APELAÇÃO CÍVEL Nº 5013225-96.2018.4.04.9999/RS
RELATOR | : | ARTUR CÉSAR DE SOUZA |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | ANDRE FERREIRA DA SILVA |
: | ROQUE DIEL | |
ADVOGADO | : | MAURO ANTONIO WOLKMER |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
APENSO(S) | : | 0002486-64.2018.821.0034 |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. VIABILIDADE. CONSECTÁRIOS.
1. Comprovados os requisitos da deficiência para o labor e hipossuficiência econômica do grupo familiar, cabível a concessão do benefício assistencial.
2. O Supremo Tribunal Federal reconheceu no RE 870947, com repercussão geral, a inconstitucionalidade do uso da TR, determinando, no recurso paradigma, a adoção do IPCA-E para o cálculo da correção monetária.
3. Considerando que o recurso que originou o precedente do STF tratava de condenação da Fazenda Pública ao pagamento de débito de natureza administrativa, o Superior Tribunal de Justiça, no REsp 1495146, em precedente também vinculante, e tendo presente a inconstitucionalidade da TR como fator de atualização monetária, distinguiu os créditos de natureza previdenciária, em relação aos quais, com base na legislação anterior, determinou a aplicação do INPC.
4. Os juros de mora, a contar da citação, devem incidir à taxa de 1% ao mês, até 29-06-2009. A partir de então, incidem uma única vez, até o efetivo pagamento do débito, segundo o índice oficial de remuneração básica aplicado à caderneta de poupança.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação, mantida a antecipação de tutela, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 18 de julho de 2018.
Juiz Federal Artur César de Souza
Relator
| Documento eletrônico assinado por Juiz Federal Artur César de Souza, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9431460v28 e, se solicitado, do código CRC 4F968A3E. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Artur César de Souza |
| Data e Hora: | 19/07/2018 16:38 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5013225-96.2018.4.04.9999/RS
RELATOR | : | ARTUR CÉSAR DE SOUZA |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | ANDRE FERREIRA DA SILVA |
: | ROQUE DIEL | |
ADVOGADO | : | MAURO ANTONIO WOLKMER |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
APENSO(S) | : | 0002486-64.2018.821.0034 |
RELATÓRIO
Trata-se de apelação do INSS contra sentença (prolatada em 12/12/2017 na vigência do NCPC) que julgou procedente o pedido de benefício assistencial, cujo dispositivo reproduzo a seguir:
Isso posto, defiro a liminar para determinar a implantação imediata do benefício assistencial em prol do autor e julgo procedente o pedido formulado por André Ferreira da Silva em face do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, para condená-lo ao pagamento do benefício assistencial ao requerente, a contar da data do pedido administrativo (13/11/1997), nos termos da fundamentação.
Condeno o demandado ao pagamento de honorários advocatícios do procurador da requerente, que fixo em 10% do valor das prestações vencidas até a data da prolação da sentença, nos termos do art. 85, par. 2º, do NCPC, e da Súmula 111 do STJ, montante a ser atualizado monetariamente pelo INPC e acrescido de juros de mora de 1% ao mês, a partir da intimação para pagamento, ambos os consectários incidirão até a data do efetivo pagamento. Custas pelo demandado, por metade, nos termos do art. 11, "a", da Lei nº 8.121/85, na medida em que reconhecida a inconstitucionalidade da Lei nº 13.471/10, pelo Órgão Pleno do TJRS, no Incidente de Inconstitucionalidade nº 70041334053.
O INSS apelou requerendo, preliminarmente, que seja atribuído efeito suspensivo à decisão que antecipou os efeitos da tutela; o reconhecimento da prescrição das parcelas vencidas anteriormente ao quinquênio que precede o ajuizamento da ação, nos termos do art. 103, § único, da Lei nº 8.213/91.
No mérito, sustentou, em apertada síntese, que o indeferimento do benefício na via administrativa encontra respaldo científico e jurídico, pois foram aplicados critérios de acordo com o sistema jurídico internacional de tutela dos direitos humanos, quando analisados e qualificados graus de incapacidade.
Pugnou que a sentença seja integralmente reformada para julgar os pedidos improcedentes, ou subsidiariamente que se altere a DIB do benefício deferido para a data da perícia judicial ou para a sentença de interdição do apelado, bem como os critérios da correção monetária das parcelas vencidas da condenação e a obrigação do apelante arcar com as custas processuais,
Apresentada as contrarrazões, vieram os autos para esta Corte para julgamento.
O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento da apelação.
É o relatório.
VOTO
Juízo de admissibilidade
O apelo preenche os requisitos legais de admissibilidade.
Preliminar - Prescrição
Requer, o apelante, que se reconheçam prescritas as parcelas que antecedem o quinquênio anterior à propositura da ação. Em se tratando de obrigação de trato sucessivo e de verba alimentar, não há falar em prescrição do fundo de direito. Contudo, são atingidas pela prescrição as parcelas vencidas antes do quinquênio anterior à propositura da ação, conforme os termos do parágrafo único do art. 103 da Lei nº 8.213/91 e da Súmula 85/STJ.
Sem embargo, não corre a prescrição contra absolutamente incapaz, como disposto nos arts. 79 e 103, parágrafo único, da Lei nº 8.213/91 c/c 198, I, e art. 3º do Código Civil Brasileiro (este último artigo na redação vigente à época do preenchimento dos requisitos ao benefício, ou seja, em momento anterior ao advento da Lei nº 13.146/2015).
Destarte, no caso em tela, tenho que restou demonstrado que o autor é absolutamente incapaz, portador de retardo mental, desde a infância, segundo o expert (evento 3, LAUDPERI48), interditado por sentença com trânsito em julgado, conforme termo de compromisso de curador, data de nomeação em 16/12/2010, Sr. Roque Diel (evento 3, ANEXOS PET4).
Ora, é notório que, em se tratando de retardo mental - consabido que não é doença que se adquire, a pessoa nasce com ela, ocorrendo atrasos acentuados do desenvolvimento na infância e adolescência, apresentando comprometimento significativo do comportamento, no qual a pessoa não está incapacitada de ter filhos ou exercer trabalhos; contudo, o quadro requer a vigilância, acompanhamento e tratamento constantes.
Assim, face as considerações aduzidas, rejeito a arguição de prescrição quinquenal.
Preliminar - antecipação de tutela
O INSS apelou requerendo, preliminarmente, que seja atribuído efeito suspensivo à decisão que antecipou os efeitos da tutela. A análise do pedido decorre do julgamento do mérito, examinado a seguir.
Benefício de prestação continuada ao idoso e ao deficiente (LOAS)
A Constituição Federal de 1988 dispôs em seu artigo 203:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente da contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
(...)
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
A regulamentação desse dispositivo constitucional veio com a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, denominada Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), que, em seu artigo 20, passou a especificar as condições para a concessão do benefício, no valor de um salário mínimo mensal, à pessoa com deficiência e ao idoso com 70 anos ou mais comprovadamente carentes.
Após as alterações promovidas pelas Leis nº 9.720, de 30 de novembro de 1998, e nº 10.741, de 1º de outubro de 2003 (Estatuto do Idoso), relativas à redução do critério etário para 67 e 65 anos, respectivamente, sobrevieram as Leis nº 12.435, de 06 de julho de 2011, e nº 12.470, de 31 de agosto de 2011, as quais conferiram ao aludido artigo 20, da LOAS, a seguinte redação, ora em vigor:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
(...)
Portanto, o direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos:
1.a) idoso (assim considerado aquele com 65 anos ou mais, a partir de 1º de janeiro de 2004, data da entrada em vigor do Estatuto do Idoso) ou
1.b) condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, conforme redação original do artigo 20, da LOAS, e, após as alterações da Lei nº 12.470, de 31-10-2011, tratar-se de pessoa com impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas);
2) Situação de risco social (ausência de meios para, dignamente, prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família).
Requisito etário
Tratando-se de benefício requerido na vigência do Estatuto do Idoso, é considerada idosa a pessoa com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. O requisito é objetivo, ou seja, comprovado o atributo etário, a análise do requisito incapacitante é desnecessária, bastando apenas verificar a situação de vulnerabilidade socioeconômica a que submetido o idoso.
Condição de deficiente
No que se refere à incapacidade para a vida independente constante no artigo 20, da Lei 8.742/93, em sua redação original, este Tribunal consolidou entendimento segundo o qual a interpretação que melhor se coaduna ao princípio da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III), de modo a assegurar a ampla garantia de prestação da assistência social (CF, art. 203) e atender ao objetivo da seguridade social de universalidade da cobertura e do atendimento (CF, art. 194, parágrafo único), é a que garante o benefício assistencial a maior gama possível de pessoas portadoras de deficiência. Sob essa orientação, ao analisar o caso concreto, cumpre ao julgador observar que a incapacidade para a vida independente (a) não exige que a pessoa possua uma vida vegetativa ou que seja incapaz de locomover-se; (b) não significa incapacidade para as atividades básicas do ser humano, tais como alimentar-se, fazer a higiene e vestir-se sozinho; (c) não impõe a incapacidade de expressar-se ou de comunicar-se; e (d) não pressupõe dependência total de terceiros (TRF4, EINF 0016689-58.2014.404.9999, Terceira Seção, Relator Ricardo Teixeira do Valle Pereira, D.E. 29/05/2015).
A ratificação pelo Brasil, em 2008, da Convenção Internacional Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, a qual fora incorporada ao nosso ordenamento jurídico com status de emenda constitucional (artigo 5º, § 3º, da Constituição Federal de 1988), conferiu ainda maior amplitude ao tema, visando, sobretudo, promover, proteger e assegurar o exercício pleno e equitativo dos direitos humanos e das liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência (Artigo 1, da Convenção).
Assim é que a Lei nº 12.470, de 2011, que alterou o §2º do artigo 20, da LOAS, e, mais recentemente, o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei n. 13.146, de 6 de julho de 2015, com início de vigência em 5 de janeiro de 2016), praticamente reproduziram os termos do artigo 1, da Convenção, redimensionando o conceito de pessoa com deficiência de maneira a abranger diversas ordens de impedimentos de longo prazo capazes de obstaculizar a plena e equânime participação social do portador de deficiência, considerando o meio em que este se encontra inserido.
Com a consolidação desse novo paradigma, o conceito de deficiência desvincula-se da mera incapacidade para o trabalho e para a vida independente - abandonando critérios de análise restritivos, voltados ao exame das condições biomédicas do postulante ao benefício -, para se identificar com uma perspectiva mais abrangente, atrelada ao modelo social de direitos humanos, visando à remoção de barreiras impeditivas de inserção social.
Nesse contexto, a análise atual da condição de deficiente a que se refere o artigo 20, da LOAS, não mais se concentra na incapacidade laboral e na impossibilidade de sustento, mas, senão, na existência de restrição capaz de obstaculizar a efetiva participação social de quem o postula de forma plena e justa.
Situação de risco social
Tendo em vista a inconstitucionalidade dos artigos 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e do artigo 34, § único, da Lei 10.741/2003, reconhecida no julgamento dos REs 567985 e 580963 em 18.04.2013, a miserabilidade para fins de benefício assistencial deve ser verificada em cada caso concreto.
Nesse sentido, os cuidados necessários com a parte autora, em decorrência de sua deficiência, incapacidade ou avançada idade, que acarretarem gastos - notadamente com medicamentos, alimentação especial, fraldas descartáveis, tratamento médico, psicológico e fisioterápico, entre outros -, configuram despesas a ser consideradas na análise da condição de risco social da família do demandante (TRF4, APELREEX 5002022-24.2011.404.7012, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão Celso Kipper, juntado aos autos em 27/06/2013).
Também, o fato de a parte autora ser beneficiária e perceber renda proveniente do Programa Bolsa Família, não só não impede a percepção do benefício assistencial do art. 203, V, da Constituição Federal, como constitui forte indicativo de que a unidade familiar encontra-se em situação de risco social (TRF4, APELREEX 2009.71.99.006237-1, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão Celso Kipper, D.E. 07/10/2014).
Logo, em linhas gerais, para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, a situação de risco social a que se encontra exposta a pessoa idosa ou portadora de deficiência e sua família deve ser analisada em cada caso concreto (TRF4, EINF 0016689-58.2014.404.9999, Terceira Seção, Relator Ricardo Teixeira do Valle Pereira, D.E. 29/05/2015).
Fixados os parâmetros de valoração da prova, passo ao exame da situação específica dos autos.
Na hipótese, o autor André Ferreira da Silva, está representado por seu curador Roque Diel; sustentando que é interditado desde 16/12/2010, decorrência do retardo mental (CID10 F71). Alegou que não conta com capacidade laborativa e encontra-se em risco social.
Com efeito, decidiu o julgador a quo pela procedência do pedido inicial. Nesse diapasão, nenhum reparo há a considerar na sentença recorrida. Para evitar tautologia, transcrevo excerto dos fundamentos, fazendo-os parte integrante de minhas razões de decidir, in verbis (evento 3, SENT54):
(...)
No que concerne à incapacidade do demandante, a perícia médica realizada pelo perito Dr. Jonas de Miranda Pes dá conta de que o autor apresenta sintomas de um atraso no desenvolvimento, retardo mental (CID10 F71). Disse que essa condição clínica atual é geradora de incapacidade. Referiu que não há documentos que comprovem o início da doença, porém é possível afirmar que o autor apresenta incapacidade laboral desde a infância. Afirmou que o periciado não realizava tratamento médico regular, sendo que a patologia não é passível de melhora. Concluiu que o periciando encontra-se totalmente incapaz de forma permanente.
Quanto ao requisito miserabilidade, a Assistente Social Judiciária informou que o autor, Sr. André Ferreira da Silva, reside sozinho e não aufere rendimentos, porque seria interditado e em decorrência de transtornos mentais e, portanto, não exerce atividades laborativas. Narrou que o autor sobrevive com o auxílio da comunidade que lhe fornece roupas e alimentos, bem como por intermédio da Assistência Social que lhe doa uma cesta básica e da complementação de renda do programa Bolsa Família no valor de R$ 85,00 reais mensais, sendo que com a percepção deste programa social custeia as despesas com abastecimento de água e energia elétrica de seu domicílio, cujos custos não soube precisar, já que seriam pagas com ajuda de um amigo, Jair Soares. O autor reside em casa própria, construída em madeira, contemplando dois cômodos, sala e cozinha conjugadas e um quarto. Já o banheiro seria externo ao domicílio. Esclareceu que seu curador, Roque Diel, faleceu há alguns meses e por isso gostaria que o Sr. Jair Soares fosse nomeado seu curador, pois sempre o ajuda e cuida. Disse que seus irmãos residem em São Luiz Gonzaga, mas não almeja abandonar seu espaço para viver junto a eles. Aduziu que os irmãos não detêm condições financeiras para contribuírem em seu sustento. Quanto à saúde do autor, ele refere que suas consultas ocorrem pelo Sistema Único de Saúde, sendo que a Prefeitura o conduz até o consultório médico, cujo tratamento é realizado em Pirapó e com uso de medicamentos, cujos nomes não soube precisar e estes seriam obtidos gratuitamente na rede pública de saúde.
No presente caso, evidencia-se o contexto de extrema vulnerabilidade social no qual se encontra o autor, tendo em vista a escassez econômica e material vivenciada e as suas precárias condições de moradia. Diante disso, o autor conta com subsídios de programas sociais e carece da solidariedade e cooperação da comunidade e de familiares extensos para garantir-lhe atendimento as suas necessidades básicas infimamente. Assim, o autor demanda a concessão do benefício assistencial como meio de lhe assegurar o mínimo de qualidade e dignidade de vida, porque não percebe rendimentos suficientes para prover o seu autossustento ou de tê-lo provido por seu grupo familiar. Outrossim, destaca-se a premência da substituição de seu curador, já que o Sr. Roque Diel faleceu recentemente.
A perícia socioeconômica realizada pela Assistente Social Judiciária dá conta de que o autor preenche o requisito miserabilidade, pois não aufere renda, uma vez que é considerando absolutamente incapaz, sendo necessário auxílio por parte de programas sociais e da comunidade.
Saliento ainda que a perícia social realizada administrativamente pelo INSS reconheceu o enquadramento do autor no requisito miserabilidade, consoante documento da fl. 38, sendo que a controvérsia residia na questão da incapacidade do requerente.
Dessa forma, identifico todos os requisitos necessários à concessão do benefício assistencial ao autor, porque incapacitado, conforme perícia médica.
(...)
Destarte, no que se refere à deficiência, o expert, nomeado pelo Juízo concluiu que o requerente (evento 3, LAUDPERI48) "apresenta sintomas de um atraso no desenvolvimento CID10 = F71 (Retardo Mental)", e "pelo diagnóstico a data de início da patologia remonta a infância, mas não há documentos médicos que comprovam o inicio". Ademais disso, "o periciando encontra-se totalmente incapaz de forma permanente" e "a patologia não é passível de melhora". Assim, evidente a incapacidade do requerente.
No tocante ao requisito econômico, importa referir que a situação de vulnerabilidade social é aferida não apenas com base na renda familiar, que não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. Deverá ser analisado o contexto socioeconômico em que o autor se encontra inserido.
Nessa senda, foi realizado estudo socioeconômico em 18/04/2011, que concluiu que o requerente vive sozinho, sem renda alguma, e se mantém com o auxílio da comunidade. Forçoso transcrever o parecer da assistente social, in verbis (evento 3, PET29, p.25):
O requerido e interditando sr. André, reside sozinho, na localidade de Linha Campina, na cidade de Pirapó.
O requerente, sr. Roque Diel, reside com sua esposa, sra. Ilse Klein Diel, na mesma localidade, exercendo a atividade de agricultor e produtor de leite. O sr. Roque refere que, o interditando vive na comunidade há aproximadamente 25 anos, trabalhando como ajudante nas lidas da lavoura, em propriedades de terceiros. Diz que, atualmente, o sr. André não trabalha, pois suas condições de saúde não lhe permitem. Segundo o sr. Roque, o interditando vive de doações das pessoas da comunidade, que, compadecidos com sua situação de miserabilidade, lhe alcançam alimentos, roupas e demais itens necessários.
De acordo com o requerente, líderes da comunidade de Linha Campina, lhe procuraram, e, lhe propuseram iniciar o processo de interdição e assumir a curatela de André, pois o mesmo tem direito ao Benefício Assistencial, o qual lhe proporcionaria uma melhor qualidade de vida. Dessa forma, o requente, sr. Roque Diel, diz se propor a assumir a curatela do sr. André, para ajudar o amigo, que atualmente vive de favores. O sr. Roque afirma que, como curador, cuidará do sr. André, para que não lhe falte as condições mínimas necessárias de sobrevivência, administrando seu Benefício na satisfação de suas necessidades. Porém, não o levará para residir consigo, visto que, o interditando possui uma casinha que lhe fora cedida por membros da comunidade.
AVALIAÇÃO
O caso concreto apresenta uma situação de interdição, com a finalidade de incluir o interditando no Benefício Assistencial, garantindo-lhe a possibilidade de uma vida mais digna. Percebe-se que a preocupação dos membros da comunidade, é de amparar seu integrante menos favorecido, de forma a proporcionar-lhe meios de sobrevivência, visto que, o mesmo, não possui condições de prover seu sustento. A atitude de assumir a curatela do sr. André, por parte do requerente, sr. Roque, demonstra a capacidade altruística deste, que, de forma espontânea, doará parte do seu tempo, para a atenção e os cuidados do amigo. Considerando que o sr. André, não possui familiares, estando convivendo com membros da comunidade da Linha Campina, há muitos anos, os quais, estão dispostos a assumirem a responsabilidade sobre o mesmo, entendemos ser procedente a solicitação de interdição e curatela, com o intuito de garantir o amparo do interditando.
Assim, frente a esse contexto, considerando que o direito ao benefício de prestação continuada não pressupõe a verificação de um estado de miserabilidade extremo - bastando estar demonstrada a insuficiência de meios para o beneficiário, dignamente, prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, tenho por configurada a situação de risco social necessária à concessão do benefício.
Dessa forma, comprovados ambos os requisitos, a decisão recorrida que estabeleceu o benefício à parte autora, merece ser mantida hígida.
Termo inicial
Presentes a condição de incapacidade e a situação de risco social no caso em concreto, tem direito a parte autora à concessão do benefício assistencial de prestação continuada desde a data da DER, em 13/11/1997 (evento 3, ANEXOS PET4), cumprindo ao INSS pagar as parcelas vencidas e descontados valores já pagos por força de decisão judicial.
Mister ressaltar que não há que se falar em decadência para requerimento de benefício previdenciário, porque a decadência prevista no art. 103 da Lei 8.213/91 trata somente dos casos de revisão de benefício, o que não é o caso; igualmente restou afastada a prescrição, reiterando que contra a parte autora, por ser absolutamente incapaz (arts. 79 e 103, parágrafo único, da Lei nº 8.213/91 c/c 198, I, e art. 3º do Código Civil Brasileiro (este último artigo na redação vigente à época do preenchimento dos requisitos ao benefício, ou seja, em momento anterior ao advento da Lei nº 13.146/2015).
Nego provimento à apelação no ponto.
Correção monetária
A correção monetária, segundo o entendimento consolidado da 3ª Seção deste Tribunal, incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelos seguintes índices oficiais:
- IGP-DI de 05/96 a 03/2006, de acordo com o art. 10 da Lei n. 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5º e 6º, da Lei n. 8.880/94;
- INPC a partir de 04/2006, de acordo com a Lei n. 11.430/06, precedida da MP nº 316, de 11/08/2006, que acrescentou o art. 41-A à Lei n. 8.213/91, sendo que o art. 31 da Lei nº 10.741/03, determina a aplicabilidade do índice de reajustamento dos benefícios do RGPS às parcelas pagas em atraso.
A incidência da TR como índice de correção monetária dos débitos judiciais da Fazenda Pública foi afastada pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 870947, com repercussão geral, tendo-se determinado, no recurso paradigma a utilização do IPCA-E, como já havia sido determinado para o período subsequente à inscrição em precatório, por meio das ADIs 4.357 e 4.425.
Interpretando a decisão do STF, e tendo presente que o recurso paradigma que originou o precedente tratava de condenação da Fazenda Pública ao pagamento de débito de natureza não previdenciária (benefício assistencial), o Superior Tribunal de Justiça, em precedente também vinculante (REsp 149146), distinguiu, para fins de determinação do índice de atualização aplicável, os créditos de natureza previdenciária, para estabelecer que, tendo sido reconhecida a inconstitucionalidade da TR como fator de atualização, deveria voltar a incidir, em relação a tal natureza de obrigação, o índice que reajustava os créditos previdenciários anteriormente à Lei 11.960/09, ou seja, o INPC.
Importante ter presente, para a adequada compreensão do eventual impacto sobre os créditos dos segurados, que os índices em referência - INPC e IPCA-E tiveram variação praticamente idêntica no período transcorrido desde julho de 2009 até setembro de 2017, quando julgado o RE 870947, pelo STF (IPCA-E: 64,23%; INPC 63,63%), de forma que a adoção de um ou outro índice nas decisões judiciais já proferidas não produzirá diferenças significativas sobre o valor da condenação.
A conjugação dos precedentes acima resulta na aplicação do INPC aos benefícios previdenciários, a partir de abril de 2006, reservando-se a aplicação do IPCA-E aos benefícios de natureza assistencial.
Juros de mora
Os juros de mora devem incidir a partir da citação.
Até 29-06-2009, os juros de mora devem incidir à taxa de 1% ao mês, com base no art. 3º do Decreto-Lei n. 2.322/87, aplicável analogicamente aos benefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter eminentemente alimentar, consoante firme entendimento consagrado na jurisprudência do STJ e na Súmula 75 desta Corte.
A partir de então, deve haver incidência dos juros, uma única vez, até o efetivo pagamento do débito, segundo o índice oficial de remuneração básica aplicado à caderneta de poupança, nos termos estabelecidos no art. 1º-F, da Lei 9.494/97, na redação da Lei 11.960/2009, considerado hígido pelo STF no RE 870947, com repercussão geral reconhecida. Os juros devem ser calculados sem capitalização, tendo em vista que o dispositivo determina que os índices devem ser aplicados "uma única vez" e porque a capitalização, no direito brasileiro, pressupõe expressa autorização legal (STJ, 5ª Turma, AgRgnoAgRg no Ag 1211604/SP, Rel. Min. Laurita Vaz).
Honorários Advocatícios
Incide, no caso, a sistemática de fixação de honorários advocatícios prevista no art. 85 do NCPC, porquanto a sentença foi proferida após 18/03/2016 (data da vigência do NCPC definida pelo Pleno do STJ em 02/04/2016).
Confirmada a sentença no mérito, majoro a verba honorária para 15% (quinze por cento) sobre as parcelas vencidas até a data da sentença, considerando as variáveis dos incisos I a IV do § 2º do artigo 85 do NCPC.
Custas e despesas processuais e periciais
O INSS é isento do pagamento das custas processuais quando demandado na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais, como as relacionadas a correio, publicação de editais e condução de oficiais de justiça (artigo 11 da Lei Estadual nº 8.121/85, com a redação da Lei Estadual nº 13.471/2010, já considerada a inconstitucionalidade formal reconhecida na ADI nº 70038755864 julgada pelo Órgão Especial do TJ/RS).
Dou provimento à apelação no ponto.
Da antecipação da tutela
Uma vez confirmado o direito ao benefício, resta mantida a antecipação dos efeitos da tutela, concedida no juízo de origem (fl.66)
Nego provimento à apelação no ponto.
Prequestionamento
O prequestionamento da matéria segue a sistemática prevista no art. 1.025 do CPC/2015.
Conclusão
Rejeitadas a preliminares de prescrição e suspensão dos efeitos da tutela. O termo inicial do benefício foi fixada da data do requerimento administrativo, por se tratar de absolutamente incapaz, contra o qual não corre prescrição. Dado parcial provimento à apelação da ré, no que se refere à custas, pela isenção. Majorada verba honorária em 15% sobre o valor das parcelas vencidas, adequando consectários à orientação do STF no RE 870947, mantida a antecipação de tutela.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação, mantida a antecipação de tutela.
Juiz Federal Artur César de Souza
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 18/07/2018
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5013225-96.2018.4.04.9999/RS
ORIGEM: RS 00050185520118210034
RELATOR | : | Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA |
PRESIDENTE | : | Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
PROCURADOR | : | Dr. Cícero Augusto Pujol Corrêa |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | ANDRE FERREIRA DA SILVA |
: | ROQUE DIEL | |
ADVOGADO | : | MAURO ANTONIO WOLKMER |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
APENSO(S) | : | 0002486-64.2018.821.0034 |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 18/07/2018, na seqüência 96, disponibilizada no DE de 02/07/2018, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO, MANTIDA A ANTECIPAÇÃO DE TUTELA.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA |
VOTANTE(S) | : | Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA |
: | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA | |
: | Juíza Federal TAÍS SCHILLING FERRAZ |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
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