Apelação Cível Nº 5008014-79.2018.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: ERICA NOEMI ORTLIEB
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Erica Noemi Ortlieb interpôs apelação em face de sentença que julgou improcedente o pedido para concessão de benefício por incapacidade, condenando-a ao pagamento das custas e honorários advocatícios, arbitrados pelo juízo em R$ 937,00, suspendendo a exigibilidade de ambas as verbas por ser a autora beneficiária da assistência judiciária gratuita (Evento 3 - SENT30).
Em sede de preliminar, sustentou que houve cerceamento de defesa, postulando a renovação da prova pericial médica, desta feita por especialista em problemas circulatórios, pois apresenta trombose crônica bilateral, o que a impede de trabalhar. Além disso, apesar de impugnar o laudo apresentado, não houve manifestação posterior do perito. No mérito, registrou que deve ser reformada a sentença, uma vez que comprovados os sérios problemas de saúde que a impedem de trabalhar (Evento 3 - APELAÇÃO31).
Sem contrarrazões, subiram os autos a este Tribunal.
VOTO
Caso concreto
A apelante postulou, em preliminar, seja anulada a sentença para a reabertura da instrução processual, diante da necessidade de realização de novo exame pericial médico, nesta oportunidade com especialista na patologia que apresenta, de origem vascular.
Demais disso, registrou que os documentos anexados aos autos comprovam a impossibilidade de permanecer longos períodos em pé, pois já foi vítima de trombose venosa profunda em ambas as pernas, sendo que a útlima atividade desenvolvida foi no setor calçadista.
Caso não atendido o pedido acima, requereu a reforma da sentença para que lhe seja concedido o benefício de aposentadoria por invalidez ou restabelecido o auxílio-doença.
Benefício por incapacidade
Cumpre, de início, rememorar o tratamento legal conferido aos benefícios de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez.
O art. 59 da Lei n.º 8.213/91 (Lei de Benefícios da Previdência Social - LBPS) estabelece que o auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido em lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos. Por sua vez, o art. 42 da Lei nº 8.213/91 estatui que a aposentadoria por invalidez será concedida ao segurado que, tendo cumprido a carência, for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência. O art. 25 desse diploma legal esclarece, a seu turno, que a carência exigida para a concessão de ambos os benefícios é de 12 (doze) meses, salvo nos casos em que é expressamente dispensada (art. 26, II).
Em resumo, portanto, a concessão dos benefícios depende de três requisitos: (a) a qualidade de segurado do requerente à época do início da incapacidade (artigo 15 da LBPS); (b) o cumprimento da carência de 12 contribuições mensais, exceto nas hipóteses em que expressamente dispensada por lei; (c) o advento, posterior ao ingresso no RGPS, de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência do segurado.
Note-se que a concessão do auxílio-doença não exige que o segurado esteja incapacitado para toda e qualquer atividade laboral; basta que esteja incapacitado para a sua atividade habitual. É dizer: a incapacidade pode ser total ou parcial. Além disso, pode ser temporária ou permanente. Nisso, precisamente, é que se diferencia da aposentadoria por invalidez, que deve ser concedida apenas quando constatada a incapacidade total e permanente do segurado. Sobre o tema, confira-se a lição doutrinária de Daniel Machado da Rocha e de José Paulo Baltazar Júnior:
A diferença, comparativamente à aposentadoria por invalidez, repousa na circunstância de que para a obtenção de auxílio-doença basta a incapacidade para o trabalho ou atividade habitual do segurado, enquanto para a aposentadoria por invalidez exige-se a incapacidade total, para qualquer atividade que garanta a subsistência. Tanto é assim que, exercendo o segurado mais de uma atividade e ficando incapacitado para apenas uma delas, o auxílio-doença será concedido em relação à atividade para a qual o segurado estiver incapacitado, considerando-se para efeito de carência somente as contribuições relativas a essa atividade (RPS, art. 71, § 1º) (in ROCHA, Daniel Machado da. BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 15. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Atlas, 2017).
De qualquer sorte, o caráter da incapacidade (total ou parcial) deve ser avaliado não apenas por um critério médico, mas conforme um juízo global que considere as condições pessoais da parte autora - em especial, a idade, a escolaridade e a qualificação profissional - a fim de se aferir, concretamente, a sua possibilidade de reinserção no mercado de trabalho.
Cumpre demarcar, ainda, a fungibilidade entre as ações previdenciárias, tendo em vista o caráter eminentemente protetivo e de elevado alcance social da lei previdenciária. De fato, a adoção de soluções processuais adequadas à relação jurídica previdenciária constitui uma imposição do princípio do devido processo legal, a ensejar uma leitura distinta do princípio dispositivo e da adstrição do juiz ao pedido (SAVARIS, José Antônio. Direito processual previdenciário. 6 ed., rev. atual. e ampl. Curitiba: Alteridade Editora, 2016, p. 67). Por isso, aliás, o STJ sedimentou o entendimento de que "não constitui julgamento extra ou ultra petita a decisão que, verificando não estarem atendidos os pressupostos para concessão do benefício requerido na inicial, concede benefício diverso cujos requisitos tenham sido cumpridos pelo segurado" (AgRG no AG 1232820/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 26/10/20, DJe 22/11/2010).
Necessidade de nova perícia - instrução insuficiente
Compulsando os autos, verifico que há necessidade de a autora ser submetida a exame pericial por médico especialista no sistema ciruculatório ou vascular, diante das enfermidades que apresenta. Trata-se de doença específica e complexa, cuja análise somente poderá ser feita de maneira conclusiva por especialista, que deverá analisar o tipo de atividade desempenhada e os efeitos que poderão advir caso a autora permaneça trabalhando.
Segundo consta do laudo pericial elaborado por médica especialista em pediatria (Evento 3 - LAUDPERI23), no momento do exame médico, a autora estava apta a voltar ao trabalho. Todavia, destacou a expert que a Autora apresenta patologia que demanda avaliação, por parte do médico do trabalho, do seu posto, por ser portadora de patologia circulatória em membros inferiores com necessidade de cuidados posturais no gestual do trabalho. Deve-se destacar, por oportuno, a conclusão a que chegou a perita após o exame:
CONCLUSÃO
Após entrevista, exame fisico e análise dos documentos médicos apresentados é possivel concluir que, no atual momento, não há constatação de incapacidade laborativa para a atividade habitual, com os dados médicos apresentados.
Cabe salientar, que a patologia venosa, sob tratamento, indica a necessidade de avaliação do gestual de trabalho.
Deve-se destacar que, embora tenha sido considerada apta no momento da realização do exame, há observações no corpo do laudo, acima citadas, destacando que não é o caso de voltar a exercer qualquer tipo de atividade dentro da indústria calçadista. Assim, para que se chegue à conclusão sobre a capacidade ou incapacidade, bem como sobre o próprio quadro alegadamente incapacitante (pois também é portadora de psoríase e hipertensão arterial), é necessário que seja examinada por médico especialista.
Sendo assim, diante da necessidade de realização de outra perícia, desta vez por médico especialista no sistema vascular ou circulatório, dou provimento à apelação para anular a sentença, determinando o retorno à origem para reabertura da instrução processual, com imediata nomeação de perito especialista que determine se há incapacidade laboral por parte da autora, levando em consideração o tipo de atividade que vinha exercendo até então. Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. PERÍCIA CONTRADITÓRIA. NULIDADE. SENTENÇA ANULADA. REABERTURA DA INSTRUÇÃO. Evidenciado que o laudo pericial possui contradição, sobressai evidente cerceamento de defesa, devendo ser anulada a sentença e determinada a reabertura da instrução processual, com complementação da prova técnica por especialista na área vascular. (TRF4, APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0003936-35.2015.404.9999, 6ª TURMA, Des. Federal OSNI CARDOSO FILHO, POR UNANIMIDADE, D.E. 21/01/2016, PUBLICAÇÃO EM 22/01/2016)
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. PERÍCIA MÉDICA JUDICIAL. NOMEAÇÃO DE MÉDICO ESPECIALISTA. NECESSIDADE DEMONSTRADA NO CASO CONCRETO. 1. Para a avaliação da existência de incapacidade laboral, não é indispensável, via de regra, a nomeação de especialista na área da patologia a ser examinada. 2. Diante do conjunto probatório carreado aos autos, contudo, a atuação de um médico especializado se mostrou imprescindível, sendo inclusive sugerida pelo próprio perito judicial, razão pela qual deve ser determinada a baixa dos autos para a realização de perícia por médico especialista em cirurgia vascular. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5017453-51.2017.404.9999, Turma Regional suplementar de Santa Catarina, Des. Federal CELSO KIPPER, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 21/09/2017)
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIOS POR INCAPACIDADE. LAUDO PERICIAL INSUFICIENTE. SENTENÇA ANULADA. REABERTURA DA INSTRUÇÃO. 1. A perícia pode estar a cargo de médico especialista em perícias médicas, na medida em que o profissional está habilitado a avaliar o grau de incapacidade laborativa, não sendo, em regra, necessário que seja especialista na área de diagnóstico e tratamento da doença alegada. 2. No caso concreto, em que o laudo se mostrou insuficiente, a realização de nova avaliação por especialista é medida que se impõe para avaliar as implicações do quadro clínico diagnosticado na capacidade laborativa. 3. Anulada a sentença para determinar a realização de prova pericial por médico especialista em angiologia/cirurgia vascular. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 0003901-75.2015.404.9999, 5ª TURMA, Des. Federal ROGER RAUPP RIOS, POR UNANIMIDADE, D.E. 14/12/2016, PUBLICAÇÃO EM 15/12/2016)
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto no sentido de dar provimento à apelação para anular a sentença, nos termos do voto.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000579312v10 e do código CRC 02250430.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5008014-79.2018.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: ERICA NOEMI ORTLIEB
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. CERCEAMENTO DE DEFESA. INSTRUÇÃO INSUFICIENTE. DOENÇA VASCULAR. NECESSIDADE DE PERÍCIA COM MÉDICO ESPECIALISTA. SENTENÇA ANULADA. REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL.
1. Constatada a necessidade de realização de novo exame médico por especialista no tipo de patologia alegadamente incapacitante, impõe-se anular a sentença para retorno à origem e reabertura da instrução processual, sob pena de cerceamento de defesa, diante da insuficiência de elementos conclusivos na perícia já realizada.
2. Provida a apelação para anular a sentença.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, decidiu dar provimento à apelação para anular a sentença, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 07 de agosto de 2018.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000579313v6 e do código CRC 89f28084.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): OSNI CARDOSO FILHO
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 07/08/2018
Apelação Cível Nº 5008014-79.2018.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: ERICA NOEMI ORTLIEB
ADVOGADO: DANIEL TICIAN
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 07/08/2018, na seqüência 292, disponibilizada no DE de 20/07/2018.
Certifico que a 5ª Turma , ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª Turma , por unanimidade, decidiu dar provimento à apelação para anular a sentença.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
Votante: Juíza Federal LUCIANE MERLIN CLÈVE KRAVETZ
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 15:36:36.