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PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. REQUISITOS. PORTADOR DE HIV/AIDS. INCAPACIDADE CONFIGURADA. AUSÊNCIA DE LAUDO PERICIAL SOCIAL. SENTENÇA ANULADA. T...

Data da publicação: 01/07/2020, 01:02:26

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. REQUISITOS. PORTADOR DE HIV/AIDS. INCAPACIDADE CONFIGURADA. AUSÊNCIA DE LAUDO PERICIAL SOCIAL. SENTENÇA ANULADA. 1. O direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: a) condição de deficiente ( incapacidade para o trabalho e para a vida independente , de acordo com a redação original do art. 20 da LOAS, ou impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, conforme redação atual do referido dispositivo) ou idoso (neste caso, considerando-se, desde 1º de janeiro de 2004, a idade de 65 anos); e b)situação de risco social (estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo) da parte autora e de sua família. 2. Embora a perícia médica judicial tenha atestado a capacidade laborativa do segurado, não se pode afastar a ideia de que a AIDS traz consigo a marca tenebrosa da "doença incurável". Portanto, revela-se abusivo submeter o doente de AIDS à volta forçada ao trabalho. 3. Sentença anulada em face da ausência de laudo pericial social para aferição do requisito econômico necessário à concessão do benefício assistencial. (TRF4, AC 5008085-52.2016.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 19/10/2016)


Apelação Cível Nº 5008085-52.2016.4.04.9999/PR
RELATOR
:
PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE
:
ROSELI KETES
ADVOGADO
:
MONICA MARIA PEREIRA BICHARA
APELADO
:
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
MPF
:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. REQUISITOS. PORTADOR DE HIV/AIDS. INCAPACIDADE CONFIGURADA. AUSÊNCIA DE LAUDO PERICIAL SOCIAL. SENTENÇA ANULADA.
1. O direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: a) condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, de acordo com a redação original do art. 20 da LOAS, ou impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, conforme redação atual do referido dispositivo) ou idoso (neste caso, considerando-se, desde 1º de janeiro de 2004, a idade de 65 anos); e b)situação de risco social (estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo) da parte autora e de sua família.
2. Embora a perícia médica judicial tenha atestado a capacidade laborativa do segurado, não se pode afastar a ideia de que a AIDS traz consigo a marca tenebrosa da "doença incurável". Portanto, revela-se abusivo submeter o doente de AIDS à volta forçada ao trabalho.
3. Sentença anulada em face da ausência de laudo pericial social para aferição do requisito econômico necessário à concessão do benefício assistencial.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Colenda 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, de ofício, anular a sentença, a fim de reabrir a instrução para a realização de laudo social, restando prejudicado o exame do apelo, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 18 de outubro de 2016.
Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Relator


Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8608910v6 e, se solicitado, do código CRC 2E80AB6D.
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Signatário (a): Paulo Afonso Brum Vaz
Data e Hora: 19/10/2016 13:58




Apelação Cível Nº 5008085-52.2016.4.04.9999/PR
RELATOR
:
Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE
:
ROSELI KETES
ADVOGADO
:
MONICA MARIA PEREIRA BICHARA
APELADO
:
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
MPF
:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação interposta pela parte autora em face da sentença, prolatada em 27-07-2015, que julgou improcedente o pedido de benefício assistencial.
Sustenta, em síntese, que preenche os requisitos necessários à concessão da prestação continuada requerida.
Com as contrarrazões, subiram os autos.
Vieram os autos a esta Corte para julgamento.
A Procuradoria Regional da República da 4ª Região opinou pela anulação da sentença em face da ausência de laudo social (e. 79).
É o relatório.
VOTO
Trata-se de demanda previdenciária na qual a parte autora objetiva a concessão de BENEFÍCIO ASSISTENCIAL, previsto no art. 203, inciso V, da Constituição Federal e regulamentado pelo artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pelas Leis nº 12.435, de 06-07-2011, e nº 12.470, de 31-08-2011.
O direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: a) condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, de acordo com a redação original do art. 20 da LOAS, ou impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, conforme redação atual do referido dispositivo) ou idoso (neste caso, considerando-se, desde 1º de janeiro de 2004, a idade de 65 anos); e b)situação de risco social (estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo) da parte autora e de sua família.
Saliente-se, por oportuno, que a incapacidade para a vida independente a que se refere a Lei 8.742/93, na redação original, deve ser interpretada de forma a garantir o benefício assistencial a uma maior gama possível de pessoas com deficiência, consoante pacífica jurisprudência do STJ (v.g.STJ, 5ª Turma, RESP 360.202/AL, Rel. Min. Gilson Dipp, DJU de 01-07-2002) e desta Corte (v.g. AC n. 2002.71.04.000395-5/RS, 6ª Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, DJU de 19-04-2006).
Desse modo, a incapacidade para a vida independente (a) não exige que a pessoa possua uma vida vegetativa ou seja incapaz de se locomover; (b) não significa incapacidade para as atividades básicas do ser humano, tais como alimentar-se, fazer a higiene pessoal e vestir-se sozinho; (c) não impõe a incapacidade de se expressar ou se comunicar; e (d) não pressupõe dependência total de terceiros.
No que diz respeito ao requisito econômico, cabe ressaltar que o Superior Tribunal de Justiça admitiu, em sede de Recurso Repetitivo, a possibilidade de demonstração da condição de miserabilidade por outros meios de prova, quando a renda per capita familiar fosse superior a ¼ do salário mínimo (REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, DJe 20/11/2009). Posteriormente, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar, em 18-04-2013, a Reclamação nº 4374 e o Recurso Extraordinário nº 567985, este com repercussão geral, reconheceu e declarou,incidenter tantum, a inconstitucionalidade do parágrafo 3º do artigo 20 da Lei 8.742/93 (LOAS), por considerar que o critério ali previsto - ser a renda familiar mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo - está defasado para caracterizar a situação de miserabilidade.
Assim, forçoso reconhecer que as despesas com os cuidados necessários da parte autora, especialmente medicamentos, alimentação especial, fraldas descartáveis, tratamento médico, psicológico e fisioterápico, podem ser levadas em consideração na análise da condição de miserabilidade da família da parte demandante.
A propósito, a eventual percepção de recursos do Programa Bolsa Família, que, segundo consta no site do Ministério do Desenvolvimento Social e de Combate à Fome (http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/), destina-se à"transferência direta de renda que beneficia famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza em todo o País" e "tem como foco de atuação os 16 milhões de brasileiros com renda familiar per capita inferior a R$ 70,00 mensais, e está baseado na garantia de renda, inclusão produtiva e no acesso aos serviços públicos", não só não impede a percepção do benefício assistencial do art. 203, V, da Constituição Federal, como constitui prova indiciária acima de qualquer dúvida razoável de que a unidade familiar se encontra em situação de grave risco social.
Exame do caso concreto
Em relação à alegada incapacidade da parte autora, constam do laudo médico, realizado por perito de confiança do juízo a quo, os seguintes dados (e. 53):
a- enfermidade (CID): HIV (B-24);
b- incapacidade: inexistente;
c- grau da incapacidade: prejudicado ;
d- início incapacidade: 2006 ;
f- idade atual: 32 anos;
g- observações gerais: faxineira .
Não obstante as considerações esposadas pelo expert, entendo que o juízo não está adstrito às conclusões do laudo médico pericial, nos termos do artigo 479 do NCPC (Art. 479. O juiz apreciará a prova pericial de acordo com o disposto no art. 371, indicando na sentença os motivos que o levaram a considerar ou a deixar de considerar as conclusões do laudo, levando em conta o método utilizado pelo perito), podendo discordar, fundamentadamente, das conclusões do perito em razão dos demais elementos probatórios coligidos aos autos, inclusive os aspectos socioeconômicos, profissionais e culturais do segurado, ainda que o laudo pericial apenas tenha concluído pela sua incapacidade parcial para o trabalho (AgRg no AREsp 35.668/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, DJe 20-02-2015).
Assim, tendo a perícia certificado a existência da patologia alegada pela parte autora, o juízo de incapacidade pode ser determinado, sem sombra de dúvidas, pelas regras da experiência do magistrado, consoante preclara disposição do artigo 375 do NCPC (O juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e, ainda, as regras de experiência técnica, ressalvado, quanto a estas, o exame pericial.). Nessa linha, leciona Fabio Luiz dos Passos:
"O objetivo da perícia médica judicial em matéria previdenciária não é (e não deve ser) informar se há (ou houve) incapacidade laborativa no presente ou no passado. A conclusão pela existência ou não de capacidade laborativa, essência da lide previdenciária é encargo atribuído ao juiz, que não deve perder de vista a natureza dinâmica e personalíssima da incapacidade laborativa diante do contexto social de vida do cidadão que busca a tutela judicial." (FOLMANN, Melissa e SERAU Jr., Marco Aurélio. Previdência Social: em busca da Justiça Social. A análise da incapacidade laborativa e o deferimento de benefícios previdenciários. São Paulo: LTr, 2015, p.134-135).
Diversa não é a interpretação do eminente Juiz Federal e professor de Direito Previdenciário José Antonio Savaris (Direito Processual Previdenciário: Curitiba, Alteridade Editora, 2014, p. 275-276), sustentando que não atende ao dever de fundamentação a decisão judicial que consubstancia simples referência à resposta pericial a um dos quesitos que lhe foram formulados (se há ou não incapacidade para o trabalho). Por conseguinte, vaticina o ilustre magistrado, quando a sentença denegatória de proteção social não especifica a função habitual do segurado, o seu contexto social (idade, escolaridade, local de residência, etc), a patologia identificada pela prova técnica e pelos demais achados médicos, e tampouco arrisca pensar o segurado para além da sala em que é realizada a perícia judicial, culmina, a referida sentença, por carecer da necessária fundamentação. Por conta disso, existindo documentação médica relevante, as conclusões do julgador podem afastar-se, por exemplo, quanto à existência de incapacidade, quando à data do seu início, ou quanto à existência de incapacidade que justifique a concessão de benefício.
Os critérios de exame das provas no processo previdenciário já não se restringem aos instrumentos e às formas tradicionais. Ainda que o caderno processual não contenha elementos probatórios categóricos com relação à incapacidade do segurado, caso não se possa chegar a uma prova absolutamente conclusiva, consistente, robusta, é adequado que se busque socorro na prova indiciária e nas evidências.
Nesse aspecto, não é preciso romper com os paradigmas da dogmática, porque tal meio probatório é legal e, no contexto, pode e deve ser valorada, sobretudo para essa espécie de prestação social, intrinsecamente permeada pela subjetividade, haja vista o moderno conceito de incapacidade dado pela Organização Mundial da Saúde:
"Incapacidade, genericamente falando, é a resultante da interação entre a disfunção apresentada pelo indivíduo (orgânica e/ou da estrutura do corpo), a limitação de suas atividades e a restrição na participação social e dos fatores ambientais que podem atuar como facilitadores ou barreiras para o desempenho dessas atividades ou da participação (CIF/OMS, 2004).
A incapacidade pode ser operacionalmente definida como debilidades não compensadas do indivíduo frente às exigências do trabalho, sempre tendo em mente que debilidade e incapacidade não são apenas uma conseqüência das condições de saúde/doença, mas são determinadas, também, pelo contexto do meio ambiente físico e social, pelas diferentes percepções culturais e atitudes em relação à deficiência, pela disponibilidade de serviços e legislação (CIF/OMS, 2004)." (TREZUB, Cláudio José. Fundamentos para a perícia médica judicial previdenciária. Curso de Perícia Judicial Previdenciária/coordenação de José Antonio Savaris. Curitiba: Alteridade Editora, 2014. p. 168).
A tendência, pois, é de uma maior valorização da prova indiciária, o que, aliás, já vem sendo feito pela jurisprudência em relação a outros benefícios previdenciários, como nos casos da aposentadoria rural por idade (v.g. AgRg no AREsp 163.261/MG, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, Segunda Turma, DJe 17-12-2012).
Ademais, não se pode olvidar que o artigo 472 do NCPC prevê que o juiz poderá, inclusive, dispensar prova pericial quando as partes, na inicial e na contestação, apresentarem, sobre as questões de fato, pareceres técnicos ou documentos elucidativos que considerar suficientes, o que, aliado ao dever de fundamentação das decisões judiciais previsto no artigo 93, IX, da Constituição Federal, demonstra a possibilidade de emprego de tais meios.
Muitas vezes, se instala a dúvida científica em relação à verdade sobre um fato relevante à solução do conflito. Um caso emblemático na área do direito da seguridade social é a questão da incapacidade para fins previdenciários. Não é diferente quando se está diante dos pedidos de tratamentos e medicamentos especiais. Uma dose de recursividade ao pragmatismo pode ajudar o juiz na tarefa de compelir o Estado a cumprir o seu papel constitucional de proteção social.
Se vamos assumir que a verdade real precisa ser perseguida, e nem sempre nos deparamos com a prova cabal, seja sobre a própria incapacidade ou sobre a data do início desta, um raciocínio filosófico pragmático autoriza, a partir de uma boa "inquirição", a recursividade às "evidências". As circunstâncias do caso precisam ser levadas em conta.
A perícia judicial previdenciária deveria ser uma avaliação holística, o que permitiria distinguir as circunstâncias do caso concreto, inclusive a perspectiva das consequências do reconhecimento para a manutenção da vida e da subsistência digna, objetivo primaz do Estado.
Na prática, convivemos com o raciocínio fingido, expressão cunhada por Susan Haack, uma forma rematada de cinismo. Nem o juiz, nem seus auxiliares, como o perito judicial, buscam descobrir as coisas como verdadeiramente são. Não importa onde a busca os levará, mas buscam suporte para uma proposição com a qual eles já estão comprometidos e que não é negociável. Não se interessam por desconstituir seus preconceitos, seus prejuízos, seus comprometimentos anteriores e inamovíveis com a proposição que tentam defender. Não se interessam pela coisa como ela é.
Cumpre salientar que quando a ciência médica não consegue subsidiar a instrução com elementos mínimos sobre o estado global de saúde do segurado, a proteção social há de ser conferida pelo Estado-Juiz, aplicando-se, no campo previdenciário, o princípio constitucional da proteção do hipossuficiente, pois, consoante abalizada lição de João Batista Lazzari (Manual de Direito Previdenciário. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 89), não há razão para gerar proteção ao sujeito passivo - como, certas vezes, acontece em matéria de discussões jurídicas sobre o direito dos beneficiários do sistema a determinado reajuste ou revisão de renda mensal, por dubiedade da norma, visto que incide, a regra de interpretação in dubio pro misero, ou pro operário, pois este é o principal destinatário da norma previdenciária.
Por conseguinte, delineado conflito aparente entre as avaliações médicas elaboradas pelos profissionais da Autarquia Previdenciária, pelo médico-assistente do segurado e pelo próprio expert do juízo, impõe-se, com fundamento no princípio in dubio pro misero, acolher a conclusão da asserção mais protetiva ao bem jurídico tutelado pelos benefícios de incapacidade, isto é, a vida, a saúde, e, mais remotamente, a própria dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil insculpido no artigo 3º, inciso III, da Constituição da República, sob pena de o próprio Poder Judiciário afrontar o princípio da proibição de proteção insuficiente (Untermassverbot).
De outra banda, reafirmo a compreensão que sustentei neste Colegiado, nos autos da AC nº 2000.71.005.005038-6/RS, j. em 30-04-2003, no sentido de que o portador do vírus HIV "trabalha se quiser". A ciência tem feito progressos significativos no tratamento da doença. O programa brasileiro de prevenção e combate à AIDS é exemplo admirado no mundo todo. Um portador do vírus HIV já não padece, hoje em dia, dos mesmos sofrimentos de que era vítima na década de 80. O doente ganhou uma possibilidade de sobrevida inimaginável há bem pouco tempo. Nada disso, porém, serve para afastar um dado inquestionável: o portador da moléstia convive com a possibilidade da morte (Albert Camus dizia que o único problema filosófico importante é a morte).
Todos sabemos que vamos morrer um dia. Essa ideia, no entanto, não nos atormenta cotidianamente. É de forma abstrata, por assim dizer, que enfrentamos essa inevitabilidade da condição humana. Com o doente de AIDS isso não ocorre. Apesar do avanço nas técnicas de tratamento (e mesmo da possibilidade de estabilidade da doença), a AIDS traz consigo a marca tenebrosa da "doença incurável". Há aqueles que reagem bem à doença, e à ociosidade preferem uma ocupação produtiva, talvez como forma terapêutica, o gosto pelo trabalho psicológico, desinteressando-se, em vista disso, não apenas das ocupações laborativas, como também das outras atividades normais da vida cotidiana. É ao doente, portanto, que se deve conceder a liberdade de escolha. Se o trabalho lhe faz bem, se ele o ajuda a enfrentar com maior eficácia os traumas gerados pela doença, deve-se-lhe conceder o direito de trabalhar. Se, ao contrário, o portador julga melhor abandonar de vez a atividade produtiva, ainda que tenha capacidade física para o trabalho, não se lhe pode censurar o direito de escolha. Nós ainda cultivamos nesse campo uma espécie de preconceito envergonhado. As relações de um portador do vírus HIV, salvo raríssimas exceções, não serão as mesmas no seu ambiente de trabalho. Submeter um doente de AIDS à volta forçada ao trabalho seria cometer contra ele uma violência injustificável.
Diante disso, ainda que o laudo pericial realizado tenha concluído pela aptidão laboral da parte autora, é forçoso reconhecer que a confirmação da existência HIV configura o requisito incapacitante necessário à concessão do benefício assistencial ora reclamado, porquanto é cediço que, ao contrário de determinados setores sociedade onde já é possível a plena reinseração profissional das pessoas acometidas desta enfermidade, é consabido que, nas camadas populares, ainda permanece tal efeito estigmatizante que inviabiliza a obtenção de trabalho como o de diarista, exercido pela ora recorrente. Aliás, justamente pela necessidade de avaliação do contexto social, econômico e cultural dos portadores de HIV, a TNU firmou entendimento, consagrado na Súmula 78, no sentido de que, comprovado que o requerente de benefício é portador do vírus HIV, cabe ao julgador verificar as condições pessoais, sociais, econômicas e culturais, de forma a analisar a incapacidade em sentido amplo, em face da elevada estigmatização social da doença. Diversa não é a orientação do Egrégio STJ e da Terceira Seção desta Corte:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA.ART. 20, § 2º DA LEI 8.742/93. PORTADOR DO VÍRUS HIV. INCAPACIDADE PARA O TRABALHO E PARA PROVER O PRÓPRIO SUSTENTO OU DE TÊ-LO PROVIDO PELA FAMÍLIA. LAUDO PERICIAL QUE ATESTA A CAPACIDADE PARA A VIDA INDEPENDENTE BASEADO APENAS NAS ATIVIDADES ROTINEIRAS DO SER HUMANO. IMPROPRIEDADE DO ÓBICE À PERCEPÇÃO DO BENEFÍCIO. RECURSO DESPROVIDO.
I - A pessoa portadora do vírus HIV, que necessita de cuidados freqüentes de médico e psicólogo e que se encontra incapacitada, tanto para o trabalho, quanto de prover o seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua família - tem direito à percepção do benefício de prestação continuada previsto no art. 20 da Lei 8.742/93, ainda que haja laudo médico-pericial atestando a capacidade para a vida independente.
II - O laudo pericial que atesta a incapacidade para a vida laboral e a capacidade para a vida independente, pelo simples fato da pessoa não necessitar da ajuda de outros para se alimentar, fazer sua higiene ou se vestir, não pode obstar a percepção do benefício, pois, se esta fosse a conceituação de vida independente, o benefício de prestação continuada só seria devido aos portadores de deficiência tal, que suprimisse a capacidade de locomoção do indivíduo - o que não parece ser o intuito do legislador.
III - Recurso desprovido.
(REsp 360.202/AL, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 04/06/2002, DJ 01/07/2002, p. 377)
ASSISTÊNCIA SOCIAL. EMBARGOS INFRINGENTES. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART. 203, INCISO V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. LEI 8.742/93 (LOAS). REQUISITO DEFICIÊNCIA INCAPACITANTE. PORTADOR DO HIV. 1. A Constituição Federal exige apenas dois requisitos no tocante ao benefício assistencial de que trata o art. 203, V: (a) possuir o requerente deficiência incapacitante para a vida independente ou ser idoso, e (b) encontrar-se a família do requerente em situação de miserabilidade. 2. Ainda que a perícia tenha concluído pela capacidade do segurado para o exercício de atividades laborativas, possível a concessão do benefício de prestação continuada no caso do portador do vírus da SIDA, considerando-se o contexto social e a extrema dificuldade para recolocação no mercado de trabalho, em virtude do notório preconceito sofrido. (TRF4, EINF 5017492-88.2012.404.7100, Terceira Seção, Relator p/ Acórdão Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, juntado aos autos em 28/05/2015)
Frise-se, ainda, que a Lei 7.670/1988, que ainda se encontra em sua redação original, não faz qualquer distinção sobre a manifestação de sintomas para viabilizar a concessão dos inúmeros benefícios humanitários ali concedidos.
Por fim, não desconheço que o artigo 35 da Lei 13146/2015 dispõe que é finalidade primordial das políticas públicas de trabalho e emprego promover e garantir condições de acesso e de permanência da pessoa com deficiência no campo de trabalho e que a Recomendação 200/2010 da OIT prevê que as pessoas com doenças relacionadas ao HIV não devem ser proibidas de continuar realizando seu trabalho, com adaptação razoável se necessário, pelo tempo em que a medicina as considere aptas para fazê-lo.
Entrementes, quando o portador do HIV busca a Previdência e Assistência Social para obter renda porque não consegue trabalho, especialmente em cenário econômico recessivo como este que vivenciado nesta década, é evidente que, a despeito do notável avanço da indústria farmacêutica para melhorar a qualidade de vida dessas pessoas e da elevada finalidade de integração social dos regulamentos nacionais e internacionais, houve uma falência sistêmica das políticas públicas de inclusão, o que bem demonstra a necesssidade de assegurar a renda mínima indispensável à sua sobrevivência.
Contudo, assiste razão ao eminente Procurador Regional da República Sérgio Cruz Arenhart ao afirmar que, diante da ausência de laudo social, resta inviabilizada a plena aferição do requisito econômico (e. 79):
No que se refere ao requisito econômico, analisando os autos verifica-se que não foi oportunizada a produção de prova pericial sobre o ponto, razão pela qual se impõe a anulação da sentença, com o retorno dos autos à fase instrutória a fim de que seja realizada perícia socioeconômica acerca das condições da requerente e da sua unidade familiar.
Nesse sentido, segue precedente dessa Egrégia Corte:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PERÍCIA SOCIAL. AUSÊNCIA. NULIDADE DO JULGADO. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM. REABERTURA DA INSTRUÇÃO. 1. Ausente a realização de perícia social, em caso no qual se faz necessária para a solução do litígio, por ser a única prova capaz de dar uma opinião equidistante das partes. (TRF4, AC 5034564-19.2015.404.9999, Quinta Turma, Relator p/ Acórdão Rogerio Favreto, juntado aos autos em 02/03/2016)
Diante do exposto, o Ministério Público Federal opina pela declaração de nulidade da sentença,e retorno dos autos à origem para a realização de perícia socioeconômica.
Conclusão
Embora reconhecido o preenchimento do requisito incapacitante da pessoa portadora de HIV, a sentença deve ser anulada para a realização de laudo social.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por, de oficio, anular a sentença, a fim de reabrir a instruação para a realização de laudo social, restando prejudicado o exame do apelo.
Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Relator


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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 18/10/2016
Apelação Cível Nº 5008085-52.2016.4.04.9999/PR
ORIGEM: PR 00056289520138160097
RELATOR
:
Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PRESIDENTE
:
Paulo Afonso Brum Vaz
PROCURADOR
:
Dra. Márcia Neves Pinto
APELANTE
:
ROSELI KETES
ADVOGADO
:
MONICA MARIA PEREIRA BICHARA
APELADO
:
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
MPF
:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 18/10/2016, na seqüência 401, disponibilizada no DE de 27/09/2016, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DE OFICIO, ANULAR A SENTENÇA, A FIM DE REABRIR A INSTRUAÇÃO PARA A REALIZAÇÃO DE LAUDO SOCIAL, RESTANDO PREJUDICADO O EXAME DO APELO.
RELATOR ACÓRDÃO
:
Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
VOTANTE(S)
:
Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
:
Juíza Federal ANA PAULA DE BORTOLI
:
Juiz Federal HERMES S DA CONCEIÇÃO JR
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma


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Signatário (a): Lídice Peña Thomaz
Data e Hora: 18/10/2016 16:42




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