Apelação Cível Nº 5012867-97.2019.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: TEREZINHA TENTE
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Terezinha Tente interpôs apelação em face de sentença (prolatada em 14/03/2019) que julgou improcedente o pedido para concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, condenando-a ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, arbitrados em R$ 1.000,00, cuja exigibilidade foi suspensa por ser beneficiária da justiça gratuita (Evento 3 - SENT27).
Sustentou, em síntese, que faz jus à concessão de benefício por incapacidade por ser portadora de transtorno não especificado da densidade e da estrutura óssea (CID M 85.9), dor lombar baixa (CID M 54.5), bem como transtorno afetivo bipolar, doenças que a impedem de exercer atividade laborativa. Registrou que o julgador deve observar não só o teor do laudo pericial como também o conjunto probatório para formar sua convicção e teceu considerações acerca da necessidade de especialização do expert na área de conhecimento objeto da perícia. Por fim, requereu a reforma da sentença para que lhe seja concedido o benefício de auxílio-doença, postulando, ainda, a inversão dos ônus sucumbenciais (Evento 3 - APELAÇÃO28).
Sem contrarrazões, subiram os autos.
VOTO
Benefício por incapacidade
Cumpre, de início, rememorar o tratamento legal conferido aos benefícios de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez.
O art. 59 da Lei n.º 8.213/91 (Lei de Benefícios da Previdência Social - LBPS) estabelece que o auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido em lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos. Por sua vez, o art. 42 da Lei nº 8.213/91 estatui que a aposentadoria por invalidez será concedida ao segurado que, tendo cumprido a carência, for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência. O art. 25 desse diploma legal esclarece, a seu turno, que a carência exigida para a concessão de ambos os benefícios é de 12 (doze) meses, salvo nos casos em que é expressamente dispensada (art. 26, II).
Em resumo, portanto, a concessão dos benefícios depende de três requisitos: (a) a qualidade de segurado do requerente à época do início da incapacidade (artigo 15 da LBPS); (b) o cumprimento da carência de 12 contribuições mensais, exceto nas hipóteses em que expressamente dispensada por lei; (c) o advento, posterior ao ingresso no RGPS, de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência do segurado.
Note-se que a concessão do auxílio-doença não exige que o segurado esteja incapacitado para toda e qualquer atividade laboral; basta que esteja incapacitado para a sua atividade habitual. É dizer: a incapacidade pode ser total ou parcial. Além disso, pode ser temporária ou permanente. Nisso, precisamente, é que se diferencia da aposentadoria por invalidez, que deve ser concedida apenas quando constatada a incapacidade total e permanente do segurado. Sobre o tema, confira-se a lição doutrinária de Daniel Machado da Rocha e de José Paulo Baltazar Júnior:
A diferença, comparativamente à aposentadoria por invalidez, repousa na circunstância de que para a obtenção de auxílio-doença basta a incapacidade para o trabalho ou atividade habitual do segurado, enquanto para a aposentadoria por invalidez exige-se a incapacidade total, para qualquer atividade que garanta a subsistência. Tanto é assim que, exercendo o segurado mais de uma atividade e ficando incapacitado para apenas uma delas, o auxílio-doença será concedido em relação à atividade para a qual o segurado estiver incapacitado, considerando-se para efeito de carência somente as contribuições relativas a essa atividade (RPS, art. 71, § 1º) (in ROCHA, Daniel Machado da. BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 15. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Atlas, 2017).
De qualquer sorte, o caráter da incapacidade (total ou parcial) deve ser avaliado não apenas por um critério médico, mas conforme um juízo global que considere as condições pessoais da parte autora - em especial, a idade, a escolaridade e a qualificação profissional - a fim de se aferir, concretamente, a sua possibilidade de reinserção no mercado de trabalho.
Cumpre demarcar, ainda, a fungibilidade entre as ações previdenciárias, tendo em vista o caráter eminentemente protetivo e de elevado alcance social da lei previdenciária. De fato, a adoção de soluções processuais adequadas à relação jurídica previdenciária constitui uma imposição do princípio do devido processo legal, a ensejar uma leitura distinta do princípio dispositivo e da adstrição do juiz ao pedido (SAVARIS, José Antônio. Direito processual previdenciário. 6 ed., rev. atual. e ampl. Curitiba: Alteridade Editora, 2016, p. 67). Por isso, aliás, o STJ sedimentou o entendimento de que "não constitui julgamento extra ou ultra petita a decisão que, verificando não estarem atendidos os pressupostos para concessão do benefício requerido na inicial, concede benefício diverso cujos requisitos tenham sido cumpridos pelo segurado" (AgRG no AG 1232820/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 26/10/20, DJe 22/11/2010).
Caso concreto
Limita-se a controvérsia à verificação do quadro incapacitante, uma vez que os requisitos referentes à qualidade de segurado e à carência foram devidamente comprovados, destacando-se, desde logo, que sequer foram objeto de discussão nos autos.
Com a finalidade de contextualizar a situação ora em análise, deve-se ressaltar que a autora, agricultora, atualmente com 56 anos de idade (nascida em 15/01/1964), auferiu auxílio-doença no período compreendido entre 27/08/2008 e 30/08/2013, conforme se verifica do extrato do CNIS (NB 535.503.940-1). Diante da cessação do benefício, realizou novo requerimento administrativo postulando a concessão de benefício por incapacidade, o qual foi indeferido pela autarquia em virtude de parecer desfavorável da perícia médica, que constatou sua aptidão para o labor (NB 603.646.495-2).
De acordo com as informações extraídas do laudo pericial judicial, datado de junho de 2017 (Evento 3 - LAUDOPERIC16), a autora foi diagnosticada com transtorno afetivo bipolar (CID F31), episódio depressivo moderado (CID F32.1) e osteoporose sem fratura patológica (CID M81). O perito esclareceu que as patologias de origem neuropsiquiátrica (F31 e F32.1) apresentam alívio sintomático e melhora funcional ao uso de farmacoterapia utilizada em estágio atual nao limitante. No que diz respeito ao problema ósseo, pontuou a necessidade de farmacoterapia otimizada como forma de prevenção de riscos.
Com base nos resultados da avaliação física e do exame do estado mental, o expert foi categórico ao afirmar que o quadro não acarreta incapacidade laborativa, destacando, ainda, que a autora realiza tratamento medicamentoso adequado para as patologias apresentadas. Confira-se:
Ao exame clínico:
- Paciente apresenta condição de marcha sem instabilidade em antepé e retropé;
- Bom trofismo muscular;
- Fora grau 5/5 em ambos os membros inferiores e superiores;
- Sem perda reflexa periférica;
- Boa coordenação motora;
- Boa amplitude de movimento articulares de quadril, joelhos, tornozelo e membros superiores sem alterações.
Ao exame de estado mental:
- Sem delírios ou alucinações;
- Inteligência condizente com escolaridade;
- Memória de trabalho intacta;
- Pensamento coerente com curso e formas normais;
- Juízo crítico presente;
- Vontade da execução laboral diminuída;
- Hipotimia leve;
- Hipotencidade, e hipovigilancia normais.
Sem documentação de episódio maníaco atual
Em resposta aos quesitos do INSS, manifestou-se da seguinte forma:
7) Essa doença, lesão, sequela ou deficiência física está produzindo INCAPACIDADE PARA O TRABALHO habitual ou atividade que lhe garanta subsistência, verificável e inequivocamente constatada no momento pericial? Não há incapacidade.
12) Se existente incapacidade para o trabalho habitual, descrever quais as limitações físicas e/ou mentais que a doença ou lesão impõe(em) ao periciado. Não há limitações.
Questionado especificamente acerca da capacidade da periciada para o exercício da profissão de agricultora, incluindo a realização de esforços físicos, o perito concluiu que a autora está apta a desempenhar as atividades rurais:
4) Diante o estado clínico do autor, este pode realizar tarefas como agricultor, tais como, arar a terra, capinar, tirar pasto, ordenhar, ou seja, realizar tarefas que exijam esforços físicos? No estágio atual sim.
Dito isso, deve-se negar provimento à apelação, mantendo-se integralmente a sentença, pois, ausente a incapacidade, é incabível a concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez. Segundo foi esclarecido no laudo pericial, os sintomas relatados pela autora não a impedem de exercer suas lides habituais na agricultura. Destaca-se, no ponto, que os documentos apresentados no processo não são suficientes a comprovar a alegada incapacidade.
Por fim, verifica-se que a autora sustentou, em suas razões de apelação, que a perícia médica foi conduzida por especialista na área de cardiologia, afirmando que tal profissional não estaria apto a analisar as patologias de origem psiquiátrica e ortopédica de que alega ser portadora. Nesse contexto, ainda que não haja pedido expresso para a realização de novo exame pericial, deve-se registrar que o argumento da recorrente não merece prosperar.
O conjunto probatório é suficiente para a formação da convicção deste órgão julgador, pois o laudo anexado aos autos está completo, detalhado e apto a embasar o desfecho do caso ora em análise, não havendo necessidade de reabertura da instrução probatória, conforme adiante se verá, hipótese na qual não se verifica cerceamento de defesa, lesão ao contraditório ou à ampla defesa.
Conclui-se, assim, que a autora se encontra em condições para o trabalho, motivo pelo qual não faz jus à concessão do benefício postulado, o que leva à improcedência do pedido, e, portanto, ao desprovimento da apelação.
Honorários advocatícios
Desprovido o recurso interposto pelo autor da sentença de improcedência do pedido, devem os honorários de advogado ser majorados, com o fim de remunerar o trabalho adicional do procurador da parte em segundo grau de jurisdição.
Consideradas as disposições do art. 85, §§ 2º e 3º, do Código de Processo Civil (CPC), majora-se em 20% o valor de R$ 1.000,00 arbitrado em sentença, percentual que já inclui os honorários decorrentes da atuação no âmbito recursal (art. 85, §11, do CPC), mantendo-se a inexigibilidade, no entanto, em face da concessão do benefício da assistência judiciária gratuita no início da demanda.
Prequestionamento
O enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal, assim como a análise da legislação aplicável, são suficientes para prequestionar junto às instâncias Superiores os dispositivos que as fundamentam. Assim, deixo de aplicar os dispositivos legais ensejadores de pronunciamento jurisdicional distinto do que até aqui foi declinado. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração tão somente para este fim, o que evidenciaria finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa.
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto no sentido de negar provimento à apelação, nos termos da fundamentação, adequando, de ofício, a verba honorária.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001956655v38 e do código CRC 8838d656.Informações adicionais da assinatura:
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Data e Hora: 20/8/2020, às 9:3:7
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Apelação Cível Nº 5012867-97.2019.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: TEREZINHA TENTE
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. AUXILIO-DOENÇA/APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. LAUDO PERICIAL. AGRICULTORA. transtorno afetivo bipolar. episódio depressivo moderado. osteoporose. ausência de incapacidade. honorários majorados.
1. O direito à aposentadoria por invalidez e ao auxílio-doença pressupõe o preenchimento de 3 (três) requisitos: (1) a qualidade de segurado ao tempo de início da incapacidade, (2) a carência de 12 (doze) contribuições mensais, ressalvadas as hipóteses previstas no art. 26, II, da Lei nº 8.213, que a dispensam, e (3) aquele relacionado à existência de incapacidade impeditiva para toda e qualquer atividade (aposentadoria por invalidez) ou para seu trabalho habitual (auxílio-doença) em momento posterior ao ingresso no RGPS, aceitando-se, contudo, a derivada de doença anterior, desde que agravada após esta data, nos termos dos arts. 42, §2º, e 59, parágrafo único; ambos da Lei nº 8.213.
2. A desconsideração de laudo pericial justifica-se somente diante de significativo contexto probatório, constituído por exames seguramente indicativos da aptidão para o exercício de atividade laborativa.
3. Não caracterizada a incapacidade para o trabalho, imprópria a concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez.
4. Majorados os honorários advocatícios a fim de adequação ao que está disposto no art. 85, §11, do Código de Processo Civil.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, adequando, de ofício, a verba honorária, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 18 de agosto de 2020.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001956656v4 e do código CRC 5299e383.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 10/08/2020 A 18/08/2020
Apelação Cível Nº 5012867-97.2019.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PROCURADOR(A): JOSE OSMAR PUMES
APELANTE: TEREZINHA TENTE
ADVOGADO: LAURO ANTONIO BRUN (OAB RS042424)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 10/08/2020, às 00:00, a 18/08/2020, às 14:00, na sequência 440, disponibilizada no DE de 30/07/2020.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO, ADEQUANDO, DE OFÍCIO, A VERBA HONORÁRIA.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
Votante: Juíza Federal GISELE LEMKE
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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