Apelação Cível Nº 5018916-57.2019.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: LUIZ FACCIN
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Luiz Faccin interpôs apelação em face de sentença que julgou improcedente o pedido para concessão de benefício por incapacidade, condenando-a ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios, arbitrados em 10% sobre o valor da causa, ficando suspensa a exigibilidade por litigar ao amparo da gratuidade da justiça (Evento 3 - SENT22).
Sustentou, em preliminar, que, desde que ingressou com a ação, requereu em diversas oportunidades a realização de perícia com especialista em pneumologia, pois o autor padece não só de problemas ortopédicos, como também de problemas que atingem seu pulmão. Registrou que a perícia com ortopedista foi realizada, mas os pedidos para que fosse examinado por pneumologista sequer foram analisados pelo magistrado, o que configura cerceamento de defesa. No mérito, argumentou que há prova da incapacidade sob o ponto de vista ortopédico, a despeito de o perito ter atestado em sentido contrário, e também sob o enfoque pulmonar, já que tem dificuldades para respirar e por isso não pode mais trabalhar na agricultura. Assim, requereu (a) seja anulada a sentença para retorno à origem para produção de prova pericial com pneumologista, ou, alternativamente, (b) a reforma da sentença para concessão do benefício por incapacidade (Evento 3 - APELAÇÃO23).
Sem contrarrazões, subiram os autos.
VOTO
Benefício por incapacidade
Cumpre, de início, rememorar o tratamento legal conferido aos benefícios de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez.
O art. 59 da Lei n.º 8.213/91 (Lei de Benefícios da Previdência Social - LBPS) estabelece que o auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido em lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos. Por sua vez, o art. 42 da Lei nº 8.213/91 estatui que a aposentadoria por invalidez será concedida ao segurado que, tendo cumprido a carência, for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência. O art. 25 desse diploma legal esclarece, a seu turno, que a carência exigida para a concessão de ambos os benefícios é de 12 (doze) meses, salvo nos casos em que é expressamente dispensada (art. 26, II).
Em resumo, portanto, a concessão dos benefícios depende de três requisitos: (a) a qualidade de segurado do requerente à época do início da incapacidade (artigo 15 da LBPS); (b) o cumprimento da carência de 12 contribuições mensais, exceto nas hipóteses em que expressamente dispensada por lei; (c) o advento, posterior ao ingresso no RGPS, de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência do segurado.
Note-se que a concessão do auxílio-doença não exige que o segurado esteja incapacitado para toda e qualquer atividade laboral; basta que esteja incapacitado para a sua atividade habitual. É dizer: a incapacidade pode ser total ou parcial. Além disso, pode ser temporária ou permanente. Nisso, precisamente, é que se diferencia da aposentadoria por invalidez, que deve ser concedida apenas quando constatada a incapacidade total e permanente do segurado. Sobre o tema, confira-se a lição doutrinária de Daniel Machado da Rocha e de José Paulo Baltazar Júnior:
A diferença, comparativamente à aposentadoria por invalidez, repousa na circunstância de que para a obtenção de auxílio-doença basta a incapacidade para o trabalho ou atividade habitual do segurado, enquanto para a aposentadoria por invalidez exige-se a incapacidade total, para qualquer atividade que garanta a subsistência. Tanto é assim que, exercendo o segurado mais de uma atividade e ficando incapacitado para apenas uma delas, o auxílio-doença será concedido em relação à atividade para a qual o segurado estiver incapacitado, considerando-se para efeito de carência somente as contribuições relativas a essa atividade (RPS, art. 71, § 1º) (in ROCHA, Daniel Machado da. BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 15. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Atlas, 2017).
De qualquer sorte, o caráter da incapacidade (total ou parcial) deve ser avaliado não apenas por um critério médico, mas conforme um juízo global que considere as condições pessoais da parte autora - em especial, a idade, a escolaridade e a qualificação profissional - a fim de se aferir, concretamente, a sua possibilidade de reinserção no mercado de trabalho.
Cumpre demarcar, ainda, a fungibilidade entre as ações previdenciárias, tendo em vista o caráter eminentemente protetivo e de elevado alcance social da lei previdenciária. De fato, a adoção de soluções processuais adequadas à relação jurídica previdenciária constitui uma imposição do princípio do devido processo legal, a ensejar uma leitura distinta do princípio dispositivo e da adstrição do juiz ao pedido (SAVARIS, José Antônio. Direito processual previdenciário. 6 ed., rev. atual. e ampl. Curitiba: Alteridade Editora, 2016, p. 67). Por isso, aliás, o STJ sedimentou o entendimento de que "não constitui julgamento extra ou ultra petita a decisão que, verificando não estarem atendidos os pressupostos para concessão do benefício requerido na inicial, concede benefício diverso cujos requisitos tenham sido cumpridos pelo segurado" (AgRG no AG 1232820/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 26/10/20, DJe 22/11/2010).
Preliminar - produção de prova pericial médica com pneumologista
Alegou o apelante que requereu a produção de prova pericial médica com especialista em pneumologia desde o início do processo, pedido que sequer analisado pelo magistrado a quo, que determinou a elaboração de laudo apenas por especialista em ortopedia/traumatologia.
A preliminar deve ser acolhida, pois, de fato, embora desde o ajuizamento do feito a parte tenha requerido a produção de perícia com pneumologista, o magistrado julgou o mérito sem analisar o pedido, limitando-se a determinar apenas a realização de perícia por ortopedista.
Ocorre que o autor apresenta moléstias de origem pulmonar, além da ortopédica, e não lhe foi possibilitado produzir prova nesse sentido, o que configura cerceamento de defesa, já que a realização do exame médico é imprescindível, via de regra, em se tratando de processos judiciais nos quais se discute a incapacidade para o trabalho. Ora, trata-se de prova técnica e que é fundamental a integrar o conjunto probatório para apreciação e julgamento, ainda mais em se tratando de órgão vital (pulmão) e que causa uma série de sintomas que não se confundem com os próprios dos quadros ortopédicos.
Desde o ajuizamento do feito há referência aos problemas de origem pulmonar e ortopédicos. Confira-se (Evento 3 - INIC2):
Em decorrência de um problema de pulmão que vem se agravando com nódulo pulmonar, dificuldade para respirar, possui ainda, problema de coluna, sente muitas dores na coluna, pernas, braços estando sem conseguir trabalhar, em face da doença, conforme se comprova com atestado medico e exames, copias anexas.
Os documentos que instruíram a peça inicial, de igual modo, comprovam que o tema foi objeto do pedido, juntamente com o quadro ortopédico , na medida em que ambos coexistem (Evento 3 - ANEXOS PET4). Há, portanto, evidente cerceamento de defesa.
Dito isso, e por ser imprescindível que venha aos autos prova técnica mediante a realização de perícia com especialista em pneumologia, deve-se dar provimento à apelação para anular a sentença, determinando-se o retorno à origem para reabertura da instrução processual. No mesmo sentido:
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. LAUDO INSUFICIENTE. CASO CONCRETO. COMPLEXIDADE DA MOLÉSTIA. SENTENÇA ANULADA. REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL. 1. Constatada a necessidade de perícia por médico especialista em neurologia, deve ser anulada a sentença a fim de possibilitar a reabertura da instrução. 2. Sentença anulada de ofício, determinando-se o retorno dos autos à origem para reabertura da instrução processual. Prejudicado o julgamento da apelação. (TRF4, AC 5009761-64.2018.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 11/09/2018)
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA. PROVA PERICIAL POR ESPECIALISTA EM ORTOPEDIA/TRAUMATOLOGIA E PSIQUIATRIA. ANULAÇÃO. 1. Cabe ao magistrado determinar de ofício a realização de perícia médica para comprovar a incapacidade, nos termos do artigo 370 do NCPC. 2.Considerados todos os aspectos que envolvem a presente ação, acolhe-se a preliminar de cerceamento de defesa, devendo a sentença ser anulada e remetidos os autos à vara de origem, para a reabertura da fase instrutória, com a realização de perícia ortopédica e psiquiátrica, tendo em vista a necessidade de avaliação da real condição física e psicológica da parte autora. 2. Apelação parcialmente provida para anular a sentença, com a determinação de reabertura da fase instrutória para a realização de nova prova pericial. (TRF4, AC 5068730-09.2017.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator para Acórdão ALTAIR ANTONIO GREGÓRIO, juntado aos autos em 08/08/2018)
PREVIDENCIÁRIO. LAUDO PERICIAL. INDICAÇÃO DE NOVA PERÍCIA EM REUMATOLOGIA. SENTENÇA ANULADA. 1. Caso em que a expert sugeriu a realização de nova perícia na área de reumatologia. 2. A sentença deve ser anulada para a reabertura da instrução processual com a realização de uma nova perícia na especialidade de reumatologia. (TRF4, AC 5015820-33.2017.4.04.7112, QUINTA TURMA, Relatora GISELE LEMKE, juntado aos autos em 04/09/2018)
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto por dar provimento à apelação, acolhendo a preliminar para anular a sentença, determinando o retorno dos autos à origem para realização de novo exame pericial, nos termos da fundamentação.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001944776v8 e do código CRC 57438fd3.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5018916-57.2019.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: LUIZ FACCIN
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ/AUXILIO-DOENÇA. CERCEAMENTO DE DEFESA. NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE PROVA PERICIAL COM ESPECIALISTA EM PNEUMOLOGIA. SENTENÇA ANULADA.
1. É imprescindível, como regra, a realização de perícia médica nos processos nos quais se discute a incapacidade para o fim de concessão de benefício previdenciário, por se tratar de matéria que requer prévio conhecimento técnico, sem o qual, incumbe ao magistrado, nos termos do art. 480, caput, do Código de Processo Civil, determinar a reabertura da instrução probatória.
2. Diante de requerimento expresso da parte autora para produção de prova pericial com profissional que tem como especialidade a doença alegada pelo segurado, compete ao magistrado apreciá-lo antes de proferir a sentença de mérito, sob pena de configurar cerceamento de defesa.
3. Sentença anulada, verificada a indispensabilidade da prova, para retorno dos autos à vara de origem.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação, acolhendo a preliminar para anular a sentença, determinando o retorno dos autos à origem para realização de novo exame pericia, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 18 de agosto de 2020.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001944777v7 e do código CRC a2dd3ec8.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 10/08/2020 A 18/08/2020
Apelação Cível Nº 5018916-57.2019.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PROCURADOR(A): JOSE OSMAR PUMES
APELANTE: LUIZ FACCIN
ADVOGADO: SANTA LENIR QUEVEDO (OAB RS053097)
ADVOGADO: MARILONE SEIBERT (OAB RS058828)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 10/08/2020, às 00:00, a 18/08/2020, às 14:00, na sequência 398, disponibilizada no DE de 30/07/2020.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO, ACOLHENDO A PRELIMINAR PARA ANULAR A SENTENÇA, DETERMINANDO O RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA REALIZAÇÃO DE NOVO EXAME PERICIA.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
Votante: Juíza Federal GISELE LEMKE
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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