Apelação Cível Nº 5044083-47.2017.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: CECILIA WERLE PEREIRA
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação interposta pela parte autora (Evento 2 - PET50) em face da sentença (SENT43), publicada em 26/06/2017 (CERT44), que julgou improcedentes os pedidos formulados na inicial.
Em suas razões, alega que a perita designada pelo juízo, além de não possuir conhecimento médico específico em neurocirurgia e ortopedia, crucial para avaliar o quadro patológico da parte segurada, entrou em contradição técnica na avaliação pericial, considerando que concordou com o diagnóstico das patologias apontadas pelos médicos ortopedista e neurocirurgião, mas apontou a ausência de incapacidade laboral da parte apelante/autora, sem apresentar estudos científicos para contrapor a recomendação de afastamento laboral firmado por médicos especialistas.
Aduz que laborava na função de trabalhadora braçal, atividade essencialmente caracterizada de intenso esforço físico dos membros superiores e inferiores, quadril e coluna vertebral, posições viciosas, carregamento de peso, agachamento, permanecer por longo tempo em pé ou sentada, rotação do tronco, elevação de braços, repetição de movimentos e flexão da coluna, estaria impedida de exercê-la diante do diagnóstico de lístese lombar artrose no quadril, coluna lombar e nos joelhos, espondilolístese cervical, discopatia lombar e bursite em ombro direito, hipertensão arterial que gera forte limitação de movimentos, significa que seu estado de saúde não lhe confere as mínimas condições de êxito laboral, o que gera incapacidade definitiva ao trabalho braçal e manual pesado, situação diagnosticada pelos médicos especialistas em ortopedia e de saúde da família (laudos de fls. 24/8 e 65), que foi confirmada pela perita.
Refere que, de acordo com os documentos acostados aos autos é possível verificar a existência das doenças que a incapacitam para o trabalho, sendo que os problemas de saúde sempre foram os mesmos, desde o início do seu tratamento. Logo, com base na livre apreciação das provas, caso não seja anulado o processo, e considerando o conjunto probatório que aponta pela sua incapacidade laboral, pede seja reformada a sentença para reconhecer o direito ao benefício por incapacidade, retroagindo à cessação administrativa.
Requer a reforma do decisum para que seja restabelecido o benefício de auxílio-doença nº 548.547.735-2 (DCA em 12/03/2014) e convertido em aposentadoria por invalidez ou, altenativamente, seja marcada nova perícia médica, desta vez com médico especialista em neurogirurgia e ortopedia.
Com as contrarrazões, vieram os autos a esta Corte para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Premissas
Trata-se de demanda previdenciária na qual a parte autora objetiva a concessão de AUXÍLIO-DOENÇA, previsto no art. 59 da Lei 8.213/91, ou APOSENTADORIA POR INVALIDEZ, regulado pelo artigo 42 da Lei 8.213/91.
São quatro os requisitos para a concessão desses benefícios por incapacidade: (a) qualidade de segurado do requerente (artigo 15 da LBPS); (b) cumprimento da carência de 12 contribuições mensais prevista no artigo 25, I, da Lei 8.213/91 e art. 24, parágrafo único, da LBPS; (c) superveniência de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência; e (d) caráter permanente da incapacidade (para o caso da aposentadoria por invalidez) ou temporário (para o caso do auxílio-doença).
Cabe salientar que os benefícios de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez são fungíveis, sendo facultado ao julgador (e, diga-se, à Administração), conforme a espécie de incapacidade constatada, conceder um deles, ainda que o pedido tenha sido limitado ao outro. Dessa forma, o deferimento do amparo nesses moldes não configura julgamento ultra ou extra petita. Por outro lado, tratando-se de benefício por incapacidade, o Julgador firma a sua convicção, via de regra, por meio da prova pericial.
De qualquer sorte, o caráter da incapacidade, a privar o segurado do exercício de todo e qualquer trabalho, deve ser avaliado conforme as particularidades do caso concreto. Isso porque existem circunstâncias que influenciam na constatação do impedimento laboral (v.g.: faixa etária do requerente, grau de escolaridade, tipo de atividade e o próprio contexto sócio-econômico em que inserido o autor da ação).
Exame do caso concreto
No caso sub examine, a controvérsia recursal cinge-se à verificação da incapacidade da parte autora.
Diante disso, a partir da perícia médica integrada, realizada em 26/09/2016, no Fórum da Comarca de Palmitos, pela Dra. Ana Paula Schmidt Waldrich, especialista em Medicina do Trabalho, CRM-SC 13384, perita de confiança do juízo (LAUDOPERI23 a LAUDOPERI33), é possível obter os seguintes dados:
a- enfermidade (CID): lombalgia; dorsalgia; lesões do ombro e outras artroses especificadas (M54; M75 e M19.8);
b- incapacidade: não;
c- grau da incapacidade: prejudicado;
d- prognóstico da incapacidade: prejudicado;
e- início da doença/incapacidade: DID=11/05/2011; existiu incapacidade laboral no período de 11/05/2011 a 12/03/2014;
f- idade na data do laudo: nascida em 25/02/1961, contava 55 anos;
g- profissão: agricultora;
h- escolaridade: 4ª série do ensino fundamental.
No laudo, a perita deixou consignado que, ao exame, da coluna lombar a autora apresenta reflexo patelar reduzido bilateral. Caminha sobre a ponta dos pés e calcanhar. Kerning: negativo bilateral. Sensibilidade L4 e L5 e S1 normais. Ao exame de ombro direito, observou extensão do ombro alterado e doloroso; abdução do ombro dolorosa acima de 90 graus, dor à apalpação em qualquer região da cintura escapular. Teste supraespinhal: negativo. Kennedy-hanswinks: positivo. Palm-test: negativo.
Questionada sobre quais seriam as limitações funcionais relacionadas aos documentos médicos encartados no processo, respondeu: elevação de MMSS acima de 90 graus e flexão de coluna e/ou carregamento de peso superior a 6kg.
Quanto ao ponto, vale destacar que, embora já se tenha inventado maquinário mais amigável e outros equipamentos que auxiliam nas tarefas relacionadas à agricultura, dispensando maiores esforços, não são todos os agricultores que os têm. Uma lavradora que não pode fazer flexões e esforços físicos não é admitida no mercado de trabalho que é inflexível com portadores de limitações como as da autora.
Seria uma violência contra a segurada exigir-se que persista desempenhando trabalhos braçais, rudes e que se valem de flexões posturais incompatíveis com suas patologias que são progressivas.
Há um princípio no Direito Previdenciário, pouco conhecido e utilizado, que é o princípio da prevenção do estado de higidez do segurado. Ora, é certo que se o segurado continuar trabalhando como agricultur, seu estado de saúde deverá se agravar. A concessão do benefício funciona, então, como mecanismo de prevenção de risco. Vale dizer, o risco de agravamento das doenças diagnosticadas na perícia.
Assim, não obstante as considerações esposadas pela expert, sabe-se que o juízo não está adstrito às conclusões do laudo médico pericial, nos termos do artigo 479 do NCPC (Art. 479. O juiz apreciará a prova pericial de acordo com o disposto no art. 371, indicando na sentença os motivos que o levaram a considerar ou a deixar de considerar as conclusões do laudo, levando em conta o método utilizado pelo perito), podendo discordar, fundamentadamente, das conclusões do perito em razão dos demais elementos probatórios coligidos aos autos, inclusive os aspectos socioeconômicos, profissionais e culturais do segurado, ainda que o laudo pericial apenas tenha concluído pela sua incapacidade parcial para o trabalho (AgRg no AREsp 35.668/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, DJe 20-02-2015).
Logo, tendo a perícia certificado a existência da patologia alegada pela parte autora, o juízo de incapacidade pode ser determinado, sem sombra de dúvidas, pelas regras da experiência do magistrado, consoante preclara disposição do artigo 375 do NCPC (O juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e, ainda, as regras de experiência técnica, ressalvado, quanto a estas, o exame pericial.).
Portanto, ainda que o laudo pericial realizado tenha concluído pela aptidão laboral da autora, a confirmação da existência da moléstia incapacitante referida na exordial (bursite pré acrômio e artrite acromioclavicular com tendinopatia; espondilodiscoartrose lombar e dorsal baixa; lístese lombar artrose no quadril, coluna lombar e nos joelhos, espondilolístese cervical, discopatia lombar e bursite em ombro direito; lombalgia e hipertensão arterial sistêmica), corroborada pela documentação clínica do Evento 2, OUT19, p. 1, associada às suas condições pessoais - habilitação profissional (agricultora) e idade atual (57 anos) - demonstra que houve efetiva incapacidade para o exercício da atividade profissional o que enseja, indubitavelmente, o restabelecimento do auxílio-doença, desde 12/03/2014, data da cessação administrativa do benefício 548.547.735-2 (Evento 2 - OUT9, pp. 1 e 3). Ressalte-se que o atestado médico e receituário apresentados revelam que os sintomas e a incapacidade existiam quando houve o indevido cancelamento administrativo do auxílio-doença e continuavam existindo à época em que realizada a perícia médica judicial.
Conclusão quanto ao direito da parte autora no caso concreto
Dessarte, se o exame do conjunto probatório demonstra que a autora possui incapacidade, tendo em vista que seu trabalho exige a realização de esforços físicos, incompatíveis com a sua condição, deve ser reconhecido o seu direito ao auxílio-doença desde a DCB (12/03/2014 - Evento 2 - OUT9, pp. 1 e 3), impondo-se, assim, a reforma da sentença.
Dos consectários
Segundo o entendimento das Turmas previdenciárias do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, estes são os critérios aplicáveis aos consectários:
Correção monetária
A correção monetária incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelos índices oficiais e aceitos na jurisprudência, quais sejam:
- INPC no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91, conforme deliberação do STJ no julgamento do Tema 905 (REsp mº 1.495.146 - MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, D DE 02-03-2018).
Juros moratórios
Os juros de mora incidirão à razão de 1% (um por cento) ao mês, a contar da citação (Súmula 204 do STJ), até 29/06/2009.
A partir de 30/06/2009, incidirão segundo os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, conforme art. 5º da Lei 11.960/09, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei 9.494/97, cuja constitucionalidade foi reconhecida pelo STF ao julgar a 1ª tese do Tema 810 da repercussão geral (RE 870.947), julgado em 20/09/2017, com ata de julgamento publicada no DJe n. 216, de 22/09/2017.
Honorários advocatícios
Incide, no caso, a sistemática de fixação de honorários advocatícios prevista no art. 85 do NCPC, porquanto a sentença foi proferida após 18/03/2016 (data da vigência do NCPC definida pelo Pleno do STJ em 02/04/2016).
Invertidos os ônus sucumbenciais, estabeleço a verba honorária em 10% (dez por cento) sobre as parcelas vencidas (Súmula 76 do TRF4), considerando as variáveis dos incisos I a IV do § 2º do artigo 85 do NCPC.
Custas Processuais
O INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (art. 4º, I, da Lei nº 9.289/96) e responde por metade do valor no Estado de Santa Catarina (art. 33, parágrafo único, da Lei Complementar estadual 156/97).
Implantação do benefício
Reconhecido o direito da parte, impõe-se a determinação para a imediata implantação do benefício, nos termos do art. 497 do NCPC [Art. 497. Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente.] e da jurisprudência consolidada da Colenda Terceira Seção desta Corte (QO-AC nº 2002.71.00.050349-7, Rel. p/ acórdão Des. Federal Celso Kipper). Dessa forma, deve o INSS implantar o benefício em até 45 dias, a contar da publicação do presente acórdão, conforme os parâmetros acima definidos, incumbindo ao representante judicial da autarquia que for intimado dar ciência à autoridade administrativa competente e tomar as demais providências necessárias ao cumprimento da tutela específica.
Saliente-se, por oportuno, que, na hipótese de a parte autora estiver auferindo benefício previdenciário, deve o INSS implantar o benefício ora deferido apenas se o valor da renda mensal atual desse benefício for superior ao daquele.
Faculta-se, outrossim, à parte beneficiária manifestar eventual desinteresse quanto ao cumprimento desta determinação.
Conclusão
Sentença reformada para conceder à autora o benefício de AUXÍLIO-DOENÇA desde a DCB.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento ao apelo da autora bem como determinar a imediata implantação do benefício.
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Apelação Cível Nº 5044083-47.2017.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: CECILIA WERLE PEREIRA
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. agricultorA. lombalgia. Dorsalgia e lesões do ombro. COMPROVAÇÃO.
Tendo o laudo pericial demonstrado que a autora, segurada especial, é portadora de lombalgia; dorsalgia; lesões do ombro e outras artroses especificadas (M54; M75 e M19.8), bem como dadas as características das atividades laborativas exercidas pela demandante, impõe-se o restabelecimento do benefício de auxílio-doença desde a DCB.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, decidiu dar provimento ao apelo da autora bem como determinar a imediata implantação do benefício, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 12 de julho de 2018.
Documento eletrônico assinado por JOSÉ ANTONIO SAVARIS, Juiz Federal Convocado, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000530787v5 e do código CRC 5b2cf3a4.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 12/07/2018
Apelação Cível Nº 5044083-47.2017.4.04.9999/SC
RELATOR: Juiz Federal JOSÉ ANTONIO SAVARIS
PRESIDENTE: Desembargador Federal CELSO KIPPER
APELANTE: CECILIA WERLE PEREIRA
ADVOGADO: RICARDO JOSÉ MORESCO
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 12/07/2018, na seqüência 96, disponibilizada no DE de 26/06/2018.
Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Turma Regional Suplementar de Santa Catarina, por unanimidade, decidiu dar provimento ao apelo da autora bem como determinar a imediata implantação do benefício.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal JOSÉ ANTONIO SAVARIS
Votante: Juiz Federal JOSÉ ANTONIO SAVARIS
Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Desembargador Federal JORGE ANTONIO MAURIQUE
ANA CAROLINA GAMBA BERNARDES
Secretária
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