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BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. REQUISITOS PREENCHIDOS. CANCELAMENTO INDEVIDO. RESTABELECIMENTO. TRF4. 5011461-02.2023.4.04.9999...

Data da publicação: 03/07/2024, 11:02:08

EMENTA: BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. REQUISITOS PREENCHIDOS. CANCELAMENTO INDEVIDO. RESTABELECIMENTO. 1. A pessoa com deficiência em situação de vulnerabilidade social, nos termos da Lei, tem direito ao benefício de prestação continuada. 2. Confirmação da sentença que determinou: a) o restabelecimento do benefício indevidamente cancelado; b) o cancelamento da dívida relativa às prestação já pagas, que o INSS buscava reaver. (TRF4, AC 5011461-02.2023.4.04.9999, NONA TURMA, Relator SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, juntado aos autos em 25/06/2024)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5011461-02.2023.4.04.9999/SC

PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5000154-52.2022.8.24.0022/SC

RELATOR: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: GUSTAVO MOREIRA FRANCA

ADVOGADO(A): LUIZ CARLOS SABADIN (OAB SC038097)

ADVOGADO(A): THIAGO BUCHWEITZ ZILIO (OAB SC029884)

ADVOGADO(A): JOSE EMILIO BOGONI (OAB SC004151)

ADVOGADO(A): VANESSA FRANCIELI STUBER BROLEZE (OAB SC027996)

ADVOGADO(A): RODRIGO LUIS BROLEZE (OAB SC011143)

ADVOGADO(A): THIAGO BUCHWEITZ ZILIO

ADVOGADO(A): JOSE EMILIO BOGONI

ADVOGADO(A): LUIZ CARLOS SABADIN

ADVOGADO(A): RODRIGO LUIS BROLEZE

APELADO: MARILIA MOREIRA

ADVOGADO(A): JOSE EMILIO BOGONI (OAB SC004151)

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

RELATÓRIO

Trata-se de apelação, interposta pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, de sentença que julgou a ação contra ele aforada por Gustavo Moreira Franca.

O dispositivo da sentença recorrida tem o seguinte teor:

DISPOSITIVO.

Ante o exposto, com fulcro no art. 487, inc. I, do CPC, concedo a tutela de urgência e JULGO PROCEDENTE o pedido formulado por GUSTAVO MOREIRA FRANCA , representado(a) por MARILIA MOREIRA, contra o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, para determinar a IMEDIATA implantação do Benefício de Prestação Continuada a pessoa portadora de deficiência (LOAS) em favor da parte autora, com comprovação nos autos em 30 dias.

CONDENO o acionado ao pagamento da verba pretérita, desde a data de entrada do requerimento administrativo (DER) em 1-11-2021, respeitada a prescrição quinquenal.

Os valores da condenação serão corrigidos monetariamente, nos termos da fundamentação, a partir do vencimento de cada prestação e sobre eles incidirão juros de mora, também nos termos da fundamentação, a contar da citação. Deverão, também, ser descontados dos valores atrasados eventuais pagamentos recebidos a título de benefício inacumulável em período coincidente.

DECLARAR a inexistência do débito dos valores cobrados pelo réu decorrente do recebimento do benefício NB:5366617509, entre os períodos: de 31-7-2009 a 1º-11-2021 no importe de R$ 1.100,00.

Por fim, fica isento o INSS do pagamento das custas finais e despesas processuais, exceto eventuais conduções de oficial de justiça, as quais deverão ser recolhidas pelo executado (art. 33, § 1º, da Lei Complementar 156/1997, bem como nos termos do art. 7º da Lei n. 17.654/2018).

CONDENO a autarquia ao pagamento dos honorários advocatícios ao(à) procurador(a) do(a) autor(a), estes fixados em 10% sobre o valor da condenação, considerando o trabalho despendido e a natureza da causa (art. 85, §3º, inc. I, do CPC), excluídas as prestações vincendas (Súmula 111 do STJ).

Intime-se o réu para IMEDIATA implantação do benefício, advertindo-se de que eventual recurso de apelação não suspende o provimento neste particular.

Sentença não sujeita a reexame necessário, nos termos do art. 496, §3º, inc. I, do CPC, uma vez que, apesar da iliquidez da sentença e do que indica a Súmula 490 do Superior Tribunal de Justiça, considerando a condenação do INSS ao pagamento do benefício por curto período, ainda que sejam considerados os juros e a correção monetária, o proveito econômico obtido não ultrapassa 1.000 salários-mínimos. Nesse sentido: TRF4 5012604-07.2015.404.9999, QUINTA TURMA, Relator MARCELO DE NARDI, juntado aos autos em 7-4-2016 e TJSC, Reexame Necessário n. 0004178-59.2009.8.24.0025, de Gaspar, Rel. Des. Sérgio Roberto Baasch Luz, Jul. Em 3-5-2016.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Se for o caso, determino a liberação/transferência dos honorários periciais em favor do(s) profissional(ais) que acompanhou(aram) o ato, mediante expedição de alvará (acaso depositados nos autos) ou por meio do sistema eletrônico da Justiça Federal.

Transitada em julgado, certifique-se e, com fulcro na Orientação CGJ n. 73, intime-se o INSS para dar início ao procedimento de EXECUÇÃO INVERTIDA, devendo apresentar os cálculos da quantia devida, no prazo de 30 dias, a contar da sua intimação.

Apresentados os cálculos, intime-se a parte exequente para, no prazo de 15 dias, manifestar-se, salientando-a que seu silêncio acarretará na presunção de concordância com os cálculos juntados pela ré. Com a concordância da parte exequente, retornem conclusos para homologação dos valores.

Caso o INSS não apresente os cálculos no referido prazo ou a parte exequente não concorde com eles, caberá, então, ao(à) segurado(a) promover o competente procedimento de cumprimento de sentença, na forma do art. 534 do CPC/2015, instruindo-o com cálculos próprios e em autos apartados. Após, arquivem-se definitivamente os autos.

Da referida sentença o autor interpôs embargos de declaração. A sentença que os julgou tem o seguinte teor:

DISPOSITIVO

Assim, ACOLHO os presente embargos para sanar o erro material contido na sentença proferida no feito e, em consequência, corrija-se para: DECLARAR a inexistência do débito dos valores cobrados pelo réu decorrente do recebimento do benefício NB:5366617509, entre os períodos de 31-7-2009 a 1º-11-2021, no valor de R$ 138.758,47.

Sem custas e honorários

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Transitada em julgado, arquivem-se os autos.

Novos embargos de declaração foram interpostos pelo autor. Após a oitiva do INSS, foi proferida sentença, julgando-os, com o seguinte teor:

Recebo e conheço dos embargos, pois tempestivos.

Os aclaratórios devem ser acolhidos, uma vez que há omissão quanto à análise do pedido formulado no item "b" da peça do Evento 67.

Tal ponto diz respeito à base de cálculo dos honorários advocatícios.

A sentença proferida no feito condenou a autarquia ao pagamento dos honorários advocatícios ao(à) procurador(a) do(a) autor(a), estes fixados em 10% sobre o valor da condenação, considerando o trabalho despendido e a natureza da causa (art. 85, §3º, inc. I, do CPC), excluídas as prestações vincendas (Súmula 111 do STJ).

Acontece que tal decisão limitar a base de cálculo dos honorários às parcelas vencidas e vincendas e deixou de esclarecer a condenação a título de honorários advocatícios também incidirá na declaração de inexistência de indébito, pois tal débito e isso importará numa vantagem econômica ao embargante.

Desse modo, merece acolhimento os presentes embargos.

DISPOSITIVO

Assim, ACOLHO os presente embargos para sanar a omissão contida na sentença proferida no feito e, em consequência, CONDENO a autarquia ao pagamento dos honorários advocatícios ao(à) procurador(a) do(a) autor(a), estes fixados em 10% sobre o valor da condenação, considerando o trabalho despendido e a natureza da causa (art. 85, §3º, inc. I, do CPC). Incidirá também os valores em que foram declarados a inexistência do débito dos valores cobrados pelo réu decorrente do recebimento do benefício NB: 5366617509, entre os períodos de 31-7-2009 a 1º-11-2021, no valor de R$ 138.758,47.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Transitada em julgado, arquivem-se os autos.

Em suas razões de apelação, o INSS, em suma:

a) postula a revogação da tutela antecipada deferida na sentença, ao argumento de que:

- sendo a renda per capita do grupo familiar do autor superior a 1/4 do salário mínimo, não se faz presente o requisito da verossimilhança;

- a manutenção da medida poderá causar lesão grave e de difícil reparação;

b) postula a reforma da sentença, nos termos que se seguem:

O benefício assistencial fora cessado em razão do procedimento de apuração de irregularidade em sua concessão/manutenção, oportunidade em que, através do cruzamento de bases governamentais, constatou-se renda familiar superior ao limite legal.

Na tela do CNIS dos genitores, restou comprovado que o genitor EDER LANG FRANCA de 01/03/2013 a 30/09/2016, 07/08/2015 a 08/02/2018 e 01/02/2018 a 31/07/2019 possuía salários-de-contribuição de quase 4 salários mínimos e genitor MARILIA MOREIRA desde 01/03/2010 possui vínculos empregatícios ativos como professora, com remuneração de aproximadamente 2 salários mínimos.

Mesmo após a cessação do benefício assistencial em 11/2021, os genitores permaneceram laborando, sendo o rendimento atual de R$ 1.867,99 pela mãe e R$ 1.320,00 pelo pai.

Logo, a renda per capita familiar superava e supera o limite legal, uma vez que composta somente por três integrantes (autor e genitores).

(...)

A análise da condição socioeconômica permite inferir pela ausência de vulnerabilidade exigida para concessão do benefício assistencial, tratando-se de casa guarnecida com móveis em regular estado de conservação e que possibilita condições de moradia digna.

Não foram comprovadas despesas mensais que superassem a renda familiar decorrentes de medicamentos, assistência médica particular, alimentação diferenciada, enfim, circunstâncias específicas que permitissem afastar a literalidade da norma que fixa em ¼ de renda per capita para concessão da LOAS, nos termos do julgamento exarado pelo e. STF (RE nº 580.963/PR).

Não foram demonstradas despesas inandimplidas, revelando, assim, que os rendimentos mensais têm sido suficientes para atendê-las.

(...)

Primeiramente insta salientar que quando a Administração verifica que um ato, editado por ela própria, encontra-se viciado, posto que editado em desconformidade com a Lei, é seu dever anulá-lo ex officio, conforme preconizado pelo art. 53 da Lei n. 9.784/1999: A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos”.

(...)

No presente caso, a ilegalidade constatada residia na omissão pelo autor (ou seu representante legal) de renda familiar superior ao limite legal, decorrente da remuneração do irmão.

Destaca-se que há obrigação legal do beneficiário (ou seu representante legal) em agir com a verdade quanto aos integrantes de seu núcleo familiar e de suas rendas (art. 20, § 8º, da Lei n. 8.742/93 c/c art. 35-A do Decreto 6.214/2007); obrigação esta não atendida pela parte autora.

(...)

O INSS expediu oficio de defesa à parte, para que tomasse ciência dos fatos apurados no procedimento de irregularidade administrativa, e, querendo, apresentasse sua manifestação no prazo legal. A parte autora apresentou sua defesa, a qual não foi acolhida pela ausência de provas que demonstrassem direito à manutenção do benefício assistencial.

Com isso, pode-se afirmar que o procedimento realizado pelo INSS está em conformidade com art. 11, §§ 2º e 3º, da Lei n. 10.666/2003 c/c art. 179 do Dec. n. 3.048/99, in verbis:

(...)

Deste modo, havendo previsão legal para revisão do beneficio, após oportunizar ao beneficiário sua defesa, lídimo restou o procedimento administrativo, acobertado pelo princípio do devido processo legal.

(...)

O recebimento indevido de benefício assistencial deve ser ressarcido; sendo inadmissível que alguém se locuplete de atos ilegais, recebendo benefício fora dos casos previstos em lei. O patrimônio público é indisponível, e a Constituição institui diversos mecanismos visando sua proteção, tais como a eficácia de título executivo dada aos acórdãos do TCU (art. 71, §3º), a imprescritibilidade das ações de ressarcimento (art. 37, §5º), a impossibilidade de usucapião de bem público (art. 183, §3º), dentre outros exemplos.

A impossibilidade de aquisição de bens públicos por usucapião (art. 183, §3º) é um exemplo emblemático. Pois um dos seus requisitos, segundo o Código Civil, é justamente a boa fé, mas ainda assim a Constituição não o considera lícito quando incidente sobre bem público. Demonstração de que um componente psicológico do indivíduo não pode se sobrepor ao interesse público sem violação de princípio constitucional.

Assim, é regra constitucional implícita que, aquele que malfere o erário deve subvencionar sua recomposição, não podendo, em nenhum caso, apropriar-se dos valores que recebeu indevidamente (art. 37, §5º). Estes não integrarão seu patrimônio, ainda quando recebidos de boa fé. Não é outro o ditame do art. 5º da Lei 8.429/1992 (improbidade administrativa), que não distingue o ato doloso do culposo:

Art. 5° Ocorrendo lesão ao patrimônio público por ação ou omissão, dolosa ou culposa, do agente ou de terceiro, dar-se-á o integral ressarcimento do dano.

(...)

Estando a Administração jungida ao princípio constitucional da legalidade (CF, art. 37, caput), mostra-se inarredável a cobrança dos valores recebidos indevidamente.

(...)

Conforme acima já consignado, através do procedimento administrativo de apuração de irregualaridade e das informações extraídas dos autos, a renda familiar do autor sofreu alteração desde 2010, com remuneração dos genitores, superando o limite legal.

Descumprindo a parte autora (ou seu representante legal) a obrigação de comunicar ao INSS a existência de renda familiar acima do limite legal, resta caracterizada a má-fé da parte autora.

Ainda, não há como alegar que desconhecia os requisitos exigidos para a obtenção do benefício, notadamente porque a ninguém é dado alegar o desconhecimento da lei, bem como porque a parte autora e/ou seu representante legal foram cientificados de tal incumbência por ocasião da concessão do benefício.

(...)

Conforme restou demonstrado, não se trata de recebimento de boa-fé, não tendo a parte autora (ou seu representante legal) cumprido com seu dever de lealdade com a administração previdenciária, tendo em vista que negligenciou o dever de reportar renda dos familiares, omitindo informações e induzindo o INSS em erro ao manter o benefício.

O princípio da lealdade, instituto que há muito já permeia os contratos privados, vem sendo admitido pela jurisprudência das cortes superiores também como balisador da validade dos atos administrativos, ecoando por todo o ordenamento jurídico.

(...)

Em contrarrazões, o autor postula o desprovimento da apelação, com a consequente confirmação da sentença.

O parecer do Ministério Público Federal, subscrito pelo Dr. Ricardo Luís Lentz Tatsch, Procurador Regional da República, é pelo parcial provimento da apelação. Destacam-se, no parecer de Sua Excelência, os seguintes trechos:

Assim, considerando o julgamento do RE nº 567.985/MT (com repercussão geral), é necessário estabelecermos um novo parâmetro básico objetivo para a concessão do benefício pretendido nesta demanda, sendo que para tanto devemos ter em conta outro benefício de caráter assistencial e verificarmos qual o requisito necessário para a sua concessão. E para esse fim temos a Lei nº 10.689/03, que criou o Programa Nacional de Acesso à Alimentação – PNAA, e estabeleceu como requisito para a sua percepção a renda familiar per capita inferior a meio salário mínimo (art. 2º, § 2º). Portanto, por analogia ao benefício criado pela Lei nº 10.689/03, também o benefício previsto no art. 203, V, da Carta Política, e regulamentado pela Lei nº 8.742/93, deve utilizar como parâmetro básico objetivo a renda familiar per capita inferior a meio salário mínimo.

No presente caso, verificamos, pelo Laudo Pericial realizado por determinação judicial em 03/11/2022 (evento 50), que Gustavo Moreira França reside com seus pais (Marilia Moreira, de 33 anos, e Eder Lang França, de 35 anos), totalizando três integrantes no núcleo familiar, sendo ele mantido pelos rendimentos auferidos pelos seus genitores, de R$ 1.819,00 (de sua mãe, como professora) e de R$ 1.212,00 (de seu pai, como caminhoneiro autônomo), perfazendo o total de R$ 3.031,00 (evento 50, OUT1, pg. 03, item “3”).

Assim, considerando a renda informada no Laudo Pericial, a qual dividida pelo número de integrantes da família da parte autora, que é de três pessoas, resulta numa renda per capita mensal que extrapola o limite de meio salário mínimo (tendo em vista o valor do salário mínimo vigente em 2022, ano da perícia social, de R$ 1.212,00, conforme a Lei nº 14.358/22), em razão do que não se encontra preenchido o requisito econômico, motivo pelo qual merece ser reformada a sentença neste ponto.

De outro lado, em relação à inexistência do débito dos valores cobrados pelo réu decorrente do recebimento do benefício NB:5366617509, entre os períodos de 31-7-2009 a 1º-11-2021, no valor de R$ 138.758,47 (objeto do recurso do INSS), considerando os fundamentos utilizados, tem-se que as questões fáticas e jurídicas deduzidas nos autos foram corretamente enfrentadas na sentença, em razão do que se impõe a sua manutenção no ponto.

Em face do exposto, manifesta-se o Ministério Público Federal pelo parcial provimento da apelação.

É o relatório.

VOTO

Condição de pessoa com deficiência

Tem direito ao benefício assistencial a pessoa com deficiência ou a pessoa idosa (com 65 anos ou mais) que comprove não possuir meios de prover sua própria manutenção, nem de tê-la provida por sua família (artigo 20, caput, da Lei nº 8.742/93, na redação dada pela Lei nº 12.435/2011).

Considera-se pessoa com deficiência (artigo 20, §§ 2º e 10 da Lei nº 8.742/93, na redação dada pela Lei nº 13.146/2015):

a) a que possua impedimento de longo prazo (de natureza física, mental, intelectual ou sensorial), como tal considerado aquele que produza efeitos por pelo menos 2 (dois) anos;

b) cujo impedimento, em interação com uma ou mais barreiras, possa obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com as demais pessoas.

Outrossim, na dicção do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015, artigo 3º, caput, inciso IV), subsume-se ao conceito de barreira qualquer entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que limite ou impeça:

a) a participação social da pessoa com deficiência;

b) o gozo, a fruição e o exercício de seus direitos à acessibilidade, à liberdade de movimento e de expressão, à comunicação, ao acesso à informação, à compreensão, à circulação com segurança, entre outros.

A aludida norma (artigo 3º, caput, inciso IV do Estatuto da Pessoa com Deficiência) traz a seguinte classificação dessas barreiras:

a) barreiras urbanísticas: as existentes nas vias e nos espaços públicos e privados abertos ao público ou de uso coletivo;

b) barreiras arquitetônicas: as existentes nos edifícios públicos e privados;

c) barreiras nos transportes: as existentes nos sistemas e meios de transportes;

d) barreiras nas comunicações e na informação: qualquer entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que dificulte ou impossibilite a expressão ou o recebimento de mensagens e de informações por intermédio de sistemas de comunicação e de tecnologia da informação;

e) barreiras atitudinais: atitudes ou comportamentos que impeçam ou prejudiquem a participação social da pessoa com deficiência em igualdade de condições e oportunidades com as demais pessoas;

f) barreiras tecnológicas: as que dificultam ou impedem o acesso da pessoa com deficiência às tecnologias;

O presente caso trata de pedido de concessão do benefício de prestação continuada a uma pessoa que invoca a condição de deficiente.

Pois bem.

No presente caso, não há controvérsia quanto ao fato ser o autor pessoa com deficiência.

De resto, o perito judicial, Dr. Telmo Ramos Ribeiro Filho, em seu laudo (autos da origem, evento 34), assevera que desde seu nascimento (11/06/2007) o autor tem paralisia cerebral, o que se reflete na parilisia de seus membros inferiores, causa-lhe limitações físicas e mentais, prejudica o exercício de suas atividades quotidianas e o faz necessitar da assistência permanente de terceiros para vestir-se e até mesmo para realizar sua higiene pessoal.

Requisito sócioeconômico

Consoante a Lei nº 8.742/93 (artigo 20, § 3º), considera-se preenchido o requisito sócio econômico quando a renda familiar per capita da pessoa idosa ou da pessoa com deficiência for igual ou inferior a ¼ (um quarto) do salário-mínimo.

Para tal fim, a família é composta pelas seguintes pessoas, desde que vivam sob o mesmo teto (artigo 20, parágrafo 1º, da Lei nº 8.742/93, na redação dada pela Lei nº 12.435/2011):

a) pelo requerente;

b) por seu cônjuge ou companheiro(a);

c) por seus pais ou, na falta de qualquer deles, por sua madrastra ou padrasto;

d) por seus irmãos solteiros;

e) por seus filhos e enteados solteiros;

f) pelos menores tutelados.

Prevalece o entendimento no sentido de que:

a) quando a renda mensal per capita do grupo familiar ao qual o idoso ou o deficiente pertence é igual ou inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo, isto gera a presunção absoluta de vulnerabilidade social;

b) essa presunção não exclui a possibilidade de que, mesmo que seja excedido esse patamar, a vulnerabilidade social seja demonstrada por outros meios (Lei nº 8.742/93, artigo 20, § 11, incluído pela Lei nº 13.146/2015).

Na avaliação desses outros meios probatórios, serão considerados, em relação à pessoa com deficiência (artigo 20-B da Lei nº 8.742/93, incluído pela Lei nº 14.176/2021):

a) o grau dessa deficiência, a ser aferido por meio de instrumento de avaliação biopsicossocial;

b) o nível de comprometimento do orçamento familiar com gastos médicos, tratamento de saúde, fraldas, alimentos especiais, medicamentos e serviços não disponibilizados gratuitamente pelo SUS.

Não serão considerados, no cálculo da renda mensal do grupo familiar:

a) o auxílio financeiro temporário ou a indenização por danos sofridos em decorrência de rompimento ou colapso de barragens (Lei nº 8.742/93, artigo 20, § 9º, parte inicial);

b) os rendimentos decorrentes de estágio supervisionado e de aprendizagem (Lei nº 8.742/93, artigo 20, § 9º, parte final);

c) o benefício de prestação continuada concedido a algum ou a alguns de seus membros (Lei nº 8.742/93, artigo 20, § 14);

d) o benefício previdenciário com valor de até 1 (um) salário mínimo, concedido a idoso;

e) a parcela correspondente a 1 (um) salário mínimo, quando se tratar de benefício previdenciário de idoso, com valor superior a esse patamar.

No presente caso:

a) o grupo familiar é composto pelo próprio autor, por seu pai, EDER LANG FRANCA, que é caminhoneiro, e por sua mãe, MARILIA MOREIRA, que é professora municial;

b) para o INSS, as rendas mensais dessas pessoas - em algum momento do ano de 2020 - são as seguintes (evento 1, PROCADM8, páginas 35-39):

- GUSTAVO MOREIRA FRANCA (AUTOR): R$ 1.045,00

- EDER LANG FRANCA (PAI): R$ 2.500,00

- MARILIA MOREIRA (MÃE): R$ 1.570,00

= SOMA: R$ 5.115,00

= RENDA MENSAL PER CAPITA: R$ 1.705,00

Pois bem.

Os cálculos realizados pelo INSS demandam reparos.

O primeiro reparo diz respeito à impossibilidade de inclusão da renda correspondente ao próprio BPC (benefício de prestação continuada) no cálculo da renda mensal de seu grupo familiar.

Assim sendo, no exemplo acima, a renda mensal do grupo familiar a ser considerada será, no máximo, de R$ 4.070,00.

No entanto, essa renda mensal familiar não leva em conta as despesas extraordinárias incorridas com o tratamento da saúde do autor, com viagens destinadas a esse fim e com seu acompanhamento em caráter permanente, especialmente levando-se em conta que ambos os seus pais trabalham fora.

Ora, a mãe do autor escreveu uma declaração emocionada (evento 1, PROCADM7, páginas 35-36).

Nessa declaração, ela informa que desde o ano de 2012 vem se desclocando até Belo Horizonte, duas ou três vezes por ano, para levar Gustavo para fazer tratamento em hospital da Rede Sarah de reabilitação.

Além disso, ela o leva com frequência, a Curitiba, para o tratamento que ele faz naquela cidade, com seu neurologista.

Por fim, Ela afirma que Gustavo também padece de problemas oftalmológicos, fazendo o uso de óculos.

E, de fato, foram colacionados aos autos comprovantes dessas despesas, como por exemplo:

a) o cupom fiscal de 06/06/2020, no valor de R$ 1.234,00, relativo à aquisição de óculos (armação e lentes);

b) a prescrição de óculos, para Gustavo, feita por seu oftalmologista, com data de 13/05/2020 (evento 1, PROCADM7, página 38);

c) a declaração de seu neurologista (evento 1, PROCADM7, página 45), datada de maio de 2021, no sentido de que ele faz uma consulta a cada seis meses, cada qual no valor de R$ 600,00 (seiscentos reais);

d) o relatório, datado de 02/05/2018, subscrito por professora da Associação das Pioneiras Sociais - Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação, acerca do acompanhamento educacional de Gustavo, na aludida instituição (evento 1, PROCADM7, páginas 48-49);

e) a declaração, datada de 22/08/2019, firmada por Fabiana Barreto Utsch de Matos, médica da Rede Sarah, com o seguinte teor (evento 1, PROCADM7, página 51):

Trata-se de paciente [Gustavo Moreira Franca] admitido na instituição em fevereiro de 2012 com diagnóstico de paralisia cerebral diplegia espástica com antecedente de prematuridade e intercorrências neonatais.

Aparesenta também espinha bífida oculta, com leve proeminência do canal central da medula de T9 a L1. Apresenta alterações comportamentais e psiquiátricas em acompanhamento com uso de medicações.

Foi submetido a procedimentos cirúrgicos com realização de osteotomia extensora e rebaixamento da patela bilateral, sendo do lado direito no dia 30/05/2019 e do lado esquerdo em 13/06/2019.

Realiza marcha domiciliar com uso de andador e tem indicação de uso de cadeira de rodas para longas distâncias.

Está em reabilitação pós operatória com proposta de nova internação em novembro de 2019.

f) os bilhetes de passagens aéreas relativas ao trecho Curitiba- Belo Horizonte-Curitiba, do autor e de sua genitora, em diversos anos: 2014, 1015, 2016, 2018, 2019 e 2021 (evento 1, PROCADM8, páginas 10-24).

O que acima se disse demonstra, acima de qualquer dúvida razável, que as despesas médicas com o tratamento de Gustavo, assim com as despesas com as viagens que se fazem necessárias para tal fim, comprometem gravemente o orçamento mensal de sua família, ainda que, se este for analisado apenas sob a ótica das receitas, a renda mensal per capita do grupo familiar seja ligeiramente superior ao valor do salário mínimo mensal.

Direito ao benefício de prestação continuada

De tal modo, tenho que, de fato, o autor se insere na categoria dos socialmente vulneráveis, assistindo-lhe direito:

a) ao restabelecimento de seu benefício de prestação continuada, desde seu cancelamento indevido, com a reimplantação do mesmo e com o pagamento das prestações vencidas, com os acréscimos legais;

b) ao cancelamento da dívida lançada contra ele pela União, objetivando ressarcir-se das prestações do benefício assistencial relativas ao período compreendido entre 31/07/2009 e 01/11/2021.

Nessa perspectiva, no que tange à questão de fundo, a sentença recorrida não merece reparos.

Atualização monetária e juros de mora

Não há controvérsia recursal quanto à atualização monetária e aos juros de mora.

De resto, quanto ao ponto, a sentença está em sintonia com os parâmetros adotados por esta Turma.

Honorários advocatícios

Ante a sucumbência recursal do INSS, majoro, em 10% (dez por cento), o valor dos honorários advocatícios arbitrados em seu desfavor, na sentença.

Tutela específica

Tendo a sentença determinado a imediata implantação do benefício, fica prejudica a concessão de ofício da tutela específica.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.



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Signatário (a): SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
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5011461-02.2023.4.04.9999
40004339245.V17


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Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5011461-02.2023.4.04.9999/SC

PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5000154-52.2022.8.24.0022/SC

RELATOR: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: GUSTAVO MOREIRA FRANCA

ADVOGADO(A): LUIZ CARLOS SABADIN (OAB SC038097)

ADVOGADO(A): THIAGO BUCHWEITZ ZILIO (OAB SC029884)

ADVOGADO(A): JOSE EMILIO BOGONI (OAB SC004151)

ADVOGADO(A): VANESSA FRANCIELI STUBER BROLEZE (OAB SC027996)

ADVOGADO(A): RODRIGO LUIS BROLEZE (OAB SC011143)

ADVOGADO(A): THIAGO BUCHWEITZ ZILIO

ADVOGADO(A): JOSE EMILIO BOGONI

ADVOGADO(A): LUIZ CARLOS SABADIN

ADVOGADO(A): RODRIGO LUIS BROLEZE

APELADO: MARILIA MOREIRA

ADVOGADO(A): JOSE EMILIO BOGONI (OAB SC004151)

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

EMENTA

BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. REQUISITOS PREENCHIDOS. cancelamento indevido. RESTABELECIMENTO.

1. A pessoa com deficiência em situação de vulnerabilidade social, nos termos da Lei, tem direito ao benefício de prestação continuada.

2. Confirmação da sentença que determinou: a) o restabelecimento do benefício indevidamente cancelado; b) o cancelamento da dívida relativa às prestação já pagas, que o INSS buscava reaver.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 9ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 20 de junho de 2024.



Documento eletrônico assinado por SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004339246v6 e do código CRC bee3006c.Informações adicionais da assinatura:
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Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 13/06/2024 A 20/06/2024

Apelação Cível Nº 5011461-02.2023.4.04.9999/SC

RELATOR: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ

PRESIDENTE: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

PROCURADOR(A): RODOLFO MARTINS KRIEGER

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: GUSTAVO MOREIRA FRANCA

ADVOGADO(A): LUIZ CARLOS SABADIN (OAB SC038097)

ADVOGADO(A): THIAGO BUCHWEITZ ZILIO (OAB SC029884)

ADVOGADO(A): JOSE EMILIO BOGONI (OAB SC004151)

ADVOGADO(A): VANESSA FRANCIELI STUBER BROLEZE (OAB SC027996)

ADVOGADO(A): RODRIGO LUIS BROLEZE (OAB SC011143)

ADVOGADO(A): THIAGO BUCHWEITZ ZILIO

ADVOGADO(A): JOSE EMILIO BOGONI

ADVOGADO(A): LUIZ CARLOS SABADIN

ADVOGADO(A): RODRIGO LUIS BROLEZE

APELADO: MARILIA MOREIRA

ADVOGADO(A): JOSE EMILIO BOGONI (OAB SC004151)

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 13/06/2024, às 00:00, a 20/06/2024, às 16:00, na sequência 1992, disponibilizada no DE de 04/06/2024.

Certifico que a 9ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 9ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ

Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ

Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER

ALEXSANDRA FERNANDES DE MACEDO

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 03/07/2024 08:02:07.

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