| D.E. Publicado em 13/10/2015 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0009365-80.2015.4.04.9999/RS
RELATOR | : | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ |
APELANTE | : | EDILSON VITOR VEBER |
ADVOGADO | : | Lauro Antonio Brun |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS. COMPROVAÇÃO. CONCESSÃO.
Procede o pedido de concessão do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da CF/88 quando atendidos os requisitos previstos na Lei nº 8.742/1993.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 22 de setembro de 2015.
Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Relator
| Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7754157v11 e, se solicitado, do código CRC 275A96F. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Paulo Afonso Brum Vaz |
| Data e Hora: | 30/09/2015 16:36 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0009365-80.2015.4.04.9999/RS
RELATOR | : | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ |
APELANTE | : | EDILSON VITOR VEBER |
ADVOGADO | : | Lauro Antonio Brun |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
RELATÓRIO
Trata-se de ação em que a parte autora postula a concessão do benefício assistencial previsto na Lei nº 8.742/1993.
Após regular instrução, sobreveio sentença julgando improcedente o pedido.
Inconformada, apelou a parte autora, alegando, em síntese, estarem preenchidos os requisitos para a concessão do almejado benefício de prestação continuada.
Com as contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
Do benefício assistencial
Nos termos dos arts. 20 e 38 da Lei nº 8.742/1993, combinados com o art. 34, caput, da Lei n.º 10.741/2003, o direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: a) condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, consoante a redação original do art. 20 da LOAS, ou impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, consoante a redação atual do referido dispositivo) ou idoso (neste caso, considerando-se, desde 1º de janeiro de 2004, a idade de 65 anos); e b) situação de risco social (estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo) da parte autora e de sua família.
Da condição de deficiente:
A Constituição Federal, ao instituir o benefício, remete sua regulação à lei (conforme dispuser a lei, parte final do inciso V do art. 203). No entanto, trata-se aqui de um direito fundamental, não só porque o art. 6º da Constituição Federal inclui entre os direitos sociais a assistência aos desamparados, mas principalmente porque o art. 203, inciso V, consagra expressa e cristalinamente a garantia (rectius: o direito) de um salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que se encontrem em situação de desamparo. Pois bem, no âmbito das normas constitucionais definidoras de direitos fundamentais, pode-se afirmar a existência de uma eficácia vinculante reforçada para todos os poderes públicos, inclusive o legislador (INGO WOLFGANG SARLET, A Eficácia dos Direitos Fundamentais, Livraria do Advogado, Porto Alegre, 1998). O citado autor, a respeito, assim ensina:
"Neste contexto, cumpre referir a paradigmática e multicitada formulação de Krüger, no sentido de que hoje não há mais falar em direitos fundamentais na medida da lei, mas, sim, em leis apenas na medida dos direitos fundamentais, o que - de acordo com Gomes Canotilho - traduz de forma plástica a mutação operada nas relações entre a lei e os direitos fundamentais. De pronto, verifica-se que a vinculação aos direitos fundamentais significa para o legislador uma limitação material de sua liberdade de conformação no âmbito de sua atividade regulamentadora e concretizadora. Para além disso, a norma contida no art. 5º, § 1º, da CF gera, a toda evidência, uma limitação das possibilidades de intervenção restritiva do legislador no âmbito de proteção dos direitos fundamentais. Se, por um lado, apenas o legislador se encontra autorizado a estabelecer restrições aos direitos fundamentais, por outro, ele próprio encontra-se vinculado a eles, podendo mesmo afirmar-se que o art. 5º, § 1º, da CF traz em seu bojo uma inequívoca proibição de leis contrárias aos direitos fundamentais, gerando a sindicabilidade não apenas do ato de edição normativa, mas também de seu resultado, atividade, por sua vez, atribuída à Jurisdição Constitucional. Isto significa, em última ratio, que a lei não pode mais definir autonomamente (isto é, de forma independente da Constituição) o conteúdo dos direitos fundamentais, o qual, pelo contrário, deverá ser extraído exclusivamente das próprias normas constitucionais que os consagram."
Registre-se que a exigência, para a percepção do benefício, de ser a pessoa incapaz para a vida independente, se entendida como incapacidade para todos os atos da vida, não se encontra na Constituição. Ao contrário, tal exigência contraria o sentido da norma constitucional, seja considerada em si, seja em sintonia com os demais princípios e objetivos constitucionais acima analisados. Se aquela fosse a interpretação para a locução "incapacitada para a vida independente", constante do art. 20, § 2º, da Lei n.º 8.742/93, o legislador teria esvaziado indevidamente o conteúdo material do direito fundamental da pessoa portadora de deficiência, deixando fora do seu âmbito uma ampla gama de pessoas portadoras de deficiência incapacitante para o trabalho, e, em consequência, incorreria em inconstitucionalidade.
Assim, a incapacidade para a vida independente a que se refere a Lei 8.742/93, na redação original, deve ser interpretada de forma a garantir o benefício assistencial a uma maior gama possível de pessoas portadoras de deficiência.
Nesse sentido, a incapacidade para a vida independente (a) não exige que a pessoa possua uma vida vegetativa ou que seja incapaz de locomover-se; (b) não significa incapacidade para as atividades básicas do ser humano, tais como alimentar-se, fazer a higiene e vestir-se sozinho; (c) não impõe a incapacidade de expressar-se ou de comunicar-se; e (d) não pressupõe dependência total de terceiros.
No caso dos autos, o laudo médico-pericial (fls. 48/49), em resposta aos quesitos formulados pelo próprio INSS, afirmou que a parte autora é portadora de megacólon congênito (CID Q43.1), que se manifesta pela distensão das alças intestinais na área do hemicólon direito e cólon transverso (fls. 25/27). Saliente-se, ademais, ter o expert consignado que tal condição clínica, além de permanente (quesito 17), é geradora de incapacidade laborativa (quesito 7).
É bem verdade que, posteriormente, o laudo pericial complementar aposto às fls. 157 informou que o autor possui condições de realidades inerentes à sua idade, com boa condição de execução de tarefas. Todavia, não obstante os fundamentos esposados na r. sentença, entendo que o juízo não está adstrito às conclusões do laudo médico pericial, nos termos do artigo 436 do CPC [Art. 436. O juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos.], podendo discordar, fundamentadamente, das conclusões do perito em razão dos demais elementos probatórios coligidos aos autos, consoante remansosa jurisprudência do Egrégio SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. REEXAME DOS REQUISITOS PARA CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. SÚMULA 7/STJ. CONSIDERAÇÃO DOS ASPECTOS SOCIOECONÔMICOS, PROFISSIONAIS E CULTURAIS DO SEGURADO. DESNECESSIDADE DE VINCULAÇÃO DO MAGISTRADO À PROVA PERICIAL.[... ] III - Esta Corte Superior firmou entendimento no sentido de que a concessão da aposentadoria por invalidez deve considerar, além dos elementos previstos no art. 42 da Lei n. 8.213/91, os aspectos socioeconômicos, profissionais e culturais do segurado, ainda que o laudo pericial apenas tenha concluído pela sua incapacidade parcial para o trabalho (AgRg no AREsp 574.421/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 14/11/2014). III - Agravo regimental improvido. (AgRg no AREsp 35.668/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, DJe 20-02-2015).
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCAPACIDADE LABORAL. AFERIÇÃO POR CRITÉRIOS SOCIAIS E CULTURAIS. POSSIBILIDADE. NÃO VINCULAÇÃO AO LAUDO PERICIAL.
1. Esta Corte tem entendimento no sentido de que, para a concessão da aposentadoria por invalidez, o magistrado não está vinculado à prova pericial e pode concluir pela incapacidade laboral levando em conta os aspectos socioeconômicos, profissionais e culturais do segurado. 2. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp 103.056/MG, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, DJe 02-08-2013).
PROCESSUAL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. ACÓRDÃO EMBASADO EM OUTROS ELEMENTOS ALÉM DO LAUDO PERICIAL. POSSIBILIDADE.
1. Na análise da concessão da aposentadoria por invalidez, o magistrado não está adstrito ao laudo pericial, devendo considerar também aspectos socioeconômicos, profissionais e culturais do segurado a fim de aferir-lhe a possibilidade ou não de retorno ao trabalho. A invalidez laborativa não decorre de mero resultado de uma disfunção orgânica, mas da somatória das condições de saúde e pessoais de cada indivíduo. Precedentes.
2. O Tribunal a quo admitiu estar comprovado que a ora agravada ficou incapacitada de modo permanente e definitivo para exercer suas atividades laborativas, não obstante o laudo pericial ter concluído pela incapacidade apenas parcial. Inteligência da Súmula 83/STJ.
3. A revisão do conjunto conjunto fático-probatório dos autos que levou o Tribunal a quo a conclusão acerca da incapacidade laboral do segurado exige análise de provas e fatos, o que inviabiliza a realização de tal procedimento pelo STJ, no recurso especial, nos termos da Súmula 07/STJ.
4. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp 196.053/MG, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, DJe 04-10-2012).
Assim, tendo a perícia certificado a existência da patologia alegada pela parte autora, o juízo de incapacidade pode ser determinado, sem sombra de dúvidas, pelas regras da experiência do magistrado, consoante preclara disposição do artigo 336 do CPC [Art. 335. Em falta de normas jurídicas particulares, o juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e ainda as regras da experiência técnica, ressalvado, quanto a esta, o exame pericial]. Nessa linha de intelecção, leciona Fabio Luiz dos Passos:
"A conclusão judicial proltada a partir de laudo pericial que se limita a analisar a existência ou não de incapacidade, se apresentando como uma 'terceira opinião dotada de isenção e eqüidistância das partes' e decidindo a lide 'por maioria' sem apresentar elementos para esclarecer as razões da controvérsia originária está muito distante de alcançar o objetivo de 'pacificação social' das decisões do Poder Judiciário.
O objetivo da perícia médica judicial em matéria previdenciária não é (e não deve ser) informar se há (ou houve) incapacidade laborativa no presente ou no passado. A conclusão pela existência ou não de capacidade laborativa, essência da lide previdenciária é encargo atribuído ao juiz, que não deve perder de vista a natureza dinâmica e personalíssima da incapacidade laborativa diante do contexto social de vida do cidadão que busca a tutela judicial.
Para declarar a existência ou inexistência de capacidade laborativa, sua amplitude e extensão, o Estado-juiz deve se amparar no conjunto de elementos de prova aportado aos autos pelas partes e na dialética entre estes elementos de prova, dentre os quais se encontra o laudo pericial para, a partir da análise sistemática destes elementos e da dialética entre eles identificar a existência ou não de capacidade laborativa no caso concreto e, nos casos em que constatada a incapacidade, identificar também sua extensão e amplitude.
Neste contexto, é importante reiterar que o objeto da perícia médica judicial em lides de natureza previdenciária não é, em regra e em um primeiro momento, a identificação e avaliação da incapacidade.
Compete ao perito judicial aportar aos autos, com o objetivo de qualificar o debate entre as partes e auxiliar o juízo na construção da decisão, informações claras e fundamentadas que possam conduzir à elucidação das razões que justificam a divergência entre os pareceres-médicos da Autarquia Previdenciária (cujos peritos médicos previdenciários têm autoridade para reconhecer ou não a existência de capacidade laborativa) e os pareceres dos médicos assistentes do segurado, que orientam o seu afastamento do labor."
(FOLMANN, Melissa e SERAU Jr., Marco Aurélio. Previdência Social: em busca da Justiça Social. A análise da incapacidade laborativa e o deferimento de benefícios previdenciários. São Paulo: LTr, 2015, p.134-135).
Diverso não é o escólio do eminente Juiz Federal José Antonio Savaris (Direito Processual Previdenciário: Curitiba, Alteridade Editora, 2014, p. 275-276), que sustenta que não atende ao dever de fundamentação a decisão judicial que consubstancia simples referência à resposta pericial a um dos quesitos que lhe foram formulados (se há ou não incapacidade para o trabalho). Por conseguinte, vaticina o ilustre magistrado, quando a sentença denegatória de proteção social não especifica a função habitual do segurado, o seu contexto social (idade, escolaridade, local de residência, etc), a patologia identificada pela prova técnica e pelos demais achados médicos, e tampouco arrisca pensar o segurado para além da sala em que é realizada a perícia judicial, culmina, a referida sentença, por carecer da necessária fundamentação. Por conta disso, existindo documentação médica relevante, sustenta o renomado jurista do Direito Previdenciário, as conclusões do julgador podem afastar-se, por exemplo, quanto à existência de incapacidade, quando à data do seu início, ou quanto à existência de incapacidade que justifique a concessão de benefício.
Note-se que esse é o papel do juiz moderno na efetivação dos direitos sociais fundamentais vinculados à seguridade social para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
Cada decisão proferida em matéria previdenciária e assistencial tem o potencial de interferir diretamente no plano da satisfação dos direitos sociais e, portanto, no contexto social, na medida em que permite a inclusão social. Por isso, impõe-se ao juiz, a menos que duvide do seu papel de agente de transformação social, encontrar o sentido da decisão que seja mais consentâneo com os valores que a Constituição consagra a título de direitos sociais, a que, subjetivamente, correspondem direitos fundamentais; de lhes dar sensibilidade social, para que passem do plano do reconhecimento para o da efetivação e deixem de ser mera manifestação de propósitos sem consequências práticas no mundo fenomênico.
Sobretudo, é curial um olhar mais profundo para contexto sócio-político que constitui o pano de fundo da intervenção jurisdicional no Estado Democrático de Direito, que nada mais representa, diga-se de passagem, do que a vinculação do Estado ao compromisso de efetivação dos Direitos Fundamentais.
E este contexto sócio-político nos revela um verdadeiro desastre social. O apogeu das ideologias neoliberais, baseadas no discurso que privilegia econômico em detrimento do social. O ajuste fiscal que visa a garantir o fim da inflação e a estabilidade da moeda faz-se à custa das políticas de educação, de seguridade, de habitação, de saneamento, de cultura, enfim, das prestações do Estado que universalizam os direitos fundamentais constitucionalmente reconhecidos. Exemplo disso é o caótico sistema de saúde brasileiro.
O neoliberalismo, que está a impregnar a nossa política sócio-econômica, produz uma verdadeira guerra social que restringe direitos, a começar pelo direito a um emprego formal. Nós sabemos que a maioria da massa trabalhadora brasileira não tem carteira de trabalho assinada.
A expectativa que se tinha do crescimento econômico era de distribuição equânime de renda, da geração de empregos formais, da extensão das políticas sociais. O social, de rigor, deveria ser um desdobramento do econômico. Mas nada disso ocorreu. A estabilidade, ao contrário, deu-se à custa do social.
Os avanços do Welfare State - Estado do bem-estar social, conquistados a ferro e fogo ao longo do século XX, consagrando direitos fundamentais ungidos pela vontade popular, estão, pouco a pouco, sendo limitados ou suprimidos. Passaram mesmo a ser tratados como "problemas" por pressões externas, pelos países ricos, pelo FMI, pelo Banco Mundial: geram déficit fiscal, causam desemprego, quebram a previdência, constituem paternalismo demagógico, alimentam a preguiça, criam óbices à livre concorrência e à competividade.
É melhor entregar o social para uma grande seguradora financeira ou para o chamado Terceiro Setor. Quem puder pagar pelo seguro garante saúde e previdência. É a mercantilização dos direitos sociais. O Estado somente deve intervir para garantir direitos básicos - o que chamam de mínimo existencial - a quem comprove estar no umbral da miserabilidade. Mera filantropia.
O Poder Judiciário não pode fazer esse jogo de minimalismo social que aprendeu a medir o tamanho da incapacidade de um ser humano com régua milimétrica, observando os critérios apertados que o neoliberalismo dita, sempre com tendência seletiva e excludente.
A globalização econômica, de que fazem parte as medidas de ajuste da economia e desajuste do social, somente faz por exacerbar antigas situações de miséria e desigualdade a partir de uma nova pobreza causada pelo desemprego, e pela generalização das situações de precariedade no trabalho, aumentando o contingente daqueles que se tornaram vulneráveis do ponto de vista social pela ausência dos mecanismos de proteção social.
Um dos produtos da globalização neoliberal negativa é o fenômeno da desfiliação, expressão cunhada por CASTEL, para identificar
"a presença, aparentemente cada vez mais insistente, de indivíduos colocados em situação de flutuação na estrutura social e que povoam seus interstícios sem encontrar ai um lugar designado. Silhuetas incertas, à margem do trabalho e nas fronteiras das formas de troca socialmente consagradas - desempregados por períodos longos, moradores dos subúrbios pobres, beneficiários da renda mínima de inserção, vítimas das readaptações industriais, jovens a procura de emprego e que passam de estágio a estágio, de pequeno trabalho à ocupação provisória... - quem são eles, de onde vem, como chegaram ao ponto em que estão, o que vão se tornar?". (CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. Petrópolis, Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1998. p. 23.)
É óbvio que esta perversa conjuntura precisa ser considerada quando se examinam direitos previdenciários e assistenciais. O rigorismo formal que não ausculta a origem das situações comprometedoras da sobrevivência e da dignidade das pessoas tende a situar o Poder Judiciário a serviço do neoliberalismo econômico, para não dizer carrasco da sociedade, desvirtuado que fica da sua função de instrumento de inclusão social, de erradicação da pobreza e das desigualdades sociais, missões constitucionalmente conferidas ao Estado.
Este é o primeiro filtro que penso deva nortear as decisões nas demandas de direito da seguridade social, é o requisito intrínseco da razoabilidade diante de uma conjuntura sócio-econômica tremendamente injusta e excludente. É a racionalidade que possibilita uma decisão o quanto mais aderente à realidade social. O juiz humanista consegue perceber que por trás de cada processo há vida, e zela pela sua preservação, tornando a justiça a regra de igualdade na desigualdade, em contraposição ao mundo egoísta e materialista de hoje. Recomenda que se decida também com o senso de responsabilidade no tocante a efetivação dos direitos sociais, fundamento modelar para a razão jurídica. Cobra a solidariedade em prol dos mais necessitados e impulsiona o juiz para olhar cada causa com a profundidade que lhe permitirá ver, pelas frestas dos textos legais, o sentido da norma e do julgamento mais equânime (aequitas), mais justo e hábil para atenuar o drama pessoal e humano que se esconde por trás de cada demanda que tramita perante os juízos previdenciários. Apenas dessa forma pode-se chegar à resposta correta, na precisa dicção de Lênio Streck:
A resposta correta - que não é única nem uma entre várias - à luz da hermenêutica (filosófica) - será a 'resposta hermeneuticamente correta' para aquele caso, que exsurge na síntese hermenêutica da applicatio. Essa resposta propiciada pela hermenêutica deverá, a toda evidência, estar justificada (a fundamentação exigida pela Constituição implica a obrigação de justificar) no plano de uma argumentação racional, o que demonstra que, se a hermenêutica não pode ser confundida com teoria da argumentação, não prescinde, entretanto, de uma argumentação adequada (vetor de racionalidade de segundo nível, que funciona no plano lógico-apofântico)' (Hermenêutica, neoconstitucionalismo e o 'problema da discricionariedade dos juízes'. Disponível em: www.anima-opet.com.br/.../artigo_Lenio_Luiz_Streck_hermeneutica.pdf. Acesso em: 12 jun. 2014
É sob este cenário que são os juízes chamados a atuar, em que pessoas que se situam nos umbrais da pobreza e da miséria nos vêm mendigar por melhores condições de sobrevivência, porque nada mais lhes foi possível obter diante do Estado minimalista. Este é o dilema que os juízes previdenciários têm de solver todos os dias, como, aliás, vem sendo feito com maestria neste Colegiado, bem como no âmbito da Colenda Terceira Seção deste Regional em relação à valoração dos laudos periciais dos benefícios de incapacidade:
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO. AUXÍLIO-DOENÇA. INCAPACIDADE. COMPROVAÇÃO. TERMO INICIAL E FINAL. CONSECTÁRIOS. I. "O juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos." (art. 476 do Código de Processo Civil) II Atestado pelo conjunto probatório que houve incapacidade no período anterior ao da perícia judicial, sendo devido o benefício de auxílio-doença desde a data de sua cessação até o momento em que constatada a capacidade. (AC nº 0018648-69.2011.404.9999, 5ª TURMA, Rel. Des. Federal ROGERIO FAVRETO, unânime, D.E. 26-04-2012).
PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS INFRINGENTES. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. PRESENÇA DOS REQUISITOS LEGAIS. Na avaliação da incapacidade, o juiz não está adstrito à literalidade do laudo pericial, podendo avaliar livremente o conjunto probatório. Hipótese em que a presença de lombalgia (CID M54.4) e lesões no ombro (CID 75.1), associadas à idade da autora, não permite afirmar que esteja apta ao trabalho que desempenha. Precedente da 5ª Turma. (EI nº 0018212-08.2014.404.9999, 3ª SEÇÃO, Rel. Des. Federal LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON, unânime, D.E. 16-06-2015).
Portanto, os critérios de exame das provas no processo previdenciário já não se compadecem com os instrumentos e com as formas tradicionais. Ainda que o caderno processual não contenha elementos probatórios conclusivos com relação à incapacidade do segurado, caso não se possa chegar a uma prova absolutamente conclusiva, a uma prova consistente, robusta, é adequado que se busque socorro na prova indiciária.
Nesse aspecto, não é nem preciso romper paradigmas, porque tal meio probatório é legal e sempre foi uma prova que, no contexto, pode e deve ser valorada, sobretudo para essa espécie de prestação social, intrinsecamente permeada pela subjetividade, haja vista o moderno conceito de incapacidade dado pela Organização Mundial da Saúde:
"Incapacidade, genericamente falando, é a resultante da interação entre a disfunção apresentada pelo indivíduo (orgânica e/ou da estrutura do corpo), a limitação de suas atividades e a restrição na participação social e dos fatores ambientais que podem atuar como facilitadores ou barreiras para o desempenho dessas atividades ou da participação (CIF/OMS, 2004).
A incapacidade pode ser operacionalmente definida como debilidades não compensadas do indivíduo frente às exigências do trabalho, sempre tendo em mente que debilidade e incapacidade não são apenas uma conseqüência das condições de saúde/doença, mas são determinadas, também, pelo contexto do meio ambiente físico e social, pelas diferentes percepções culturais e atitudes em relação à deficiência, pela disponibilidade de serviços e legislação (CIF/OMS, 2004)." (TREZUB, Cláudio José. Fundamentos para a perícia médica judicial previdenciária. Curso de Perícia Judicial Previdenciária/coordenação de José Antonio Savaris. Curitiba: Alteridade Editora, 2014. p. 168).
A tendência, pois, é de uma maior valorização da prova indiciária, o que, aliás, já vem sendo feito pela jurisprudência em relação a outros benefícios previdenciários, como nos casos da aposentadoria rural por idade (v.g. AgRg no AREsp 163.261/MG, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, Segunda Turma, DJe 17-12-2012).
Demais disso, não se pode olvidar que o artigo 427 do CPC prevê que o juiz poderá, inclusive, dispensar prova pericial quando as partes, na inicial e na contestação, apresentarem sobre as questões de fato pareceres técnicos ou documentos elucidativos que considerar suficientes, o que, aliado ao dever de fundamentação das decisões judiciais previsto no artigo 93, IX, da Constituição Federal, demonstra a possibilidade de emprego de tais meios de prova.
No campo probatório o cinismo fica ainda mais claro. Para o pragmatismo filosófico de Suzan Haack, os graus legais de prova devem ser entendidos não como probabilidades matemáticas, mas como graus de justificação de afirmações por prova.
Muitas vezes, se instala a dúvida científica em relação à verdade sobre um fato relevante à solução do conflito. Um caso emblemático na área do direito da seguridade social é a questão da incapacidade para fins previdenciários, não é diferente quando se está diante dos pedidos de tratamentos e medicamentos especiais, conflitos típicos do momento. Uma dose de recursividade ao pragmatismo e também de consequencialismo pode ajudar o juiz na tarefa compelir o Estado a cumprir o seu papel constitucional de proteção social.
Se vamos assumir que a verdade real precisa ser perseguida, e nem sempre nos deparamos com a prova cabal, seja sobre a própria incapacidade ou sobre a data do início desta. Um raciocínio filosófico pragmático autoriza, a partir de uma boa "inquirição" a recursividade às "evidências". O cuidado que se deve ter é com a falácia pluralista. Susan Haack admite o pluralismo de bons métodos de inquirição, mas rejeita um pluralismo de critérios de boa evidência.
Haack explica o modus operandi da inquirição:
Na medida em que é um método, é o que os historiadores ou detetives ou jornalistas investigativos ou todo o restante de nós fazemos quando queremos descobrir alguma coisa: construir uma conjectura informada sobre a explicação possível de um fenômeno desconcertante, checar como ele se situa junto aos melhores indícios [evidence] que podemos obter e, então, usar nosso discernimento [judgment] para decidir se o aceitamos, mais ou menos como tentativa, ou o modificamos, o refinamos, ou o substituímos.
A perícia judicial deveria ser uma avaliação holística, o que permitiria ver as circunstâncias do caso concreto, inclusive a perspectiva de antever as consequências do reconhecimento para a manutenção da vida e da subsistência digna, objetivo primaz do Estado. E não como no consequencialismo econômico, que se desinteressa pelos direitos fundamentais, pela axiologia constitucional, e só labora com a lógica utilitarista.
Na prática, convivemos com o raciocínio fingido, expressão cunhada por Susan Haack, uma forma rematada de cinismo. Nem o juiz, nem seus auxiliares, como o perito judicial, buscam descobrir as coisas como verdadeiramente são. Não importa onde a busca os levará, mas buscam suporte para uma proposição com a qual eles já estão comprometidos e que não é negociável. Não se interessam por desconstituir seus preconceitos, seus prejuízos, seus comprometimentos anteriores e inamovíveis com a proposição que tentam defender. Não se interessam pela coisa como ela é.
De outra banda, cumpre salientar que quando a ciência médica não consegue subsidiar a instrução com elementos mínimos sobre o estado global de saúde do segurado, a proteção social há de ser conferida pelo Estado-Juiz, aplicando-se, no campo previdenciário, o princípio constitucional da proteção do hipossuficiente, pois, consoante abalizada lição de João Batista Lazzari (Manual de Direito Previdenciário. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 89), não há razão para gerar proteção ao sujeito passivo - como, certas vezes, acontece em matéria de discussões jurídicas sobre o direito dos beneficiários do sistema a determinado reajuste ou revisão de renda mensal, por dubiedade da norma, visto que incide, a regra de interpretação in dúbio pro misero, ou pro operário, pois este é o principal destinatário da norma previdenciária.
Por conseguinte, delineado conflito aparente entre as avaliações médicas elaboradas pelo expert do juízo, impõe-se, com fundamento no princípio da in dubio pro misero, acolher a conclusão da asserção mais protetiva ao bem jurídico tutelado pelos benefícios de incapacidade, isto é, a vida, a saúde, e, mais remotamente, a própria dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil insculpido no artigo 3º, inciso III, da Constituição da República, sob pena de o próprio Poder Judiciário afrontar o princípio da proibição de proteção insuficiente (untermassverbot).
Face a tanto, faz-se mister prestigiar, no caso, o laudo pericial aposto às fls. 48/49, segundo o qual a patologia que acomete a parte autora (megacólon congênito - CID Q43.1), de que decorre dificuldade em seu trânsito intestinal pela distensão do hemicólon direito e cólon transverso, efetivamente enseja incapacidade laborativa (quesito 7). Portanto, merece acolhida a insurgência da recorrente, eis que satisfeito o pressuposto sub examen.
Da condição socioeconômica
No que diz respeito ao requisito econômico, é de ver-se que o parágrafo 3º do artigo 20 da Lei 8.742/93 (LOAS) prevê como critério para a concessão do benefício assistencial idosos ou deficientes o fato de a renda familiar mensal per capita ser inferior a um quarto do salário mínimo.
Todavia, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar, em 18-04-2013, a Reclamação n. 4374 e o Recurso Extraordinário n. 567985, este com repercussão geral, reconheceu e declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade do parágrafo 3º do artigo 20 da Lei 8.742/93 (LOAS), por considerar que o critério ali previsto está defasado para caracterizar a situação de miserabilidade.
Além disso, o Superior Tribunal de Justiça já havia reconhecido, em sede de Recurso Repetitivo, a possibilidade de demonstração da condição de miserabilidade por outros meios de prova, quando a renda per capita familiar fosse superior a ¼ do salário mínimo (REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009).
Na hipótese sub judice, o auto de constatação socioeconômica (fls. 142/144) informou que a unidade familiar, composta pelo ora recorrente, seus pais e sua irmã menor, sobrevive da renda mensal de R$ 750,00 (setecentos e cinquenta reais), provenientes da atividade laboral da genitora, sendo que o pai do demandante está desempregado.
Assim, diante dessas considerações, a parte autora está em evidente risco social e depende do benefício para assegurar a sua sobrevivência digna, tendo em vista estar inserida em um grupo familiar de vulnerabilidade.
Dessa forma, comprovados os requisitos, deve ser reformada a sentença a quo, a sim de acolher-se a pretensão da demandante, reconhecendo seu direito à implementação do benefício assistencial desde a entrada do requerimento administrativo, observada a prescrição quinquenal.
Dos consectários:
a) Correção monetária
A correção monetária, segundo o entendimento consolidado na 3ª Seção deste TRF4, incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelos índices oficiais e aceitos na jurisprudência, quais sejam:
- IGP-DI (05/96 a 03/2006, art. 10 da Lei n.º 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5º e 6.º, da Lei n.º 8.880/94);
- INPC (de 04/2006 a 29/06/2009, conforme o art. 31 da Lei n.º 10.741/03, combinado com a Lei n.º 11.430/06, precedida da MP n.º 316, de 11/08/2006, que acrescentou o art. 41-A à Lei n.º 8.213/91).
- TR (a partir de 30/06/2009, conforme art. 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação dada pelo art. 5º da Lei 11.960/2009)
O Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento das ADIs 4.357 e 4.425, declarou a inconstitucionalidade por arrastamento do art. 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação dada pelo art. 5º da Lei 11.960/2009, afastando a utilização da TR como fator de correção monetária dos débitos judiciais da Fazenda Pública, relativamente ao período entre a respectiva inscrição em precatório e o efetivo pagamento.
Em consequência dessa decisão, e tendo presente a sua ratio, a 3ª Seção desta Corte vinha adotando, para fins de atualização dos débitos judiciais da Fazenda Pública, a sistemática anterior à Lei nº 11.960/2009, o que significava, nos termos da legislação então vigente, apurar-se a correção monetária segundo a variação do INPC, salvo no período subsequente à inscrição em precatório, quando se determinava a utilização do IPCA-E.
Entretanto, a questão da constitucionalidade do uso da TR como índice de atualização das condenações judiciais da Fazenda Pública, no período antes da inscrição do débito em precatório, teve sua repercussão geral reconhecida no RE 870.947, e aguarda pronunciamento de mérito do STF. A relevância e a transcendência da matéria foram reconhecidas especialmente em razão das interpretações que vinham ocorrendo nas demais instâncias quanto à abrangência do julgamento nas ADIs 4.357 e 4.425.
Recentemente, em sucessivas reclamações, a Suprema Corte vem afirmando que no julgamento das ADIs em referência a questão constitucional decidida restringiu-se à inaplicabilidade da TR ao período de tramitação dos precatórios, de forma que a decisão de inconstitucionalidade por arrastamento foi limitada à pertinência lógica entre o art. 100, § 12, da CRFB e o artigo 1º-F da Lei 9.494/97, na redação dada pelo art. 5º da Lei 11.960/2009. Em consequência, as reclamações vêm sendo acolhidas, assegurando-se que, ao menos até que sobrevenha decisão específica do STF, seja aplicada a legislação em referência na atualização das condenações impostas à Fazenda Pública, salvo após inscrição em precatório. Os pronunciamentos sinalizam, inclusive, para eventual modulação de efeitos, acaso sobrevenha decisão mais ampla quanto à inconstitucionalidade do uso da TR para correção dos débitos judiciais da Fazenda Pública (Rcl 19.050, Rel. Min. Roberto Barroso; Rcl 21.147, Rel. Min. Cármen Lúcia; Rcl 19.095, Rel. Min. Gilmar Mendes).
Em tais condições, com o objetivo de guardar coerência com os mais recentes posicionamentos do STF sobre o tema, e para prevenir a necessidade de futuro sobrestamento dos feitos apenas em razão dos consectários, a melhor solução a ser adotada, por ora, é orientar para aplicação do critério de atualização estabelecido no art. 1º-F da Lei 9.494/97, na redação da lei 11.960/2009.
Este entendimento não obsta a que o juízo de execução observe, quando da liquidação e atualização das condenações impostas ao INSS, o que vier a ser decidido pelo STF em regime de repercussão geral, bem como eventual regramento de transição que sobrevenha em sede de modulação de efeitos.
b) Juros de mora
Até 29-06-2009 os juros de mora, apurados a contar da data da citação, devem ser fixados à taxa de 1% ao mês, com base no art. 3º do Decreto-Lei n. 2.322/87, aplicável analogicamente aos benefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter eminentemente alimentar, consoante firme entendimento consagrado na jurisprudência do STJ e na Súmula 75 desta Corte.
A partir de então, deve haver incidência dos juros, uma única vez, até o efetivo pagamento do débito, segundo o índice oficial de remuneração básica aplicado à caderneta de poupança, nos termos estabelecidos no art. 1º-F, da lei 9.494/97, na redação da Lei 11.960/2009. Os juros devem ser calculados sem capitalização, tendo em vista que o dispositivo determina que os índices devem ser aplicados "uma única vez" e porque a capitalização, no direito brasileiro, pressupõe expressa autorização legal (STJ, 5ª Turma, AgRg no AgRg no Ag 1211604/SP, Rel. Min. Laurita Vaz).
Quanto ao ponto, esta Corte já vinha entendendo que no julgamento das ADIs 4.357 e 4.425 não houvera pronunciamento de inconstitucionalidade sobre o critério de incidência dos juros de mora previsto na legislação em referência.
Esta interpretação foi, agora, chancelada, pois no exame do recurso extraordinário 870.947, o STF reconheceu repercussão geral não apenas à questão constitucional pertinente ao regime de atualização monetária das condenações judiciais da Fazenda Pública, mas também à controvérsia pertinente aos juros de mora incidentes.
Em tendo havido a citação já sob a vigência das novas normas, inaplicáveis as disposições do Decreto-lei 2.322/87, incidindo apenas os juros da caderneta de poupança, sem capitalização.
c) Honorários advocatícios:
Tendo em vista a integral reforma da sentença, cumpre, em primeiro lugar, afastar expressamente o encargo pelo pagamento das custas e dos honorários fixados pelo MM. Juízo monocrático em desfavor da parte recorrente.
Por outro lado, com o acolhimento da pretensão da parte autora, faz-se mister fixar os ônus de sucumbência em desfavor da Autarquia Previdenciária.
No ponto, impõe-se a observância do que dispõe a Súmula 76 desta Corte: "Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, devem incidir somente sobre as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforme a sentença de improcedência". Assim, a verba honorária a ser paga pelo INSS resta fixada em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, excluídas as parcelas vincendas a partir da publicação do Acórdão desta Corte.
d) Custas processuais:
O INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (art. 4º, I, da Lei nº 9.289/96) e na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais, como as relacionadas a correio, publicação de editais e condução de oficiais de justiça (artigo 11 da Lei Estadual nº 8.121/85, com a redação da Lei Estadual nº 13.471/2010, já considerada a inconstitucionalidade formal reconhecida na ADI nº 70038755864 julgada pelo Órgão Especial do TJ/RS).
Da prescrição quinquenal
O parágrafo único do artigo 103 da Lei nº 8.213/91 determina que o prazo prescricional para o ajuizamento de ações contra a Previdência Social destinadas ao recebimento de prestações vencidas ou restituição de diferenças é de 5 (cinco) anos. Tendo em vista que os benefícios previdenciários constituem obrigação de trato sucessivo, a prescrição atinge as parcelas vencidas há mais de cinco anos, mensalmente consideradas, consoante deflui da Súmula nº 85 do Superior Tribunal de Justiça.
Tutela específica - implantação do benefício:
Considerando a eficácia mandamental dos provimentos fundados no art. 461 do CPC, e tendo em vista que a decisão não está sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo (TRF4, 3ª Seção, Questão de Ordem na AC n. 2002.71.00.050349-7/RS, Rel. para o acórdão Des. Federal Celso Kipper, julgado em 09/08/2007), determino o cumprimento imediato da sentença no tocante à implantação do benefício da parte autora, a ser efetivada em 45 dias, mormente pelo seu caráter alimentar e necessidade de efetivação imediata dos direitos sociais fundamentais.
Conclusão quanto ao direito do autor:
Tendo em vista o preenchimento dos requisitos previstos no art. 20 da Lei nº 8.742/1993, faz-se mister reformar a sentença a quo a fim de determinar a implementação do benefício assistencial a partir da data do requerimento administrativo.
Dispositivo:
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação, nos termos da fundamentação.
Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Relator
| Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7736270v12 e, se solicitado, do código CRC DE3B8DBE. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Paulo Afonso Brum Vaz |
| Data e Hora: | 30/09/2015 16:36 |
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 22/09/2015
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0009365-80.2015.4.04.9999/RS
ORIGEM: RS 00040041520118210138
RELATOR | : | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ |
PRESIDENTE | : | Paulo Afonso Brum Vaz |
PROCURADOR | : | Dr. Sérgio Cruz Arenhart |
APELANTE | : | EDILSON VITOR VEBER |
ADVOGADO | : | Lauro Antonio Brun |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 22/09/2015, na seqüência 79, disponibilizada no DE de 08/09/2015, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO, NOS TERMOS DA FUNDAMENTAÇÃO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ |
: | Des. Federal ROGERIO FAVRETO | |
: | Juiz Federal LUIZ ANTONIO BONAT |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
| Documento eletrônico assinado por Lídice Peña Thomaz, Secretária de Turma, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7855156v1 e, se solicitado, do código CRC 93E2F659. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Lídice Peña Thomaz |
| Data e Hora: | 23/09/2015 15:01 |
