APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5030802-24.2017.4.04.9999/RS
RELATOR | : | ARTUR CÉSAR DE SOUZA |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | MARISTELA FATIMA TEIXEIRA MARTINS |
ADVOGADO | : | LUCIA BELLINI |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. VIABILIDADE. CONSECTÁRIOS.
1. Comprovados os requisitos da deficiência para o labor e hipossuficiência econômica do grupo familiar, cabível a concessão do benefício assistencial.
2. O Supremo Tribunal Federal reconheceu no RE 870947, com repercussão geral, a inconstitucionalidade do uso da TR, determinando a adoção do IPCA-E para o cálculo da correção monetária nas dívidas não-tributárias da Fazenda Pública.
3. Os juros de mora, a contar da citação, devem incidir à taxa de 1% ao mês, até 29-06-2009. A partir de então, incidem uma única vez, até o efetivo pagamento do débito, segundo o índice oficial de remuneração básica aplicado à caderneta de poupança.
4. Precedente do Supremo Tribunal Federal com efeito vinculante, que deve ser observado, inclusive, pelos órgãos do Poder Judiciário.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, não conhecer da remessa oficial, negar provimento à apelação, e determinar o imediato cumprimento do acórdão, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 09 de abril de 2018.
Juiz Federal Artur César de Souza
Relator
| Documento eletrônico assinado por Juiz Federal Artur César de Souza, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9326094v39 e, se solicitado, do código CRC 5DFBB539. | |
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| Signatário (a): | Artur César de Souza |
| Data e Hora: | 12/04/2018 11:07 |
APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5030802-24.2017.4.04.9999/RS
RELATOR | : | ARTUR CÉSAR DE SOUZA |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | MARISTELA FATIMA TEIXEIRA MARTINS |
ADVOGADO | : | LUCIA BELLINI |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
RELATÓRIO
Trata-se de remessa oficial e apelação do INSS contra sentença (prolatada em 29/08/2016 na vigência do NCPC) que julgou procedente o pedido de benefício assistencial, cujo dispositivo reproduzo a seguir:
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado por MARISTELA FÁTIMA TEIXEIRA MARTINS contra o Instituto Nacional de Seguro Social - INSS, a teor do art. 487, I, do CPC, para condenar o réu no pagamento do benefício de prestação continuada de que trata o art. 20 da Lei nº 8.742/93, no valor de um salário mínimo nacional, a contar do requerimento administrativo, 16/09/2014, assim como condenar a ré ao pagamento dos valores em atraso, sendo que sobre o montante vencido haverá atualização monetária os índices de correção monetária a serem aplicados aos débitos previdenciários:
a) INPC, de janeiro a dezembro de 1992; b) IRSM, janeiro de 1993 a fevereiro de 1994; c) URV, de março a junho de 1994; d) IPC-r, de julho de 1994 a junho de 1995; e) INPC, de julho de 1995 a abril de 1996; f) IGP-DI, de maio de 1996 a dezembro de 2006; e g) INPC, a partir da vigência da Lei n. 11.430/2006, os quais, aplicados, devem ser convertidos, à data do cálculo, em UFIR e, após sua extinção, o IPCA-e, em razão da declaração de inconstitucionalidade parcial do artigo 5º da Lei n. 11.960, de 2009 (ADIs n. 4.357 e 4.425/DF). Os juros de mora são devidos no percentual de 1% ao mês, a partir da citação válida, nos termos da Súmula 204/STJ, até a entrada em vigor da Lei n. 11.960/2009, quando será observado o índice oficial de remuneração básica e os juros aplicados à caderneta de poupança.
Custas pelo INSS nos termos do OFÍCIO-CIRCULAR Nº 003/2014-CGJ.
Sucumbente, condeno a parte ré ao pagamento dos honorários advocatícios ao advogado da parte autora, os quais arbitro em 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a data da prolação desta sentença, (Súmula nº 76 do TRF4ªR), excluídas as parcelas vincendas, (Súmula nº 111 do STJ), considerando o grau de zelo profissional, o trabalho realizado e o tempo exigido para o seu serviço, com base no art. 85, §§ 2º e § 3º, inciso I, do Novo CPC. Embora a sentença não seja líquida, deixo de aplicar o inciso II do § 4º do art. 85 do NCPC e, desde logo, fixo o percentual dos honorários, pois, considerando a natureza da demanda e os termos da condenação, mostra-se improvável que o valor da condenação excederá 200 (duzentos) salários-mínimos.
A solicitação do pagamento dos honorários periciais deverá se dar de acordo com as disposições contidas na Resolução nº 541/2007 do Conselho da Justiça Federal, antes da remessa do processo ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, considerando que o pagamento independe do trânsito em julgado.
Defiro a tutela de urgência postulada, considerando os argumentos trazidos na sentença e o preenchimento dos requisitos legais.
Ao reexame necessário.
O INSS apelou, sustentando, preliminarmente, a ocorrência da prescrição das parcelas que antecedem o quinquênio anterior à propositura da ação. No mérito, alegou que não restou comprovada a miserabilidade da parte autora, uma vez que a renda per capita é superior a ¼ do salário-mínimo. Pugnou, no caso de entendimento pela concessão do benefício, que seja implantado desde a juntada do último laudo pericial em Juízo, e a correção dos valores em atraso de acordo com a Lei n. 11.960/09.
Com as contrarrazões, vieram os autos para esta Corte para julgamento.
O Ministério Público Federal opinou pelo conhecimento parcial do recurso de apelação, e na parte conhecida pelo parcial provimento, apenas para que seja aplicado o disposto no artigo 1º-F da Lei n.9.494/1997, na redação da Lei n. 11.960/2009, para a correção dos valores em atraso
É o relatório.
VOTO
Juízo de admissibilidade
O apelo preenche os requisitos legais de admissibilidade.
Remessa Oficial
Não se desconhece o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a sentença ilíquida está sujeita a reexame necessário (Súmula 490).
Contudo, tratando-se de remessa necessária de sentença proferida em 29/08/2016 que condenou o INSS a pagar parcelas do benefício de prestação continuada, no valor de um salário mínimo nacional, a contar do requerimento administrativo, 16/09/2014, é certo que a condenação, ainda que acrescida de correção monetária e juros, jamais excederá 1.000 (mil) salários mínimos, montante exigível para a admissibilidade do art. 796, § 3º, I, do NCPC.
Portanto, não conheço da remessa oficial.
Preliminar - Prescrição
Requer, o recorrente, que se reconheçam prescritas as parcelas que antecedem o quinquênio anterior à propositura da ação.
Em se tratando de obrigação de trato sucessivo e de verba alimentar, não há falar em prescrição do fundo de direito. Contudo, são atingidas pela prescrição as parcelas vencidas antes do quinquênio anterior à propositura da ação, conforme os termos do parágrafo único do art. 103 da Lei nº 8.213/91 e da Súmula 85/STJ.
No caso em tela, considerando que a ação foi ajuizada em 29/01/2015 (evento 3, CAPA1, p.1) e a condenação determinou o pagamento das parcelas desde o requerimento administrativo protocolado em 16/09/2014, não há nenhuma parcela a ser paga que anteceda o quinquênio anterior a propositura da ação.
Assim, rejeito a arguição de prescrição quinquenal.
Benefício de prestação continuada ao idoso e ao deficiente (LOAS)
A Constituição Federal de 1988 dispôs em seu artigo 203:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente da contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
(...)
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
A regulamentação desse dispositivo constitucional veio com a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, denominada Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), que, em seu artigo 20, passou a especificar as condições para a concessão do benefício, no valor de um salário mínimo mensal, à pessoa com deficiência e ao idoso com 70 anos ou mais comprovadamente carentes.
Após as alterações promovidas pelas Leis nº 9.720, de 30 de novembro de 1998, e nº 10.741, de 1º de outubro de 2003 (Estatuto do Idoso), relativas à redução do critério etário para 67 e 65 anos, respectivamente, sobrevieram as Leis nº 12.435, de 06 de julho de 2011, e nº 12.470, de 31 de agosto de 2011, as quais conferiram ao aludido artigo 20, da LOAS, a seguinte redação, ora em vigor:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
(...)
Portanto, o direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos:
1.a) idoso (assim considerado aquele com 65 anos ou mais, a partir de 1º de janeiro de 2004, data da entrada em vigor do Estatuto do Idoso) ou
1.b) condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, conforme redação original do artigo 20, da LOAS, e, após as alterações da Lei nº 12.470, de 31-10-2011, tratar-se de pessoa com impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas) ;
2) Situação de risco social (ausência de meios para, dignamente, prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família).
Requisito etário
Tratando-se de benefício requerido na vigência do Estatuto do Idoso, é considerada idosa a pessoa com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. O requisito é objetivo, ou seja, comprovado o atributo etário, a análise do requisito incapacitante é desnecessária, bastando apenas verificar a situação de vulnerabilidade socioeconômica a que submetido o idoso.
Condição de deficiente
No que se refere à incapacidade para a vida independente constante no artigo 20, da Lei 8.742/93, em sua redação original, este Tribunal consolidou entendimento segundo o qual a interpretação que melhor se coaduna ao princípio da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III), de modo a assegurar a ampla garantia de prestação da assistência social (CF, art. 203) e atender ao objetivo da seguridade social de universalidade da cobertura e do atendimento (CF, art. 194, parágrafo único), é a que garante o benefício assistencial a maior gama possível de pessoas portadoras de deficiência. Sob essa orientação, ao analisar o caso concreto, cumpre ao julgador observar que a incapacidade para a vida independente (a) não exige que a pessoa possua uma vida vegetativa ou que seja incapaz de locomover-se; (b) não significa incapacidade para as atividades básicas do ser humano, tais como alimentar-se, fazer a higiene e vestir-se sozinho; (c) não impõe a incapacidade de expressar-se ou de comunicar-se; e (d) não pressupõe dependência total de terceiros (TRF4, EINF 0016689-58.2014.404.9999, Terceira Seção, Relator Ricardo Teixeira do Valle Pereira, D.E. 29/05/2015).
A ratificação pelo Brasil, em 2008, da Convenção Internacional Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, a qual fora incorporada ao nosso ordenamento jurídico com status de emenda constitucional (artigo 5º, § 3º, da Constituição Federal de 1988), conferiu ainda maior amplitude ao tema, visando, sobretudo, promover, proteger e assegurar o exercício pleno e equitativo dos direitos humanos e das liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência (Artigo 1, da Convenção).
Assim é que a Lei nº 12.470, de 2011, que alterou o §2º do artigo 20, da LOAS, e, mais recentemente, o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei n. 13.146, de 6 de julho de 2015, com início de vigência em 5 de janeiro de 2016), praticamente reproduziram os termos do artigo 1, da Convenção, redimensionando o conceito de pessoa com deficiência de maneira a abranger diversas ordens de impedimentos de longo prazo capazes de obstaculizar a plena e equânime participação social do portador de deficiência, considerando o meio em que este se encontra inserido.
Com a consolidação desse novo paradigma, o conceito de deficiência desvincula-se da mera incapacidade para o trabalho e para a vida independente - abandonando critérios de análise restritivos, voltados ao exame das condições biomédicas do postulante ao benefício -, para se identificar com uma perspectiva mais abrangente, atrelada ao modelo social de direitos humanos, visando à remoção de barreiras impeditivas de inserção social.
Nesse contexto, a análise atual da condição de deficiente a que se refere o artigo 20, da LOAS, não mais se concentra na incapacidade laboral e na impossibilidade de sustento, mas, senão, na existência de restrição capaz de obstaculizar a efetiva participação social de quem o postula de forma plena e justa.
Situação de risco social
Tendo em vista a inconstitucionalidade dos artigos 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e do artigo 34, § único, da Lei 10.741/2003, reconhecida no julgamento dos REs 567985 e 580963 em 18.04.2013, a miserabilidade para fins de benefício assistencial deve ser verificada em cada caso concreto.
Nesse sentido, os cuidados necessários com a parte autora, em decorrência de sua deficiência, incapacidade ou avançada idade, que acarretarem gastos - notadamente com medicamentos, alimentação especial, fraldas descartáveis, tratamento médico, psicológico e fisioterápico, entre outros -, configuram despesas a ser consideradas na análise da condição de risco social da família do demandante (TRF4, APELREEX 5002022-24.2011.404.7012, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão Celso Kipper, juntado aos autos em 27/06/2013).
Também, o fato de a parte autora ser beneficiária e perceber renda proveniente do Programa Bolsa Família, não só não impede a percepção do benefício assistencial do art. 203, V, da Constituição Federal, como constitui forte indicativo de que a unidade familiar encontra-se em situação de risco social (TRF4, APELREEX 2009.71.99.006237-1, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão Celso Kipper, D.E. 07/10/2014).
Logo, em linhas gerais, para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, a situação de risco social a que se encontra exposta a pessoa idosa ou portadora de deficiência e sua família deve ser analisada em cada caso concreto (TRF4, EINF 0016689-58.2014.404.9999, Terceira Seção, Relator Ricardo Teixeira do Valle Pereira, D.E. 29/05/2015).
Fixados os parâmetros de valoração da prova, passo ao exame da situação específica dos autos.
Na hipótese, o benefício foi indeferido na esfera administrativa (fl. 78), ao argumento de não preenchimento do requisito do artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93, que assim dispõe: "Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
Com efeito, quanto ao mérito, entendo que as questões foram devidamente analisadas na sentença vergastada, cujos fundamentos acolho e adoto como razão de decidir, merecendo transcrição, in verbis ( evento 3, SENT17):
(...)
O requisito deficiência é incontroverso nos autos.
Aufere-se que a autora possuí 59 anos, é incapaz de prover o seu próprio sustento, em virtude da deficiência que a impossibilita para o labor de cozinheiro de modo permanente.
Neste passo, elucidou a Sr. Perito:
"Paciente portador de hipertensão severa e cardiopatia isquêmica e hérnia ventral de difícil correção, estando incapaz para o trabalho remunerado como cozinheira outras atividades que exijam esforços físicos e movimentação constante, devendo ser aposentada por invalidez".
No que se refere as condições sócio-econômica familiar, esta restou comprovada pelo Parecer Social acostado à fl. 95/101.
Considerando que a autora não percebe nenhuma remuneração, que na residência familiar vivem o esposo, o filho e duas netas, sendo que a única remuneração é esposo que recebe aposentadoria de um salário mínimo, pagando aluguel no valor de R$ 200,00 mensais e não recebem nenhum auxílio ou programa social, tenho que o requisito de miserabilidade social restou comprovado.
Ainda, no que pertine a renda:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AMPARO ASSISTENCIAL AO IDOSO. LEI 8.742/93 (LOAS). ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI 10.741/2003 (ESTATUTO DO IDOSO). RENDA PER CAPITA FAMILIAR. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO A PARTIR DA CITAÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. Considerando que a decisão proferida no 1º grau julgou o pedido da parte autora improcedente, não havendo qualquer condenação imposta à autarquia previdenciária, a teor do art. 475 do CPC, a sentença ora em análise não está sujeita ao duplo grau obrigatório. 2. A autora cumpriu todos os requisitos exigidos para a concessão de amparo assistencial ao idoso, pois contava com a idade mínima à época do ajuizamento da ação e restou comprovada a miserabilidade do grupo familiar. 3. Embora tenha a legislação estabelecido hipótese objetiva de aferição de miserabilidade - renda familiar per capita inferior a ¼ do salário-mínimo -, tal critério não afasta outras formas de verificação de tal condição, que deve ser aferida pelo julgador na análise do caso concreto, de modo que o critério objetivo fixado em lei dever ser considerado apenas como um norte. Precedentes. 4. Interpretando-se extensivamente o art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso - que estabelece que o benefício assistencial já concedido a qualquer membro da família não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere LOAS -, deve a regra ser estendida a benefícios previdenciários em valor mínimo, concedido ao idoso, como na hipótese dos autos, afastando-se do cálculo da renda familiar não só o benefício assistencial, mas também qualquer outro benefício previdenciário de valor mínimo recebido por outro membro da família, sob pena de haver injusta discriminação entre pessoas em situações idênticas, apenas por receberem o mesmo valor a título de benefícios diversos. Precedentes. 5. Os valores atrasados deverão ser acrescidos de correção monetária e juros de mora, nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal. 6. Termo inicial fixado na data da citação da parte ré, tendo em vista a ausência de prévio requerimento administrativo. 7. Honorários advocatícios arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, tendo em vista a baixa complexidade da causa, os quais deverão recair somente sobre as prestações vencidas até a prolação da sentença, nos termos da Súmula 111/STJ. 8. Remessa oficial não conhecida. Apelação a que se dá provimento. (TRF-1 - AC: 22293 GO 2006.01.99.022293-1, Relator: JUÍZA FEDERAL ADVERCI RATES MENDES DE ABREU, Data de Julgamento: 01/08/2012, 3ª TURMA SUPLEMENTAR)
Nessas condições, tenho que a parte autora preenche os requisitos legais para a concessão do benefício.
(...)
Nessa quadra, não merece reparos a decisão recorrida, porquanto o que se observou é que o benefício é devido no período, ao contrário do sustentado pelo Instituto. Senão vejamos.
Ainda que a incapacidade não tenha sido objeto de controvérsia cabe destacar que o atestado assinado por dois cardiologistas do centro cardiovascular CORDIS afirma que a apelada é portadora de cardiopatia isquêmica, oclusão coronária, já submetida à angioplastia e aplicação de STENT. É portadora também de hipertensão arterial, dispneia e não tem condições de atividade laboral com esforço (evento 3 - ANEXOS PET4, p. 2). A perícia médica realizada em Juízo concluiu (evento 3, LAUDPERI13):
Paciente portadora de hipertensão severa e cardiopatia isquêmica e hérnia ventral grande de difícil correção, estando incapaz para o trabalho remunerado como cozinheira ou outras atividades que exijam esforços físicos e movimentação constante, devendo ser aposentada por invalidez.
Não procede o inconformismo da autarquia previdenciária no que se refere aos requisito econômico, tomando como base o fato que o grupo familiar tem como fonte de renda a aposentadoria no valor de um salário-mínimo, a renda do filho do casal e a pensão por morte recebida por um dos netos da apelada, também no valor de um salário-mínimo.
O Estudo Socioeconômico em 23/11/2015 concluiu, in verbis (evento 3, LAUDPERI13, Página 2),:
Além de Maristela seu grupo familiar também é composto pelas seguintes pessoas: Paulo Lima Martins, esposo, nascido em 03/06/1955, com 60 anos, Aposentado, 788,00 (renda bruta); Paulo César Teixeira Martins, filho da requerente, nascido em 16/06/1990, 25 anos, Auxiliar de armazém, R$ 788,00 (renda Bruta); Rita de Cassia Martins Kerper, neta, nascida em 12/07/1998, l7 anos, Estudante E.E.E.M. João XXlll 2° ano Médio Guilherme; Martins do Prado, neto, nascido em 24/10/2001, 14 anos, Estudante E.M.E.F. São Miguel Arcanjo 7° ano...
Maristela é Dona de casa e não possui renda; Sr. Paulo é aposentado e recebe o valor de R$ 788,00 reais por mês; Paulo César filho de Maristela trabalha na empresa Cooperativa Mista São Luiz LTDA e recebe o valor de R$ 788,00 reais; Rita e Guilherme são estudantes...
A família atualmente não recebe auxilio da Secretaria Municipal de Promoção Humana e nem é beneficiária do Programa Bolsa Família.
7 - O imóvel em que o (a) autor (a) reside é próprio de sua família ou é alugado? Alugado, não possui contato de locação e o valor pago é de R$ 200,00 reais por mês.
2.1 SITUAÇÃO FAMILIAR E SOCIOECONÔMICA (assistente social)
Em visita in loco verificou-se que o grupo familiar é composto pela requerente Maristela (58 anos), esposo Paulo Lima Martins (60 anos), filho Paulo César Teixeira Martins (25 anos), neta Rita de Cassia Martins Kerper (17 anos) e neto Guilherme Martins do Prado (14 anos).
Os netos de Maristela e Paulo ficaram órfãos e, por isso, passaram a morar com os avós, mas ainda não regularizaram a guarda.
Anteriormente a família residia em uma granja na Esquina União (interior), local este onde Paulo trabalhava, porém com a idade avançada e problemas de saúde Paulo não estava conseguindo trabalhar e como conseguiu se aposentar por tempo de trabalho acabou saindo do local.
Referente a saúde de Maristela, esta informou que é hipertensa, fez cirurgia no coração para colocar 03 molas e tem uma "veia que secou". Faz uso das seguintes medicações: atenolol, losartana potássica, sinvastatina, norvasc, bissulfato de clopidogrel e basilapin, ressaltou que faz seu tratamento médico pelo SUS via Secretaria Municipal de Saúde, mas que a medicação dificilmente consegue pelo SUS.
Devido aos problemas no coração Maristela tem algumas limitações, não consegue fazer caminhadas longas e rápidas, não pode fazer esforço fisco (erguer peso), não faz atividades domésticas demoradas sempre precisa pausar, sente muita fraqueza e cansaço, precisa ficar de repouso para não sentir dores no peito.
No momento da visita Maristela não tinha em seu poder os laudos e exames médicos para mostrar, pois estariam no advogado.
A renda familiar no momento é proveniente de 02 salários-mínimos nacional, no primeiro mês na nova residência o gasto com água e energia elétrica foi de RS 310,00 reais, o valor do aluguel é de R$ 200,00, o gasto com farmácia gira em tomo de R$ 570,00 reais por mês.
A residência possui 04 quartos, sala/cozinha juntos, 01 banheiro e ` 01 lavanderia, o estado de conservação pode ser considerável bom para uma habitabilidade digna.
Considerando a análise contida acima, sugere-se o deferimento do BPC - Beneficio de Prestação Continuada a Maristela.
Na análise do ponto, bem andou o parecer ministerial, transcrevo excertos (evento 10-PARECER1):
Conforme bem destacado no julgado acima transcrito "por ser esporádica a colaboração dos filhos maiores no sustento de seus ascendentes, não seria razoável a mantença do idoso (...) ad eternum ao alvitre de outro integrante do grupo familiar, que, pode, eventualmente, cessar a cooperação no sustento do hipossuficiente,deixando-o sem condições de prover à própria subsistência".Ainda, apesar de o esposo da autora contar atualmente 62 anos deidade, portanto ainda não possui a idade prevista no art. 34 da Lei n. 8.472/93 para ter sua renda excluída do cálculo do grupo familiar, há que se contar que se trata de aposentadoria por idade rural, ou seja, tem o benefício concedido 5 anos antes da aposentadoria por idade urbana justamente pelo maior desgaste a que está sujeito em razão do trabalho no campo. Dessa forma deve ser afastado também a renda proveniente do seu benefício.
Dessa forma, a renda do grupo familiar, composto pela autora, seu esposo e dois netos provém, unicamente, da pensão por morte, no valor de um salário mínimo percebida por um dos netos da autora. O grupo sequer possui residência própria, tendo despesas, dentre tantas outras, com aluguel.Portanto, uma vez que a análise do requisito da miserabilidade deve ser realizada no caso concreto, e não de maneira objetiva, entende-se que na presente demanda evidencia-se situação de risco social e cabe garantir à apelada renda autônoma, posto que a renda familiar total não é suficiente para assegurar-lhe um sustento digno, considerando as suas necessidades mínimas.
Termo inicial
O benefício assistencial previsto no art. 20 da Lei nº 8.742/93, no valor de um salário mínimo nacional, é devido do requerimento na via administrativa - DER, em 16/09/2014, pois restou devidamente comprovado nos autos, que a apelada é portadora das doenças incapacitantes desde o ano de 2011 (evento 3 - ANEXOS PET4, pg 2-5).
Negado provimento a apelação no ponto.
Correção monetária
A correção monetária, segundo o entendimento consolidado da 3ª Seção deste Tribunal, incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelos seguintes índices oficiais:
- IGP-DI de 05/96 a 03/2006, de acordo com o art. 10 da Lei n. 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5º e 6º, da Lei n. 8.880/94;
- INPC de 04/2006 a 29/06/2009, conforme o art. 31 da Lei n. 10.741/03, combinado com a Lei n. 11.430/06, precedida da MP n. 316, de 11/08/2006, que acrescentou o art. 41-A à Lei n. 8.213/91;
- IPCA-E a partir de 30/06/2009.
A incidência da TR como índice de correção monetária dos débitos judiciais da Fazenda Pública foi afastada pelo STF, no julgamento do RE 870947, com repercussão geral, tendo-se determinado a utilização do IPCA-E, como já havia sido determinado para o período subsequente à inscrição em precatório, por meio das ADIs 4.357 e 4.425.
Juros de mora
Os juros de mora devem incidir a partir da citação.
Até 29-06-2009, os juros de mora devem incidir à taxa de 1% ao mês, com base no art. 3º do Decreto-Lei n. 2.322/87, aplicável analogicamente aos benefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter eminentemente alimentar, consoante firme entendimento consagrado na jurisprudência do STJ e na Súmula 75 desta Corte.
A partir de então, deve haver incidência dos juros, uma única vez, até o efetivo pagamento do débito, segundo o índice oficial de remuneração básica aplicado à caderneta de poupança, nos termos estabelecidos no art. 1º-F, da Lei 9.494/97, na redação da Lei 11.960/2009, considerado hígido pelo STF no RE 870947, com repercussão geral reconhecida. Os juros devem ser calculados sem capitalização, tendo em vista que o dispositivo determina que os índices devem ser aplicados "uma única vez" e porque a capitalização, no direito brasileiro, pressupõe expressa autorização legal (STJ, 5ª Turma, AgRgnoAgRg no Ag 1211604/SP, Rel. Min. Laurita Vaz).
Honorários Advocatícios
Incide, no caso, a sistemática de fixação de honorários advocatícios prevista no art. 85 do NCPC, porquanto a sentença foi proferida após 18/03/2016 (data da vigência do NCPC definida pelo Pleno do STJ em 02/04/2016).
Confirmada a sentença no mérito, majoro a verba honorária para 15% (quinze por cento) sobre as parcelas vencidas até a data da sentença, considerando as variáveis dos incisos I a IV do § 2º do artigo 85 do NCPC.
Custas e despesas processuais
O INSS é isento do pagamento das custas processuais quando demandado na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais, como as relacionadas a correio, publicação de editais e condução de oficiais de justiça (artigo 11 da Lei Estadual nº 8.121/85, com a redação da Lei Estadual nº 13.471/2010, já considerada a inconstitucionalidade formal reconhecida na ADI nº 70038755864 julgada pelo Órgão Especial do TJ/RS).
Cumprimento imediato do julgado (tutela específica)
Considerando a eficácia mandamental dos provimentos fundados no art. 497 do novo CPC, que repete dispositivo constante do art. 461 do antigo CPC, e tendo em vista que a presente decisão não está sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo (TRF4, 3ª Seção, Questão de Ordem na AC n. 2002.71.00.050349-7/RS, Rel. para o acórdão Des. Federal Celso Kipper, julgado em 09/08/2007), determino o cumprimento imediato do acórdão, a ser efetivado em 45 dias, mormente pelo seu caráter alimentar e necessidade de efetivação imediata dos direitos sociais fundamentais.
Prequestionamento
O prequestionamento da matéria segue a sistemática prevista no art. 1.025 do CPC/2015.
Conclusão
Remessa Oficial não conhecida. Negado provimento à apelação, adequando consectários à orientação do STF no RE 870947.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por não conhecer da remessa oficial, negar provimento à apelação, e determinar o imediato cumprimento do acórdão.
Juiz Federal Artur César de Souza
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 09/04/2018
APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5030802-24.2017.4.04.9999/RS
ORIGEM: RS 00002418120158210100
RELATOR | : | Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA |
PRESIDENTE | : | Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
PROCURADOR | : | Dr. Maurício Pessutto |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | MARISTELA FATIMA TEIXEIRA MARTINS |
ADVOGADO | : | LUCIA BELLINI |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 09/04/2018, na seqüência 104, disponibilizada no DE de 22/03/2018, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NÃO CONHECER DA REMESSA OFICIAL, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO, E DETERMINAR O IMEDIATO CUMPRIMENTO DO ACÓRDÃO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA |
VOTANTE(S) | : | Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA |
: | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA | |
: | Juíza Federal TAÍS SCHILLING FERRAZ |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
| Documento eletrônico assinado por Lídice Peña Thomaz, Secretária de Turma, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9371428v1 e, se solicitado, do código CRC E0101763. | |
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