Apelação Cível Nº 5014537-73.2019.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: NEIVA CORREA DE FREITAS
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Neiva Correa de Freitas interpôs apelação em face de sentença que julgou procedente o pedido para concessão de aposentadoria por invalidez a partir de 11/04/2014, condenando a autarquia ao pagamento das parcelas em atraso, corrigidas e com juros, bem como das despesas processuais e honorários advocatícios, arbitrados em 10% sobre o valor da condenação até a data da sentença (ev. 3 - SENT27).
Sustentou que, além da incapacidade de cunho psiquiátrico, também deve ser reconhecida a inaptidão definitiva que decorre do quadro ortopédico, pois sofreu fraturas e traumas nos punhos direito e esquerdo que não foram reconhecidas como incapacitantes pelo médico ortopedista. Registrou que há prova documental nesse sentido, o que deve ser levado em consideração pelo magistrado. Assim, requer a reforma da sentença para que a aposentadoria seja concedida também em virtude da incapacidade traumatológica, e não só da psiquiátrica, a fim de evitar dúvidas futuras (ev. 3 - APELAÇÃO28).
Sem contrarrazões, subiram os autos.
VOTO
Benefício por incapacidade
Cumpre, de início, rememorar o tratamento legal conferido aos benefícios de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez.
O art. 59 da Lei n.º 8.213/91 (Lei de Benefícios da Previdência Social - LBPS) estabelece que o auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido em lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos. Por sua vez, o art. 42 da Lei nº 8.213/91 estatui que a aposentadoria por invalidez será concedida ao segurado que, tendo cumprido a carência, for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência. O art. 25 desse diploma legal esclarece, a seu turno, que a carência exigida para a concessão de ambos os benefícios é de 12 (doze) meses, salvo nos casos em que é expressamente dispensada (art. 26, II).
Em resumo, portanto, a concessão dos benefícios depende de três requisitos: (a) a qualidade de segurado do requerente à época do início da incapacidade (artigo 15 da LBPS); (b) o cumprimento da carência de 12 contribuições mensais, exceto nas hipóteses em que expressamente dispensada por lei; (c) o advento, posterior ao ingresso no RGPS, de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência do segurado.
Note-se que a concessão do auxílio-doença não exige que o segurado esteja incapacitado para toda e qualquer atividade laboral; basta que esteja incapacitado para a sua atividade habitual. É dizer: a incapacidade pode ser total ou parcial. Além disso, pode ser temporária ou permanente. Nisso, precisamente, é que se diferencia da aposentadoria por invalidez, que deve ser concedida apenas quando constatada a incapacidade total e permanente do segurado. Sobre o tema, confira-se a lição doutrinária de Daniel Machado da Rocha e de José Paulo Baltazar Júnior:
A diferença, comparativamente à aposentadoria por invalidez, repousa na circunstância de que para a obtenção de auxílio-doença basta a incapacidade para o trabalho ou atividade habitual do segurado, enquanto para a aposentadoria por invalidez exige-se a incapacidade total, para qualquer atividade que garanta a subsistência. Tanto é assim que, exercendo o segurado mais de uma atividade e ficando incapacitado para apenas uma delas, o auxílio-doença será concedido em relação à atividade para a qual o segurado estiver incapacitado, considerando-se para efeito de carência somente as contribuições relativas a essa atividade (RPS, art. 71, § 1º) (in ROCHA, Daniel Machado da. BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 15. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Atlas, 2017).
De qualquer sorte, o caráter da incapacidade (total ou parcial) deve ser avaliado não apenas por um critério médico, mas conforme um juízo global que considere as condições pessoais da parte autora - em especial, a idade, a escolaridade e a qualificação profissional - a fim de se aferir, concretamente, a sua possibilidade de reinserção no mercado de trabalho.
Cumpre demarcar, ainda, a fungibilidade entre as ações previdenciárias, tendo em vista o caráter eminentemente protetivo e de elevado alcance social da lei previdenciária. De fato, a adoção de soluções processuais adequadas à relação jurídica previdenciária constitui uma imposição do princípio do devido processo legal, a ensejar uma leitura distinta do princípio dispositivo e da adstrição do juiz ao pedido (SAVARIS, José Antônio. Direito processual previdenciário. 6 ed., rev. atual. e ampl. Curitiba: Alteridade Editora, 2016, p. 67). Por isso, aliás, o STJ sedimentou o entendimento de que "não constitui julgamento extra ou ultra petita a decisão que, verificando não estarem atendidos os pressupostos para concessão do benefício requerido na inicial, concede benefício diverso cujos requisitos tenham sido cumpridos pelo segurado" (AgRG no AG 1232820/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 26/10/20, DJe 22/11/2010).
Caso concreto
De início, cabe esclarecer que a autora já teve concedida, em seu favor, a aposentadoria por invalidez desde 11/04/2014, e não há apelação do INSS.
Porém, o fundamento para a concessão refere-se exclusivamente ao quadro psiquiátrico, uma vez que o perito ortopedista não reconheceu a incapacidade em relação às sequelas de fratura nos pulsos direito e esquerdo, o que agora pretende discutir para que tal condição também sirva de lastro para a concessão do benefício.
Conforme consta do laudo pericial elaborado pelo ortopedista em 03/06/2015 (ev. 3 - LAUDOPERIC16), a autora, atualmente com 66 anos de idade (18/02/1954), relatou ter sido atropelada em 30/10/2011, quando sofreu fratura dos antebraços. Submeteu-se à cirurgia para fixação das fraturas e tratamento das demais lesões, mas tem sequelas nas mãos que a impedem de trabalhar em sua atividade habitual de artesã.
Após detalhado exame físico e dos documentos constantes dos autos (atestados médicos e exames de imagem, todos listados no teor do laudo, item VII), concluiu o perito pela ausência de incapacidade sob o ponto de vista ortopédico. Confira-se:
VIII - DISCUSSÃO E CONCLUSÃO PERICIAL
Na avaliação de grau de redução da capacidade de trabalho, deve o perito levar em consideração a idade e a profissão do periciado, bem como, a capacidade de adaptação apresentada pela mesma, com relação as suas seqüelas. Também o Autor deve comprovar suas queixas com a apresentação de Atestados, Exames e Laudos.
A periciada comprova ser portadora de uma seqüela de fratura ao nível do punho, que atualmente já esta consolidada. Apresenta ainda comprovação de ser portadora de patologia psiquiátrica (Cid F 33.1), fato que é causa real de sua incapacidade para o trabalho.
Ao exame pericial atual, a Autora simula mais incapacidade dolorosa do que os exames demonstram, exagerando suas limitações e dores. Ao ser solicitado elevação dos braços, informa limitações (fotos 4, 7 e 8), porém não referia anteriormente queixas de dores nos ombros, e nem apresentou exames que comprovassem lesão de tendões nesta articulação. Este fato atribuímos ao quadro depressivo e a sua baixa Auto-estima. Do ponto de vista deste exame ortopédico não comprova ser portadora de patologia incapacitante ao seu trabalho como Artesã.
Sugerimos deva ser a Periciada encaminhada para avaliação psiquiátrica, para que seja feita a análise da influência dos quadros de Depressão e de baixa Auto-estima, na sua capacidade de retornar ao trabalho regular.
Em resposta aos quesitos 6, 7, 8 e 9 (da autora), ratificou que não há prova no sentido de que seja portadora de patologia ortopédica incapacitante, bem como que as seqüelas já estão consolidadas e não são causa de limitação ao trabalho realizado. Registrou, também, que não é caso de cirurgia e que houve incapacidade no passado por ocasião do tratamento das fraturas decorrentes de seu atropelamento. Atualmente, porém, não há a alegada inaptidão, nem mesmo para a profissão declarada de artesã.
Destaque-se, por oportuno, que o perito, repita-se, especialista em ortopedia, examinou diversos exames de imagem e atestados médicos, todos eles elencados no item VII - ANÁLISE DE LAUDOS E EXAMES COMPLEMENTARES, e, no cotejo com o exame físico, concluiu fundamentadamente pela ausência de inaptidão nesse aspecto. O laudo, deve-se salientar, é detalhado e suficiente, não possui contradições internas e retrata com clareza as condições de saúde da autora, não podendo ser ignorado pelo julgador. Demais disso, não há elementos substanciais nos autos que comprovem, no cotejo com o que atestou o perito, a existência da incapacidade sob o ponto de vista ortopédico.
Nega-se provimento, portanto, à apelação.
Prequestionamento
O enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal, assim como a análise da legislação aplicável, são suficientes para prequestionar junto às instâncias Superiores os dispositivos que as fundamentam. Assim, deixo de aplicar os dispositivos legais ensejadores de pronunciamento jurisdicional distinto do que até aqui foi declinado. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração tão somente para este fim, o que evidenciaria finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa.
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto no sentido de negar provimento à apelação, nos termos da fundamentação.
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Apelação Cível Nº 5014537-73.2019.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: NEIVA CORREA DE FREITAS
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ CONCEDIDA COM FUNDAMENTO EM INAPTIDÃO PSIQUIÁTRICA. DEPRESSÃO. ANSIEDADE. LAUDO PERICIAL. CONTEXTO PROBATÓRIO. AUSÊNCIA DE INCAPACIDADE SOB O PONTO DE VISTA ORTOPÉDICO.
Diante da ausência de prova da incapacidade sob o ponto de vista ortopédico, a aposentadoria por invalidez concedida à parte autora deve ser mantida exclusivamente sob o fundamento da inaptidão que decorre do quadro psiquiátrico.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 18 de agosto de 2020.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 10/08/2020 A 18/08/2020
Apelação Cível Nº 5014537-73.2019.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PROCURADOR(A): JOSE OSMAR PUMES
APELANTE: NEIVA CORREA DE FREITAS
ADVOGADO: CESAR ROGERIO BARROS DOS SANTOS (OAB RS053879)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 10/08/2020, às 00:00, a 18/08/2020, às 14:00, na sequência 372, disponibilizada no DE de 30/07/2020.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
Votante: Juíza Federal GISELE LEMKE
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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