
Apelação Cível Nº 5007258-35.2021.4.04.7002/PR
RELATOR: Juiz Federal OSCAR VALENTE CARDOSO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: ANA MARIA BARBIERI (AUTOR)
RELATÓRIO
Trata-se de ação ajuizada pela parte autora em face do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), objetivando a declaração de inexigibilidade do débito apurado pela Autarquia, diante do suposto recebimento indevido do benefício de aposentadoria por idade rural, NB 129.176.655-0.
Foi proferida sentença cujo dispositivo tem o seguinte teor (
):3. DISPOSITIVO
Ante o exposto:
- Reconheço a prescrição das parcelas anteriores a 31/05/2008;
- Julgo procedente o pedido, com fundamento no art. 487, I, do CPC/2015, para o fim de:
a) DECLARAR a inexigibilidade do débito imposto pelo INSS à parte autora referente ao recebimento do benefício de aposentadoria por idade rural, NB 129.176.655-0 (
);b) DETERMINAR que o INSS se abstenha de cobrar de qualquer valor referente ao suposto débito objeto desta ação, inclusive com a inclusão da parte autora em Cadastro de Dívida Ativa ou desconto em benefício ativo;
- Antecipo os efeitos da sentença, para o fim de determinar que o INSS cesse os descontos em benefício ativo, bem como que não inclua a parte autora em cadastro de dívida ativa, nem a execute.
Deixo de condenar o INSS ao pagamento das custas processuais, pois está isento quando demandado na Justiça Federal (art. 4º, I, da Lei nº 9.289/96).
No entanto, condeno a parte ré ao pagamento de honorários advocatícios ao procurador da parte contrária, em 10% sobre o valor da condenação, excluindo-se as prestações vincendas a partir da sentença, ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, §2º, do CPC c/c Súmula nº 111/STJ.
O INSS apela, sustentando a imprescritibilidade dos valores recebidos indevidamente. Ainda refere que a parte autora tinha condições de saber da irregularidade do pagamento indevido, sendo flagrante a má-fé na fruição do benefício (
).Com contrarrazões ( ), vieram os autos a este Tribunal.
A parte autora pediu reintimação do INSS para fins de cumprimento da antecipação da tutela (ev. 5).
É o relatório.
Peço dia para julgamento.
VOTO
Ressarcimento de Benefício. Prescrição.
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 669.069/MG, sob o regime de repercussão geral, decidiu no sentido de que é prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil, fixando a seguinte tese no Tema 666 da Repercussão Geral:
É prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil.
Tal entendimento tem sido prestigiado por este Tribunal, estabelecendo a necessária distinção entre a prescritibilidade da pretensão de ressarcimento e a decadência do direito de revisar os atos administrativos, como demonstram os seguintes precedentes:
PREVIDENCIÁRIO. REMESSA EX OFFICIO. INEXISTÊNCIA. PAGAMENTO INDEVIDO. RESSARCIMENTO. MÁ-FÉ. ERRO ADMINISTRATIVO. ILÍCITO CIVIL. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. 1. Hipótese em que a sentença não está sujeita à remessa ex officio, a teor do disposto no artigo 496, § 3º, I, do Código de Processo Civil. 2. Incidência do Tema STF nº 666: É prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil. 3. A comprovação da má-fé é apta a afastar o prazo decadencial para anulação do ato administrativo de que decorra efeitos favoráveis para o beneficiário, nos termos do art. 54 da Lei 9.784/1999 e art. 103-A da Lei 8.213/1991, contudo, não tem o condão de impedir a fluência do prazo prescricional. (TRF4, AC 5008951-61.2015.4.04.7003, TRS/PR, Relator Des. Federal Fernando Quadros da Silva, 23.4.2018)
PREVIDENCIÁRIO. REMESSA EX OFFICIO. INEXISTÊNCIA. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. RECEBIMENTO INDEVIDO. ILÍCITO CIVIL. RESSARCIMENTO. PRESCRIÇÃO. A sentença que decide sobre valor certo não superior a 1000 salários mínimos não está sujeita ao reexame necessário, a teor do disposto no artigo 496, § 3º, I, do Código de Processo Civil. Conforme o entendimento fixado pelo Supremo Tribunal Federal no Tema nº 666: "É prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil." Hipótese que não se confunde com a decadência para anulação ou revisão de ato administrativo. (TRF4 5014335-05.2015.4.04.7003, TRS/PR, Relator Des. Federal Márcio Antônio Rocha, 29.07.2020)
PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO DE RESSARCIMENTO. BENEFÍCIO RECEBIDO INDEVIDAMENTE. MÁ-FÉ. CARACTERIZAÇÃO. ILÍCITO CIVIL. PRESCRIÇÃO. APLICABILIDADE. 1. Evidenciada a má-fé da autora, que era titular de aposentadoria por invalidez e que passou a trabalhar no Município, acumulando benefício previdenciário e salário, devem ser restituídos ao INSS os valores indevidamente recebidos a título de aposentadoria. 2. É prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil (Tema n. 666 do STF). 3. A comprovação da má-fé é apta a afastar o prazo decadencial para anulação do ato administrativo de que decorra efeitos favoráveis para o beneficiário, nos termos do art. 54 da Lei 9.784/1999 e art. 103-A da Lei 8.213/1991, contudo, não tem o condão de impedir a fluência do prazo prescricional. (TRF4, AC 5003221-13.2018.4.04.7117, 5ª T., Rel. Juíza Federal Gisele Lemke, 12.06.2020)
PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO DE COBRANÇA. BENEFÍCIO RECEBIDO INDEVIDAMENTE. PRESCRIÇÃO. 1. De acordo com o Tema STF nº 666: É prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil. 2. Por uma questão de isonomia, aplica-se às ações de cobrança promovidas pelo INSS para restituição dos valores indevidamente recebidos a título de benefício o prazo prescricional de cinco anos previsto no Decreto 20.910/1932. 3. Prescrição consumada. (TRF4, AC 5000774-14.2016.4.04.7217, TRS/SC, Rel. Des. Federal Jorge Antonio Maurique, 30.05.2019)
Assim, em hipóteses como a presente, aplicável o disposto no Decreto 20.910/32 que estabelece prazo prescricional de cinco anos:
Art. 1.º As dívidas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito, ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza prescrevem em cinco anos, contados da data do ato ou fato do qual se originarem.
(...)
Art. 4º Não corre a prescrição durante a demora que, no estudo, ao reconhecimento ou no pagamento da dívida, considerada líquida, tiverem as repartições ou funcionários encarregados de estudar e apurá-la.
Parágrafo único. A suspensão da prescrição, neste caso, verificar-se-á pela entrada do requerimento do titular do direito ou do credor nos livros ou protocolos das repartições públicas, com designação do dia, mês e ano.
Art. 5º Não tem efeito de suspender a prescrição a demora do titular do direito ou do crédito ou do seu representante em prestar os esclarecimentos que lhe forem reclamados ou o fato de não promover o andamento do feito judicial ou do processo administrativo durante os prazos respectivamente estabelecidos para extinção do seu direito à ação ou reclamação.
Benefício recebido na via administrativa. Tema 979/STJ
Inicialmente, registro que foi fixada a tese no Tema 979/STJ. Transcrevo a ementa do julgado, publicado em 23/04/2021:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 979. ARTIGO 1.036 DO CPC/2015. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. ARTIGOS 884 E 885 DO CÓDIGO CIVIL/2002. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211 DO STJ. ART. 115, II, DA LEI N. 8.213/1991. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE INTERPRETAÇÃO ERRÔNEA E MÁ APLICAÇÃO DA LEI. NÃO DEVOLUÇÃO. ERRO MATERIAL DA ADMINISTRAÇÃO. POSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO SOMENTE NA HIPÓTESE DE ERRO EM QUE OS ELEMENTOS DO CASO CONCRETO NÃO PERMITAM CONCLUIR PELA INEQUÍVOCA PRESENÇA DA BOA-FÉ OBJETIVA. 1. Da admissão do recurso especial: Não se conhece do recurso especial quanto à alegada ofensa aos artigos 884 e 885 do Código Civil, pois não foram prequestionados. Aplica-se à hipótese o disposto no enunciado da Súmula 211 do STJ. O apelo especial que trata do dissídio também não comporta conhecimento, pois não indicou as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os precedentes colacionados e também por ausência de cotejo analítico e similitude entre as hipóteses apresentadas. Contudo, merece conhecimento o recurso quanto à suposta ofensa ao art. 115, II, da lei n. 8.213/1991. 2. Da limitação da tese proposta: A afetação do recurso em abstrato diz respeito à seguinte tese: Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social. 3. Irrepetibilidade de valores pagos pelo INSS em razão da errônea interpretação e/ou má aplicação da lei: O beneficiário não pode ser penalizado pela interpretação errônea ou má aplicação da lei previdenciária ao receber valor além do devido. Diz-se desse modo porque também é dever-poder da Administração bem interpretar a legislação que deve por ela ser aplicada no pagamento dos benefícios. Dentro dessa perspectiva, esta Corte Superior evoluiu a sua jurisprudência passando a adotar o entendimento no sentido de que, para a não devolução dos valores recebidos indevidamente pelo beneficiário da Previdência Social, é imprescindível que, além do caráter alimentar da verba e do princípio da irrepetibilidade do benefício, a presença da boa-fé objetiva daquele que recebe parcelas tidas por indevidas pela administração. Essas situações não refletem qualquer condição para que o cidadão comum compreenda de forma inequívoca que recebeu a maior o que não lhe era devido. 4. Repetição de valores pagos pelo INSS em razão de erro material da Administração previdenciária: No erro material, é necessário que se averigue em cada caso se os elementos objetivos levam à conclusão de que houve boa-fé do segurado no recebimento da verba. Vale dizer que em situações em que o homem médio consegue constatar a existência de erro, necessário se faz a devolução dos valores ao erário. 5. Do limite mensal para desconto a ser efetuado no benefício: O artigo 154, § 3º, do Decreto n. 3.048/1999 autoriza a Administração Previdenciária a proceder o desconto daquilo que pagou indevidamente; todavia, a dedução no benefício só deverá ocorrer quando se estiver diante de erro da administração. Nesse caso, caberá à Administração Previdenciária, ao instaurar o devido processo administrativo, observar as peculiaridades de cada caso concreto, com desconto no beneficio no percentual de até 30% (trinta por cento). 6. Tese a ser submetida ao Colegiado: Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido. 7. Modulação dos efeitos: Tem-se de rigor a modulação dos efeitos definidos neste representativo da controvérsia, em respeito à segurança jurídica e considerando o inafastável interesse social que permeia a questão sub examine, e a repercussão do tema que se amolda a centenas de processos sobrestados no Judiciário. Desse modo somente deve atingir os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste acórdão. 8. No caso concreto: Há previsão expressa quanto ao momento em que deverá ocorrer a cessação do benefício, não havendo margem para ilações quanto à impossibilidade de se estender o benefício para além da maioridade da beneficiária. Tratou-se, em verdade, de simples erro da administração na continuidade do pagamento da pensão, o que resulta na exigibilidade de tais valores, sob forma de ressarcimento ao erário, com descontos nos benefícios, tendo em vista o princípio da indisponibilidade do patrimônio público e em razão da vedação ao princípio do enriquecimento sem causa. Entretanto, em razão da modulação dos efeitos aqui definidos, deixa-se de efetuar o descontos dos valores recebidos indevidamente pelo segurado. 9. Dispositivo: Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido. Acórdão sujeito ao regime previsto no artigo 1.036 e seguintes do CPC/2015. (REsp 1381734/RN, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/03/2021, DJe 23/04/2021)
Como se vê, foi fixada a seguinte tese:
"Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido."
Houve modulação de efeitos, restringindo sua aplicabilidade aos processos ajuizados após a sua publicação:
"Tem-se de rigor a modulação dos efeitos definidos neste representativo da controvérsia, em respeito à segurança jurídica e considerando o inafastável interesse social que permeia a questão sub examine, e a repercussão do tema que se amolda a centenas de processos sobrestados no Judiciário. Desse modo somente deve atingir os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste acórdão."
Destarte, a modulação afasta a obrigatoriedade de sua incidência aos processos já em andamento, mas não impede a incidência da sua premissa jurídica referente à necessidade de aferição da boa-fé ou da má-fé, como pressuposto para decidir sobre repetibilidade dos valores recebidos.
Nesse ponto, a tese jurídica não destoa da jurisprudência já firmada neste Tribunal:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ARTIGO 20, DA LEI Nº 8.742/93 (LOAS). RISCO SOCIAL. REQUISITO NÃO PREENCHIDO. RESTITUIÇÃO DE VALORES RECEBIDOS. CARÁTER ALIMENTAR. BOA-FÉ. IRREPETIBILIDADE. 1. Indevida a restituição e/ou desconto de valores pagos aos segurados por erro administrativo e cujo recebimento deu-se de boa-fé, em face do princípio da irrepetibilidade ou da não devolução dos alimentos. 2. Relativização do estabelecido nos artigos 115, inciso II, da Lei nº 8.213/91 e 154, § 3º, do Decreto nº 3.048/99. (...) (TRF4 5079799-10.2014.404.7100, SEXTA TURMA, Relatora Des. Federal Salise Monteiro Sanchotene, 4.9.2017)
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE DE GENITORA. BENEFÍCIO INDEVIDO. EMANCIPAÇÃO. DEVOLUÇÃO DE VALORES. BOA-FÉ. REVOGAÇÃO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. IMPOSSIBILIDADE. (...) 3. Incontroverso o erro administrativo, levando em conta o caráter alimentar dos benefícios, e ausente comprovação de eventual má-fé do segurado, devem ser relativizadas as normas dos arts. 115, II, da Lei nº 8213/91 e 154, § 3º, do Decreto nº 3048/99. (TRF4, AC 0002425-31.2017.404.9999, SEXTA TURMA, Relator Juiz Federal Artur César de Souza, D.E. 23.8.2017)
PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO AJUIZADA PELO INSS. CARÁTER ALIMENTAR DAS PRESTAÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ. Esta Corte vem se manifestando no sentido da impossibilidade de repetição dos valores recebidos de boa-fé pelo segurado, dado o caráter alimentar das prestações previdenciárias, sendo relativizadas as normas dos arts. 115, II, da Lei nº 8.213/91, e 154, § 3º, do Decreto nº 3.048/99. Hipótese em que, diante do princípio da irrepetibilidade ou da não-devolução dos alimentos, deve ser afastada a cobrança dos valores. (TRF4 5029624-84.2015.404.7000, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado, 9.8.2017)
PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. REMESSA EX OFFICIO. INEXISTÊNCIA. AUDITORIA. AUXÍLIO-DOENÇA. FRAUDE NÃO DEMONSTRADA. RETOMADA DA CAPACIDADE LABORAL E RETORNO À ATIVIDADE LABORAL. NÃO COMPROVADAS. VALORES DEVIDOS E PERCEBIDOS DE BOA-FÉ. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. CONSECTÁRIOS DA SUCUMBÊNCIA. MAJORAÇÃO. 1. Hipótese em que a sentença não está sujeita à remessa ex officio, a teor do disposto no artigo 496, § 3º, I, do Código de Processo Civil. 2. A Administração possui o poder-dever de anular seus próprios atos, quando eivados de ilegalidade, assegurado o contraditório e ampla defesa. 3. A jurisprudência do STJ e também deste regional são uniformes no sentido de, em face do princípio da irrepetibilidade e da natureza alimentar das parcelas, não ser possível a restituição de valores pagos indevidamente a título de benefício previdenciário, por força de interpretação equivocada, má aplicação da lei ou erro administrativo, e cujo recebimento deu-se de boa-fé pelo segurado. 4. Admitida a relativização do art. 115, II, da Lei nº 8.213/1991 e art. 154, §3º, do Decreto nº 3.048/1999, considerando o caráter alimentar da verba e o recebimento de boa-fé pelo segurado, o que se traduz em mera interpretação conforme a Constituição Federal. (...) (TRF4, AC 5010235-23.2014.4.04.7009, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator Des. Federal Fernando Quadros da Silva, 26/04/2021)
Caso Concreto
A sentença, da lavra da MM. Juíza Federal, Dra. Valkiria Kelen de Souza, examinou e decidiu com precisão todos os pontos relevantes da lide, devolvidos à apreciação do Tribunal, assim como o respectivo conjunto probatório produzido nos autos. As questões suscitadas no recurso não têm o condão de ilidir os fundamentos da decisão recorrida. Evidenciando-se a desnecessidade da construção de nova fundamentação jurídica, destinada à confirmação da bem lançada sentença, transcrevo e adoto como razões de decidir os seus fundamentos, in verbis:
(...)
Do caso concreto
Verifica-se que a presente ação foi distribuída em 17/05/2021, logo, esta Magistrada está vinculada à tese firmada no tema 979.
Em análise aos autos, tem-se que a parte autora requereu aposentadoria por idade rural em 06/06/2003, apresentando os documentos que entendeu pertinentes para a concessão do benefício, sendo o requerimento indeferido inicialmente por ausência de carência (
, p. 31/34).No entanto, sem motivo aparente, o processo administrativo foi reaberto, e após nova instrução probatória, o benefício foi concedido, sob o NB 129.176.655-0, com DIB em 06/06/2003 (
, p. 35/44).Diante dos indícios de irregularidade, a Autarquia instaurou processo administrativo para apuração em 31/08/2011, promovendo-se a notificação da parte autora para apresentação de defesa escrita, visando demonstrar a regularidade na percepção do benefício (
, p. 50/52).Apesar de devidamente notificada (
, p. 51/52), não houve a apresentação de defesa no processo administrativo, e ao final o INSS concluiu pela irregularidade na concessão e manutenção do benefício, o qual foi suspenso em 27/09/2011 (p. 55/56).A parte autora foi cientificada da suspensão de seu benefício na data de 10/10/2011 (
, p. 57/59). Após, ajuizou pedido de restabelecimento do benefício em 28/02/2012, julgado improcedente, com trânsito em julgado em 03/08/2012 (p. 65/77).Apenas em 2018 a Autarquia deu início aos procedimentos administrativos para cobrança dos valores supostamente recebidos de forma indevida, os quais foram calculados R$ 65.894,17 (sessenta e cinco mil oitocentos e noventa e quatro reais e dezessete centavos). Não havendo o pagamento espontâneo do valor cobrado, o INSS promoveu a inscrição da parte autora no CADIN (
, p. 82/99).Ao final, foi encaminhada à Polícia Federal a Notícia Crime registrada sob o n. 00005/2019/PFE-INSS/PSFE/INSS/CAC/PFG/AGU, para apuração de possível crime em face da Previdência Social (
, p. 102).A respeito, requer a parte autora a declaração de inexigibilidade dos valores apurados pelo INSS, alegando, para tanto, que o recebimento se deu de boa-fé e que, diante da irrepetibilidade dos alimentos e da incidência da prescrição, não teria direito a Autarquia de promover descontos no benefício por ela titularizado.
Pois bem.
Conforme informações prestadas neste feito pela Delegacia de Polícia Federal de Cascavel/PR - DPF/CAC/PR, ao final do inquérito policial, o Ministério Público Federal requereu o arquivamento da investigação, tendo em vista a ausência de suporte mínimo para a denúncia e a iminente prescrição da pretensão punitiva em face da parte autora (
, e ).Os documentos e relatórios investigativos juntados ao presente feito não denotam qualquer conclusão, pelas autoridades competentes, de indícios de má-fé ou dolo pela parte autora, não havendo sequer a conclusão pela ocorrêcia de qualquer prática delitiva.
No mesmo sentido, a partir dos documentos juntados neste feito e em processo administrativo de apuração (
), não vislumbro a ocorrência de qualquer conduta pela parte autora que tivesse concorrido para a concessão indevida do benefício ou induzido a Autarquia a erro.Logo, não é possível à parte ré tomar medidas (incluindo descontos mensais em benefício ativo, ação de cobrança ou inscrição em dívida ativa) para cobrar da parte autora quaisquer parcelas referentes ao seu benefício, NB 129.176.655-0.
Da Antecipação dos Efeitos da Tutela
Os pressupostos autorizadores da concessão da tutela antecipada estão previstos no artigo 300 do Código de Processo Civil, quais sejam, a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
No presente caso, restam demonstrados a probabilidade do direito invocado com o acolhimento do pedido e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo diante do caráter alimentar do benefício.
Assim, forte no art. 4º, da Lei nº 10.259/01, antecipo os efeitos da tutela, determinando que a Autarquia Previdenciária cesse de imediato os descontos no benefício de que é titular a parte autora, NB 174.190.089-9.
Na hipótese em exame, compulsando os autos, observa-se que a demandada obteve, pela via administrativa, o benefício de aposentadoria por idade rural nº 129.176.655-0, com data de início em 06.06.2003.
No que tange à incidência do prazo prescricional, como bem decidiu a sentença, ela fica suspensa de 31.08.2011 a 10.12.2018 (
, p. 49/95), voltando a partir desse momento.Dessarte, enquanto tramitou o processo administrativo de revisão do benefício, este ficou suspenso, passando a recomeçar o curso prescricional em 10.12.2018, dia seguinte a intimação do segurado da decisão final (
, p. 59).Assim, considerando que se encontravam prescritas as parcelas anteriores a 31.08.2006 e, descontado o período de tramitação do processo administrativo (entre 31.08.2011 a 10.12.2018), voltou a transcorrer regularmente, decorrendo o prazo de 1 ano e 9 meses, deve ser mantido o reconhecimento da prescrição das parcelas anteriores 31.05.2008.
Dito isso, deve ser mantida a sentença, quanto ao reconhecimento da prescritibilidade (decadência) e da efetiva prescrição ocorrida no caso concreto, consoante precisa análise dos fatos na conclusão da sentença, acima reproduzida.
Sobre a exigibilidade do débito pela Autarquia, não assiste razão à recorrente.
Compulsando os autos, observa-se que a demandada requereu administrativamente o benefício de aposentadoria por idade rural nº 129.176.655-0, em 06.06.2003, o qual foi indeferido em 28.07.2003 em razão da falta de carência.
Contudo, sem qualquer justificativa e apresentação de novas provas, o requerimento administrativo foi reativado e concedido em 09.02.2004 pelo servidor Marco Antonio Assumpção Fernandes, demitido em 26.09.2013.
Com efeito, embora tenha sido encaminhada notícia crime à Polícia Federal, ao final do inquérito policial, o Ministério Público Federal requereu o arquivamento da investigação, dada a ausência de suporte mínimo para a denúncia e a iminente prescrição da pretensão punitiva em face da parte autora (
, e ).Ademais, como bem explando na sentença, as provas carreadas aos autos não apontam a existência de indícios de má-fé ou dolo pela parte autora, tampouco qualquer conduta pela parte autora que demonstre que ela concorreu para a concessão indevida do benefício ou induzido a Autarquia a erro.
Assim sendo, deve ser mantida intacta a r. sentença.
Tutela Antecipada
Presente a tutela antecipada deferida pelo Juízo a quo, determinando a implantação do benefício, confirmo-a, tornando definitivo o amparo concedido.
Nesse ponto, observa-se que a CEAB-DJ-SR3 informou no evento 90 ter encaminhado o cumprimento da decisão, em 27/11/2023, o que, eventualmente, poderá não surtir efeito na competência de 12/2023, cujos lançamentos já estavam processados naquela data. Em relação à competência de janeiro/2024, mencionada na petição do evento 5, não há ainda informação lançada na base de dados do CNIS.
Assim, não é, ainda, o caso de fixar multa por descumprimento da decisão judicial.
Honorários Advocatícios
Os honorários advocatícios são devidos, em regra, no patamar de 10%, observados os percentuais mínimos previstos em cada faixa do § 3º do art. 85 do Código de Processo Civil para as condenações proferidas a partir de 18.03.2016, considerando as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforma a sentença de improcedência, nos termos das Súmulas nº 111 do Superior Tribunal de Justiça e nº 76 deste Tribunal Regional Federal da 4ª Região, respectivamente:
Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, não incidem sobre as prestações vencidas após a sentença.
Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, devem incidir somente sobre as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforme a sentença de improcedência.
Em grau recursal, consoante entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, a majoração é cabível quando se trata de "recurso não conhecido integralmente ou desprovido, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente" (STJ, AgInt. nos EREsp. 1539725/DF, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, 2ª S., DJe 19.10.2017).
Improvido o apelo do INSS, majoro a verba honorária, na forma do § 11 do art. 85 do Código de Processo Civil, elevando-a em 50% sobre o valor a que foi condenado na origem, considerando as variáveis do art. 85, § 2º, I a IV, os limites dos §§ 3º e 5º, do mesmo Código, e o entendimento desta Turma em casos símeis:
PREVIDENCIÁRIO. (...) CONSECTÁRIOS DA SUCUMBÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MAJORAÇÃO. (...) 6. Nas ações previdenciárias os honorários advocatícios são devidos pelo INSS no percentual de 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforma a sentença de improcedência, nos termos das Súmulas 111 do STJ e 76 do TRF/4ª Região. Confirmada a sentença, majora-se a verba honorária, elevando-a para 15% sobre o montante das parcelas vencidas, consideradas as variáveis dos incisos I a IV do § 2º e o § 11, ambos do artigo 85 do CPC. (...) (TRF4, AC 5004859-05.2017.4.04.9999, TRS/PR, Rel. Des. Federal Fernando Quadros da Silva, j. 27.02.2019)
Custas Processuais
O INSS é isento do pagamento das custas processuais no Foro Federal (artigo 4.º, I, da Lei n.º 9.289/96), mas não quando demandado na Justiça Estadual do Paraná (Súmula 20 do TRF/4ª Região).
Prequestionamento
Objetivando possibilitar o acesso das partes às Instâncias Superiores, considero prequestionadas as matérias constitucionais e/ou legais suscitadas nos autos, conquanto não referidos expressamente os respectivos artigos na fundamentação, nos termos do art. 1.025 do Código de Processo Civil.
Conclusão
- apelação improvida, confirmando-se a antecipação da tutela.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação e confirmar a antecipação da tutela.
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Apelação Cível Nº 5007258-35.2021.4.04.7002/PR
RELATOR: Juiz Federal OSCAR VALENTE CARDOSO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: ANA MARIA BARBIERI (AUTOR)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO INDEVIDO. RESTITUIÇÃo DE VALORES. MÁ-FÉ NÃO COMPROVADA. IMPOSSIBILIDADE. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL.
1. Em face do princípio da irrepetibilidade e da natureza alimentar das parcelas, não é possível a restituição de valores pagos indevidamente a título de benefício previdenciário, cujo recebimento deu-se de boa-fé pelo segurado. Ausente prova de má-fé, presume-se a boa-fé.
2. Incidência do Tema STF nº 666: É prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 10ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação e confirmar a antecipação da tutela, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 06 de fevereiro de 2024.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 29/01/2024 A 06/02/2024
Apelação Cível Nº 5007258-35.2021.4.04.7002/PR
RELATOR: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
PRESIDENTE: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
PROCURADOR(A): JOSE OSMAR PUMES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: ANA MARIA BARBIERI (AUTOR)
ADVOGADO(A): HELENA MARIA BUENO (OAB PR087953)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 29/01/2024, às 00:00, a 06/02/2024, às 16:00, na sequência 769, disponibilizada no DE de 18/12/2023.
Certifico que a 10ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 10ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO E CONFIRMAR A ANTECIPAÇÃO DA TUTELA.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
Votante: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
Votante: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
Votante: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
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