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PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. SITUAÇÃO DE RISCO SOCIAL. CONSECTÁRIOS. COMPROVADOS OS REQUISITOS DA DEFICIÊNCIA PARA O LABOR E HIPOSSUFICIÊNCIA EC...

Data da publicação: 13/10/2022, 16:44:59

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. SITUAÇÃO DE RISCO SOCIAL. CONSECTÁRIOS. COMPROVADOS OS REQUISITOS DA DEFICIÊNCIA PARA O LABOR E HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA DO GRUPO FAMILIAR, CABÍVEL A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. (TRF4, AC 5001562-67.2021.4.04.7115, SEXTA TURMA, Relator JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER, juntado aos autos em 02/08/2022)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5001562-67.2021.4.04.7115/RS

RELATOR: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER

APELANTE: MARI TERESINHA DE ARRUDA ESTRICKE (Sucessão) (AUTOR)

ADVOGADO: TIAGO ROSSI RODRIGUES (OAB RS077339)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)

INTERESSADO: JESSICA ARRUDA ESTRICKE KOHLS (Sucessor) (AUTOR)

ADVOGADO: TIAGO ROSSI RODRIGUES

INTERESSADO: VANESSA ARRUDA ESTRICKE (Sucessor) (AUTOR)

ADVOGADO: TIAGO ROSSI RODRIGUES

INTERESSADO: ELIANE TAMIRES DE ARRUDA KRONBAUER (Sucessor) (AUTOR)

ADVOGADO: TIAGO ROSSI RODRIGUES

INTERESSADO: NELSON MULLER ESTRICKE (Sucessor) (AUTOR)

ADVOGADO: TIAGO ROSSI RODRIGUES

RELATÓRIO

No Juízo de origem foi decidido:

Ante o exposto, afasto a preliminar e a prefacial arguidas e JULGO PROCEDENTE o pedido formulado na inicial, resolvendo o mérito, com base no art. 487, I, do CPC, para os fins de:

a) RECONHECER o direito da segurada falecida, Sra. Mari Teresinha de Arruda Estricke, ao restabelecimento do Benefício de Prestação Continuada nº 87/125.938.587-3, desde a data da cessação do benefício, em 01/04/2021 (DCB) até 08/08/2021 (data do óbito);

b) DECLARAR a inexigibilidade do débito apurado pelo INSS por meio do Ofício nº 202100346654, de 12 de março de 2021 (1.7), em razão da cessação indevida do referido benefício;

b) CONDENAR O INSS A:

b.1) PAGAR aos sucessores da parte autora as parcelas vencidas entre a data da cessação do benefício (DCB) e a data do falecimento, em 08/08/2021, corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de mora, nos termos da fundamentação, em montante que será calculado pela contadoria deste Juízo;

b.2) RESSARCIR à Direção do Foro do Rio Grande do Sul os valores pagos a título de honorários periciais, nestes autos, em face da concessão da AJG à parte autora, valores que serão requisitados mediante expedição de RPV em prol da Seção Judiciária do Estado do Rio Grande do Sul, na fase de execução de sentença.

Custas isentas. Condeno o INSS ao pagamento de honorários advocatícios, os quais serão calculados no percentual mínimo previsto nos respectivos incisos do parágrafo 3º do art. 85 do CPC, de acordo com o valor apurado quando da liquidação do julgado.

Na forma do artigo 1.010, §§ 1º, 2º e 3º, do CPC, interposta apelação por qualquer das partes, caberá à Secretaria abrir vista à parte contrária para contrarrazões no prazo legal, e, na sequência, remeter os autos ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

Sentença não sujeita a reexame necessário.

A Autarquia Previdenciária alegou, em síntese, que não restou comprovada a miserabilidade da parte autora e que não pode ser desconsiderado o benefício previdenciário recebido pelo seu cônjuge, que superava o valor de um salário-mínimo. Sustentou que a renda per capita familiar superou 1/2 do salário-mínimo, contabilizado apenas o benefício do cônjuge da autora. Além disso, asseverou a legalidade da cobrança administrativa, eis que indevido o pagamento do benefício assistencial, independentemente de boa-fé no recebimento. Requer a reforma da sentença para julgar improcedentes os pedidos feitos na petição inicial nos termos acima aduzidos, invertendo-se os ônus sucumbenciais.

Oportunizada as contrarrazões, vieram os autos para julgamento.

O Ministério Publico Federal opinou pelo desprovimento da apelação.

É o relatório.

VOTO

A sentença deve ser mantida por seus próprios fundamentos:

........................................................................................................................................

A parte autora pretende o restabelecimento do benefício de amparo social a Pessoa Portadora de Deficiência, previsto no art. 203 da Constituição Federal de 1988 e regulamentado pela Lei nº 8.742/93, o qual foi instituído visando a atender determinada classe de pessoas, idosas ou deficientes que, em face da sua peculiar condição, não possuam condições para prover a própria subsistência, nem de tê-la provida pela sua família, a teor das disposições contidas na Lei nº 8.742/93.

A lei é clara ao estabelecer que as condições para o retabelecimento do benefício assistencial são cumulativas e não alternativas. Disso decorre a necessidade da parte autora demonstrar não só sua deficiência, como a ausência de recursos próprios e de sua família para lhe prover a manutenção.

Da deficiência

Com relação ao requisito da incapacidade, tenho que resta atendido, uma vez que o próprio INSS reconheceu, administrativamente, a incapacidade da autora, tendo sido o benefício indeferido em razão do requisito atinente à renda, não sendo discutida a incapacidade.

Da situação econômico-financeira do grupo familiar

Em relação à condição financeira, recentemente o Supremo Tribunal Federal reconheceu a inconstitucionalidade do critério objetivo estabelecido no art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/92 (RE 567.985), o qual considera a renda per capita de ¼ do salário mínimo:

Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que "considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo". O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 5. Recurso extraordinário a que se nega provimento. (RE 567985, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 18/04/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-194 DIVULG 02-10-2013 PUBLIC 03-10-2013)

Conforme se infere da ementa do julgado, houve declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade. Para o relator, constatou-se a existência de um estado de omissão inconstitucional. Teria o legislador atuado de forma insuficiente na proteção do direito ao benefício assistencial.

A jurisprudência pátria tem evoluído no sentido de que o requisito econômico-financeiro em questão não introduziu mandamento inflexível e intransponível para a caracterização de miserabilidade da família do idoso ou deficiente, mas apenas presunção legal que não afasta a necessidade de análise concreta da situação econômica do grupo familiar, caso a renda per capita constatada pela Administração seja, em princípio, superior a esse valor; de modo que, da totalidade dos rendimentos auferidos pelos seus integrantes, sejam abatidos gastos relacionados, por exemplo, com tratamento de pessoas idosas, doentes ou deficientes que integrem a família (inclusive do próprio assistido), ou com a própria manutenção digna do assistido.

Por outro lado, no tocante a esse critério, é de observar que a grande maioria dos programas sociais promovidos pelo Governo Federal posteriormente à Lei nº 8.742/93, em especial o programa de renda mínima introduzido pela Lei nº 9.533/97, passaram a considerar, para efeito de presunção de pobreza, a renda per capita de até 1/2 salário mínimo. Tal parâmetro foi, a propósito, adotado para filiação no Cadastro Único para programas Sociais do Governo Federal (Decreto nº 3.877/2001), de onde se conclui que o critério estatuído pela LOAS deixou de atingir seu objetivo precípuo, qual seja, servir como critério objetivo para destacar família que não possui meios de prover a própria manutenção (e, por conseguinte, a manutenção do assistido). Tal conclusão exsurgiu ainda mais cristalina a partir da edição da Lei n° 10.689/2003, instituidora do Programa Nacional de Acesso à Alimentação - PNAA, a qual dispõe em seu artigo 2°, § 2°, que "os benefícios do PNAA serão concedidos, na forma desta Lei, para unidade familiar com renda mensal per capita inferior a meio salário mínimo".

Em síntese, o próprio Governo Federal considera na atualidade que a renda familiar em pauta reclama amparo estatal. Portanto, tais inovações legislativas passaram objetivamente a considerar miserável a pessoa cuja renda mensal familiar per capita seja inferior a ½ (meio) salário mínimo.

No que concerne à presunção de miserabilidade para a concessão do benefício assistencial, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), em sede de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), uniformizou a jurisprudência da Justiça Federal e dos Juizados Especiais Federais da 4ª Região, fixando a seguinte tese jurídica: “o limite mínimo previsto no art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 ('considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo') gera, para a concessão do benefício assistencial, uma presunção absoluta de miserabilidade” (TRF4 5013036-79.2017.4.04.0000, TERCEIRA SEÇÃO, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 22/02/2018).

Sendo assim, nos casos em que a família possua renda per capita superior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo, a presunção de miserabilidade é relativa, devendo haver avaliação particularizada de cada caso específico submetido à apreciação judicial.

De outro lado, o STF também declarou a inconstitucionalidade por omissão parcial do art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), o qual estabelece que o benefício assistencial concedido a pessoa do grupo familiar deve ser desconsiderado para fins de apuração da renda per capita (RE 580.963), in verbis:

Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que: “considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo”. O requisito financeiro estabelecido pela Lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a Lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 4. A inconstitucionalidade por omissão parcial do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003. O Estatuto do Idoso dispõe, no art. 34, parágrafo único, que o benefício assistencial já concedido a qualquer membro da família não será computado para fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS. Não exclusão dos benefícios assistenciais recebidos por deficientes e de previdenciários, no valor de até um salário mínimo, percebido por idosos. Inexistência de justificativa plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de até um salário mínimo. Omissão parcial inconstitucional. 5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003. 6. Recurso extraordinário a que se nega provimento.
(RE 580963, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 18/04/2013, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-225 DIVULG 13-11-2013 PUBLIC 14-11-2013); grifei.

Este entendimento se consolidou inclusive no Egrégrio Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4):

ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART. 203, INCISO V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. LEI 8.742/93 (LOAS). REQUISITOS. ORIENTAÇÃO DO STF. 1. A Constituição Federal exige apenas dois requisitos no tocante ao benefício assistencial de que trata o art. 203, V: (a) possuir o requerente deficiência incapacitante para a vida independente ou ser idoso, e (b) encontrar-se a família do requerente em situação de miserabilidade. 2. Segundo decidiu o Supremo Tribunal Federal em 18/04/2013 (RE 567.985/MT e RE 580.963/PR) é inconstitucional a definição da miserabilidade com base no critério de ¼ do salário mínimo (§ 3º do art. 20 da LOAS), devendo a condição socioeconômica do requerente, situação fática, ser aferida no caso concreto. 3. Na mesma ocasião o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 34 da Lei 10.741/03 (Estatuto do Idoso). Segundo entendeu a Corte, restou caracterizada ofensa ao princípio da isonomia, pois aberta exceção para o recebimento de dois benefícios assistenciais por idosos, sem que contemplada a percepção conjunta de benefício de idoso com o de deficiente ou de qualquer outro previdenciário. Assim, incorreu o legislador em equívoco, pois, tratando-se de situações idênticas, deveria ser possível a exclusão do cômputo do benefício, independentemente de sua origem. 4. Não comprovada no caso concreto a situação de miserabilidade da parte autora, não há que se falar em concessão do benefício assistencial. (TRF4, AC 0020255-49.2013.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, D.E. 11/04/2014); grifei.

Com efeito, a jurisprudência, ampliando o alcance do dispositivo legal, vem se posicionado no sentido de que não deve ser considerado no cálculo da renda da família o benefício, previdenciário ou assistencial, concedido a outro integrantes do grupo familiar do idoso no valor de um salário mínimo (RE 926963, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, julgado em 01/02/2016, publicado em DJe-025 DIVULG 11/02/2016 PUBLIC 12/02/2016).

Ainda, destaca-se que em 24/03/2020, foi publicada a Lei n° 13.981 de 23/03/2020, alterando o §3° do Art. 20 da Lei n° 8.742/93, que passou a ter a seguinte redação:

Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011) (Vide Medida Provisória nº 871, de 2019) (Vigência)

(...)

§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/2 (meio) salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 13.981, de 2020) (grifei)

(...)

Desse modo, o critério legal da renda per capita familiar para definição da miserabilidade a partir da legislação atual passou a ser a renda mensal inferior a 1/2 (meio) salário mínimo.

Contudo, foi publicada em 02/04/2020 a Lei 13.982/2020, que alterou novamente o critério objetivo para apuração da renda mensal per capita, estabelecendo o valor igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo, até 31 de dezembro de 2020, podendo ser ampliado para até 1/2 salário-mínimo, de acordo com fatores definidos em regulamento, em razão do estado de calamidade pública decorrente da pandemia pelo coronavírus (Covid-19).

Na sequência, a Medida Provisória nº 1.023/2020, alterou o inciso I do § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993 (Lei Orgânica da Assistência Social –LOAS), de forma a definir como critério para o recebimento do Benefício de Prestação Continuada (BPC) que a renda mensal per capita seja inferior a um quarto do salário mínimo, entrando em vigor em 1º de janeiro de 2021.

Por fim, a Lei nº 14.176/2021, publicada em 23/06/2021, atualmente em vigência, estabeleceu o critério da renda per capita “igual ou inferior” a ¼ (um quarto) do salário-mínimo.

Nessa esteira, apesar das alterações legislativas supramencionadas, cabe ressaltar que o posicionamento jurisprudencial consolidado que vem sendo aplicado, conforme já explanado, considera miserável a pessoa cuja renda mensal familiar per capita seja inferior a ½ (meio) salário mínimo.

Ressalto, porém, que o novo limite objetivo (renda mensal per capita familiar inferior a 1/2 salário mínimo) é apenas um dos critérios orientadores para a verificação do estado de miserabilidade, não sendo absoluto, podendo ser consideradas as demais circunstâncias do caso objeto de análise.

Sob tal enfoque, a perícia socioeconômica realizada por assistente social (evento 14, FORM2) revelou que o grupo familiar da parte autora é composto por 02 (duas) pessoas, quais sejam: a próprio autora Mari Teresinha de Arruda Estricke, e seu esposo (Nelson Muller 58 anos), os quais residem em "casa cedida pelo cunhado, casa é de alvenaria, a casa possui 4 cômodos divididos em: cozinha, sala, um banheiro, um quarto, possui energia elétrica e água encanada, em condições de habitabilidade." (quesitos "a" e "e" do Juízo).

Por ocasião da perícia, o grupo familiar informou os seguintes gastos mensais: "R$ 1.000,00, água R$ 80,00, Luz R$ 180,00, vestuário compram a cada seis meses onde realizam prestações no valor de R$ 50,00 em 5 vezes, ganham roupas de familiares e amigos, não possui automóvel. Os gastos da família ultrapassam a renda, possuem poucos móveis, possuem 1 fogão a gás, geladeira, 1 televisão, 1 radio, fogão a lenha." (quesitos "f" e "g" do Juízo).

Acerca da renda familiar, o laudo socioeconômico apontou que "O esposo da autora é aposentado por invalidez, onde recebe o valor de R$ 1.100,00, total este de renda bruta do grupo familiar. Já as despesas totalizam R$ 2.010,00, ultrapassando o valor recebido de renda bruta, não restando, portanto, renda liquida auferida por cada integrante da família." (quesito "b" do Juízo).

Como se vê, somente com a renda do esposo a família sequer consegue arcar com as despesas mínimas para manter um subsistência digna.

No caso, quando da cessão do benefício da autora, apurou-se que o esposo, atualmente com 59 anos de idade, recebe renda mensal de aposentadoria por incapacidade permanente R$ 1.108,84 (1.15, p. 559), ou seja, supera apenas R$ 8,84 do salário-mínimo nacional.

Nesse contexto, em que pese o valor do benefício percebido pelo esposo da autora não possa ser excluído do cálculo da renda familiar, restou demonstrado pela análise social a imprescindibilidade da manutenção do benefício assistencial, face à incapacidade de a parte autora prover sua própria subsistência ou tê-la provida por sua família de forma minimamente adequada, mormente considerando o contexto estrutural em que estava inserida, em razão de ter sido atingida por meningite quando criança, o que afetou a sua visão, não tendo a autora frequentado escola ou sido inserida no trabalho ao longo de sua vida, dependendo do auxílio de terceiros para realizar as tarefas cotidianas, conforme apontado no laudo social, tendo sido exarada a seguinte conclusão pela perita:

"Esta família traz no seu cotidiano várias expressões da questão social. A realidade socioeconômica apresentada por este sujeito também é expressão da questão social e isso contextualiza a violação cotidiana de seus direitos. A autora teve seus direitos já cerceados na infância onde não teve direito a educação.

É notório que seu esposo vem prestando todos os cuidados a autora, porém fica claro a situação de vulnerabilidade social do núcleo familiar onde a autora está inserida."

Nesse passo, estando amplamente demonstrada a deficiência e a situação de miserabilidade enfrentada pela autora, atendidos, portanto, os requisitos legais definidos pela Lei n.º 8.742/93, deve ser reconhecido o direito da parte autora ao restabelecimento do benefício assistencial desde a data de sua cessação.

Tendo em vista o entendimento acima exposto, resta prejudicada a análise da questão referente a restituição dos valores recebidos de boa-fé, sendo inexigível o débito apontado pelo INSS.

Atualização do débito

O INSS deverá pagar aos sucessores da autora as diferenças apuradas desde 01/04/2021 (DCB) até 08/08/2021 (data do óbito da autora), com a incidência de juros e correção monetária.

Os juros moratórios são aplicáveis a contar da citação e seguirão os juros aplicáveis à caderneta de poupança (art. 1º-F da Lei nº 9.494/97).

Quanto à correção monetária, esta incidirá a contar do vencimento de cada prestação, devendo ser efetuada com a utilização do INPC (art. 41-A da Lei nº 8.213/91).

Isso porque em 20 de setembro de 2017, o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu, por maioria, após repercussão geral reconhecida no Recurso Extraordinário nº 870947 (Tema 810), que o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, quanto às condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, na parte que fixa os juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09.

Todavia, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, entendeu a Suprema Corte que tal dispositivo se revela inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina.

Nesta toada, o STJ, em sede de recurso repetitivo, Tema 905, decidiu que as condenações impostas à Fazenda Pública de natureza previdenciária sujeitam-se à incidência do INPC, para fins de correção monetária, no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91. Quanto aos juros de mora, estes incidem segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança (art. 1º-F da Lei9.494/97, com redação dada pela Lei n. 11.960/2009). (REsp 1492221 PR, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 22/02/2018, DJe 20/03/2018).

Em recente decisão, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais, em sede de incidente de uniformização nacional , fixou o INPC como índice de atualização das parcelas vencidas de benefício previdenciário, a partir da vigência da Lei 11.960/2009. (PEDILEF 0002462-54.2009.4.03.6317, JUIZ FEDERAL JOSÉ FRANCISCO ANDREOTTI SPIZZIRRI, TNU, Data da Decisão 19/04/18, DJE TNU 18/05/18).

Por fim, a partir de 09/12/2021, aplica-se o art. 3º da EC 113/21, segundo o qual, "nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente".

Da tutela de urgência

Para a concessão da tutela de urgência é necessário o preenchimento dos seguintes requisitos: (a) probabilidade do direito; e (b) perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, tudo com espeque no art. 300 do CPC. Não se encontra presente o perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, mormente pelo fato do falecimento da parte autora, sendo que os valores relativos ao período concedido não comportam pagamento antes do trânsito em julgado, como exige o art. 100 da Constituição Federal.

........................................................................................................................................

Nos termos do § 11 do artigo 85 do CPC, como o recurso do INSS foi integralmente desprovido, os honorários são majorados em 50%.

Ante o exposto, voto por negar provimento ao recurso.



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Data e Hora: 2/8/2022, às 8:3:46


5001562-67.2021.4.04.7115
40003341321.V5


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Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5001562-67.2021.4.04.7115/RS

RELATOR: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER

APELANTE: MARI TERESINHA DE ARRUDA ESTRICKE (Sucessão) (AUTOR)

ADVOGADO: TIAGO ROSSI RODRIGUES (OAB RS077339)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)

INTERESSADO: JESSICA ARRUDA ESTRICKE KOHLS (Sucessor) (AUTOR)

ADVOGADO: TIAGO ROSSI RODRIGUES

INTERESSADO: VANESSA ARRUDA ESTRICKE (Sucessor) (AUTOR)

ADVOGADO: TIAGO ROSSI RODRIGUES

INTERESSADO: ELIANE TAMIRES DE ARRUDA KRONBAUER (Sucessor) (AUTOR)

ADVOGADO: TIAGO ROSSI RODRIGUES

INTERESSADO: NELSON MULLER ESTRICKE (Sucessor) (AUTOR)

ADVOGADO: TIAGO ROSSI RODRIGUES

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. benefício assistencial. situação de risco social. consectários. Comprovados os requisitos da deficiência para o labor e hipossuficiência econômica do grupo familiar, cabível a concessão do benefício assistencial.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, NEGAR provimento ao recurso, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 27 de julho de 2022.



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Data e Hora: 2/8/2022, às 8:3:46


5001562-67.2021.4.04.7115
40003341322 .V3


Conferência de autenticidade emitida em 13/10/2022 13:44:58.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 20/07/2022 A 27/07/2022

Apelação Cível Nº 5001562-67.2021.4.04.7115/RS

RELATOR: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER

PRESIDENTE: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ

PROCURADOR(A): PAULO GILBERTO COGO LEIVAS

APELANTE: MARI TERESINHA DE ARRUDA ESTRICKE (Sucessão) (AUTOR)

ADVOGADO: TIAGO ROSSI RODRIGUES (OAB RS077339)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 20/07/2022, às 00:00, a 27/07/2022, às 14:00, na sequência 1506, disponibilizada no DE de 11/07/2022.

Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER

Votante: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER

Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA

Votante: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ

LIDICE PEÑA THOMAZ

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 13/10/2022 13:44:58.

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