Apelação Cível Nº 5010221-12.2022.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: LUCILDA APARECIDA RODRIGUES
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Lucilda Aparecida Rodrigues interpôs apelação contra sentença prolatada em 06/08/2021, que julgou improcedente o pedido para concessão de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez, condenando-a ao pagamento de custas processuais e de honorários advocatícios, arbitrados em 10% sobre o valor da causa, cuja exigibilidade foi suspensa em virtude da justiça gratuita (
).Sustentou a recorrente ter direito à obtenção de benefício de incapacidade, à conta de ser portadora de enfisema, doença crônica não especificada, patologia que lhe causa muita dor e desconforto e, ainda, inviabiliza o desempenho de sua atividade laboral habitual de auxiliar de serviços gerais (
).Com contrarrazões (
), vieram os autos ao Tribunal.VOTO
Benefício por incapacidade
Cumpre, de início, rememorar o tratamento legal conferido aos benefícios de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez.
O art. 59 da Lei n.º 8.213 (Lei de Benefícios da Previdência Social - LBPS) estabelece que o auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido em lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos. Por sua vez, o art. 42 da Lei nº 8.213 estatui que a aposentadoria por invalidez será concedida ao segurado que, tendo cumprido a carência, for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência. O art. 25 desse diploma legal esclarece, a seu turno, que a carência exigida para a concessão de ambos os benefícios é de 12 (doze) meses, salvo nos casos em que é expressamente dispensada (art. 26, II).
Em resumo, portanto, a concessão dos benefícios depende de três requisitos: (a) a qualidade de segurado do requerente à época do início da incapacidade (artigo 15 da LBPS); (b) o cumprimento da carência de 12 contribuições mensais, exceto nas hipóteses em que expressamente dispensada por lei; (c) o advento, posterior ao ingresso no RGPS, de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência do segurado.
Note-se que a concessão do auxílio-doença não exige que o segurado esteja incapacitado para toda e qualquer atividade laboral; basta que esteja incapacitado para a sua atividade habitual. É dizer: a incapacidade pode ser total ou parcial. Além disso, pode ser temporária ou permanente. Nisso, precisamente, é que se diferencia da aposentadoria por invalidez, que deve ser concedida apenas quando constatada a incapacidade total e permanente do segurado. Sobre o tema, confira-se a lição doutrinária de Daniel Machado da Rocha e de José Paulo Baltazar Júnior:
A diferença, comparativamente à aposentadoria por invalidez, repousa na circunstância de que para a obtenção de auxílio-doença basta a incapacidade para o trabalho ou atividade habitual do segurado, enquanto para a aposentadoria por invalidez exige-se a incapacidade total, para qualquer atividade que garanta a subsistência. Tanto é assim que, exercendo o segurado mais de uma atividade e ficando incapacitado para apenas uma delas, o auxílio-doença será concedido em relação à atividade para a qual o segurado estiver incapacitado, considerando-se para efeito de carência somente as contribuições relativas a essa atividade (RPS, art. 71, § 1º) (in ROCHA, Daniel Machado da. BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 15. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Atlas, 2017).
De qualquer sorte, o caráter da incapacidade (total ou parcial) deve ser avaliado não apenas por um critério médico, mas conforme um juízo global que considere as condições pessoais da parte autora - em especial, a idade, a escolaridade e a qualificação profissional - a fim de se aferir, concretamente, a sua possibilidade de reinserção no mercado de trabalho.
Cumpre demarcar, ainda, a fungibilidade entre as ações previdenciárias, tendo em vista o caráter eminentemente protetivo e de elevado alcance social da lei previdenciária. De fato, a adoção de soluções processuais adequadas à relação jurídica previdenciária constitui uma imposição do princípio do devido processo legal, a ensejar uma leitura distinta do princípio dispositivo e da adstrição do juiz ao pedido (SAVARIS, José Antônio. Direito processual previdenciário. 6 ed., rev. atual. e ampl. Curitiba: Alteridade Editora, 2016, p. 67). Por isso, aliás, o STJ sedimentou o entendimento de que "não constitui julgamento extra ou ultra petita a decisão que, verificando não estarem atendidos os pressupostos para concessão do benefício requerido na inicial, concede benefício diverso cujos requisitos tenham sido cumpridos pelo segurado" (AgRG no AG 1232820/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 26/10/20, DJe 22/11/2010).
Caso concreto
Postula a autora a concessão de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez.
Discute-se acerca do quadro incapacitante.
De acordo com as informações extraídas do laudo pericial judicial (
, páginas 16/19), datado de 11/08/2020 e elaborado por médica com especialização em medicina do trabalho, a autora, que atualmente conta com 56 anos de idade (nascida em 01/04/1966), é recicladora de lixo e anteriormente exerceu a atividade de faxineira, e possui nível de escolaridade até a 4ª série do ensino fundamental. Na ocasião, a periciada declarou "apresentar dispneia, de longa data, sendo diagnosticada com enfisema pulmonar". Negou quadro atual de exacerbação de sintomas ou hospitalização.O exame realizado no ato pericial foram assim registrado pelo perito:
Exame físico/do estado mental:
A parte autora apresenta atitude ativa, lúcida, coerente e orientada no tempo e espaço. Pouco cooperante. Compareceu à sala pericial deambulando normalmente.
Ao exame físico: AC: ritmo regular, 2 tempos, bulhas normofonéticas, sem sopro; TA 110/70 mmHg, 82 bpm; AP: murmúrio vesicular rude, sem ruídos adventícios.
Eupneica, com sinais de boa expansibilidade torácica. Saturação de 02 96% AA.
Boa mobilidade para deitar e levantar-se da mesa de exames.
Membros superiores tróficos e simétricos. Ausência de contraturas musculares paravertebrais.
Coluna cervical e lombar: amplitude normal de movimentos, Lasègue negativo.
Sinais diretos e indiretos de boa mobilidade dos membros superiores, tronco e membros inferiores.
Nada mais digno de nota ao exame.
A conclusão pericial, por sua vez, foi assentada nos seguintes dizeres:
Conclusão: sem incapacidade atual
- Justificativa: A parte autora realizou avaliação semiológica pertinente às suas queixas.
Em resposta à patologia que ensejou a solicitação de benefício previdenciário, é possível concluir que a autora é portadora de patologia CID 10 J44.9 (Doença pulmonar obstrutiva crônica não especificada).
Todavia, sob o ponto de vista médico/clínico, não apresenta incapacidade para desempenhar suas atividades laborais habituais, estando a moléstia estável, sem sinais de agudização ou agravamento.
Sendo assim, neste momento, não foram evidenciadas e/ou apresentados elementos suficientes, tais como achados clínicos, exame físico e exames complementares, que justifiquem por incapacidade laboral.
Afirmou o perito, portanto, que a autora é portadora de doença pulmonar obstrutiva crônica não especificada, catalogada com CID 10 J44.9. Afastou a ocorrência de incapacidade laboral em períodos diversos daqueles em que já tenha usufruído benefício previdenciário, ou mesmo atual.
Conforme foi esclarecido no laudo médico, os sintomas relatados não impedem a autora de exercer suas atividades habituais, devendo ser prestigiadas as conclusões da perícia realizada em juízo em detrimento dos atestados médicos produzidos unilateralmente pela parte autora (
, páginas 9/12). Ressalte-se que o resultado do exame pericial judicial vai ao encontro do que constatou a perícia médica realizada em âmbito administrativo, ou seja, que o quadro não é incapacitante.Sabe-se que o juiz não está vinculado ao laudo pericial judicial (art. 479, CPC). Todavia, conforme reiteradamente afirmado por esta Corte, "a concessão de benefício previdenciário por incapacidade decorre da convicção judicial formada predominantemente a partir da produção de prova pericial" (TRF4, APELREEX 0013571-06.2016.404.9999, SEXTA TURMA, Relatora SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, D.E. 11/07/2017). Apenas em situações excepcionais é que o magistrado pode, com base em sólida prova em contrário, afastar-se da conclusão apresentada pelo perito - hipótese de que, aqui, não se cuida.
Dito isso, deve-se negar provimento à apelação, mantendo-se integralmente a sentença, pois, ausente a incapacidade, é imprópria a concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez.
Honorários de advogado
O Código de Processo Civil (CPC) em vigor inovou de forma significativa a distribuição dos honorários de advogado, buscando valorizar a sua atuação profissional, especialmente por se tratar de verba de natureza alimentar (art. 85, §14, CPC).
Destaca-se, ainda, que estabeleceu critérios objetivos para arbitrar a verba honorária nas causas em que a Fazenda Pública for parte, conforme se extrai da leitura do respectivo parágrafo terceiro, incisos I a V, do mesmo artigo 85.
A um só tempo, a elevação da verba honorária intenta o desestímulo à interposição de recursos protelatórios.
Considerando o desprovimento do recurso interposto pela parte autora, associado ao trabalho adicional realizado nesta instância no sentido de manter a sentença de improcedência, a verba honorária deve ser aumentada em favor do procurador da requerida, ficando mantida a inexigibilidade, contudo, por litigar ao abrigo da justiça gratuita.
Assim sendo, em atenção ao que se encontra disposto no art. 85, §4º, II, do CPC, os honorários advocatícios deverão contemplar o trabalho exercido pelo profissional em grau de recurso, acrescendo-se, em relação ao valor arbitrado, mais 20% para apuração do montante da verba honorária (art. 85, §11, do CPC).
Prequestionamento
O enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal, assim como a análise da legislação aplicável, são suficientes para prequestionar junto às instâncias Superiores os dispositivos que as fundamentam. Assim, deixo de aplicar os dispositivos legais ensejadores de pronunciamento jurisdicional distinto do que até aqui foi declinado. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração tão somente para este fim, o que evidenciaria finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa.
Conclusão
Negar provimento à apelação da parte autora.
De ofício, majorar os honorários advocatícios, ressalvada a suspensão de sua exigibilidade em virtude da justiça gratuita.
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto por negar provimento à apelação, majorando, de ofício, os honorários advocatícios, nos termos da fundamentação.
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Apelação Cível Nº 5010221-12.2022.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: LUCILDA APARECIDA RODRIGUES
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. AUXíLIO-DOENÇA. aposentadoria por invalidez. LAUDO PERICIAL. doença pulmonar obstrutiva crônica não especificada. AUSÊNCIA DE INCAPACIDADE. HONORÁRIOS advocatícios. majoração.
1. O direito à aposentadoria por invalidez e ao auxílio-doença pressupõe o preenchimento de 3 (três) requisitos: (1) a qualidade de segurado ao tempo de início da incapacidade, (2) a carência de 12 (doze) contribuições mensais, ressalvadas as hipóteses previstas no art. 26, II, da Lei nº 8.213, que a dispensam, e (3) aquele relacionado à existência de incapacidade impeditiva para toda e qualquer atividade (aposentadoria por invalidez) ou para seu trabalho habitual (auxílio-doença) em momento posterior ao ingresso no Regime Geral de Previdência Social, aceitando-se, contudo, a derivada de doença anterior, desde que agravada após esta data, nos termos dos arts. 42, §2º, e 59, parágrafo único; ambos da Lei nº 8.213.
2. A desconsideração de laudo pericial justifica-se somente diante de significativo contexto probatório, constituído por exames seguramente indicativos da inaptidão para o exercício de atividade laborativa.
3. Não caracterizada a incapacidade para o trabalho, é imprópria a concessão de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez.
4. Majorados os honorários advocatícios para o fim de adequação ao que está disposto no art. 85, §11, do Código de Processo Civil, ressalvada a suspensão de sua exigibilidade em face da justiça gratuita.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, majorando, de ofício, os honorários advocatícios, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 16 de agosto de 2022.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003400342v3 e do código CRC 4e28adaf.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 08/08/2022 A 16/08/2022
Apelação Cível Nº 5010221-12.2022.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
PROCURADOR(A): MARCUS VINICIUS AGUIAR MACEDO
APELANTE: LUCILDA APARECIDA RODRIGUES
ADVOGADO: JORGE LUIZ POHLMANN (OAB RS032614)
ADVOGADO: DEBORA ELOIZA TODENDI (OAB RS089762)
ADVOGADO: DARTAGNAN BERNHARD BILLIG (OAB RS089777)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 08/08/2022, às 00:00, a 16/08/2022, às 16:00, na sequência 374, disponibilizada no DE de 28/07/2022.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO, MAJORANDO, DE OFÍCIO, OS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Juiz Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
Votante: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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