Apelação Cível Nº 5003586-71.2016.4.04.7106/RS
RELATOR: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA
APELANTE: AURORA MACEDO LEAL (AUTOR)
ADVOGADO: FERNANDO BUZZATTI MACHADO
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
RELATÓRIO
Trata-se de ação ordinária movida por Aurora Macedo Leal, objetivando a concessão de benefício de prestação continuada.
A sentença (prolatada em 18/08/2017 NCPC) julgou improcedente o pedido formulado na inicial.
Em suas razões de apelação, a demandante requereu a reforma da sentença, alegando, em apertada síntese, que restou incontroverso nos autos que se encontra em estado de miserabilidade.
Na Sessão de 27/04/2018 a Sexta Turma desta Corte decidiu de ofício, por unanimidade, anular a sentença e determinar a reabertura da instrução processual, a fim de que fosse realizado laudo socioeconômico, restando prejudicado o exame do recurso.
O Juízo de origem determinou que o Chefe da Agência da Previdência Social de São Gabriel - RS adotasse as providências necessárias para a realização de estudo socioeconômico para a verificação das condições em que vivia a autora (evento 50, DESPADEC1).
Realizado pela Autarquia Previdenciária o estudo socioeconômico, o Juízo de origem prolatou nova sentença em 16/08/2018, cujo dispositivo reproduzo, in verbis:
Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado na inicial, resolvendo o mérito da demanda, nos termos do artigo 487, I, do Código de Processo Civil.
Condeno a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios à parte adversa, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, atendendo, dessa forma, o disposto no artigo 85, § 4.º, III, do Código de Processo Civil.
Suspendo a exigibilidade da presente condenação, por litigar a autora sob o abrigo da assistência judiciária gratuita, a teor do artigo 98, § 3.º, do CPC.
A autora fica isenta do recolhimento das custas processuais, a teor do artigo 4º, inciso II, da Lei nº 9.289/96, também por ser beneficiário da AJG.
Inconformada, a parte autora recorreu, requerendo a reforma da sentença que julgou improcedente a pretensão deduzida na inicial, sustentando, em síntese, que preencheu todos os requisitos à concessão do benefício assistencial.
Apresentada as contrarrazões, vieram os autos ao Tribunal.
O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento da apelação da parte autora.
É o relatório.
VOTO
Juízo de admissibilidade
O apelo preenche os requisitos legais de admissibilidade.
Benefício de prestação continuada ao idoso e ao deficiente (LOAS)
A Constituição Federal de 1988 dispôs em seu artigo 203:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente da contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
(...)
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
A regulamentação desse dispositivo constitucional veio com a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, denominada Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), que, em seu artigo 20, passou a especificar as condições para a concessão do benefício, no valor de um salário mínimo mensal, à pessoa com deficiência e ao idoso com 70 anos ou mais comprovadamente carentes.
Após as alterações promovidas pelas Leis nº 9.720, de 30 de novembro de 1998, e nº 10.741, de 1º de outubro de 2003 (Estatuto do Idoso), relativas à redução do critério etário para 67 e 65 anos, respectivamente, sobrevieram as Leis nº 12.435, de 06 de julho de 2011, e nº 12.470, de 31 de agosto de 2011, as quais conferiram ao aludido artigo 20, da LOAS, a seguinte redação, ora em vigor:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
(...)
Portanto, o direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos:
1.a) idoso (assim considerado aquele com 65 anos ou mais, a partir de 1º de janeiro de 2004, data da entrada em vigor do Estatuto do Idoso) ou
1.b) condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, conforme redação original do artigo 20, da LOAS, e, após as alterações da Lei nº 12.470, de 31-10-2011, tratar-se de pessoa com impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas);
2) Situação de risco social (ausência de meios para, dignamente, prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família).
Requisito etário
Tratando-se de benefício requerido na vigência do Estatuto do Idoso, é considerada idosa a pessoa com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. O requisito é objetivo, ou seja, comprovado o atributo etário, a análise do requisito incapacitante é desnecessária, bastando apenas verificar a situação de vulnerabilidade socioeconômica a que submetido o idoso.
Condição de deficiente
Mister salientar, por oportuno, que a incapacidade para a vida independente a que se refere a Lei 8.742/93, na redação original, deve ser interpretada de forma a garantir o benefício assistencial a uma maior gama possível de pessoas com deficiência, consoante pacífica jurisprudência do STJ (v.g. STJ, 5ª Turma, RESP 360.202/AL, Rel. Min. Gilson Dipp, DJU de 01-07-2002) e desta Corte (v.g. AC n. 2002.71.04.000395-5/RS, 6ª Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, DJU de 19-04-2006).
Desse modo, a incapacidade para a vida independente:
a) não exige que a pessoa possua uma vida vegetativa ou seja incapaz de se locomover;
b) não significa incapacidade para as atividades básicas do ser humano, tais como alimentar-se, fazer a higiene pessoal e vestir-se sozinho;
c) não impõe a incapacidade de se expressar ou se comunicar; e
d) não pressupõe dependência total de terceiros.
Situação de risco social
Tendo em vista a inconstitucionalidade dos artigos 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e do artigo 34, § único, da Lei 10.741/2003, reconhecida no julgamento dos REs 567985 e 580963 em 18.04.2013, a miserabilidade para fins de benefício assistencial deve ser verificada em cada caso concreto.
Nesse sentido, os cuidados necessários com a parte autora, em decorrência de sua deficiência, incapacidade ou avançada idade, que acarretarem gastos - notadamente com medicamentos, alimentação especial, fraldas descartáveis, tratamento médico, psicológico e fisioterápico, entre outros -, configuram despesas a ser consideradas na análise da condição de risco social da família do demandante (TRF4, APELREEX 5002022-24.2011.404.7012, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão Celso Kipper, juntado aos autos em 27/06/2013).
A jurisprudência desta Corte Regional, bem como do Superior Tribunal de Justiça, é pacífica no sentido de que qualquer benefício de valor mínimo recebido por idoso de 65 anos ou mais (salvo quando recebido por força de deficiência, quando então o requisito etário é afastado) deve ser excluído da apuração da renda familiar, bem como essa renda mínima não é o único critério a balizar a concessão do benefício, devendo ser examinado juntamente com outros meios de aferição do estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo do autor e de sua família (Pet n.º 7203/PE - 3ª Seção - Unânime - Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura - DJe 11-10-2011; TRF4 - AC n.º 0019220-88.2012.404.9999 - 6ª T. - unânime - Rel. Des. Celso Kipper - D.E. 22-03-2013; REsp n.º 1112557/MG - 3ª Seção - unânime - Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho - DJe 20-11-2009).
Também, o fato de a parte autora ser beneficiária e perceber renda proveniente do Programa Bolsa Família, não só não impede a percepção do benefício assistencial do art. 203, V, da Constituição Federal, como constitui forte indicativo de que a unidade familiar encontra-se em situação de risco social (TRF4, APELREEX 2009.71.99.006237-1, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão Celso Kipper, D.E. 07/10/2014).
Logo, em linhas gerais, para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, a situação de risco social a que se encontra exposta a pessoa idosa ou portadora de deficiência e sua família deve ser analisada em cada caso concreto (TRF4, EINF 0016689-58.2014.404.9999, Terceira Seção, Relator Ricardo Teixeira do Valle Pereira, D.E. 29/05/2015).
Fixados os parâmetros de valoração da prova, passo ao exame da situação específica dos autos.
No caso em tela, esta Corte decidiu por anular a sentença para que fosse realizado estudo socioeconômico junto ao grupo familiar da requerente.
No entanto, foi atribuído, pelo Juízo de Origem, à Autarquia Previdenciária a realização do estudo.
Tenho que a determinação não foi cumprida, pois o INSS convocou a autora e esposo para realizar entrevista em suas dependências, quando na realidade deveria ter sido nomeada uma Assistente Social para verificar, in loco, as condições suficientes à análise de vulnerabilidade socioeconômica do grupo familiar.
Nesse norte, a sentença deve ser anulada, pois deve o Juiz de Origem nomear o profissional que se desloque até a residência da requerente, para verificar, in loco, as condições em que vive a parte autora, se possível com fotos, composição do grupo familiar, referindo gastos mensais com água, luz, alimentação, medicamentos; ajuda de terceiros, se recebem auxílio de parentes, se recebem algum benefício e demais informações que o assistente social entender cabível, para verificação do risco social.
Fundamental a apresentação do contracheque do cônjuge, eis que há a notícia nos autos tratar-se de aposentado pelo Governo do Estado do Rio Grande do Sul (evento 1, PROCADM6).
Prequestionamento
O prequestionamento da matéria segue a sistemática prevista no art. 1.025 do CPC/2015.
Conclusão
De ofício, anular a sentença e determinar o retorno dos autos à origem para que seja reaberta a instrução com a realização de laudo socioeconômico. Prejudicada a análise do recurso.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por, de ofício, anular a sentença e determinar a reabertura da instrução processual, a fim de que seja realizado laudo socioeconômico, restando prejudicado o exame do recurso.
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Apelação Cível Nº 5003586-71.2016.4.04.7106/RS
RELATOR: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA
APELANTE: AURORA MACEDO LEAL (AUTOR)
ADVOGADO: FERNANDO BUZZATTI MACHADO
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. VIABILIDADE. AUSÊNCIA DE ESTUDO SOCIOECONÔMICO. REABERTURA DA INSTRUÇÃO. ANULAR A SENTENÇA
Mostrando-se necessário o aprofundamento das investigações acerca das condições socioeconômicas da segurada, impõe-se a realização de Estudo social com profissional nomeado pelo Juízo de Origem.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, de ofício, anular a sentença e determinar a reabertura da instrução processual, a fim de que seja realizado laudo socioeconômico, restando prejudicado o exame do recurso, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 30 de janeiro de 2019.
Documento eletrônico assinado por ARTUR CÉSAR DE SOUZA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000845062v5 e do código CRC c56850f8.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 30/01/2019
Apelação Cível Nº 5003586-71.2016.4.04.7106/RS
RELATOR: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA
PRESIDENTE: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
APELANTE: AURORA MACEDO LEAL (AUTOR)
ADVOGADO: FERNANDO BUZZATTI MACHADO
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
Certifico que este processo foi incluído no 1º Aditamento do dia 30/01/2019, na sequência 975, disponibilizada no DE de 15/01/2019.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª TURMA, DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DE OFÍCIO, ANULAR A SENTENÇA E DETERMINAR A REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL, A FIM DE QUE SEJA REALIZADO LAUDO SOCIOECONÔMICO, RESTANDO PREJUDICADO O EXAME DO RECURSO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA
Votante: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA
Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Votante: Juiz Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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