Apelação Cível Nº 5021853-40.2019.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: IVANIA MARIA MENIN
RELATÓRIO
O Instituto Nacional do Seguro Social interpôs apelação em face de sentença que julgou procedente o pedido para conceder, em favor da autora, auxílio-doença, a partir de 20/05/2016, com possibilidade de submissão da autora a perícia médica periódica após 27/09/2018, condenando-o ao pagamento das parcelas em atraso, corrigidas (INPC) em com juros (art. 1-F da Lei 9.494/97), além das despesas processuais e honorários advocatícios, arbitrados em 10% sobre o valor da condenação até a data da sentença (Evento 3 - SENT27).
Sustentou que não há prova no que é pertinente à atividade rural, embora, equivocadamente, o INSS tenha concedido na esfera administrativa o auxílio-doença. Destacou que a autora declarou a ambos os peritos que a última atividade era trabalhar em casa de família, como doméstica ou faxineira, que faz há mais de dez anos. Registrou que a DII foi estabelecida pelo perito psiquiatra em 02/2016, marco que deve ser observado para fins de verificação acerca da atividade efetivamente por ela exercida, já que não há contribuições desde o ano de 2010, e, portanto, se realmente for faxineira, não tem qualidade de segurado ou carência (Evento 3 - APELAÇÃO28).
Sem contrarrazões, subiram os autos.
VOTO
Benefício por incapacidade
Cumpre, de início, rememorar o tratamento legal conferido aos benefícios de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez.
O art. 59 da Lei n.º 8.213/91 (Lei de Benefícios da Previdência Social - LBPS) estabelece que o auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido em lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos. Por sua vez, o art. 42 da Lei nº 8.213/91 estatui que a aposentadoria por invalidez será concedida ao segurado que, tendo cumprido a carência, for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência. O art. 25 desse diploma legal esclarece, a seu turno, que a carência exigida para a concessão de ambos os benefícios é de 12 (doze) meses, salvo nos casos em que é expressamente dispensada (art. 26, II).
Em resumo, portanto, a concessão dos benefícios depende de três requisitos: (a) a qualidade de segurado do requerente à época do início da incapacidade (artigo 15 da LBPS); (b) o cumprimento da carência de 12 contribuições mensais, exceto nas hipóteses em que expressamente dispensada por lei; (c) o advento, posterior ao ingresso no RGPS, de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência do segurado.
Note-se que a concessão do auxílio-doença não exige que o segurado esteja incapacitado para toda e qualquer atividade laboral; basta que esteja incapacitado para a sua atividade habitual. É dizer: a incapacidade pode ser total ou parcial. Além disso, pode ser temporária ou permanente. Nisso, precisamente, é que se diferencia da aposentadoria por invalidez, que deve ser concedida apenas quando constatada a incapacidade total e permanente do segurado. Sobre o tema, confira-se a lição doutrinária de Daniel Machado da Rocha e de José Paulo Baltazar Júnior:
A diferença, comparativamente à aposentadoria por invalidez, repousa na circunstância de que para a obtenção de auxílio-doença basta a incapacidade para o trabalho ou atividade habitual do segurado, enquanto para a aposentadoria por invalidez exige-se a incapacidade total, para qualquer atividade que garanta a subsistência. Tanto é assim que, exercendo o segurado mais de uma atividade e ficando incapacitado para apenas uma delas, o auxílio-doença será concedido em relação à atividade para a qual o segurado estiver incapacitado, considerando-se para efeito de carência somente as contribuições relativas a essa atividade (RPS, art. 71, § 1º) (in ROCHA, Daniel Machado da. BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 15. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Atlas, 2017).
De qualquer sorte, o caráter da incapacidade (total ou parcial) deve ser avaliado não apenas por um critério médico, mas conforme um juízo global que considere as condições pessoais da parte autora - em especial, a idade, a escolaridade e a qualificação profissional - a fim de se aferir, concretamente, a sua possibilidade de reinserção no mercado de trabalho.
Cumpre demarcar, ainda, a fungibilidade entre as ações previdenciárias, tendo em vista o caráter eminentemente protetivo e de elevado alcance social da lei previdenciária. De fato, a adoção de soluções processuais adequadas à relação jurídica previdenciária constitui uma imposição do princípio do devido processo legal, a ensejar uma leitura distinta do princípio dispositivo e da adstrição do juiz ao pedido (SAVARIS, José Antônio. Direito processual previdenciário. 6 ed., rev. atual. e ampl. Curitiba: Alteridade Editora, 2016, p. 67). Por isso, aliás, o STJ sedimentou o entendimento de que "não constitui julgamento extra ou ultra petita a decisão que, verificando não estarem atendidos os pressupostos para concessão do benefíciorequerido na inicial, concede benefício diverso cujos requisitos tenham sido cumpridos pelo segurado" (AgRG no AG 1232820/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 26/10/20, DJe 22/11/2010).
Caso concreto
O ponto controvertido diz respeito à qualidade de segurada especial rural na DII estabelecida pelo perito psiquiatra, uma vez que o médico especialista em ortopedia não reconheceu a existência de incapacidade decorrente de problemas ortopédicos.
A sentença foi prolatada no sentido da procedência do pedido com fundamento exclusivamente no laudo elaborado pelo perito especialista em psiquiatria (Evento 3 - LAUDOPERIC19 - 27/09/2017), que atestou o diagnóstico de Transtorno depressivo recorrente, episódio atual grave, sem sintomas psicóticos CID-10:F33.2, com DII em 02/2016 (alínea i) e provável DCB em um intervalo de 12 meses (conclusões médico legais).
Não há dúvidas, portanto, sobre a existência da incapacidade temporária. O que deve ser analisado é a questão da atividade efetivamente exercida pela autora, que declarou ao perito psiquiatra ser faxineira (Evento 3 - LAUDOPERIC19).
Ao ortopedista (Evento 3 - LAUDOPERIC21), mencionou que, até os 15 anos de idade, trabalhou na agricultura familiar; após, em casas de família, como doméstica na informalidade até 1992; de 1992 a 1997, como doméstica com vínculo empregatício;de 2004 a 2005 como faxineira; e, por fim, de 2005 até o dia da perícia (09/03/2018), declarou-se do lar / serviços gerais. Do teor do laudo ainda consta que começou a trabalhar com 12 anos de idade e até os 20 anos morava no campo com seus pais. Quando do início dos sintomas, em 2010, trabalhava em Casas de Família.
Não obstante isso, teve concedido auxílio-doença pelo INSS em dois períodos - de 15/02/2016 a 20/05/2016 e de 09/12/2016 a 15/03/2017 - na condição de segurada especial, pois, perante a autarquia, declarava que seu marido era agricultor.
Ora, de acordo com os destaques acima, por se tratar de declarações fornecidas pela própria autora, conclui-se que houve equívoco por parte do INSS ao não averiguar adequadamente, na esfera administrativa, qual era efetivamente a atividade desenvolvida pela autora, o que, fique claro, não se pode atribuir a ela para fins de configuração de má-fé e possível devolução dos valores que recebeu até hoje a despeito de não ter qualidade de segurado e carência (CNIS - Evento 3 - APELAÇÃO28, fl. 5).
Como bem destacou o instituto no teor das razões de apelação, se houve erro do INSS na concessão do beneficio, este erro não pode ser convalidado pelo Poder Judiciário, sendo imperativo, pelo princípio da autotutela que o pedido autoral seja julgado totalmente improcedente, merecendo reforma a sentença de primeiro grau.
Sendo assim, deve-se dar provimento à apelação, pois o conjunto probatório aponta para a ausência de qualidade de segurado ou carência a ensejar a concessão do benefício, já que a autora não é segurada especial.
Inversão dos ônus sucumbenciais
Invertem-se os ônus da sucumbência.
Fica condenada a parte autora ao pagamento das custas, despesas processuais e de honorários advocatícios ao INSS, no percentual de 10% sobre o valor corrigido da causa.
A exigibilidade das verbas, entretanto, fica suspensa por ser beneficiária da AJG.
Prequestionamento
O enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal, assim como a análise da legislação aplicável, são suficientes para prequestionar junto às instâncias Superiores os dispositivos que as fundamentam. Assim, deixo de aplicar os dispositivos legais ensejadores de pronunciamento jurisdicional distinto do que até aqui foi declinado. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração tão somente para este fim, o que evidenciaria finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa.
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto no sentido de dar provimento à apelação, nos termos da fundamentação.
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Apelação Cível Nº 5021853-40.2019.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: IVANIA MARIA MENIN
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ/AUXÍLIO-DOENÇA. DATA DE INÍCIO DA INCAPACIDADE. AFASTADA A CONDIÇÃO DE SEGURADA ESPECIAL RURAL. FAXINEIRA E DOMÉSTICA. QUALIDADE DE SEGURADO E CARÊNCIA. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. INVERSÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS.
1. O direito à aposentadoria por invalidez e ao auxílio-doença pressupõe a presença de três requisitos: (1) qualidade de segurado ao tempo de início da incapacidade, (2) carência de 12 (doze) contribuições mensais, salvo as hipóteses previstas no art. 26, II, da Lei nº 8.213/91, que dispensam o prazo de carência, e (3) requisito específico, relacionado à existência de incapacidade impeditiva para o labor habitual em momento posterior ao ingresso no RGPS, aceitando-se, contudo, a derivada de doença anterior, desde que agravada após o ingresso no RGPS, nos termos do art. 42, §2º, e art. 59, parágrafo único, ambos da Lei nº 8.213/91.
2. A despeito de o INSS haver concedido auxílio-doença no âmbito administrativo, atendendo condição da apelada como segurada especial rural, do contexto probatório resulta a conclusão de que a parte autora exercia, efetivamente, atividades de faxineira e doméstica, das quais retirava seus rendimentos.
3. Qualidade de segurado e carência não preenchidos por ocasião da data de início da incapacidade.
4. Apelação provida. Invertidos os ônus da sucumbência.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 21 de julho de 2020.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 13/07/2020 A 21/07/2020
Apelação Cível Nº 5021853-40.2019.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PROCURADOR(A): JOÃO HELIOFAR DE JESUS VILLAR
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: IVANIA MARIA MENIN
ADVOGADO: DANY CARLOS SIGNOR (OAB RS052139)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 13/07/2020, às 00:00, a 21/07/2020, às 14:00, na sequência 397, disponibilizada no DE de 02/07/2020.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
Votante: Juíza Federal GISELE LEMKE
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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