REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL Nº 5040317-31.2014.4.04.7108/RS
RELATOR | : | PAULO AFONSO BRUM VAZ |
PARTE AUTORA | : | JUSSARA MACIEL |
ADVOGADO | : | AIANA LIVIA JAEGER CASTRO |
PARTE RÉ | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. REQUISITOS.
1. O direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: a) condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, de acordo com a redação original do art. 20 da LOAS, ou impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, conforme redação atual do referido dispositivo) ou idoso (neste caso, considerando-se, desde 1º de janeiro de 2004, a idade de 65 anos); e b) situação de risco social (estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo) da parte autora e de sua família.
2. Atendidos os pressupostos, deve ser concedido o benefício.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Colenda 5a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à remessa oficial, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 09 de agosto de 2016.
Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Relator
| Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8430741v5 e, se solicitado, do código CRC 93DBB1DB. | |
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REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL Nº 5040317-31.2014.4.04.7108/RS
RELATOR | : | PAULO AFONSO BRUM VAZ |
PARTE AUTORA | : | JUSSARA MACIEL |
ADVOGADO | : | AIANA LIVIA JAEGER CASTRO |
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MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
RELATÓRIO
Em reexame necessário a sentença que concedeu a antecipação dos efeitos da tutela e julgou procedente ação objetivando a concessão de benefício assistencial devido à pessoa com deficiência.
Nesta instância, a Procuradoria Regional da República da 4ª Região opinou pelo desprovimento da remessa necessária.
É o relatório.
VOTO
Da remessa oficial
Conheço da remessa necessária, visto que sua dispensa apenas tem lugar quando a sentença líquida veicular condenação não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos (STJ, Súmula 490, EREsp 600.596, Corte Especial, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 23/11/2009).
Premissas
Trata-se de demanda previdenciária na qual a parte autora objetiva a concessão de BENEFÍCIO ASSISTENCIAL, previsto no art. 203, inciso V, da Constituição Federal e regulamentado pelo artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pelas Leis nº 12.435, de 06-07-2011, e nº 12.470, de 31-08-2011.
O direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: a) condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, de acordo com a redação original do art. 20 da LOAS, ou impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, conforme redação atual do referido dispositivo) ou idoso (neste caso, considerando-se, desde 1º de janeiro de 2004, a idade de 65 anos); e b) situação de risco social (estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo) da parte autora e de sua família.
Saliente-se, por oportuno, que a incapacidade para a vida independente a que se refere a Lei 8.742/93, na redação original, deve ser interpretada de forma a garantir o benefício assistencial a uma maior gama possível de pessoas com deficiência, consoante pacífica jurisprudência do STJ (v.g. STJ, 5ª Turma, RESP 360.202/AL, Rel. Min. Gilson Dipp, DJU de 01-07-2002) e desta Corte (v.g. AC n. 2002.71.04.000395-5/RS, 6ª Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, DJU de 19-04-2006).
Desse modo, a incapacidade para a vida independente (a) não exige que a pessoa possua uma vida vegetativa ou seja incapaz de se locomover; (b) não significa incapacidade para as atividades básicas do ser humano, tais como alimentar-se, fazer a higiene pessoal e vestir-se sozinho; (c) não impõe a incapacidade de se expressar ou se comunicar; e (d) não pressupõe dependência total de terceiros.
No que diz respeito ao requisito econômico, cabe ressaltar que o Superior Tribunal de Justiça admitiu, em sede de Recurso Repetitivo, a possibilidade de demonstração da condição de miserabilidade por outros meios de prova, quando a renda per capita familiar fosse superior a ¼ do salário mínimo (REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, DJe 20/11/2009). Posteriormente, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar, em 18-04-2013, a Reclamação nº 4374 e o Recurso Extraordinário nº 567985, este com repercussão geral, reconheceu e declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade do parágrafo 3º do artigo 20 da Lei 8.742/93 (LOAS), por considerar que o critério ali previsto - ser a renda familiar mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo - está defasado para caracterizar a situação de miserabilidade.
Assim, forçoso reconhecer que as despesas com os cuidados necessários da parte autora, especialmente medicamentos, alimentação especial, fraldas descartáveis, tratamento médico, psicológico e fisioterápico, podem ser levadas em consideração na análise da condição de miserabilidade da família da parte demandante.
A propósito, a eventual percepção de recursos do Programa Bolsa Família, que, segundo consta no site do Ministério do Desenvolvimento Social e de Combate à Fome (http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/), destina-se à "transferência direta de renda que beneficia famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza em todo o País" e "tem como foco de atuação os 16 milhões de brasileiros com renda familiar per capita inferior a R$ 70,00 mensais, e está baseado na garantia de renda, inclusão produtiva e no acesso aos serviços públicos", não só não impede a percepção do benefício assistencial do art. 203, V, da Constituição Federal, como constitui prova indiciária acima de qualquer dúvida razoável de que a unidade familiar se encontra em situação de grave risco social.
Exame do caso concreto
Em relação à alegada incapacidade da parte autora, constam do laudo médico, realizado por perito de confiança do juízo a quo, os seguintes dados (evento 27):
a- enfermidade (CID): importante retardo mental decorrente de esquizofrenia (F 20.0);
b- incapacidade: existente;
c- grau da incapacidade: total e permanente;
d- início incapacidade: início da doença em 1997, com piora em agosto de 2014;
e- grau de instrução: não alfabetizada;
f- idade atual: 40 anos;
g- observações gerais: a autora não se alfabetizou e nunca trabalho; apresenta comportamento bizarro, que a levou à situação de rua, agressividade, delírios persistentes e alucinações auditivas e visuais; além disso, após agressão, tem surdez e cegueira parcial; necessita de assistência ou acompanhamento permanente de terceiros; faz tratamento medicamentoso e psicosocial, já esteve internada, mas não há possibilidade de cura.
No evento 1, out3, foi anexado aos autos o termo de compromisso de curador, na ação de interdição da autora, firmado em 23/04/2008.
No tocante ao requisito econômico, foi elaborado parecer social no qual se destacam os aspectos abaixo indicados (evento 31):
a - grupo familiar: a autora vive com uma irmã, Maria Lúcia dos Santos, a qual também apresenta comprometimento psicossocial grave;
b - renda familiar: advém do benefício assistencial percebido pela irmã da autora;
c - condições de moradia: precárias;
d - despesas com cuidados pessoais: faz uso de medicamentos fornecidos pelo CAPS de Taquara;
e - cadastro em programas públicos de assistência social: não há.
A assistente social constatou, através dos relatos dos familiares, que a autora esteve em situação de rua por vários anos e há seis anos retornou ao convívio familiar, passando a residir em uma das unidades existentes no terreno da família. No mesmo terreno, reside, na casa principal, a mãe da autora, Srª Eva Rodrigues Maciel, que é idosa, apresenta várias sequelas decorrentes de um AVC, a exigir cuidados e ajuda constante, que é prestada por uma neta (Fabiane), filha de Maria Lúcia, e recebe pensão por morte do marido. As demais unidades são ocupadas pelos núcleos familiares de Neusa Maria de Oliveira, Maristela Maciel Martins e Maria Marta Maciel - todas pessoas em situação de vulnerabilidade.
Conclusão quanto ao direito da parte autora no caso concreto
Dessarte, o exame do conjunto probatório demonstra que a parte autora possui incapacidade total e definitiva para reger a sua vida e seus bens, necessitando de cuidados permanentes para sobreviver com dignidade. Portanto, deve ser reconhecido o direito ao benefício assistencial, desde a data do requerimento administrativo (26/12/2007), não havendo parcelas prescritas.
Embora a redação do art. 3º do Código Civil tenha sido alterada pela Lei 13.146/2015 ("Estatuto da Pessoa com Deficiência"), para definir como absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil apenas os menores de 16 anos - situação essa na qual não se encontra a demandante -, e o inciso I do art. 198 do Código Civil disponha que a prescrição não corre contra os incapazes de que trata o art. 3º, entendo que a vulnerabilidade do indivíduo - inquestionável no caso do autor - não pode jamais ser desconsiderada pelo ordenamento jurídico, ou seja, o Direito não pode fechar os olhos à falta de determinação de alguns indivíduos e tratá-los como se tivessem plena capacidade de interagir em sociedade em condições de igualdade.
Veja-se que, no próprio parecer do projeto de lei que deu origem ao Estatuto da Pessoa com Deficiência apresentado no Senado Federal, foi referido que:
"Para facilitar a compreensão, optamos por fazer uma análise conjunta dos dispositivos constantes dos arts. 6º e 84, além de algumas das alterações contidas no art. 114, uma vez que dispõem sobre a capacidade civil das pessoas com deficiência. Seu cerne é o reconhecimento de que condição de pessoa com deficiência, isoladamente, não é elemento relevante para limitar a capacidade civil. Assim, a deficiência não é, a priori , causadora de limitações à capacidade civil. Os elementos que importam, realmente, para eventual limitação dessa capacidade, são o discernimento para tomar decisões e a aptidão para manifestar vontade. Uma pessoa pode ter deficiência e pleno discernimento, ou pode não ter deficiência alguma e não conseguir manifestar sua vontade." (grifei)
A Lei 13.146/2015, embora editada com o propósito de promover uma ampla inclusão das pessoas portadoras de deficiência, ao contrário, justamente aniquila a proteção dos incapazes, rompendo com a própria lógica dos direitos humanos.
Com efeito, a teoria das incapacidades existe para proteger o incapaz, ou seja, protege-se o indivíduo que não tem idade suficiente ou que padece de algum mal que lhe impede de discernir bem sua conduta, ressaltando-se que a proteção não se dá apenas em relação aos outros indivíduos e contra as situações da vida, mas, também (e talvez, sobretudo), em relação ao próprio incapaz, o qual pode representar um risco a si mesmo em algumas situações. Ao suprimir a incapacidade absoluta do portador de deficiência psíquica ou intelectual, o Estatuto contempla, da pior e mais prejudicial forma possível, o pressuposto de igualdade nele previsto, dando o mesmo tratamento para os desiguais.
No artigo "A destruição da teoria das incapacidades e o fim da proteção aos deficientes", publicado no site migalhas.com.br, em 08/04/2016, os autores Vitor Frederico Kümpel e Bruno de Ávila Borgarelli afirmam:
"O paradigma da inclusão dos deficientes, que tem seu marco inicial na década de 1980, substituiu, em relação a essas pessoas, "uma perspectiva exclusivamente médica ou biológica por uma perspectiva que é também social"26. As legislações atuais tendem a esse processo inclusivo, sempre realizado a partir do pareamento de condições em vida social através do rompimento de barreiras e de obstáculos que possam marginalizar os indivíduos portadores de deficiências. Assim, em poucas linhas, é que se encaminha o direito do século XXI. E isso está bem.
Mas o afã de promover essa etapa (inclusão) pode resultar em grandes fracassos, se não houver critérios equilibrados e racionalidade no processo legislativo acerca da matéria. Eis o erro trazido pela lei 13.146/2015. Ela não consagra os direitos humanos. Ela os contradiz, e uma simples colocação dos termos das convenções internacionais já o demonstra.
Vejamos a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência27. Ao determinar que a igualdade seja promovida, a Convenção reconhece, é claro, a diferença que existe e que precisa ser dirimida o quanto possível em seus efeitos.
A definição feita para efeitos da Convenção a respeito de pessoas com deficiência é de que essas "têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas".
Difícil deixar de apontar que só esses termos já tiram muito do pretenso fundamento da lei 13.146/2015. Reconhecer que as pessoas com deficiência encontram barreiras implica em criação de mecanismos para derrubá-las. Retirar a proteção do deficiente não parece um bom mecanismo....
Já a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Pessoas Portadoras de Deficiência28, cujo objetivo é prevenir e eliminar todas as formas de preconceito contra as pessoas portadoras de deficiência e propiciar a sua plena integração à sociedade (art. 2º), apresenta definições sutilmente mais qualificadas e recomendações bem mais concretas.
Afirma-se, em seu art. 1º, que, para os efeitos da Convenção, entende-se por deficiência "uma restrição física, mental ou sensorial, de natureza permanente ou transitória, que limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária, causada ou agravada pelo ambiente econômico e social".
A própria Convenção Interamericana, portanto, afirma que a deficiência importa numa limitação à capacidade de exercer atividades essenciais da vida diária. Nisso o conteúdo se aproxima da lei 13.146.
Mas a Convenção não dá azo à "sequência" funesta da referida lei brasileira.
Veja-se, a título de exemplo, o art. 3º, n. 1, a:
"Art. 3º. Para alcançar os objetivos desta Convenção, os Estados-partes comprometem-se a:
1. Tomar as medidas de caráter legislativo, social, educacional, trabalhista, ou de qualquer outra natureza, que sejam necessárias para eliminar a discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência e proporcionar a sua plena integração à sociedade, entre as quais as medidas abaixo enumeradas, que não devem ser consideradas exclusivas:
a) medidas das autoridades governamentais e/ou entidades privadas para eliminar progressivamente a discriminação e promover a integração na prestação ou fornecimento de bens, serviços, instalações, programas e atividades, tais como o emprego, o transporte, as comunicações, a habitação, o lazer, a educação, o esporte, o acesso à justiça e aos serviços policiais e as atividades políticas e de administração;"
(...)
Será que a legislação protetiva dos deficientes mentais, especialmente o regime das incapacidades, contraria essas recomendações da Convenção?
De modo algum. A própria Convenção - e este é aqui o ponto mais relevante - determina em seu art. 1º, n. 2, b, que, "Não constitui discriminação a diferenciação ou preferência adotada pelo Estado-parte para promover a integração social ou o desenvolvimento pessoal dos portadores de deficiência, desde que a diferenciação ou preferência não limite em si mesma o direito à igualdade dessas pessoas e que elas não sejam obrigadas a aceitar tal diferenciação ou preferência. Nos casos em que a legislação interna preveja a declaração de interdição, quando for necessária e apropriada para o seu bem-estar, esta não constituirá discriminação."
Está claro que não há aí um repúdio às legislações internas dos Estados que, objetivando promover o bem-estar (proteção) dos deficientes, aplicam-lhes tratamento diverso, como é o caso da incapacidade - que constitui exceção - e, disso, o procedimento de interdição.
Ora, retirar a proteção de alguém que comprovadamente não pode governar sua própria conduta é aplicar a lógica dos direitos humanos? Nada mais inaceitável e cruel. O pior de tudo é que, na tentativa frenética de ganhar terreno entre os operadores do direito, a nova lei usa como justificativa.....os próprios direitos humanos!
É um disparate.
O problema que nos traz a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Nova Iorque, 2007), especialmente com relação ao instituto da "decisão apoiada", será analisado em uma próxima coluna. Mas, ainda assim, se o objetivo dessa Convenção é 'promover, proteger e assegurar o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais' pelos deficientes (art. 1), a retirada de proteção trazida pela lei 13.146/2015, no Brasil, está em desacordo com esses termos.
Além disso, permitir "o exercício, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais" (art. 2) por parte dos deficientes pressupõe a existência de um aparato que impulsione essa verdadeira quebra de barreiras."
Voltando ao caso dos autos, é evidente, pelas conclusões do perito judicial, que a demandante não possui discernimento para a prática dos atos da vida civil e, em razão disso, deve ser rigorosamente protegida pelo ordenamento jurídico, não podendo ser prejudicada pela fluência do prazo prescricional.
No artigo "Crítica à nova sistemática da incapacidade de fato segundo a Lei 13.146/15", publicado no site Jus Navigandi (jus.com.br), em 09/2015, os autores Marlon Tomazette e Rogério Andrader Cavalcanti Araújo, ao tratarem da questão da suspensão da prescrição e da decadência para o incapaz, afirmam:
O artigo 198 do CC afirma que não corre prescrição contra os incapazes de que trata o artigo 3o do Código Civil (absolutamente incapazes). Assim, pela nova sistemática, a suspensão da prescrição deixaria de contemplar os deficientes, continuando a correr normalmente prescrição contra eles.
Estamos certos de que muitos magistrados, consternados pela injustiça da alteração, aplicarão analogicamente a suspensão da prescrição e da decadência (artigo 198) aos deficientes. Ocorre que as hipóteses de suspensão e interrupção de prescrição são taxativas, como se depreende das lições do maior especialista no tema que o Direito Brasileiro já conheceu - Antônio Luís da Câmara Leal. Assevera o festejado jurista[20]:
"Os intérpretes são unânimes em reconhecer que a enumeração das causas suspensivas da prescrição pelo Código é taxativa, e não exemplificativa.
Quer isso dizer que, sendo de direito estrito, não admitem ampliação por analogia."
O seu raciocínio é dotado de irretorquível lógica. Ora, se violado o direito, nasce a pretensão, que, não exercida no prazo previsto, será encoberta pela prescrição (art. 189), é porque a fluência do mencionado lapso prescricional, por força de lei, é ininterrupta. Qualquer exceção a tal comando deve estar prevista em lei, pois, do contrário, a hipótese se subsumirá à regra geral (da fluência ininterrupta do prazo). O que buscamos dizer é que não há lacuna aqui a ser colmatada, porquanto, ou a fluência do prazo é ininterrupta, por força do artigo 189, ou pode ser obstada, suspensa ou interrompida, por força apenas de um dos dispositivos constantes do artigos 197 e seguintes. Não há limbo, não há lacunas... logo, não haverá analogia.
Mas e se o magistrado, tocado pela infelicidade da mutação legislativa, resolver analogicamente aplicar a regra suspensiva do artigo 198, I aos deficientes? Bem... ele estará a agir como legislador, inovando onde não há lacuna. O mais surreal, porém, é que o fim da suspensão da prescrição, derivada da deficiência mental ou intelectual, embora prejudicialíssimo a este, iguala-o aos não deficientes, contemplando da pior forma possível o pressuposto igualitário do Estatuto. O irônico é que talvez desigualar os atores jurídicos com deficiência, em algumas hipóteses, atendesse mais ao princípio da isonomia, no sentido material, do que dispensar regramento jurídico idêntico ao das pessoas sem deficiência, mormente quando a diferenciação está justificada pelo caráter protetivo.
Conhecendo, porém, a forma pouco científica, quase emotiva, como se trata o direito no Brasil, cremos, abismados, que, no futuro, os tribunais aplicarão analogicamente o artigo 198, I aos hoje (plenamente capazes) deficientes simplesmente por parecer-lhes o mais justo, seja isso técnico ou não."
Assim sendo, deve ser aplicado analogicamente à hipótese dos autos o disposto no inciso I do art. 198 do Código Civil.
Dos consectários
Segundo o entendimento das Turmas previdenciárias do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, estes são os critérios aplicáveis aos consectários:
Correção Monetária e Juros
Não obstante a determinação do artigo 491 do NCPC no sentido de que "na ação relativa à obrigação de pagar quantia, ainda que formulado pedido genérico, a decisão definirá desde logo a extensão da obrigação, o índice de correção monetária, a taxa de juros, o termo inicial de ambos e a periodicidade da capitalização dos juros, se for o caso", tal deliberação resta inviabilizada, neste momento, em razão da pendência do julgamento das ADIs 4.357 e 4.425 pelo STF e dos recursos representativos de controvérsia (Resp 1495146/MG, 1495144/RS e 1492221/PR) pelo STJ (Tema 905).
Por conseguinte, ainda que o percentual de juros e o índice de correção monetária devam ser aqueles constantes da legislação em vigor em cada período em que ocorreu a mora da Fazenda Pública (INSS), difere-se, excepcionalmente, para a fase de execução a forma de cálculo dos consectários legais, restando prejudicado o recurso e/ou remessa necessária, no ponto, nos termos da deliberação proferida pelo STJ (EDcl no MS 14.741/DF , Rel. Ministro JORGE MUSSI, Terceira Seção, DJe 15/10/2014).
Honorários Advocatícios
Os honorários advocatícios devem ser fixados em 10% sobre o valor da condenação, excluídas as parcelas vincendas, observando-se a Súmula 76 desta Corte: "Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, devem incidir somente sobre as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforme a sentença de improcedência".
Saliente-se, por oportuno, que não incide a sistemática dos honorários prevista no art. 85 do NCPC, porquanto a sentença foi proferida antes de 18/03/2016 (data da vigência do NCPC definida pelo Pleno do STJ em 02/04/2016), conforme prevê expressamente o artigo 14 do NCPC [A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada].
Custas Processuais
O INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (art. 4º, I, da Lei nº 9.289/96) e na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais, como as relacionadas a correio, publicação de editais e condução de oficiais de justiça (artigo 11 da Lei Estadual nº 8.121/85, com a redação da Lei Estadual nº 13.471/2010, já considerada a inconstitucionalidade formal reconhecida na ADI nº 70038755864 julgada pelo Órgão Especial do TJ/RS), isenções estas que não se aplicam quando demandado na Justiça Estadual do Paraná (Súmula 20 do TRF4), devendo ser ressalvado, ainda, que, no Estado de Santa Catarina (art. 33, par. único, da Lei Complementar estadual 156/97), a autarquia responde pela metade do valor.
Da antecipação de tutela
Pelos fundamentos anteriormente elencados, é de ser mantida a antecipação da tutela deferida, uma vez presentes os requisitos da verossimilhança do direito e o risco de dano irreparável ou de difícil reparação, bem como o caráter alimentar do benefício, porquanto relacionado diretamente com a subsistência, propósito maior dos proventos pagos pela Previdência Social.
Conclusão
Confirma-se a sentença.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à remessa oficial.
Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 09/08/2016
REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL Nº 5040317-31.2014.4.04.7108/RS
ORIGEM: RS 50403173120144047108
RELATOR | : | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ |
PRESIDENTE | : | Paulo Afonso Brum Vaz |
PROCURADOR | : | Dr. Juarez Mercante |
PARTE AUTORA | : | JUSSARA MACIEL |
ADVOGADO | : | AIANA LIVIA JAEGER CASTRO |
PARTE RÉ | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 09/08/2016, na seqüência 480, disponibilizada no DE de 18/07/2016, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO À REMESSA OFICIAL.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ |
: | Juiz Federal HERMES S DA CONCEIÇÃO JR | |
: | Juiz Federal MARCELO CARDOZO DA SILVA |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
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