Apelação Cível Nº 5059451-96.2017.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: MIRIAM CAMARGO DA SILVA
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Miriam Camargo da Silva interpôs apelação em face de sentença que julgou improcedente o pedido, condenando-a ao pagamento das custas e honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, suspensa a exigibilidade de ambas as verbas por ser beneficiária da assistência judiciária gratuita (Evento 3 - SENT28).
Nas razões da apelação, sustentou que a incapacidade ficou comprovada pelo teor dos documentos anexados à inicial, bem como que é segurda especial, o que pode provar mediante realização de prova testemunhal. Requereu, ao final, a reforma da sentença no sentido da concessão do benefício de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, e, alternativamente, seja declarada a nulidade da sentença a fim de que seja designada audiência para oitiva de testemunhas, visando a comprovação de sua condição de segurada especial/trabalhadora rural (Evento 3 - APELAÇÃO29).
Sem contrarrazões, subiram os autos.
VOTO
Benefício por incapacidade
Cumpre, de início, rememorar o tratamento legal conferido aos benefícios de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez.
O art. 59 da Lei n.º 8.213/91 (Lei de Benefícios da Previdência Social - LBPS) estabelece que o auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido em lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos. Por sua vez, o art. 42 da Lei nº 8.213/91 estatui que a aposentadoria por invalidez será concedida ao segurado que, tendo cumprido a carência, for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência. O art. 25 desse diploma legal esclarece, a seu turno, que a carência exigida para a concessão de ambos os benefícios é de 12 (doze) meses, salvo nos casos em que é expressamente dispensada (art. 26, II).
Em resumo, portanto, a concessão dos benefícios depende de três requisitos: (a) a qualidade de segurado do requerente à época do início da incapacidade (artigo 15 da LBPS); (b) o cumprimento da carência de 12 contribuições mensais, exceto nas hipóteses em que expressamente dispensada por lei; (c) o advento, posterior ao ingresso no RGPS, de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência do segurado.
Note-se que a concessão do auxílio-doença não exige que o segurado esteja incapacitado para toda e qualquer atividade laboral; basta que esteja incapacitado para a sua atividade habitual. É dizer: a incapacidade pode ser total ou parcial. Além disso, pode ser temporária ou permanente. Nisso, precisamente, é que se diferencia da aposentadoria por invalidez, que deve ser concedida apenas quando constatada a incapacidade total e permanente do segurado. Sobre o tema, confira-se a lição doutrinária de Daniel Machado da Rocha e de José Paulo Baltazar Júnior:
A diferença, comparativamente à aposentadoria por invalidez, repousa na circunstância de que para a obtenção de auxílio-doença basta a incapacidade para o trabalho ou atividade habitual do segurado, enquanto para a aposentadoria por invalidez exige-se a incapacidade total, para qualquer atividade que garanta a subsistência. Tanto é assim que, exercendo o segurado mais de uma atividade e ficando incapacitado para apenas uma delas, o auxílio-doença será concedido em relação à atividade para a qual o segurado estiver incapacitado, considerando-se para efeito de carência somente as contribuições relativas a essa atividade (RPS, art. 71, § 1º) (in ROCHA, Daniel Machado da. BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 15. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Atlas, 2017).
De qualquer sorte, o caráter da incapacidade (total ou parcial) deve ser avaliado não apenas por um critério médico, mas conforme um juízo global que considere as condições pessoais da parte autora - em especial, a idade, a escolaridade e a qualificação profissional - a fim de se aferir, concretamente, a sua possibilidade de reinserção no mercado de trabalho.
Cumpre demarcar, ainda, a fungibilidade entre as ações previdenciárias, tendo em vista o caráter eminentemente protetivo e de elevado alcance social da lei previdenciária. De fato, a adoção de soluções processuais adequadas à relação jurídica previdenciária constitui uma imposição do princípio do devido processo legal, a ensejar uma leitura distinta do princípio dispositivo e da adstrição do juiz ao pedido (SAVARIS, José Antônio. Direito processual previdenciário. 6 ed., rev. atual. e ampl. Curitiba: Alteridade Editora, 2016, p. 67). Por isso, aliás, o STJ sedimentou o entendimento de que "não constitui julgamento extra ou ultra petita a decisão que, verificando não estarem atendidos os pressupostos para concessão do benefício requerido na inicial, concede benefício diverso cujos requisitos tenham sido cumpridos pelo segurado" (AgRG no AG 1232820/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 26/10/20, DJe 22/11/2010).
Caso concreto
A autora requer a concessão de benefício por incapacidade, alegando, para tanto, que é portadora de câncer de pele, e, por tal motivo, está impossibilitada de se expor ao sol, situação que a impede de exercer o trabalho habitual na agricultura (segurada especial).
Segundo consta do laudo pericial e duas complementações posteriores (Evento 3 - LAUDPERI19, LAUDPERI23 e LAUDPERI26), a autora, nascida em 31 de março de 1978, tem diagnóstico de Ceratose actínica CID/10: L57-0, condição clínica que, segundo o perito, não gera incapacidade para o trabalho. Esclarece o expert, em complementação ao laudo, que a autora tem condições de trabalhar na atividade rural pois tais patologias não interferem ou não limitam em suas atividades laborativas, mesmo as rurais.
Questinado especificamente sobre o diagnóstico de câncer de pele, esclarece, numa segunda complementação ao laudo:
4) O laudo médico do dermatologista, não descreve “câncer de pele", e sim "ceratose actínica”, CID/ 10: L57-O (tal patologia não é câncer), "sendo indicado afastamento de atividades com exposição solar por 60 (sessenta) dias”. Vide laudo em página 27 dos autos.
Percebe-se que, embora tenha atestado a aptidão para o trabalho rural, o perito indica o afastamento das atividades com exposição solar por 60 (sessenta dias), ou seja, remanesce a dúvida em relação ao tipo de atividade exercida e a possível progressão da doença em face da exposição ao sol, sabidamente agente agressor nos casos de doenças dermatológicas.
É necessário, portanto, diante do tipo de atividade exercida pela autora, bem como da doença que apresenta, seja realizado novo exame pericial, desta feita por médico especialista em oncologia, para que esclareça nos autos se a exposição ao sol é fator prejudicial no tipo de doença apresentada (ceratose actínica) e se pode vir a provocar câncer de pele ou outros tipos de neoplasias.
Em comunhão de ideias, deve-se destacar dois precedentes deste Tribunal Regional Federal da 4ª Região no sentido de que a exposição ao sol em tais casos pode levar à incapacidade para o trabalho, o que vai ao encontro do alegado na apelação:
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. REQUISITOS. INCAPACIDADE. COMPROVAÇÃO. REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL. 1. Quatro são os requisitos para a concessão do benefício em tela: (a) a qualidade de segurado do requerente; (b) o cumprimento da carência de 12 contribuições mensais; (c) a superveniência de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de qualquer atividade que garanta a subsistência; e (d) o caráter definitivo da incapacidade. 2. No caso dos autos, muito embora o laudo pericial tenha atestado a inexistência de incapacidade para o trabalho, o expert afirmou que a autora somente poderia desempenhar suas atividades habituais com uso de fotoproteção. Por sua vez, o atestado médico e fotos acostados aos autos (fls. 95/96) comprovam que a autora está acometida de ceratose actínica (CID L57.0) e neoplasia maligna de pele de partes não especificadas da pele (CID C44.3). 3. Na ausência de análise pericial quanto à neoplasia maligna de pele, indispensável, in casu, a realização de nova perícia por médico especialista em oncologia. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 0013466-05.2011.404.9999, 5ª TURMA, Juiz Federal SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA, POR UNANIMIDADE, D.E. 01/12/2011, PUBLICAÇÃO EM 02/12/2011)
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. REQUISITOS. INCAPACIDADE. PRESENÇA DE VÁRIAS ESPÉCIES DE CARCINOMAS DE PELE (BASOCELULAR MULTICÊNTRICO, EPIDERMÓIDE ULCERADO, CERATOSE ACTÍNICA). PACIENTE COM PREDISPOSIÇÃO ÀS NOVAS FORMAÇÕES MALIGNAS. COMPROVAÇÃO. ATIVIDADE PROFISSIONAL PREPONDERANTE: MOTORISTA. EXPOSIÇÃO SOLAR. POUCA INSTRUÇÃO FORMAL. SEXAGENÁRIO. REMOTA POSSIBILIDADE DE REABILITAÇÃO PROFISSIONAL. CONCESSÃO JUSTIFICADA. PREQUESTIONAMENTO. 1. Quatro são os requisitos para a concessão do benefício em tela: (a) a qualidade de segurado do requerente; (b) o cumprimento da carência de 12 contribuições mensais, (c) a superveniência de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de qualquer atividade que garanta a subsistência, (d) o caráter permanente da incapacidade. 2. Comprovada a existência de impedimento para atividades que exijam a exposição permanente ao calor e à radiação solar, como a de motorista, pois o segurado apresenta várias espécies de carcinomas de pele malignos, o que impõe o reconhecimento do direito ao benefício por incapacidade. 3. Prequestionamento quanto à legislação invocada estabelecido pelas razões de decidir. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5005420-03.2012.404.7122, 5ª TURMA, Juíza Federal MARIA ISABEL PEZZI KLEIN, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 17/06/2013)
Assim, diante da necessidade de novo exame pericial que poderá atestar a incapacidade para o trabalho rural, é imprescindível que também já se instrua o feito em relação à qualidade de segurada especial, conforme pedido expresso na apelação e também em homenagem à economia processual.
Com efeito, tem razão a apelante quando requer alternativamente, na parte final da apelação, seja anulada a sentença para realização da instrução em relação à qualidade de segurada e mais especificamente em relação ao efetivo trabalho rural, pois os documentos acostados aos autos servem apenas de início de prova material, a ser corroborada pela testemunhal.
Conclusão
Em síntese, dou provimento à apelação para anular a sentença, determinando o retorno dos autos à origem para a reabertura da instrução processual, mais especificamente para (a) que se realize novo exame pericial por médico especialista em oncologia e (b) para que haja instrução em relação à qualidade de segurada especial rural.
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto no sentido de dar provimento à apelação para anular a sentença, determinando o retorno dos autos à origem, nos termos do voto.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000545020v14 e do código CRC 32ac9873.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): OSNI CARDOSO FILHO
Data e Hora: 18/7/2018, às 14:13:15
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 18:44:54.
Apelação Cível Nº 5059451-96.2017.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: MIRIAM CAMARGO DA SILVA
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. AUXILIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCAPACIDADE. NOVA PERÍCIA. CERATOSE ACTÍNICA. EXPOSIÇÃO AO SOL. ESPECIALISTA EM ONCOLOGIA. QUALIDADE DE SEGURADO ESPECIAL. TRABALHO RURAL. SENTENÇA ANULADA. REABERTURA DA INSTRUÇÃO.
1. O acesso aos benefícios previdenciários de aposentadoria por invalidez e de auxílio-doença pressupõe a presença de 3 requisitos: (1) qualidade de segurado ao tempo de início da incapacidade, (2) carência de 12 contribuições mensais, salvo as hipóteses previstas no art. 26, II, da Lei nº 8.213/91, que dispensam o prazo de carência, e (3) requisito específico, relacionado à existência de incapacidade impeditiva para o labor habitual em momento posterior ao ingresso no RGPS, aceitando-se, contudo, a derivada de doença anterior, desde que agravada após o ingresso no RGPS, nos termos do art. 42, § 2º, e art. 59, parágrafo único, ambos da Lei nº 8.213/91.
2. Embora o perito tenho atestado a aptidão para o trabalho rural, considerando o tipo de moléstia aprestada - ceratose actípica - deve-se realizar novo exame pericial, por especialista em oncologia, para que se esclareça se a contínua exposição ao sol, típica das lides rurais, pode provocar a progressão da doença.
3. Necessária a instrução do feito em relação à alegada qualidade de segurado especial rural, a fim de que o início de prova documental seja corroborado por prova testemunhal. Precedentes desta Corte.
4. Apelação provida. Sentença anulada para retorno dos autos à origem.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, decidiu dar provimento à apelação para anular a sentença, determinando o retorno dos autos à origem, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 17 de julho de 2018.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000545021v5 e do código CRC 4378260e.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): OSNI CARDOSO FILHO
Data e Hora: 18/7/2018, às 14:13:15
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 18:44:54.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 17/07/2018
Apelação Cível Nº 5059451-96.2017.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: MIRIAM CAMARGO DA SILVA
ADVOGADO: LORENI TEREZINHA WOLKMER
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 17/07/2018, na seqüência 31, disponibilizada no DE de 29/06/2018.
Certifico que a 5ª Turma , ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª Turma , por unanimidade, decidiu dar provimento à apelação para anular a sentença, determinando o retorno dos autos à origem.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
Votante: Juíza Federal LUCIANE MERLIN CLÈVE KRAVETZ
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 18:44:54.