Apelação Cível Nº 5020864-34.2019.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: OSMAR PEREIRA DE MORAES
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Osmar Pereira de Moraes interpôs apelação em face de sentença (prolatada em 17/06/2019) que julgou improcedente o pedido para concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, condenando-o ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, arbitrados em 20% sobre o valor da causa, cuja exigibilidade foi suspensa por ser beneficiário da justiça gratuita (Evento 3 - SENT41).
Sustentou, em síntese, que faz jus à concessão de benefício por incapacidade por ser portador de doença de origem ortopédica que o impede de exercer sua profissão habitual de agricultor, a qual demanda a realização de esforços físicos e tarefas repetitivas. Registrou que o julgador deve observar não só o teor do laudo pericial como também o conjunto probatório para formar sua convicção. Por fim, requereu a reforma da sentença para que lhe seja concedido o benefício de auxílio-doença desde o requerimento administrativo, bem como a fixação dos honorários sucumbenciais em desfavor do INSS no percentual de 10% sobre o valor da condenação (Evento 3 - APELAÇÃO42).
Com contrarrazões, subiram os autos.
VOTO
Benefício por incapacidade
Cumpre, de início, rememorar o tratamento legal conferido aos benefícios de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez.
O art. 59 da Lei n.º 8.213/91 (Lei de Benefícios da Previdência Social - LBPS) estabelece que o auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido em lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos. Por sua vez, o art. 42 da Lei nº 8.213/91 estatui que a aposentadoria por invalidez será concedida ao segurado que, tendo cumprido a carência, for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência. O art. 25 desse diploma legal esclarece, a seu turno, que a carência exigida para a concessão de ambos os benefícios é de 12 (doze) meses, salvo nos casos em que é expressamente dispensada (art. 26, II).
Em resumo, portanto, a concessão dos benefícios depende de três requisitos: (a) a qualidade de segurado do requerente à época do início da incapacidade (artigo 15 da LBPS); (b) o cumprimento da carência de 12 contribuições mensais, exceto nas hipóteses em que expressamente dispensada por lei; (c) o advento, posterior ao ingresso no RGPS, de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência do segurado.
Note-se que a concessão do auxílio-doença não exige que o segurado esteja incapacitado para toda e qualquer atividade laboral; basta que esteja incapacitado para a sua atividade habitual. É dizer: a incapacidade pode ser total ou parcial. Além disso, pode ser temporária ou permanente. Nisso, precisamente, é que se diferencia da aposentadoria por invalidez, que deve ser concedida apenas quando constatada a incapacidade total e permanente do segurado. Sobre o tema, confira-se a lição doutrinária de Daniel Machado da Rocha e de José Paulo Baltazar Júnior:
A diferença, comparativamente à aposentadoria por invalidez, repousa na circunstância de que para a obtenção de auxílio-doença basta a incapacidade para o trabalho ou atividade habitual do segurado, enquanto para a aposentadoria por invalidez exige-se a incapacidade total, para qualquer atividade que garanta a subsistência. Tanto é assim que, exercendo o segurado mais de uma atividade e ficando incapacitado para apenas uma delas, o auxílio-doença será concedido em relação à atividade para a qual o segurado estiver incapacitado, considerando-se para efeito de carência somente as contribuições relativas a essa atividade (RPS, art. 71, § 1º) (in ROCHA, Daniel Machado da. BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 15. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Atlas, 2017).
De qualquer sorte, o caráter da incapacidade (total ou parcial) deve ser avaliado não apenas por um critério médico, mas conforme um juízo global que considere as condições pessoais da parte autora - em especial, a idade, a escolaridade e a qualificação profissional - a fim de se aferir, concretamente, a sua possibilidade de reinserção no mercado de trabalho.
Cumpre demarcar, ainda, a fungibilidade entre as ações previdenciárias, tendo em vista o caráter eminentemente protetivo e de elevado alcance social da lei previdenciária. De fato, a adoção de soluções processuais adequadas à relação jurídica previdenciária constitui uma imposição do princípio do devido processo legal, a ensejar uma leitura distinta do princípio dispositivo e da adstrição do juiz ao pedido (SAVARIS, José Antônio. Direito processual previdenciário. 6 ed., rev. atual. e ampl. Curitiba: Alteridade Editora, 2016, p. 67). Por isso, aliás, o STJ sedimentou o entendimento de que "não constitui julgamento extra ou ultra petita a decisão que, verificando não estarem atendidos os pressupostos para concessão do benefício requerido na inicial, concede benefício diverso cujos requisitos tenham sido cumpridos pelo segurado" (AgRG no AG 1232820/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 26/10/20, DJe 22/11/2010).
Caso concreto
Limita-se a controvérsia à verificação do quadro incapacitante, uma vez que os requisitos referentes à qualidade de segurado e à carência foram devidamente comprovados, destacando-se, desde logo, que sequer foram objeto de discussão nos autos.
Com a finalidade de contextualizar a situação ora em análise, deve-se ressaltar que o autor, atualmente com 53 anos de idade (nascido em 11/02/1967), agricultor, auferiu auxílio-doença no período compreendido entre 28/08/2012 e 28/10/2012 (NB 552.916.392-7), ocasião em que o benefício foi cessado administrativamente em virtude do parecer contrário da perícia médica, que constatou sua aptidão para o trabalho (Evento 3 - ANEXOSPET4 - fl. 24). Todavia, em cumprimento à decisão que deferiu a antecipação da tutela pretendida, obteve a continuidade do benefício.
Inicialmente, cumpre destacar que, durante a fase instrutória, foram conduzidas duas perícias médicas, ambas realizadas por especialistas em ortopedia, conforme adiante se verá.
De acordo com as informações extraídas do laudo pericial datado de 09/09/2015 (Evento 3 - CARTA_PREC_ORDEM21, fls. 17 e ss.), o autor queixou-se de dor na coluna lombar e referiu ter realizado tratamento clínico e fisioterápico. Após exame físico e análise dos documentos complementares apresentados, o diagnóstico foi de discopatia degenerativa da coluna lombar com protusão discal (CID M51.3). O perito esclareceu que o quadro encontra-se estabilizado e que a degeneração da coluna faz parte do processo de envelhecimento, destacando que, no caso do autor, a evolução é compatível com a sua idade. Confira-se:
5) Esclareça a origem da doença/patologia/lesão/sequela/deficiência física ou mental (degenerativa, inerente à faixa etária, hereditária, congênita, adquirida ou outra causa) e se há nexo de causalidade entre a doença e acidente de trabalho e/ou doença do trabalho.
Degenerativa de acordo com a sua faixa etária.
8) Diga o Sr(a). Perito(a) se a patologia declinada encontra-se em fase evolutiva (descompensada) ou estabilizada (residual).
Estabilizada.
Considerando a natureza da atividade exercida pelo autor, o expert constatou que a condição clínica não é geradora de incapacidade laborativa, afirmando, ainda, que o lapso temporal em que o periciado auferiu o benefício de auxílio-doença foi suficiente para a recuperação de sua aptidão para o trabalho. Em resposta aos quesitos, manifestou-se da seguinte forma:
10) Diga o Sr(a). Perito(a), considerando as características da atividade declarada, se a parte autora se apresenta incapacitada para a(s) última(s) atividade(s) laborativa(s) exercida(s), esclarecendo quais as limitações físicas e/ou mentais que a doença ou lesão impõe ao periando.
Não existe incapacidade ao trabalho.
23) Se necessário, preste outros esclarecimentos que entender úteis para melhor elucidação da causa.
Esteve em auxílio-doença por tempo mais que necessário para ter devolvida a sua capacidade laborativa.
No mesmo sentido, o segundo laudo pericial médico, datado de 29/08/2018 (Evento 3 - CARTA_PREC_ORDEM38, fls. 16 e ss.), também deu conta de que o autor está apto para exercer sua atividade habitual. Confira-se:
Conclusão: sem incapacidade atual.
Justificativa: Apresenta discopatia degenerativa compatível com a sua faixa etária. Comprovada em TC da coluna lombar de 30/07/2018. Exame da coluna lombo sacra, dentro da normalidade fisiológica: movimentos de flexo-extensão e rotação lateral: normais; Movimentos das articulações dos membros inferiores: normais; Teste de Lasegue e Bragard: negativo com referência de dor na coluna lombar. Lasegue sentado: negativo; Reflexos tendíneos: normais; Força nos pés e halux: normal; Não referiu parestesia. Não apresenta desvios no eixo. Sem contraturas na musculatura paravertebral. Apresenta mãos laborativas severas e recentes. Refere que "deu uma pegadinha". O Autor no momento da perícia não apresenta incapacidade ao trabalho que exerce.
Assim, os resultados das perícias médicas realizadas em juízo convergem para a conclusão de que não há, no presente caso, incapacidade laboral. A patologia apresentada pelo autor, segundo atestam os especialistas, não o impede de exercer suas lides habituais. Destaca-se, no ponto, que os documentos apresentados no processo não são suficientes a comprovar a alegada incapacidade.
Sabe-se que o juiz não está vinculado ao laudo pericial judicial (art. 479, CPC). Todavia, conforme reiteradamente afirmado por esta Corte, "a concessão de benefício previdenciário por incapacidade decorre da convicção judicial formada predominantemente a partir da produção de prova pericial" (TRF4, APELREEX 0013571-06.2016.404.9999, SEXTA TURMA, Relatora SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, D.E. 11/07/2017). Apenas em situações excepcionais é que o magistrado pode, com base em sólida prova em contrário, afastar-se da conclusão apresentada pelo perito, do que aqui não se trata.
Dito isso, deve-se negar provimento à apelação, mantendo-se integralmente a sentença, pois, ausente a incapacidade, é incabível a concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez.
Honorários advocatícios
Em regra, desprovido o recurso interposto pelo autor da sentença de improcedência, devem os honorários de advogado ser majorados, com o fim de remunerar o trabalho adicional do procurador da parte em segundo grau de jurisdição.
Contudo, no presente caso, tendo em vista que a sentença fixou a verba honorária no percentual máximo de 20% sobre o valor atualizado da causa, consideradas as disposições do art. 85, §§ 2º e 3º do Código de Processo Civil (CPC), incabível a referida majoração.
Assim, mantém-se o percentual arbitrado pelo juízo a quo, suspensa a exigibilidade, no entanto, em face da concessão do benefício da assistência judiciária gratuita.
Prequestionamento
O enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal, assim como a análise da legislação aplicável, são suficientes para prequestionar junto às instâncias Superiores os dispositivos que as fundamentam. Assim, deixo de aplicar os dispositivos legais ensejadores de pronunciamento jurisdicional distinto do que até aqui foi declinado. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração tão somente para este fim, o que evidenciaria finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa.
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto por negar provimento à apelação, nos termos da fundamentação.
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Apelação Cível Nº 5020864-34.2019.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: OSMAR PEREIRA DE MORAES
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. AUXILIO-DOENÇA/APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. LAUDO PERICIAL. discopatia degenerativa. AUSÊNCIA DE INCAPACIDADE.
1. São três os requisitos para a concessão dos benefícios por incapacidade: (1) qualidade de segurado; (2) cumprimento do período de carência; (3) a incapacidade para o trabalho, de caráter permanente (aposentadoria por invalidez) ou temporário (auxílio-doença).
2. Somente contexto probatório muito relevante, constituído por exames que conclusivamente apontem para a incapacidade do segurado, pode desfazer a credibilidade que se deve emprestar a laudo pericial elaborado por profissional qualificado a servir como auxiliar do juízo.
3. Não caracterizada a incapacidade para o trabalho, imprópria a concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 21 de julho de 2020.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 13/07/2020 A 21/07/2020
Apelação Cível Nº 5020864-34.2019.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PROCURADOR(A): JOÃO HELIOFAR DE JESUS VILLAR
APELANTE: OSMAR PEREIRA DE MORAES
ADVOGADO: KATIUCIA RECH (OAB RS058219)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 13/07/2020, às 00:00, a 21/07/2020, às 14:00, na sequência 609, disponibilizada no DE de 02/07/2020.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
Votante: Juíza Federal GISELE LEMKE
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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