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PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. REQUISITOS. TRF4. 5002642-47.2021.4.04.9999...

Data da publicação: 30/04/2021, 11:01:01

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. REQUISITOS. 1. O direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: a) condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, de acordo com a redação original do art. 20 da LOAS, ou impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, conforme redação atual do referido dispositivo) ou idoso (neste caso, considerando-se, desde 1º de janeiro de 2004, a idade de 65 anos); e b) situação de risco social (estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo) da parte autora e de sua família. 2. Atendidos os pressupostos, deve ser concedido o benefício. (TRF4, AC 5002642-47.2021.4.04.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 22/04/2021)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5002642-47.2021.4.04.9999/SC

RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: FATIMA DE ANDRADE

RELATÓRIO

Cuida-se de apelação interposta pelo INSS em face da sentença, prolatada em 04/12/2020 (e.41.1), que julgou procedente o pedido de concessão de benefício assistencial devido à pessoa com deficiência, com efeitos retroativos à DER de 07/11/2019.

Sustenta, em síntese, que a parte autora não preenche os requisitos necessários. Alega, outrossim, que as razões do juízo não tem qualquer respaldo legal, merecendo a sentença ser reformada para que o pedido seja julgado improcedente (e.45.1).

Com as contrarrazões, subiram os autos a esta Corte para julgamento.

A Procuradoria Regional da República da 4ª Região opinou pelo desprovimento do recurso (e.61.1).

É o relatório.

VOTO

Premissas

O benefício assistencial é devido à pessoa idosa (65 anos de idade) ou com deficiência, assim considerada aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (Lei 8.742/1993, art. 20, §2º, com a redação dada pela Lei 13.146/2015), que não tenha condições de prover sua manutenção e nem tê-la provida por sua família, nos termos do art. 20, §3º, da Lei 8.742/1993.

Exame do caso concreto

No caso em tela, o juízo a quo examinou a questão nestes termos:

No caso dos autos, no que se refere à condição de deficiente, foi realizada perícia judicial, cujo laudo restou juntado no Evento 14.

Respondendo aos quesitos formulados, o perito relatou, em suma:

Histórico/anamnese: PERICIADA 36 ANOS, COMPARECE A AVALIAÇÃO SOZINHA, RELATA SENTIR ''MUITA DOR NO CORPO, DEPRESSÃO E PÂNICO'', REALIZA ''TRATAMENTO PSIQUIÁTRICO HÁ APROXIMADAMENTE 5 ANOS''. SÍNDROME DEPRESSIVA COM SINTOMAS ANSIOSOS COM PROVÁVEL TRANSTORNO DE PERSONALIDADE NÃO ESPECIFICADA.

Diagnóstico/CID:

- F33 - Transtorno depressivo recorrente

Observações sobre o tratamento: PERICIADA FAZ USO DOS SEGUINTES MEDICAMENTOS: ANSIOLÍTICO, ANTIDEPRESSIVO, ANTIPSICÓTICO (COMO CALMANTE) DOSES BAIXAS E SEM EFEITOS COLATERAIS.

Conclusão: sem incapacidade atual

- Justificativa: PERICIADA COM SÍNDROME DEPRESSIVA E SINTOMAS ANSIOSOS COM PROVÁVEL SECUNDÁRIA A TRANSTORNO DE PERSONALIDADE NÃO ESPECIFICADA, MEDICADA COM INTENSIDADE DOS SINTOMAS NÃO INCAPACITANTES.

Outros quesitos do Juízo:

a) Nome completo, sexo, estado civil, idade, escolaridade, formação técnico-profissional e profissão da parte autora. FÁTIMA DE ANDRADE, FEMININO, CASADA, ENSINO FUNDAMENTAL INCOMPLETO, NÃO POSSUI FORMAÇÃO TÉCNICO-PROFISSIONAL, RELATA QUE NUNCA TRABALHOU.

b) A parte autora apresenta deficiência/impedimento/doença de natureza física, mental, intelectual ou sensorial? Qual ou quais? TRANSTORNO DEPRESSIVO RECORRENTE CID 10 F 33.

c) A deficiência/impedimento/doença constatada torna a parte autora incapaz para todo e qualquer tipo de trabalho, ou seja, é incapaz de prover ao próprio sustento por meio do labor? NÃO.

d) A incapacidade para o trabalho, se houver, é permanente? PERICIADA CAPAZ NA AVALIAÇÃO PSIQUIÁTRICA.

Em que pese a conclusão do perito de que a parte autora não estaria incapaz para o trabalho e para prover o próprio sustento, conforme se verifica do laudo pericial, a demandante possui síndrome depressiva e sintomas ansiosos com provável secundária a transtorno de personalidade não especificada, com tratamento médico há aproximadamente cinco anos e utilização de ansiolíticos, antidepressivos e antipsicóticos.

Outrossim, conforme se verifica dos autos, a parte autora trouxe laudo médico, de especialista em psiquiatria, constando que: "Fátima de Andrade realiza tratamento psiquiátrico neste serviço por transtorno depressivo recorrente episódio atual grave sem psicose CID 10 F33.2. Tem dificuldades para se adaptar ao uso de medicamentos por vários efeitos colaterais relacionados. Hoje informa ter sido liberada de ambiente hospitalar para consulta médica; que está internada por astenia e por não conseguir se alimentar. Está fazendo uso abusivo de clonazepam. Relata agressividade verbal, raiva, irritabilidade, problemas conjugais, limpar a casa excessivamente e ansiedade ao longo do dia. [...]" - Evento 1, LAUDO9.

Conforme é cediço, o julgador não está adstrito à literalidade do laudo técnico, sendo-lhe facultada ampla e livre avaliação da prova constante dos autos.

No presente caso, embora o laudo médico tenha apontado a inexistência de incapacidade, entendo que as demais condições pessoais dificultam a colocação da autora no mercado de trabalho: escolaridade baixa (ensino fundamental incompleto), não possui qualquer formação técnica e falta de experiência profissional, visto que a demandante nunca exerceu atividade laboral. Além disso, a autora apresenta patologia psiquiátrica, com uso de medicação contínua/controlada, bem como encontra-se com gravidez de risco.

Conforme artigo 20, §2º, da Lei 8.742/93, para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

Entendo que, no caso sob análise, a parte autora apresenta impedimentos que obstruem a sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

Ademais, a demandante vive em situação de extrema vulnerabilidade social, conforme extrai-se do estudo socioeconômico realizado pela Assistente Social Forense (Evento 30, ESTUDO1):

[...]

4- DO CONTEXTO SOCIOFAMILIAR:

- Renda e Composição Familiar: O núcleo familiar apresenta a seguinte composição:

1- Fátima de Andrade (requerente): 36 anos, alfabetizada, do lar, renda declarada R$ 138,00 do Programa Federal Bolsa Família;

2 -Amanda de Andrade Siqueira (filha): 9 anos, data de nascimento: 30/11/2011; CPF nº 113.719.839-76; estudante.

- Moradia: A Sra. Fátima e a filha residem em casa própria, tipo de alvenaria, com apenas três cômodos: quarto, cozinha e banheiro. Tratase de uma residência da Cohab, fruto de doação da Secretaria Municipal de Assistência social que é compartilhada com sua irmã Adriana de Andrade, ou seja, a residência foi dividida entre as duas famílias. A moradia possui luz elétrica, água encanada e encontra-se equipada com poucos móveis e eletrodomésticos, atendendo de forma deficitária as necessidades de seus membros. Observou-se que a casa não possui forração, as paredes não possuem reboco e nem pintura. O local de acesso a residência é por via pavimentada.

- Quanto as despesas e manutenção de vida:

A Sra. Fatima declara que aos 9 (nove) anos de idade caiu uma “torre” em sua cabeça, o que deixou sequelas. Chegou a frequentar a escola, mas não aprendeu nada, não sabe contar dinheiro, sabe apenas escrever o seu nome. Não possui qualificação profissional alguma e devido a isso, nunca exerceu trabalho remunerado.

Atualmente sobrevive tão somente com o valor que aufere mensalmente do Programa Federal Bolsa Família, equivalente a R$138,00 (cento e trinta e oito reais). No entanto, neste mês, recebeu o auxílio emergencial do Governo Federal no valor de R$ 600,00 (seiscentos reais).

Declara que está separada de seu marido, Sr. Milton a 5 (cinco) meses, se separaram em maio de 2020 porque ele bebia demais, o que ocasionava muitas brigas e discussões, tornando a convivência insuportável. Ele então, saiu de casa e foi morar com sua mãe, deixando-a financeiramente desassistida, mesmo depois que ela descobriu que está esperando mais um filho dele, esta já no 4º mês de gestação. Ele também não está pagando pensão alimentícia para filha Amanda. Informa que ainda não ajuizou ação para regularizar a situação.

Neste mês, recebeu cesta básica da escola e foi o que “salvou” o mês, pois já estavam sem alimentos em casa. Conforme relatos, não recebe auxílio da alimentos da Secretaria Municipal de Assistência Social porque não vai pedir, sente vergonha.

Quanto as suas despesas domésticas, relata que gasta em média, mensalmente, R$ 120,00 com aquisição de gêneros alimentício; R$ 70,00 de energia elétrica e R$ 50,00 de lenha.

5 – SITUAÇÃO APRESENTADA:

No que tange a sua situação de saúde, a Sra. Fátima narra que seu problema de depressão começou antes do nascimento da primeira filha, a Amanda que atualmente está com 9 (nove) anos de idade. Declara que sentia o coração acelerar, dificuldade para espirar, tristeza e desânimo. Desde então vem realizando tratamento médico especializado, mas o problema persiste.

Atualmente realiza tratamento coma médica psiquiatra Dra. Fernanda Fávero, que na última consulta alterou seus medicamentos devido a sua gravidez de risco. Diante de seu quadro clínico, está fazendo uso dos seguintes medicamentos: Cloridrato de sertralina 50mg (1 vez ao dia) e sulfato ferroso (1 vez ao dia). O tratamento é realizado pelo Sistema Único de Saúde- SUS e os medicamentos são fornecidos pela rede pública municipal, uma vez que não possui condições financeiras para adquiri-los. As consultas de pré-natal estão sendo realizadas na Unidade Básica de Saúde.

No cotidiano, consegue fazer os afazeres domésticos (limpar a casa, fazer comida, lavar roupa).

Declara, ainda, que sua filha Amanda tem dificuldade de aprender, embora esteja com 9 (nove) anos de idade, não sabe nem escrever o nome.

Ela também tem dificuldade para se comunicar, pois sofre de gagueira.

Concluiu a Assistente Social Forense:

[...] No caso em apreço, verificou-se que a Sra. Fátima vive em um contexto social permeado de exclusões e, na oportunidade de nossa intervenção, observamos e enfatizamos algumas: o núcleo familiar é composto pela autora e sua filha (9 anos) de idade; Está gestante; Reside em casa própria, compartilhada, que oferece deficitárias condições de habitabilidade; Não sabe contar dinheiro, é apenas alfabetizada; Não possui qualificação profissional; Nunca exerceu trabalho remunerado; Sobrevive tão somente com o valor que aufere do Programa Federal Bolsa Família, programa este, que tem como um dos critérios, a família estar caracterizada como de baixa renda.

Diante do exposto e, por intermédio da análise de nossa observação in loco, da leitura e interpretação do discurso da entrevistada, averiguação junto ao domicílio familiar, conclui-se nos limites de nossa analise, que a Sra. Fátima de Andrade preenche os critérios socioeconômicos para a concessão do Benefício de Prestação Continuada- BPC.

Nota-se, portanto, que restou demonstrado que a autora, com saúde precária (patologias psiquiátricas e com gravidez de risco), sem qualificação profissional e sem nunca ter exercido trabalho remunerado, recebendo somente auxílio do programa federal do Bolsa Família, sobrevive, juntamente com a filha de nove anos de idade, de doações.

Logo, comprovada a condição de deficiente da autora (apresenta impedimentos que obstruem a sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas) e o seu estado de extrema miserabilidade, merece procedência o pedido formulado na exordial para condenar o INSS a conceder-lhe o benefício assistencial de prestação continuada, a contar da data do requerimento administrativo, efetivado em 07/11/2019.

3) Da correção monetária e dos juros

A correção monetária para atualização do valor devido deve se dar pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E) e, quanto aos juros de mora, deve-se utilizar o índice de remuneração da poupança, na forma do art. 1º-F da Lei 9.494/97 com a redação dada pela Lei 11.960/09.

A correção monetária incidirá a contar do vencimento de cada prestação e os juros de mora, a partir da citação.

4) Dos honorários advocatícios

Os honorários advocatícios serão fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor das parcelas vencidas até a data da sentença, a teor da Súmula 111 do Superior Tribunal de Justiça: "Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, não incidem sobre as prestações vencidas após a sentença".

Não diviso reparos à decisão do magistrado a quo, pois como se vê, restam preenchidos os requisitos legais para a obteção do benefício assistencial.

A parte autora é acometida de Transtorno depressivo recorrente, episódio atual grave sem psicose (CID 10 F33.2), consoante atestado médico de e.1.9,fl.1.

Ademais, consoante laudo médico pericial de e.14.1, a autora possui ensino fundamental incompleto, não possui formação técnico-profissional e nunca trabalhou. Todavia, o perito médico entendeu que a autora é atualmente capaz, confundindo incapacidade com deficiência, critério a ser aferido na condição de BPC.

Não obstante as considerações esposadas pelo expert, sabe-se que o juízo não está adstrito às conclusões do laudo médico pericial, nos termos do artigo 479 do NCPC (Art. 479. O juiz apreciará a prova pericial de acordo com o disposto no art. 371, indicando na sentença os motivos que o levaram a considerar ou a deixar de considerar as conclusões do laudo, levando em conta o método utilizado pelo perito), podendo discordar, fundamentadamente, das conclusões do perito em razão dos demais elementos probatórios coligidos aos autos, inclusive os aspectos socioeconômicos, profissionais e culturais do segurado, ainda que o laudo pericial apenas tenha concluído pela sua incapacidade parcial para o trabalho (AgRg no AREsp 35.668/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, DJe 20-02-2015).

Portanto, apesar de o laudo médico ter concluído que a autora não possui incapacidade atual, revela-se equivocada a avaliação da deficiência que considera apenas implicações para a pessoa do deficiente, olvidando que a vida social e particular dele depende, quase que invariavelmente, da ajuda e dos cuidados de terceiros. Por isso, lembra Diniz (2010, p. 14), que "as políticas voltadas à deficiência não devem ser confundidas com políticas para deficientes apenas, e sim abarcar todas aquelas pessoas que fazem parte da esfera de cuidados do deficiente".

Vale aqui lembrar que deficiência não significa que a pessoa esteja submetida a uma vida vegetativa, totalmente dependente dos cuidados de terceiros, e que não tenha condições de locomover-se, de comunicar-se e de executar atividades básicas, como higienizar-se, vestir-se e alimentar-se com autonomia.

Por conseguinte, as perícias médicas realizadas para fins de concessão de benefício assistencial devem ser avaliadas diferentemente dos exames realizados nos casos de concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, consoante leciona Wederson Santos, no artigo O que é incapacidade para a proteção social brasileira? (in Deficiência e igualdade: o desafio da proteção social. In: MEDEIROS, Marcelo; DINIZ, Débora; BARBOSA, Lívia (org.). Deficiência e igualdade. Brasília: LetrasLivres - EdUnB, 2010, p. 178-190):

As perícias médicas do INSS avaliam os impedimentos corporais das pessoas solicitantes do BPC no sentido de ponderar não o quanto tais impedimentos reduzem as chances de as pessoas suprirem as necessidades básicas como garantia da dignidade humana, mas o quanto a capacidade produtiva dos corpos pode ser afetada. [...] No entanto, a desigualdade pela deficiência é resultado de variados fatores que determinam pela opressão social - muitas vezes, fatores de desigualdade e vulnerabilidade social que se sobrepõem. O desenho da política social não pode permitir que aspectos da deficiência tenham centralidade enquanto outros são silenciados pelas perícias. [...] Diferentemente do BPC, as perícias para a aposentadoria por invalidez buscam primordialmente no histórico das atividades laborais os indicadores para mensurar quais habilidades corporais foram afetadas pelo acidente ou doença. No caso do benefício assistencial, a transferência de renda está amparada o princípio constitucional de que a assistência social é para quem dela necessitar, o que pressupõe que as perícias para o benefício previdenciário e o assistencial não devem ter os mesmos critérios de julgamento. Uma das explicações possíveis para os peritos médicos utilizarem os mesmos parâmetros da aposentadoria para BPC é tentativa de dar objetividade ao critério da incapacidade para o trabalho. Diante da ausência de elementos capazes de mensurar a desigualdade que as pessoas sofrem em razão dos corpos com deficiência, as perícias médicas para assistência social sobrevalorizam aspectos mensuráveis, como o histórico trabalhista e as habilidades corporais.

[...] O discurso biomédico sobre os impedimentos corporais tende a valorizar quaisquer restrições funcionais, corporais ou cognitivas que as pessoas encontram individualmente para desenvolver atividades relacionadas à autonomia e independência. A ideia de que a incapacidade para desenvolver os atos da vida cotidiana indicaria os casos de deficiência em que a proteção social do BPC deve ocorrer desconsidera que é impossível definir a desigualdade pela deficiência sem levar em conta as variações de aspectos relacionados à temporalidade, às barreiras e às práticas sociais e culturais. Por outro lado, os peritos médicos ainda utilizarem a incapacidade para desenvolver os atos da vida diária como aspecto a ser avaliado sobre os impedimentos corporais para o BPC pode trazer implicação do ponto de vista dos princípios constitucionais que sustentam a política. Pois a dependência para os atos da vida diária é uma concepção introduzida por uma instrução normativa do INSS que não pode se sobrepor aos princípios constitucionais orientadores da política de assistência social, como ficou claro pela ação proposta pelo Ministério Público Federal e pela Defensoria Pública da União. [...] Os princípios de justiça que embasam a concepção do BPC como política de transferência de renda estão relacionados a eliminar a desiguldade e opressão social que as pessoas com deficiência experimentam na extrema pobreza. Portanto, a avaliação das pessoas deficientes para o BPC tem de levar em consideração, além de condições de saúde, as condições sociais e ambientais que influenciam na determinação da desigualdade pela deficiência. [...] O modo como os peritos médicos avaliam as incapacidades para o trabalho e para a vida independente das pessoas solicitantes do BPC demonstra o quanto ainda é desafiante para os saberes biomédicos a percepção da deficiência como desigualdade social. Uma vez que o benefício assistencial busca remover desigualdades ligadas à experiência da deficiência, as avaliações periciais deverão estar adequadas aos objetivos da política social, principalmente de assegurar o direito à proteção social.

(Deficiência e igualdade: o desafio da proteção social. In: MEDEIROS, Marcelo; DINIZ, Débora; BARBOSA, Lívia (org.). Deficiência e igualdade. Brasília: LetrasLivres - EdUnB, 2010, p. 178-190.).

Evidentemente, a perícia e a compreensão judicial acerca da deficiência precisam levar em conta tais pressupostos. Uma análise que se limita ao conceito de deficiência enquanto exclusiva limitação do corpo (modelo biomédico), sem atentar para a relação indivíduo/sociedade (modelo biopsicossocial), coloca por terra o próprio desiderato constitucional de Proteção Social aos deficientes. Bem observou o Desembargador Federal Roger Raupp Rios (TRF4, 5ª Turma, Apelação Cível n° 5006532-93.2014.4.04.7006/PR, j. 11/10/2016):

No modelo integrado essa conclusão é resultante de uma avaliação onde as duas dimensões estão presentes, indissoluvelmente relacionadas. Isso porque o que seja "impossibilidade de desempenho" e até mesmo o que seja "doentio" não são definições médicas separadas do mundo social. É na vida em sociedade que se define o que é e quando há "impossibilidade de desempenho com conseqüente incapacidade de ganho" e o que é "doentio" ou "saudável".

Não se pode esquecer que a sociedade moderna está organizada com base em práticas, costume, valores, preconceitos e estruturas sociais que pressupõem o convívio de pessoas (corpos) sem impedimentos, sem limitações, o que, via de regra, conspira para a hostilização do ambiente social, no sentido de exacerbar a opressão social sofrida por pessoas deficientes.

Cumpre lembrar, como premissa, que o conceito de deficiência deve ser conjugado com a situação de vulnerabilidade ou precariedade econômica, o que torna ainda mais acentuadas as dificuldades do deficiente em relação à hostilidade do ambiente social. Para um deficiente oriundo de família abastada, as suas limitações podem ser compensadas com certa facilidade (cuidados especiais, tecnologia, logística etc), mas para o pobre, os desafios serão sempre mais difíceis de serem transpostos, exacerbando as suas desigualdades sociais.

A perícia socioeconômica de e.30.1, por sua vez, identificou que o núcleo familiar é composto pela a autora, beneficiária do Programa Bolsa Família, auferindo renda mensal de R$ 138,00 - valor este com o qual a família sobrevive - e pela filha, estudante que conta com 9 anos de idade.

Nesse sentido, tem-se que a eventual percepção de recursos do Programa Bolsa Família, que, segundo consta no site do Ministério do Desenvolvimento Social e de Combate à Fome (http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/), destina-se à "transferência direta de renda que beneficia famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza em todo o País" e "tem como foco de atuação os 16 milhões de brasileiros com renda familiar per capita inferior a R$ 70,00 mensais, e está baseado na garantia de renda, inclusão produtiva e no acesso aos serviços públicos", não só não impede a percepção do benefício assistencial do art. 203, V, da Constituição Federal, como constitui prova indiciária acima de qualquer dúvida razoável de que a unidade familiar se encontra em situação de grave risco social.

A moradia da família atende de forma deficitária as necessidades dos seus membros. A casa não possui forração, as paredes não possuem reboco e nem pintura. O local de acesso a residência é por via pavimentada.

A autora está separou do cônjuge há 5 meses, tendo em vista que o mesmo bebia demais, o que ocasionava muitas brigas e discussões. O ex-cônjuge saiu de casa e deixou a autora desassistida financeiramente, mesmo depois de ela descobrir que está esperando mais um filho dele - encontra-se no quarto mês de gestação. O ex-cônjuge não está pagado pensão alimentícia para a filha do casal.

Além do mais, relata a autora que, no cotidiano, consegue fazer os afazeres domésticos (limpar a casa, fazer comida, lavar roupa). Nessa acepção, tem-se que a incapacidade para a vida independente a que se refere a Lei 8.742/93, para a concessão do benefício em questão (a) não exige que a pessoa possua uma vida vegetativa ou seja incapaz de se locomover; (b) não significa incapacidade para as atividades básicas do ser humano, tais como alimentar-se, fazer a higiene pessoal e vestir-se sozinho; (c) não impõe a incapacidade de se expressar ou se comunicar; e (d) não pressupõe dependência total de terceiros.

Ainda segundo o Estudo Social, autora também tem dificuldade para se comunicar, pois sofre de gagueira. Nesta lógica, com o advento do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/15), a redação do art. 20, § 2º, da Lei n° 8.742/93, passou a ser a seguinte:

Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

Para dar sentido ao novel do texto legal, o art. 3º, inciso IV, da Lei 13.146/15 traz a conceituação das diferentes espécies de barreiras que podem obstruir a participação em igualdade de condições da pessoa com deficiência:

IV- barreiras: qualquer entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que limite ou impeça a participação social da pessoa, bem como o gozo, a fruição e o exercício de seus direitos à acessibilidade, à liberdade de movimento e de expressão, à comunicação, ao acesso à informação, à compreensão, à circulação com segurança, entre outros, classificadas em:

a) barreiras urbanísticas: as existentes nas vias e nos espaços públicos e privados abertos ao público ou de uso coletivo;

b) barreiras arquitetônicas: as existentes nos edifícios públicos e privados;

c) barreiras nos transportes: as existentes nos sistemas e meios de transportes;

d) barreiras nas comunicações e na informação: qualquer entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que dificulte ou impossibilite a expressão ou o recebimento de mensagens e de informações por intermédio de sistemas de comunicação e de tecnologia da informação;

e) barreiras atitudinais: atitudes ou comportamentos que impeçam ou prejudiquem a participação social da pessoa com deficiência em igualdade de condições e oportunidades com as demais pessoas;

f) barreiras tecnológicas: as que dificultam ou impedem o acesso da pessoa com deficiência às tecnologias.

Portanto, é patente a diferença entre os dois conceitos. A incapacidade necessita da deficiência, e que esta impeça o regular exercício das atividades laborais, enquanto que a deficiência não pressupõe a incapacidade para estar presente.

Em suma, embora não seja suficiente, a renda mínima de subsistência proporcionada pelo BPC é imprescindível. Representa, digamos assim, o início de tudo! Bem lembra Diniz (Deficiência e igualdade: o desafio da proteção social. In: MEDEIROS, Marcelo; DINIZ, Débora; BARBOSA, Lívia (org.). Deficiência e igualdade. Brasília: LetrasLivres - EdUnB, 2010, p. 14), que a "inclusão das pessoas deficientes na vida social passa por assegurar-lhes um nível básico de rendimento e, ao que tudo indica, esse nível pode ser maior que o necessário para as demais pessoas".

Conclusão quanto ao direito da parte autora no caso concreto

Dessarte, o exame do conjunto probatório demonstra que a parte autora possui condição de deficiência, necessitando de cuidados permanentes para sobreviver com dignidade. Portanto, deve ser reconhecido o direito ao benefício assistencial, desde 07/11/2019 (data do indeferimento do benefício - e.1.8,fl.1), impondo-se a ratificação da sentença.

Dos consectários

Segundo o entendimento das Turmas previdenciárias do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, estes são os critérios aplicáveis aos consectários:

Correção monetária

Em relação aos benefícios assistenciais, devem ser observados os seguintes critérios de correção monetária, porquanto não afetados pela decisão do STJ no Tema 905:

- INPC (de 04/2006 a 29/06/2009, conforme o art. 31 da Lei n.º 10.741/03, combinado com a Lei n.º 11.430/06, precedida da MP n.º 316, de 11/08/2006, que acrescentou o art. 41-A à Lei n.º 8.213/91).

- IPCA-E (a partir de 30-06-2009, conforme decisão do STF na 2ª tese do Tema 810 (RE 870.947), j. 20/09/2017, ata de julgamento publicada no DJe n. 216, de 22-09-2017, com eficácia imediata nos processos pendentes, nos termos do artigo 1.035, § 11, do NCPC e acórdão publicado em 20-11-2017, cuja modulação foi rejeitada pela maioria do Plenário do STF por ocasião do julgamento dos embargos de declaração em 03-10-2017).

Juros moratórios

Os juros de mora incidirão à razão de 1% (um por cento) ao mês, a contar da citação (Súmula 204 do STJ), até 29/06/2009.

A partir de 30/06/2009, incidirão segundo os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, conforme art. 5º da Lei 11.960/09, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei 9.494/97, cuja constitucionalidade foi reconhecida pelo STF ao julgar a 1ª tese do Tema 810 da repercussão geral (RE 870.947), julgado em 20/09/2017, com ata de julgamento publicada no DJe n. 216, de 22/09/2017.

Honorários advocatícios recursais

Incide, no caso, a sistemática de fixação de honorários advocatícios prevista no art. 85 do NCPC, porquanto a sentença foi proferida após 18/03/2016 (data da vigência do NCPC definida pelo Pleno do STJ em 02/04/2016).

Aplica-se, portanto, em razão da atuação do advogado da parte em sede de apelação, o comando do §11 do referido artigo, que determina a majoração dos honorários fixados anteriormente, pelo trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2º a 6º e os limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º do art. 85.

Confirmada a sentença no mérito, majoro a verba honorária, elevando-a de 10% para 15% (quinze por cento) sobre as parcelas vencidas (Súmula 76 do TRF4), considerando as variáveis dos incisos I a IV do § 2º do artigo 85 do NCPC.

Custas Processuais

O INSS é isento do pagamento de custas (art. 4º, inciso I, da Lei nº 9.289/96 e Lei Complementar Estadual nº 156/97, com a redação dada pelo art. 3º da LCE nº 729/2018).

Implantação do benefício

Reconhecido o direito da parte, impõe-se a determinação para a imediata implantação do benefício, nos termos do art. 497 do NCPC [Art. 497. Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente.] e da jurisprudência consolidada da Colenda Terceira Seção desta Corte (QO-AC nº 2002.71.00.050349-7, Rel. p/ acórdão Des. Federal Celso Kipper). Dessa forma, deve o INSS implantar o benefício em até 45 dias, a contar da publicação do presente acórdão, conforme os parâmetros acima definidos, incumbindo ao representante judicial da autarquia que for intimado dar ciência à autoridade administrativa competente e tomar as demais providências necessárias ao cumprimento da tutela específica.

Conclusão

Confirma-se a sentença que concedeu o benefício assistencial devido à pessoa com deficiência desde a DER (07/11/2019).

Dispositivo

Ante o exposto, voto por negar provimento ao apelo do INSS determinar a imediata implementação do benefício.



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5002642-47.2021.4.04.9999
40002436680.V10


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Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5002642-47.2021.4.04.9999/SC

RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: FATIMA DE ANDRADE

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. REQUISITOS.

1. O direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: a) condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, de acordo com a redação original do art. 20 da LOAS, ou impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, conforme redação atual do referido dispositivo) ou idoso (neste caso, considerando-se, desde 1º de janeiro de 2004, a idade de 65 anos); e b) situação de risco social (estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo) da parte autora e de sua família.

2. Atendidos os pressupostos, deve ser concedido o benefício.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento ao apelo do INSS determinar a imediata implementação do benefício, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 19 de abril de 2021.



Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002436681v3 e do código CRC b2dfec8a.Informações adicionais da assinatura:
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Data e Hora: 22/4/2021, às 11:17:14


5002642-47.2021.4.04.9999
40002436681 .V3


Conferência de autenticidade emitida em 30/04/2021 08:01:01.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 12/04/2021 A 19/04/2021

Apelação Cível Nº 5002642-47.2021.4.04.9999/SC

RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

PRESIDENTE: Desembargador Federal CELSO KIPPER

PROCURADOR(A): WALDIR ALVES

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: FATIMA DE ANDRADE

ADVOGADO: FRANCINARA MAGRINI FERREIRA (OAB SC040418)

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 12/04/2021, às 00:00, a 19/04/2021, às 16:00, na sequência 438, disponibilizada no DE de 29/03/2021.

Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SANTA CATARINA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO APELO DO INSS DETERMINAR A IMEDIATA IMPLEMENTAÇÃO DO BENEFÍCIO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER

Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ

ANA CAROLINA GAMBA BERNARDES

Secretária



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