Apelação Cível Nº 5024665-21.2020.4.04.9999/RS
RELATORA: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: DELMAR ANTONIO FRANZ
RELATÓRIO
DELMAR ANTÔNIO FRANZ ajuizou ação ordinária, em 04/12/2019, postulando o restabelecimento do benefício por incapacidade desde a cessação administrativa em 19/04/2019 (NB 605.948.545-0). Alegou que possui incapacidade laboral de cunho neurológico e ortopédico.
Sobreveio sentença de procedência (
):[...]
Diante do exposto, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados por DELMAR ANTÔNIO FRANZ contra o INSTITUTO NACIONAL DE SEGURO SOCIAL para:
a) DETERMINAR que o requerido reestabeleça à parte autora o benefício de auxílio-doença, confirmando a tutela de urgência deferida, a partir da alta administrativa (19.04.2019), somente sendo possível o cancelamento do benefício nos termos da fundamentação;
[...]
O INSS apelou e, nas razões de seu apelo, sustentou a ocorrência de coisa julgada: "[...] as questões relativas ao pleito de restabelecimento/concessão do benefício de auxílio-doença, já foram dirimidas de forma definitiva no julgamento do processo nº 5015769-63.2019.4.04.7108 ajuizado pela parte autora na Subseção da Justiça Federal de Novo Hamburgo[...]". Apontou, em face da hipótese de rejeição do argumento atinente à coisa julgada, que não está evidenciada a incapacidade laboral da parte autora. Em sede sucessiva, postulou a fixação da DCB em 120 dias, sem que, para tanto, seja realizada nova perícia (
).Em suas contrarrazões, a parte autora disse que houve agravamento da doença, o que justificaria a concessão do benefício postulado: "o Requerente tentou retornar ao seu labor, na atividade campesina. No entanto, não conseguiu desempenhar suas tarefas em decorrência das sequelas que lhe acometem. Sendo assim, requereu novo pedido de auxílio doença em 18/11/2019, sendo designada pericia médica na APS de São Sebastião do Caí para o dia 02/12/2019" (
).É o relatório.
VOTO
1. Admissibilidade
Juízo de admissibilidade
O(s) apelo(s) preenche(m) os requisitos legais de admissibilidade.
2. Da coisa julgada
Segundo disposto no art. 337, §4º, do CPC, "há coisa julgada quando se repete ação que já foi decidida por decisão transitada em julgado". Para o reconhecimento da coisa julgada é necessário que entre uma e outra demanda seja caracterizada a chamada "tríplice identidade", ou seja, que haja identidade de partes, de pedido e de causa de pedir. A variação de quaisquer desses elementos identificadores afasta a ocorrência de coisa julgada.
Em se tratando de matéria de ordem pública, a configuração da coisa julgada pode e deve ser examinada a qualquer tempo, de forma a garantir a regularidade processual (CPC, 485, § 3º).
Neste feito (ação nº 5024665-21.2020.4.04.9999 - Processo Originário nº 50012756320198210068/RS), a matéria controvertida refere-se ao restabelecimento do benefício previdenciário NB 605.948.545-0, a contar da data de sua cessação (19/04/2019) ou a contar da data de requerimento de novo benefício previdenciário (24/05/2019 - NB 628.106.764-2).
No processo indicado pelo INSS como paradigma para a aferição da coisa julgada (feito nº 5015769-63.2019.4.04.7108), verifiquei nesta data, em consulta aos registros do E-proc, que foi proferida sentença, em 08/11/2019 (com trânsito em julgado em 03/12/2019), no seguinte sentido:
[...]
No presente caso, a perícia judicial realizada concluiu que a parte autora não apresenta doença que a incapacite ou que reduza sua capacidade para o trabalho.
O médico é claro quanto à ausência de incapacidade laboral. Veja-se, ainda, que a perícia foi realizada por médico isento, independente e equidistante das partes, não havendo motivos para deixar de validar suas conclusões ou realizar nova perícia.
O fato de a parte ser eventualmente portadora de doença não significa que esteja incapacitada para a atividade laboral. Nesse sentindo é o entendimento uniformizado pela TNU, sendo que a incapacidade não se presume pelo só fato da pessoa ser portadora de determinada doença. É preciso que haja prova da existência de incapacidade. (PEDILEF nº 2006.83.00.512982-7/PE, Rel. Juiz Fed. Derivaldo de F. B. Filho, DJ 22.10.2008; PEDILEF nº 2006.38.00.748903-0/MG, Rel. Juíza Fed. Jacqueline Michels Bilhalva, DJ 22.05.2009).
Não havendo incapacidade - nem mesmo temporária - para o exercício de atividade que garanta a subsistência da parte autora ou para o exercício das atividades laborais que normalmente desenvolvia, bem como, não havendo redução da capacidade laborativa decorrente de acidente de qualquer natureza, não há direito ao auxílio-doença, à aposentadoria por invalidez ou ao auxílio-acidente.
Por fim, registre-se que os termos da presente decisão não implicam ofensa ao artigo 489, §1º, do CPC, uma vez que todos os argumentos que guardam efetiva pertinência com a causa de pedir e com o pedido formulado no presente caso concreto e que não se encontram dissociados da realidade normativa e jurisprudencial foram considerados por este Juízo para o julgamento da causa (Enunciados nº 151 e 153 do FONAJEF).
III.
Ante o exposto, na forma do artigo 487, I, do CPC, julgo improcedente o pedido.
[...]
A sentença tomou em consideração os argumentos da parte autora em sua petição inicial que, a seu turno, pontuou e requereu (
):[...]
O Autor encontra-se afastado de suas atividades laborativas desde março de 2014, em razão de lesão no membro inferior direito decorrente de picada de cobra. Conforme laudo médico a lesão evoluiu para lesão neurológica na perna e pé direito de caráter definitivo e irreversível, motora e sensitiva. Lesão classificada no CID10 S84.9 (Traumatismo de nervo não especificado ao nível da perna); W59 (Mordedura ou esmagamento provocado por outros répteis); G83.1 (Monoplegia do membro inferior) e M21.6 (Outras deformidades adquiridas do tornozelo e do pé).
Em decorrência de seus problemas de saúde, o requerente obteve a concessão do benefício de Auxílio-doença NB 605.948.545-0, ativo até abril de 2019.
Findo o benefício supra referido, o demandante tentou retornar para sua atividade laborativa – atividade rural. No entanto, isto não possível, razão pela qual protocolou novo pedido de auxílio-doença no dia 24/05/2019 o qual recebeu o número NB 628.106.764-2.
[...]
Ao final, seja julgada totalmente procedente a presente ação, determinando a concessão do benefício de aposentadoria por invalidez, ou ainda, o restabelecimento do benefício previdenciário de Auxílio-Doença, a contar da data em que foi cessado (19/04/2019);
[...]
Depreende-se, do exposto, que os argumentos - e também os pedidos - são idênticos àqueles apresentados nesta ação, com o acréscimo, apenas, do requerimento para que, não sendo concedido o benefício por incapacidade a contar de 19/04/2019, sejam consideradas, então, as datas dos novos requerimentos administrativos: "Ao final, seja julgada totalmente procedente a presente ação, determinando a concessão do benefício de aposentadoria por invalidez, ou ainda, o restabelecimento do benefício previdenciário de Auxílio-Doença, a contar da data em que foi cessado (19/04/2019)" (
).Verifica-se, portanto, ainda que não tenha havido alegação na peça contestatória, a ocorrência de coisa julgada em relação ao processo nº 5015769-63.2019.4.04.7108.
As partes são as mesmas, o pedido é o mesmo (inclusive vinculado ao mesmo benefício previdenciário) e a causa de pedir também é idêntica, pois o processo paradigmático (5015769-63.2019.4.04.7108) refere-se ao mesmo benefício.
Ainda que nesta ação tenha sido indicados novos requerimentos administrativos, para fins de aferição da coisa julgada deve ser considerado o âmbito de análise do provimento judicial que, como visto, referiu-se à mesma condição de saúde apontada no presente feito.
Não merece guarida a alegação de modificação do suporte fático em razão do agravamento de moléstia preexistente, o que, em tese, afastando a coisa julgada, permitiria a concessão de novo benefício.
Sobre esse ponto, ressalto que a ação paradigmática teve a sentença proferida em 08/11/2019 (o trânsito em julgado ocorreu em 22/12/2019), ao passo que a presente ação foi ajuizada em 04/12/2019. Assim, antes mesmo do trânsito em julgado da ação nº 5015769-63.2019.4.04.7108 a parte autora ajuizou este feito (ação nº 5024665-21.2020.4.04.9999). O quadro clínico, portanto, correspondia àquele já examinado em ação judicial anteriormente ajuizada.
Não é verossímil a alegação de agravamento da doença quando se verifica que, antes do trânsito em julgado da ação em que discutia idêntico benefício previdenciário por incapacidade, a parte autora ajuiza outro feito, com a mesma causa de pedir.
Verifica-se, ainda, que nos dados do CNIS constam quatro requerimentos administrativos de benefícios por incapacidade temporária vinculados à parte autora:
(1) NB 628.106.764-2 (indeferido, com DER em 24/05/2019) -
;(2) NB 630.382.664-8 (indeferido, com DER em 18/11/2019) -
;(3) NB 617.736.419-9 (DER 06/03/2017 e com encaminhamento, na mesma data, à reabilitação profissional) -
e, por fim,(4) NB 605.948.545-0 (DER 02/04/2014 - ainda ativo) -
.Considerando as respectivas datas de requerimento administrativo, bem como a discussão envolvendo, nestes autos, o benefício NB 605.948.545-0, evidencia-se que em nenhuma das datas é possível apontar agravamento da doença:
(1) Os benefícios NB 617.736.419-9 e NB 628.106.764-2 foram requeridos administrativamente (respectivamente em 06/03/2017 e em 24/05/2019) antes da sentença proferida na ação nº 5015769-63.2019.4.04.7108 (08/11/2019). Logo, não se reportam, por questão lógica, a qualquer hipótese de piora da doença.
(2) O benefício NB 630.382.664-8, por sua vez, foi requerido em 18/11/2019, ou seja, dez dias após a sentença proferida na ação nº 5015769-63.2019.4.04.7108 (08/11/2019). É inverossímil que, em tão curto período, possa ter havido a piora da doença; inexistem, do mesmo modo, quaisquer provas que apontem o efetivo agravamento do quadro clínico, ao menos em relação ao citado benefício (NB 630.382.664-8).
Há, por fim, um detalhe que deve ser tomado em consideração.
Como já mencionado, a ação paradigmática para a aferição da coisa julgada teve a sentença proferida em 08/11/2019. O seu trânsito em julgado ocorreu em 22/12/2019. O presente feito, a seu turno, foi ajuizado em 04/12/2019, ou seja, antes do trânsito em julgado da ação nº 5015769-63.2019.4.04.7108.
Houve, assim, a repetição de uma ação que, à época, estava em curso, o que evidencia não a coisa julgada, mas a litispendência: o art. 337, §1º, do CPC/2015 dispõe que se verifica “a litispendência ou a coisa julgada quando se reproduz ação anteriormente ajuizada”, estabelecendo, o § 2º, que "uma ação é idêntica à outra quando possui as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido" e, o § 3º, que “há litispendência quando se repete ação que está em curso”.
Em síntese: verifica-se a litispendência sempre que há identidade de pedido, causa de pedir e partes, entre ações em andamento.
Tanto quanto a coisa julgada, a litispendência se caracteriza como matéria de ordem pública e, portanto, pode ser examinada a qualquer tempo (CPC, 485, § 3º), sem que o seu exame revele, no caso, análise que desborde os limites do próprio apelo. Como se trata de matéria de ordem pública, preservado resta o conhecimento da matéria (tantum devolutum quantum apellatum) que, ademais, comporta idêntica solução (art. 485, V, do CPC: "O juiz não resolverá o mérito quando: (...) reconhecer a existência de perempção, de litispendência ou de coisa julgada").
Constatada, in casu, a tríplice identidade entre a presente ação e o processo nº 5015769-63.2019.4.04.7108, impositivo é o reconhecimento da litispendência, com a consequente extinção do processo sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, V, do CPC.
Ônus da sucumbência
Em face da inversão da sucumbência, deverá a parte autora arcar com pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios no percentual mínimo de cada uma das faixas de valor no §3° do artigo 85 do CPC 2015, tendo em conta a pretensão máxima deduzida na petição inicial.
No entanto, resta suspensa a exigibilidade das referidas verbas, por força da gratuidade de justiça, cumprindo ao credor, no prazo assinalado no § 3º do artigo 98 do CPC/2015, comprovar eventual alteração da situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão da benesse.
Anoto que, nos casos de inversão da sucumbência, inaplicável a majoração recursal prevista no §11 do art. 85 do CPC, pois tal acréscimo só é permitido sobre verba anteriormente fixada, consoante definiu o STJ (AgInt no AResp 829.107).
Honorários periciais
Honorários periciais a cargo da parte vencida. Caso a referida despesa processual tenha sido antecipada pela administração da Justiça Federal, seu pagamento deverá ser realizado mediante reembolso, nos termos do art. 32 da Resolução 305/2014, do Conselho da Justiça Federal.
Custas processuais
Sucumbente, a parte autora responde pelas custas e despesas processuais.
No entanto, resta suspensa a exigibilidade das referidas verbas, por força da gratuidade de justiça, cumprindo ao credor, no prazo assinalado no §3º do artigo 98 do CPC/2015, comprovar eventual alteração da situação de insuficiência de recursos justificadora da concessão da benesse.
Prequestionamento
Ficam prequestionados, para fins de acesso às instâncias recursais superiores, os dispositivos legais e constitucionais elencados pela parte autora cuja incidência restou superada pelas próprias razões de decidir.
Conclusão
Dado provimento ao apelo do INSS, para reconhecer a existência de litispendência, com extinção do processo sem resolução de mérito, com fulcro no art. 485, V, do CPC.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação do INSS.
Documento eletrônico assinado por ANA CRISTINA FERRO BLASI, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004367702v14 e do código CRC 1d4fc2f2.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5024665-21.2020.4.04.9999/RS
RELATORA: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: DELMAR ANTONIO FRANZ
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. AGRAVAMENTO DA DOENÇA. FALTA DE COMPROVAÇÃO. LITISPENDÊNCIA. OCORRÊNCIA.
1. Verifica-se a litispendência sempre que há identidade de pedido, causa de pedir e partes, entre ações em andamento.
2. Não é verossímil a alegação de agravamento da doença quando se verifica que, antes do trânsito em julgado da ação em que discutia idêntico benefício previdenciário por incapacidade, a parte autora ajuiza outro feito, com a mesma causa de pedir.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 10 de abril de 2024.
Documento eletrônico assinado por ANA CRISTINA FERRO BLASI, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004367703v4 e do código CRC f3d10504.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 03/04/2024 A 10/04/2024
Apelação Cível Nº 5024665-21.2020.4.04.9999/RS
RELATORA: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
PRESIDENTE: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
PROCURADOR(A): JANUÁRIO PALUDO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: DELMAR ANTONIO FRANZ
ADVOGADO(A): VÍVIAN DE SENA (OAB RS070424)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 03/04/2024, às 00:00, a 10/04/2024, às 16:00, na sequência 416, disponibilizada no DE de 20/03/2024.
Certifico que a 11ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 11ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
Votante: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
Votante: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
Votante: Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
LIGIA FUHRMANN GONCALVES DE OLIVEIRA
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 23/04/2024 12:01:47.