Apelação Cível Nº 5028045-86.2019.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: ALTAIR DOS SANTOS MACHADO
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Altair dos Santos Machado interpôs apelação em face de sentença que julgou improcedente o pedido para concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, condenando-o ao pagamento das custas e honorários advocatícios, arbitrados em R$ 1.000,00. A exigibilidade de ambas as verbas foi suspensa por ser beneficiário da assistência judiciária gratuita (Evento 3 - SENT22).
Sustentou que é agricultor e está impossibilitado de exercer sua atividade, a qual exige grandes esforços físicos. Requereu a concessão de aposentadoria por invalidez, auxílio-doença ou, subsidiariamente, auxílio-acidente, por ter sido constatada limitação de 10% da sua capacidade de trabalho (Evento 3 - APELAÇÃO23).
Sem contrarrazões, subiram os autos.
VOTO
Benefício por incapacidade
Cumpre, de início, rememorar o tratamento legal conferido aos benefícios de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez.
O art. 59 da Lei n.º 8.213/91 (Lei de Benefícios da Previdência Social - LBPS) estabelece que o auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido em lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos. Por sua vez, o art. 42 da Lei nº 8.213/91 estatui que a aposentadoria por invalidez será concedida ao segurado que, tendo cumprido a carência, for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência. O art. 25 desse diploma legal esclarece, a seu turno, que a carência exigida para a concessão de ambos os benefícios é de 12 (doze) meses, salvo nos casos em que é expressamente dispensada (art. 26, II).
Em resumo, portanto, a concessão dos benefícios depende de três requisitos: (a) a qualidade de segurado do requerente à época do início da incapacidade (artigo 15 da LBPS); (b) o cumprimento da carência de 12 contribuições mensais, exceto nas hipóteses em que expressamente dispensada por lei; (c) o advento, posterior ao ingresso no RGPS, de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência do segurado.
Note-se que a concessão do auxílio-doença não exige que o segurado esteja incapacitado para toda e qualquer atividade laboral; basta que esteja incapacitado para a sua atividade habitual. É dizer: a incapacidade pode ser total ou parcial. Além disso, pode ser temporária ou permanente. Nisso, precisamente, é que se diferencia da aposentadoria por invalidez, que deve ser concedida apenas quando constatada a incapacidade total e permanente do segurado. Sobre o tema, confira-se a lição doutrinária de Daniel Machado da Rocha e de José Paulo Baltazar Júnior:
A diferença, comparativamente à aposentadoria por invalidez, repousa na circunstância de que para a obtenção de auxílio-doença basta a incapacidade para o trabalho ou atividade habitual do segurado, enquanto para a aposentadoria por invalidez exige-se a incapacidade total, para qualquer atividade que garanta a subsistência. Tanto é assim que, exercendo o segurado mais de uma atividade e ficando incapacitado para apenas uma delas, o auxílio-doença será concedido em relação à atividade para a qual o segurado estiver incapacitado, considerando-se para efeito de carência somente as contribuições relativas a essa atividade (RPS, art. 71, § 1º) (in ROCHA, Daniel Machado da. BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 15. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Atlas, 2017).
De qualquer sorte, o caráter da incapacidade (total ou parcial) deve ser avaliado não apenas por um critério médico, mas conforme um juízo global que considere as condições pessoais da parte autora - em especial, a idade, a escolaridade e a qualificação profissional - a fim de se aferir, concretamente, a sua possibilidade de reinserção no mercado de trabalho.
No caso do auxílio-acidente, o benefício concedido como forma de indenização aos segurados indicados no art. 18, § 1º, da Lei nº 8.213/91 que, após a consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultar sequelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia.
Quanto aos pressupostos legais para a concessão do auxílio-acidente, extrai-se do art. 86 da Lei nº 8.213/91 quatro requisitos: (a) a qualidade de segurado; (b) a superveniência de acidente de qualquer natureza; (c) a redução parcial da capacidade para o trabalho habitual e (d) o nexo causal entre o acidente e a redução da capacidade.
Quanto à data de início do benefício, ressalta-se que, nos termos do art. 104, § 2º, do Decreto nº 3.048/99, o auxílio-acidente será devido a contar do dia seguinte ao da cessação do auxílio-doença.
Cumpre demarcar, ainda, a fungibilidade entre as ações previdenciárias, tendo em vista o caráter eminentemente protetivo e de elevado alcance social da lei previdenciária. De fato, a adoção de soluções processuais adequadas à relação jurídica previdenciária constitui uma imposição do princípio do devido processo legal, a ensejar uma leitura distinta do princípio dispositivo e da adstrição do juiz ao pedido (SAVARIS, José Antônio. Direito processual previdenciário. 6 ed., rev. atual. e ampl. Curitiba: Alteridade Editora, 2016, p. 67). Por isso, aliás, o STJ sedimentou o entendimento de que "não constitui julgamento extra ou ultra petita a decisão que, verificando não estarem atendidos os pressupostos para concessão do benefíciorequerido na inicial, concede benefício diverso cujos requisitos tenham sido cumpridos pelo segurado" (AgRG no AG 1232820/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 26/10/20, DJe 22/11/2010).
Caso concreto
Conforme consta do laudo pericial (Evento 3 - LAUDOPERIC10, complementado pelo LAUDOPERIC14), o autor, hoje com 59 anos de idade , agricultor, é portador de coxartrose, mas não estaria, na opinião do perito, incapacitado para o trabalho.
Contudo, embora tenha o perito concluído pela capacidade laboral, pouco há, no teor do documento, sobre a real situação clínica do autor, já que as respostas são, em sua grande maioria, apenas não, o que não pode ser aceito em se tratando de doenças por vezes complexas, que exigem do expert um maior cuidado e principalmente que diga ao julgador sobre as peculiaridades daquele caso concreto.
O perito Renan Marsiaj de Oliveira Júnior, Psiquiatra e Médico do Trabalho, constatou "restrição ao movimento das articulações coxo femural". Informou, genericamente, que "não há impedimento para realização da grande maioria das atividades de agricultor", embora haja limitação de 10% da capacidade laboral.
Não foi esclarecida a causa da limitação ou a data de seu surgimento, não foram informadas as atividades possíveis e as impossíveis para realização, o expert não mencionou quais testes físicos foram aplicados e se há possibilidade de recuperação plena da capacidade laboral.
Assim, há necessidade de realização de novo exame, preferencialmente por especialista em ortopedia, pois o laudo anexado aos autos, repita-se, embora elaborado por médico do trabalho, é insuficiente e não detalha como deveria a situação do autor e a impossibilidade em seguir trabalhando como agricultor.
De igual modo, não há elementos outros descritos no laudo a fim de emprestar um juízo de certeza sobre o quadro incapacitante, sobre os efeitos tratamentos já realizados e aqueles que deverão ser realizados, entre outros. O quadro mórbido, portanto, apresenta-se complexo, o que exige um exame acurado por parte do perito.
O Código de Processo Civil confere ao magistrado poderes para determinar, de ofício, a produção de provas necessárias ao julgamento do mérito (art. 370). Sendo assim, diante da necessidade de realização de outra perícia, por especialista em ortopedia, deve-se pronunciar de ofício a nulidade da sentença, determinando ao juízo a quo a reabertura da instrução processual, com a nomeação de perito ortopedista para que diga se há incapacidade para o trabalho, atento aos questionamentos constantes no teor deste voto e nos autos. No mesmo sentido:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AUXILIO-DOENÇA. NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE NOVA PERÍCIA. LAUDO INSUFICIENTE. SENTENÇA ANULADA. 1. O direito à aposentadoria por invalidez e ao auxílio-doença pressupõe a presença de 3 requisitos: (1) qualidade de segurado ao tempo de início da incapacidade, (2) carência de 12 (doze) contribuições mensais, salvo as hipóteses previstas no art. 26, II, da Lei nº 8.213/91, que dispensam o prazo de carência, e (3) requisito específico, relacionado à existência de incapacidade impeditiva para o labor habitual em momento posterior ao ingresso no RGPS, aceitando-se, contudo, a derivada de doença anterior, desde que agravada após o ingresso no RGPS, nos termos do art. 42, §2º, e art. 59, parágrafo único, ambos da Lei nº 8.213/91. 2. A realização de nova perícia é recomendada quando a matéria não parecer ao juiz suficientemente esclarecida (art. 480, caput, do CPC). Havendo necessidade de novo exame médico diante da insuficiência do teor do laudo, cabível a anulação da sentença e a reabertura da instrução processual. (TRF4, AC 5030122-05.2018.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 14/02/2019)
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. NECESSIDADE DE NOVA PERÍCIA. LAUDO INSUFICIENTE. SENTENÇA ANULADA. REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL. 1. Constatada a insuficiência do laudo pericial diante da complexidade do quadro incapacitante, deve ser anulada a sentença a fim de possibilitar a reabertura da instrução, com a realização de nova perícia com especialista em psiquiatria. 2. Sentença anulada, determinando-se o retorno dos autos à origem para reabertura da instrução processual. (TRF4, AC 5022864-41.2018.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 23/11/2018)
Considerando que o pedido inicial é de concessão de benefício por incapacidade desde 13/03/2015, deverá o perito judicial esclarecer se, diante dos documentos presentes nos autos, há comprovação da coxartrose referida pela parte autora e se essa patologia por si própria impedia o segurado, na época do indeferimento administrativo ou posteriormente, de prosseguir em atividade profissional que exercia.
Faculta-se à parte autora apresentar ao perito, a suprir dúvidas existentes e registradas pelo próprio profissional médico, exames atualizados e que tenham relação com a mesma causa de pedir da ação.
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto no sentido de pronunciar, de ofício, a nulidade da sentença, determinando o retorno à origem para reabertura da instrução processual, nos termos do voto.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001926102v6 e do código CRC c121d1c1.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5028045-86.2019.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: ALTAIR DOS SANTOS MACHADO
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AUXÍLIO-DOENÇA. auxílio-acidente. NECESSIDADE DE NOVA PERÍCIA. LAUDO INSUFICIENTE. agricultor. coxartrose. SENTENÇA ANULADA. REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL.
1. O direito à aposentadoria por invalidez e ao auxílio-doença pressupõe o preenchimento de 3 (três) requisitos: (1) a qualidade de segurado ao tempo de início da incapacidade, (2) a carência de 12 (doze) contribuições mensais, ressalvadas as hipóteses previstas no art. 26, II, da Lei nº 8.213, que a dispensam, e (3) aquele relacionado à existência de incapacidade impeditiva para toda e qualquer atividade (aposentadoria por invalidez) ou para seu trabalho habitual (auxílio-doença) em momento posterior ao ingresso no RGPS, aceitando-se, contudo, a derivada de doença anterior, desde que agravada após esta data, nos termos dos arts. 42, §2º, e 59, parágrafo único; ambos da Lei nº 8.213.
2. A realização de nova perícia é recomendada quando a matéria não parecer ao juiz suficientemente esclarecida (art. 480, caput, do CPC). Havendo necessidade de novo exame médico diante da insuficiência do teor do laudo, cabível a anulação da sentença e a reabertura da instrução processual.
3. O laudo pericial não pode, diante de patologia de investigação complexa, apresentar conclusão genérica e superficial. Exige-se, em contexto semelhante, respostas detalhadas do quadro clínico do segurado, inclusive para definir o período de incapacidade pretérita.
4. Sentença anulada, com determinação de retorno dos autos à origem para reabertura da instrução processual destinada à realização de nova perícia médica, com indicação de perito diverso para a produção da prova.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, pronunciar, de ofício, a nulidade da sentença, determinando o retorno à origem para reabertura da instrução processual, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 18 de agosto de 2020.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001926103v4 e do código CRC 9dd00057.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 10/08/2020 A 18/08/2020
Apelação Cível Nº 5028045-86.2019.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PROCURADOR(A): JOSE OSMAR PUMES
APELANTE: ALTAIR DOS SANTOS MACHADO
ADVOGADO: MARCO AURELIO ZANOTTO (OAB RS060192)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 10/08/2020, às 00:00, a 18/08/2020, às 14:00, na sequência 33, disponibilizada no DE de 30/07/2020.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, PRONUNCIAR, DE OFÍCIO, A NULIDADE DA SENTENÇA, DETERMINANDO O RETORNO À ORIGEM PARA REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
Votante: Juíza Federal GISELE LEMKE
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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