Apelação Cível Nº 5019107-05.2019.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: ANGELA MARISA FONSECA SAMPAIO
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Ângela Marisa Fonseca Sampaio interpôs apelação em face de sentença que julgou improcedente o pedido para concessão de benefício por incapacidade, condenando-a ao pagamento de honorários advocatícios, arbitrados em 10% sobre o valor da causa, ficando suspensa a exigibilidade por litigar ao amparo da gratuidade da justiça (Evento 3 - SENT10).
Sustentou, em preliminar, que requereu a produção de prova pericial médica na inicial e na réplica, e, não obstante isso, o pedido não foi analisado, surpreendendo-se com o julgamento de improcedência antes mesmo da realização do ato, motivo pelo qual a sentença deve ser anulada para retorno à origem. No mérito, requereu a reforma da sentença para a concessão do auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, com o pagamento das parcelas em atraso e condenação da autarquia aos ônus sucumbenciais (Evento 3 - APELAÇÃO11).
Sem contrarrazões, subiram os autos ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, e, posteriormente, por força de decisão monocrática, vieram a esta Corte (Evento 3 - OUT13).
VOTO
Benefício por incapacidade
Cumpre, de início, rememorar o tratamento legal conferido aos benefícios de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez.
O art. 59 da Lei n.º 8.213/91 (Lei de Benefícios da Previdência Social - LBPS) estabelece que o auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido em lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos. Por sua vez, o art. 42 da Lei nº 8.213/91 estatui que a aposentadoria por invalidez será concedida ao segurado que, tendo cumprido a carência, for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência. O art. 25 desse diploma legal esclarece, a seu turno, que a carência exigida para a concessão de ambos os benefícios é de 12 (doze) meses, salvo nos casos em que é expressamente dispensada (art. 26, II).
Em resumo, portanto, a concessão dos benefícios depende de três requisitos: (a) a qualidade de segurado do requerente à época do início da incapacidade (artigo 15 da LBPS); (b) o cumprimento da carência de 12 contribuições mensais, exceto nas hipóteses em que expressamente dispensada por lei; (c) o advento, posterior ao ingresso no RGPS, de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência do segurado.
Note-se que a concessão do auxílio-doença não exige que o segurado esteja incapacitado para toda e qualquer atividade laboral; basta que esteja incapacitado para a sua atividade habitual. É dizer: a incapacidade pode ser total ou parcial. Além disso, pode ser temporária ou permanente. Nisso, precisamente, é que se diferencia da aposentadoria por invalidez, que deve ser concedida apenas quando constatada a incapacidade total e permanente do segurado. Sobre o tema, confira-se a lição doutrinária de Daniel Machado da Rocha e de José Paulo Baltazar Júnior:
A diferença, comparativamente à aposentadoria por invalidez, repousa na circunstância de que para a obtenção de auxílio-doença basta a incapacidade para o trabalho ou atividade habitual do segurado, enquanto para a aposentadoria por invalidez exige-se a incapacidade total, para qualquer atividade que garanta a subsistência. Tanto é assim que, exercendo o segurado mais de uma atividade e ficando incapacitado para apenas uma delas, o auxílio-doença será concedido em relação à atividade para a qual o segurado estiver incapacitado, considerando-se para efeito de carência somente as contribuições relativas a essa atividade (RPS, art. 71, § 1º) (in ROCHA, Daniel Machado da. BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 15. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Atlas, 2017).
De qualquer sorte, o caráter da incapacidade (total ou parcial) deve ser avaliado não apenas por um critério médico, mas conforme um juízo global que considere as condições pessoais da parte autora - em especial, a idade, a escolaridade e a qualificação profissional - a fim de se aferir, concretamente, a sua possibilidade de reinserção no mercado de trabalho.
Cumpre demarcar, ainda, a fungibilidade entre as ações previdenciárias, tendo em vista o caráter eminentemente protetivo e de elevado alcance social da lei previdenciária. De fato, a adoção de soluções processuais adequadas à relação jurídica previdenciária constitui uma imposição do princípio do devido processo legal, a ensejar uma leitura distinta do princípio dispositivo e da adstrição do juiz ao pedido (SAVARIS, José Antônio. Direito processual previdenciário. 6 ed., rev. atual. e ampl. Curitiba: Alteridade Editora, 2016, p. 67). Por isso, aliás, o STJ sedimentou o entendimento de que "não constitui julgamento extra ou ultra petita a decisão que, verificando não estarem atendidos os pressupostos para concessão do benefício requerido na inicial, concede benefício diverso cujos requisitos tenham sido cumpridos pelo segurado" (AgRG no AG 1232820/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 26/10/20, DJe 22/11/2010).
Preliminar - produção de prova pericial médica
Alegou a apelante que requereu a produção de prova pericial médica tanto na petição inicial quanto na réplica, pedido que não foi sequer analisado pelo magistrado a quo.
A preliminar deve ser acolhida, pois, de fato, embora desde o ajuizamento do feito a parte tenha requerido a produção de perícia com psiquiatra, o magistrado julgou o mérito sem determinar a realização do ato, imprescindível, via de regra, em se tratando de processos judiciais nos quais se discute a incapacidade para o trabalho. Ora, trata-se de prova técnica e que é fundamental a integrar o conjunto probatório para apreciação e julgamento.
Nos termos da petição inicial (Evento 3 - INIC2), a autora é portadora de episódio depressivo grave, transtorno de personalidade e quadro psicótico, motivo pelo qual vinha percebendo auxílio-doença deferido administrativamente pela autarquia ré (NB 604.637.803-0), cessado em 20/10/2016. A fim de provar a inaptidão ao trabalho, requereu em diversas oportunidades a realização da perícia por psiquiatra (Evento 3 - INIC2; PET7), e, não obstante isso, o magistrado proferiu sentença de improcedência justamente por entender ausente prova suficiente do quadro incapacitante. Há, portanto, evidente cerceamento de defesa.
Dito isso, e por ser imprescindível que venha aos autos prova técnica mediante a realização de perícia com especialista em psiquiatria, deve-se dar provimento à apelação para anular a sentença, determinando-se o retorno à origem para reabertura da instrução processual. No mesmo sentido:
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. LAUDO INSUFICIENTE. CASO CONCRETO. COMPLEXIDADE DA MOLÉSTIA. SENTENÇA ANULADA. REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL. 1. Constatada a necessidade de perícia por médico especialista em neurologia, deve ser anulada a sentença a fim de possibilitar a reabertura da instrução. 2. Sentença anulada de ofício, determinando-se o retorno dos autos à origem para reabertura da instrução processual. Prejudicado o julgamento da apelação. (TRF4, AC 5009761-64.2018.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 11/09/2018)
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA. PROVA PERICIAL POR ESPECIALISTA EM ORTOPEDIA/TRAUMATOLOGIA E PSIQUIATRIA. ANULAÇÃO. 1. Cabe ao magistrado determinar de ofício a realização de perícia médica para comprovar a incapacidade, nos termos do artigo 370 do NCPC. 2.Considerados todos os aspectos que envolvem a presente ação, acolhe-se a preliminar de cerceamento de defesa, devendo a sentença ser anulada e remetidos os autos à vara de origem, para a reabertura da fase instrutória, com a realização de perícia ortopédica e psiquiátrica, tendo em vista a necessidade de avaliação da real condição física e psicológica da parte autora. 2. Apelação parcialmente provida para anular a sentença, com a determinação de reabertura da fase instrutória para a realização de nova prova pericial. (TRF4, AC 5068730-09.2017.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator para Acórdão ALTAIR ANTONIO GREGÓRIO, juntado aos autos em 08/08/2018)
PREVIDENCIÁRIO. LAUDO PERICIAL. INDICAÇÃO DE NOVA PERÍCIA EM REUMATOLOGIA. SENTENÇA ANULADA. 1. Caso em que a expert sugeriu a realização de nova perícia na área de reumatologia. 2. A sentença deve ser anulada para a reabertura da instrução processual com a realização de uma nova perícia na especialidade de reumatologia. (TRF4, AC 5015820-33.2017.4.04.7112, QUINTA TURMA, Relatora GISELE LEMKE, juntado aos autos em 04/09/2018)
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto por dar provimento à apelação, acolhendo a preliminar para anular a sentença, determinando o retorno dos autos à origem para realização de novo exame pericial, nos termos da fundamentação.
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Apelação Cível Nº 5019107-05.2019.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: ANGELA MARISA FONSECA SAMPAIO
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ/AUXILIO-DOENÇA. CERCEAMENTO DE DEFESA. NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE PROVA PERICIAL.SENTENÇA ANULADA.
1. A realização de perícia médica nos processos nos quais se discute a incapacidade para fins de concessão de benefício previdenciário é imprescindível, via de regra, por se tratar de análise técnica, cabendo ao magistrado, a teor do disposto no art. 480, caput, do CPC, determinar a reabertura da instrução caso entenda necessário.
2. Diante de requerimento expresso da parte autora para produção de prova pericial técnica com profissional da confiança do juízo, cabe ao magistrado analisar o pedido antes de proferir a sentença de mérito, sob pena de configurar cerceamento de defesa.
3. Sentença anulada para retorno à origem e reabertura da instrução processual.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação, acolhendo a preliminar para anular a sentença, determinando o retorno dos autos à origem para realização de novo exame pericial, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 23 de junho de 2020.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 15/06/2020 A 23/06/2020
Apelação Cível Nº 5019107-05.2019.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PROCURADOR(A): FÁBIO BENTO ALVES
APELANTE: ANGELA MARISA FONSECA SAMPAIO
ADVOGADO: ROBERT VEIGA GLASS (OAB RS070272)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 15/06/2020, às 00:00, a 23/06/2020, às 14:00, na sequência 38, disponibilizada no DE de 03/06/2020.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO, ACOLHENDO A PRELIMINAR PARA ANULAR A SENTENÇA, DETERMINANDO O RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA REALIZAÇÃO DE NOVO EXAME PERICIAL.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
Votante: Juíza Federal GISELE LEMKE
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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