Apelação Cível Nº 5035359-54.2017.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: VILMAR VIDAL DA SILVA
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Vilmar Vidal da Silva interpôs apelação em face de sentença que julgou improcedente o pedido para concessão de beneficio por incapacidade, condenando-o ao pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios, arbitrados em R$ 400,00. A exigibilidade de ambas as verbas foi suspensa por litigar ao abrigo da justiça gratuita (Evento 5 - SENT24).
Sustentou que há prova suficiente da incapacidade, pois é portador de problemas cardíacos, hipertensão, diabetes e hérnia abdominal desde abril de 2015, situação que o impede se seguir trabalhando como carpinteiro, sua atividade habitual. Requereu a reforma da sentença (Evento 5 - APELAÇÃO27).
Sem contrarrazões, subiram os autos a este Tribunal.
VOTO
Benefício por incapacidade
Cumpre, de início, rememorar o tratamento legal conferido aos benefícios de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez.
O art. 59 da Lei n.º 8.213/91 (Lei de Benefícios da Previdência Social - LBPS) estabelece que o auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido em lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos. Por sua vez, o art. 42 da Lei nº 8.213/91 estatui que a aposentadoria por invalidez será concedida ao segurado que, tendo cumprido a carência, for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência. O art. 25 desse diploma legal esclarece, a seu turno, que a carência exigida para a concessão de ambos os benefícios é de 12 (doze) meses, salvo nos casos em que é expressamente dispensada (art. 26, II).
Em resumo, portanto, a concessão dos benefícios depende de três requisitos: (a) a qualidade de segurado do requerente à época do início da incapacidade (artigo 15 da LBPS); (b) o cumprimento da carência de 12 contribuições mensais, exceto nas hipóteses em que expressamente dispensada por lei; (c) o advento, posterior ao ingresso no RGPS, de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência do segurado.
Note-se que a concessão do auxílio-doença não exige que o segurado esteja incapacitado para toda e qualquer atividade laboral; basta que esteja incapacitado para a sua atividade habitual. É dizer: a incapacidade pode ser total ou parcial. Além disso, pode ser temporária ou permanente. Nisso, precisamente, é que se diferencia da aposentadoria por invalidez, que deve ser concedida apenas quando constatada a incapacidade total e permanente do segurado. Sobre o tema, confira-se a lição doutrinária de Daniel Machado da Rocha e de José Paulo Baltazar Júnior:
A diferença, comparativamente à aposentadoria por invalidez, repousa na circunstância de que para a obtenção de auxílio-doença basta a incapacidade para o trabalho ou atividade habitual do segurado, enquanto para a aposentadoria por invalidez exige-se a incapacidade total, para qualquer atividade que garanta a subsistência. Tanto é assim que, exercendo o segurado mais de uma atividade e ficando incapacitado para apenas uma delas, o auxílio-doença será concedido em relação à atividade para a qual o segurado estiver incapacitado, considerando-se para efeito de carência somente as contribuições relativas a essa atividade (RPS, art. 71, § 1º) (in ROCHA, Daniel Machado da. BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 15. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Atlas, 2017).
De qualquer sorte, o caráter da incapacidade (total ou parcial) deve ser avaliado não apenas por um critério médico, mas conforme um juízo global que considere as condições pessoais da parte autora - em especial, a idade, a escolaridade e a qualificação profissional - a fim de se aferir, concretamente, a sua possibilidade de reinserção no mercado de trabalho.
Cumpre demarcar, ainda, a fungibilidade entre as ações previdenciárias, tendo em vista o caráter eminentemente protetivo e de elevado alcance social da lei previdenciária. De fato, a adoção de soluções processuais adequadas à relação jurídica previdenciária constitui uma imposição do princípio do devido processo legal, a ensejar uma leitura distinta do princípio dispositivo e da adstrição do juiz ao pedido (SAVARIS, José Antônio. Direito processual previdenciário. 6 ed., rev. atual. e ampl. Curitiba: Alteridade Editora, 2016, p. 67). Por isso, aliás, o STJ sedimentou o entendimento de que "não constitui julgamento extra ou ultra petita a decisão que, verificando não estarem atendidos os pressupostos para concessão do benefício requerido na inicial, concede benefício diverso cujos requisitos tenham sido cumpridos pelo segurado" (AgRG no AG 1232820/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 26/10/20, DJe 22/11/2010).
Caso concreto
A matéria devolvida diz respeito ao quadro incapacitante, se existente ou não, a comprometer a capacidade de trabalho do autor (carpinteiro). A sentença foi no sentido da improcedência do pedido, pois o laudo médico (elaborado por especialista em medicina do trabalho) atestou apenas a inaptidão parcial para o exercício das funções habituais.
O autor, nascido em 26/10/1963, de acordo com o laudo pericial (Evento 5 - LAUDPERI16 - elaborado em setembro de 2015), é portador de E11 Diabetes mellitus não-insulino-dependente; I10 Hipertensão essencial (primária); I25 Doença isquêmica crônica do coração; e K46 Hérnia abdominal não especificada. Referiu o expert que a incapacidade é parcial e temporária e pode ser comprovada desde abril de 2015.
Consta, ainda, que o Autor apresentou exame cardiológico alterado, estando aguardando para realizar cateterismo, por alterações a esclarecer, tendo incapacidade parcial e temporária, a ser considerada a partir de 04/2015 (conforme data de ergometria alterada), por período breve, até o esclarecimento do seu quadro cardiológico (pós-realização do cateterismo), a fim de liberar para realizar cirurgia de correção de herniorrafia inguinal esquerda. Esse ponto do laudo é fundamental para o desfecho a seguir, com destaque para o alerta da perita no sentido de que a incapacidade é por período breve, até o esclarecimento do seu quadro cardiológico.
De fato, além de o teor do laudo ser insuficiente ao convencimento sobre as condições efetivas de saúde do autor à época em que realizado, há necessidade de novo exame pericial em relação a sua condição cardiológica, pois não há esclarecimentos outros que permitam inferir, nos autos, se há mesmo incapacidade a ensejar a concessão do auxílio-doença, embora a perita tenha se manifestado pela incapacidade parcial.
Demais disso, após a vinda dos autos a este Tribunal, trouxe o autor, ora apelante, atestado médico no qual consta que a cardiopatia isquêmica é grave, datado de dois anos após a realização da perícia (05/07/2017), situação que precisa ser esclarecida (Evento 3 da apelação).
Deve-se registrar que o autor foi beneficiário do auxílio-doença em virtude da decisão que antecipou os efeitos da tutela desde agosto de 2015 (Evento 5 - DESPADEC9) até prolação da sentença, cujos pagamentos foram cessados em 18/05/2017 (Evento 5 - PET29), e, portanto, não ficou desassistido durante o período no qual a perita indicou a incapacidade parcial e temporária posteriormente não confirmada em sentença. Não se trata, no entanto, de implementar novamente o benefício mediante a reativação da decisão que concedeu a tutela porque são necessários maiores esclarecimentos acerca do real estado de saúde do autor nos dias de hoje, pois seria submetido, segundo destaque acima, a cateterismo que resolveria a questão da incapacidade segundo a opinião da médica oficial.
Dito isso, percebe-se que há necessidade de realização de nova perícia por médico cardiologista, clínico geral ou do trabalho, a fim de que analise se o autor possui aptidão ao trabalho, motivo pelo qual a sentença deve ser anulada de ofício para retorno dos autos à origem e reabertura da instrução processual. Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA. PROVA PERICIAL POR ESPECIALISTA EM ORTOPEDIA/TRAUMATOLOGIA E PSIQUIATRIA. ANULAÇÃO. 1. Cabe ao magistrado determinar de ofício a realização de perícia médica para comprovar a incapacidade, nos termos do artigo 370 do NCPC. 2.Considerados todos os aspectos que envolvem a presente ação, acolhe-se a preliminar de cerceamanto de defesa, devendo a sentença ser anulada e remetidos os autos à vara de origem, para a reabertura da fase instrutória, com a realização de perícia ortopédica e psiquiátrica, tendo em vista a necessidade de avaliação da real condição física e psicológica da parte autora. 2. Apelação parcialmente provida para anular a sentença, com a determinação de reabertura da fase instrutória para a realização de nova prova pericial. (TRF4, AC 5068730-09.2017.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator para Acórdão ALTAIR ANTONIO GREGÓRIO, juntado aos autos em 08/08/2018)
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. LAUDO INSUFICIENTE. CASO CONCRETO. COMPLEXIDADE DA MOLÉSTIA. SENTENÇA ANULADA. REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL. 1. Constatada a necessidade de perícia por médico especialista em neurologia, deve ser anulada a sentença a fim de possibilitar a reabertura da instrução. 2. Sentença anulada de ofício, determinando-se o retorno dos autos à origem para reabertura da instrução processual. Prejudicado o julgamento da apelação. (TRF4, AC 5009761-64.2018.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 11/09/2018)
PREVIDENCIÁRIO. LAUDO PERICIAL. INDICAÇÃO DE NOVA PERÍCIA EM REUMATOLOGIA. SENTENÇA ANULADA. 1. Caso em que a expert sugeriu a realização de nova perícia na área de reumatologia. 2. A sentença deve ser anulada para a reabertura da instrução processual com a realização de uma nova perícia na especialidade de reumatologia. (TRF4, AC 5015820-33.2017.4.04.7112, QUINTA TURMA, Relatora GISELE LEMKE, juntado aos autos em 04/09/2018)
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto por anular, de ofício, a sentença, determinando o retorno dos autos à origem para realização de perícia, nos termos da fundamentação. Prejudicado o julgamento da apelação.
Documento eletrônico assinado por ADRIANE BATTISTI, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001029822v8 e do código CRC 68974760.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5035359-54.2017.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: VILMAR VIDAL DA SILVA
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AUXILIO-DOENÇA. NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE NOVA PERÍCIA. SENTENÇA ANULADA.
1. São três os requisitos para a concessão dos benefícios por incapacidade: (1) qualidade de segurado; (2) cumprimento do período de carência; (3) a incapacidade para o trabalho, de caráter permanente (aposentadoria por invalidez) ou temporário (auxílio-doença).
2. A realização de nova perícia é recomendada quando a matéria não parecer ao juiz suficientemente esclarecida (art. 480, caput, do CPC). Havendo necessidade de novo exame médico, cabível a anulação da sentença e a reabertura da instrução processual.
3. Sentença anulada para retorno dos autos à origem e realização de exame pericial por médicos especialistas.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, anular, de ofício, a sentença, determinando o retorno dos autos à origem para realização de perícia. Prejudicado o julgamento da apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 14 de maio de 2019.
Documento eletrônico assinado por ADRIANE BATTISTI, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001029823v3 e do código CRC 1ad00255.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 14/05/2019
Apelação Cível Nº 5035359-54.2017.4.04.9999/RS
RELATORA: Juíza Federal ADRIANE BATTISTI
PRESIDENTE: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
APELANTE: VILMAR VIDAL DA SILVA
ADVOGADO: TAMI TEIXEIRA ASO (OAB RS056543)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 14/05/2019, na sequência 40, disponibilizada no DE de 26/04/2019.
Certifico que a 5ª Turma , ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA , DECIDIU, POR UNANIMIDADE, ANULAR, DE OFÍCIO, A SENTENÇA, DETERMINANDO O RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA REALIZAÇÃO DE PERÍCIA. PREJUDICADO O JULGAMENTO DA APELAÇÃO.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Juíza Federal ADRIANE BATTISTI
Votante: Juíza Federal ADRIANE BATTISTI
Votante: Juíza Federal GISELE LEMKE
Votante: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
PAULO ROBERTO DO AMARAL NUNES
Secretário
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