão da sua deficiência, não possuindo conhecimento técnico que a levasse a pensar que poderia estar irregular. [...]

[...]

[...] os elementos constantes nos autos permitem a análise da questão posta em juízo, qual seja, a necessidade ou não de devolução dos valores indevidos recebidos administrativamente pela parte autora, a título de benefício de prestação continuada n. 87/101.355.482-2, no período de 20.12.2006 a 31.08.2020, relativas às parcelas não prescritas, no caso, de 01.08.2015 a 30.11.2020, conforme planilha de cálculos administrativos anexada ao evento 1 (PROCADM3, p. 34.36).

[...]

Pois bem.

O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1381734/RN (Tema 979), estabeleceu, quanto à necessidade de devolução de valores pagos pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, que a exigência de comprovação da boa-fé é cabível para os processos distribuídos a partir de 23/04/2021 (data da publicação do acórdão).

No caso dos autos, considerando que o ajuizamento da ação ocorreu em 02/03/2021, não constitui ônus da autora a comprovação da boa-fé.

Não obstante, verificou-se que:

- nenhum documento ou dado inverídico foi apresentado pela autora à época da concessão do benefício assistencial;

- não há nenhum elemento que indique que a autora tenha recebido o benefício ciente de que não mais se encontravam preenchidos os requisitos legais.

Ressalta-se que, nos termos do artigo 21 da Lei nº 8.742/1993, incumbe ao Instituto Nacional do Seguro Social - INSS a revisão do benefício assistencial a cada 2 (dois) anos, não podendo tal responsabilidade ser transferida ao beneficiário.

Quanto à análise do conjunto probatório, destacam-se os seguintes trechos da sentença, que são adotados como razões de decidir:

[...] a parte autora percebeu benefício de amparo assistencial NB 87/101.355.482-2, no período de 27.08.1997 a 01.12.2020, conforme evento 1 (INFBEN1).

Contudo, em revisão administrativa realizada em 09/2020, o INSS apurou irregularidade por conta do cruzamento de PBCs ativos em dezembro de 2019 com: CadÚnico, GRUFAM (Grupo Familiar INSS), RAIS, CNIS, e outros, sendo identificado vínculos trabalhistas da autora acumulado com recebimento de benefício assistencial e renda per capta superior a ¼ do salário mínimo vigente. O período considerado irregular foi de 20.12.2006 a 31.08.2020, sendo apurado o valor de R$ 66.631,71, relativo ao intervalo de 01.08.2015 a 30.11.2020 (evento 13, PROCADM2). O benefício foi cessado em 01.12.2020 (evento 13, OUT3).

Colhe-se dos documentos apresentados pelo INSS no evento 12 (PROCADM2):

- CadÚnico a inclusão do grupo familiar da autora em 26.04.2019, formado pela autora, seu esposo e um filho (atualmente com 9 anos de idade, conforme petição inicial). Renda da autora proveniente do benefício assistencial e renda mensal do companheiro, no valor de R$ 2.265,00,que resulta em renda per capta de R$ 755,00, excluído o benefício assistencial da autora (p. 6-8);

- vínculos de emprego da autora: de 20.12.2006 a 08.10.2007, 01.12.2008 a 24.12.2008, 01.10.2009 a 30.08.2009 e 01.12.2010 a 28.10.2012 (p. 11-14);

- CNIS do Josiel de Souza Pacheco, companheiro da autora (p. 15-24).

Autora alega que "durante todo o período de vigência do benefício assistencial, a autora não omitiu nenhum tipo de informação quanto ao estado financeiro do grupo familiar, até mesmo depois de se estabelecer em uma união estável, manteve o CADunico devidamente atualizado, inclusive com renda atualizada do seu atual companheiro, informações sobre prole e todos os demais elementos exigidos pela Assistência Social".

Intimada para apresentar o CadÚnico desde 2006 e posteriores atualizações (evento 27), a autora informou que nunca fez inscrição no CadÚnico em data anterior a abril de 2019, e que somente em 26.04.2019 a genitora fez a inclusão do grupo familiar da autora em tal cadastro, bem assim que a autora não tinha conhecimento acerca da necessidade do ato. Por fim, esclareceu que foi a genitora da autora quem requereu o benefício assistencial e recebeu os valores mensais por muito tempo, vindo apenas em 2019 declarar a sua condição de responsável pela sua filha deficiente, muito embora já tenha atingido a maioridade (evento 30). Na oportunidade, a autora juntou declaração da genitora requerendo não ser mais sua representante legal, datada de 07.08.2019.

De fato, não se nega que o exercício de atividade laboral é incompatível com o recebimento do benefício assistencial, assim como não se nega a possibilidade em tese de alteração superveniente da renda familiar decorrente da união estável constituída pela autora.

De outro lado, em que pese a ausência de cadastro no CadÚnico em momento anterior a 2019, tenho que o recebimento do benefício assistencial por período prolongado (de 1997 a 2020), sem que o INSS tivesse adotado qualquer postura no sentido de verificar a manutenção das condições de miserabilidade que ensejaram a concessão do benefício, depõe em favor da boa-fé objetiva da parte autora.

Deveria a autarquia, no caso, ser mais diligente e solicitar a comprovação, mediante CadÚnico, das condições familiares da autora, porém como visto, somente com a inscrição voluntária no CadÚnico, em 2019, ou seja, quase 20 anos depois da concessão, é que o INSS foi investigar a renda familiar e constatou a alegada irregularidade e, inclusive, os vínculos trabalhistas pretéritos, que foram registrados no CNIS a tempo e modo (não há indicadores de pendências). Tal fato, também favorece a autora, pois sendo o INSS detentor das informações sociais, de se ver que não houve qualquer omissão quanto ao ponto.

Diferente seria se o INSS conseguisse comprovar que a autora exerceu atividade remunerada de maneira informal e proposital, com o intuito de omitir a renda visando manter o BPC, pois, aí, sim, caracterizada estaria a ma-fé. Mas não foi isso que aconteceu. O benefício foi deferido quando a autora era menor e permaneceu sendo pago sem os devidos cuidados de atualização de informações pelo INSS. Assim, não vejo como atribuir essa inércia e falta de diligência do INSS à autora.

Tudo considerado, reconheço a inexistência do débito referente o ato administrativo que exige da parte autora a devolução de valores recebidos a título do benefício assistencial nº 87/101.355.482-2, sendo a procedência do pedido medida que se impõe.

[...]

Vale mencionar que o apelante alegou que "não há fundamento legal ou constitucional a afastar a incidência do art. 115 da Lei 8.213/1991".

O referido artigo dispõe:

Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios:

[...]

II - pagamento administrativo ou judicial de benefício previdenciário ou assistencial indevido, ou além do devido, inclusive na hipótese de cessação do benefício pela revogação de decisão judicial, em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da sua importância, nos termos do regulamento; (redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)

[...]

§ 1º Na hipótese do inciso II, o desconto será feito em parcelas, conforme dispuser o regulamento, salvo má-fé. (renumerado do Parágrafo único pela Lei nº 10.820, de 17.12.2003)

[...]

Contudo, ressalta-se que, conforme precedentes deste Tribunal, "a declaração de irrepetibilidade não importa em negativa de vigência do art. 115 da Lei 8.213/91, sendo admitida a relativização do mencionado artigo, considerando o caráter alimentar da verba e o recebimento de boa-fé pelo segurado, o que se traduz em mera interpretação conforme a Constituição Federal" (AC 5000973-84.2016.4.04.7007, Turma Regional Suplementar do PR, Relatora Cláudia Cristina Cristofani, juntado aos autos em 16/12/2021).

No mesmo sentido: AC 5002885-85.2017.4.04.7103, Quinta Turma, Relator Francisco Donizete Gomes, juntado aos autos em 28/10/2021; 5004762-37.2015.4.04.7004, Turma Regional Suplementar do PR, Relator Luiz Fernando Wowk Penteado, juntado aos autos em 13/08/2021; 5079799-10.2014.4.04.7100, Sexta Turma, Relatora Salise Monteiro Sanchotene, juntado aos autos em 04/09/2017.

Em conclusão, tem-se que, conforme a sentença ressaltou, o benefício assistencial foi recebido de boa-fé pela autora, não sendo exigível a devolução dos valores.

Desta forma, a sentença é mantida.

Honorários recursais

Considerando a sucumbência recursal do apelante, majoro, em 10% (dez por cento), o valor dos honorários advocatícios arbitrados na sentença (Código de Processo Civil, artigo 85, § 11).

Prequestionamento

Frisa-se, quanto ao prequestionamento, que não se faz necessária a menção analítica, no julgado, acerca de cada um dos dispositivos legais invocados pelas partes em suas razões de insurgência.

O que importa é que, fundamentadamente, não tenha sido acolhida a pretensão de reforma da decisão no tocante às questões de fundo, nos termos do artigo 1.025 do Código de Processo Civil.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.



Documento eletrônico assinado por SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003061006v53 e do código CRC d11f947b.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
Data e Hora: 21/3/2022, às 9:13:50


5002087-61.2021.4.04.7208
40003061006.V53


Conferência de autenticidade emitida em 29/03/2022 04:01:03.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5002087-61.2021.4.04.7208/SC

PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5002087-61.2021.4.04.7208/SC

RELATOR: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: JANAINA DOS SANTOS (AUTOR)

ADVOGADO: JANAINA BAIAO LAURENTINO (OAB SC021914)

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

EMENTA

BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. RECEBIMENTO DE BOA-FÉ. DEVOLUÇÃO DE VALORES. INEXIGIBILIDADE.

1. Verifica-se que o benefício assistencial foi recebido de boa-fé pela autora.

2. Reconhece-se a inexigibilidade da devolução dos valores recebidos.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 17 de março de 2022.



Documento eletrônico assinado por SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003061007v5 e do código CRC e7fda0cb.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
Data e Hora: 21/3/2022, às 9:13:50


5002087-61.2021.4.04.7208
40003061007 .V5


Conferência de autenticidade emitida em 29/03/2022 04:01:03.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 10/03/2022 A 17/03/2022

Apelação Cível Nº 5002087-61.2021.4.04.7208/SC

RELATOR: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ

PRESIDENTE: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ

PROCURADOR(A): WALDIR ALVES

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: JANAINA DOS SANTOS (AUTOR)

ADVOGADO: JANAINA BAIAO LAURENTINO (OAB SC021914)

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 10/03/2022, às 00:00, a 17/03/2022, às 16:00, na sequência 1105, disponibilizada no DE de 25/02/2022.

Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SANTA CATARINA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ

Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ

Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER

ANA CAROLINA GAMBA BERNARDES

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 29/03/2022 04:01:03.

O Prev já ajudou mais de 140 mil advogados em todo o Brasil.Faça cálculos ilimitados e utilize quantas petições quiser!

Experimente agora