Apelação Cível Nº 5020504-02.2019.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: MARLI ADRIANE LOPES
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Marli Adriane Lopes interpôs apelação em face de sentença (prolatada em 21/06/2019) que julgou improcedente o pedido para concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, condenando-a ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, arbitrados em 20% sobre o valor atualizado da causa, cuja exigibilidade foi suspensa por ser beneficiária da justiça gratuita (Evento 3 - SENT18).
Sustentou que faz jus à concessão de benefício por incapacidade por ser portadora de dor lombar baixa (CID M54.5), doença que a impede de exercer atividade laborativa. Registrou que a profissão habitual de agricultora demanda a realização de esforços físicos e tarefas repetitivas, destacando que, com o passar dos anos, a patologia tende a se agravar. Requereu a reforma da sentença para que lhe seja concedido o benefício de auxílio-doença desde a DER, e, ainda, a condenação do INSS em honorários de sucumbência no percentual de 10% sobre o valor da condenação (Evento 3 - APELAÇÃO19).
Com contrarrazões, subiram os autos.
VOTO
Benefício por incapacidade
Cumpre, de início, rememorar o tratamento legal conferido aos benefícios de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez.
O art. 59 da Lei n.º 8.213/91 (Lei de Benefícios da Previdência Social - LBPS) estabelece que o auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido em lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos. Por sua vez, o art. 42 da Lei nº 8.213/91 estatui que a aposentadoria por invalidez será concedida ao segurado que, tendo cumprido a carência, for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência. O art. 25 desse diploma legal esclarece, a seu turno, que a carência exigida para a concessão de ambos os benefícios é de 12 (doze) meses, salvo nos casos em que é expressamente dispensada (art. 26, II).
Em resumo, portanto, a concessão dos benefícios depende de três requisitos: (a) a qualidade de segurado do requerente à época do início da incapacidade (artigo 15 da LBPS); (b) o cumprimento da carência de 12 contribuições mensais, exceto nas hipóteses em que expressamente dispensada por lei; (c) o advento, posterior ao ingresso no RGPS, de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência do segurado.
Note-se que a concessão do auxílio-doença não exige que o segurado esteja incapacitado para toda e qualquer atividade laboral; basta que esteja incapacitado para a sua atividade habitual. É dizer: a incapacidade pode ser total ou parcial. Além disso, pode ser temporária ou permanente. Nisso, precisamente, é que se diferencia da aposentadoria por invalidez, que deve ser concedida apenas quando constatada a incapacidade total e permanente do segurado. Sobre o tema, confira-se a lição doutrinária de Daniel Machado da Rocha e de José Paulo Baltazar Júnior:
A diferença, comparativamente à aposentadoria por invalidez, repousa na circunstância de que para a obtenção de auxílio-doença basta a incapacidade para o trabalho ou atividade habitual do segurado, enquanto para a aposentadoria por invalidez exige-se a incapacidade total, para qualquer atividade que garanta a subsistência. Tanto é assim que, exercendo o segurado mais de uma atividade e ficando incapacitado para apenas uma delas, o auxílio-doença será concedido em relação à atividade para a qual o segurado estiver incapacitado, considerando-se para efeito de carência somente as contribuições relativas a essa atividade (RPS, art. 71, § 1º) (in ROCHA, Daniel Machado da. BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 15. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Atlas, 2017).
De qualquer sorte, o caráter da incapacidade (total ou parcial) deve ser avaliado não apenas por um critério médico, mas conforme um juízo global que considere as condições pessoais da parte autora - em especial, a idade, a escolaridade e a qualificação profissional - a fim de se aferir, concretamente, a sua possibilidade de reinserção no mercado de trabalho.
Cumpre demarcar, ainda, a fungibilidade entre as ações previdenciárias, tendo em vista o caráter eminentemente protetivo e de elevado alcance social da lei previdenciária. De fato, a adoção de soluções processuais adequadas à relação jurídica previdenciária constitui uma imposição do princípio do devido processo legal, a ensejar uma leitura distinta do princípio dispositivo e da adstrição do juiz ao pedido (SAVARIS, José Antônio. Direito processual previdenciário. 6 ed., rev. atual. e ampl. Curitiba: Alteridade Editora, 2016, p. 67). Por isso, aliás, o STJ sedimentou o entendimento de que "não constitui julgamento extra ou ultra petita a decisão que, verificando não estarem atendidos os pressupostos para concessão do benefício requerido na inicial, concede benefício diverso cujos requisitos tenham sido cumpridos pelo segurado" (AgRG no AG 1232820/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 26/10/20, DJe 22/11/2010).
Caso concreto
Limita-se a controvérsia à verificação do quadro incapacitante, uma vez que os requisitos referentes à qualidade de segurado e à carência foram devidamente comprovados, destacando-se, desde logo, que sequer foram objeto de discussão nos autos.
Com a finalidade de contextualizar a situação ora em análise, deve-se ressaltar que a autora, atualmente com 46 anos de idade (nascida em 08/08/1973), postulou administrativamente a concessão de auxílio-doença em 05/10/2015 (DER), sendo o benefício indeferido em razão do parecer contrário da perícia médica. Salienta-se que, conforme referido nas razões de apelação, diante da negativa administrativa, a autora recebeu comunicado da autarquia possibilitando a solicitação de novo exame médico pericial no âmbito administrativo. Todavia, deixou de formular o pedido de reconsideração no prazo estabelecido, razão pela qual vem requerer o benefício judicialmente.
De acordo com as informações extraídas do laudo pericial judicial, datado de 27/03/2018 (Evento 3 - CARTA_PREC_ORDEM15), trabalhou como agricultora em regime familiar, mas encontra-se afastada de sua atividade habitual há dois anos devido ao sintoma de dor lombar. Relatou ao perito que atualmente não tem muita crise de dor lombar, pois evita caminhar excessivamente. Acrescentou que, na época que tinha muita dor lombar, usava analgesia comum e/ou injeções analgésicas no posto de saúde. Referiu que, atualmente, quando sente dores, faz uso de paracetamol e outra medicação que não soube especificar, com alívio parcial.
Após a realização de exame ortopédico e análise da documentação médica complementar apresentada, o perito diagnosticou o quadro como dor lombar baixa (CID M54.5), concluindo que tal patologia não implica incapacidade laborativa. Destacou, ainda, que as alterações degenerativas apresentadas são comuns à idade. Confira-se:
Justificativa/conclusão: A autora alega incapacidade de realizar suas funções laborativas em agricultura familiar devido à dor lombar. A periciada faz uso de medicações analgésicas quando tem dor (não trazendo receitas atuais à consulta), nunca realizou fisioterapia ou reforço muscular para o problema, nunca usou colete de proteção lombar ou infiltrações articulares. Apresenta radiografia com alterações incipientes degenerativas e comuns à sua idade, apresentando escoliose vertebral. Ao exame pericial judicial, não apresenta patologias inflamatórias agudas (contratura muscular paravertebral ou derrame articular), não apresenta radiculopatia (condição incapacitante sugestiva de herniopatia discal) aos testes provocativos, corre ao atravessar a rua do lado de fora do consultório sem claudicar, sem facies de dor ou marcha antálgica compensatória (ver EXAME FÍSICO). Assim, conclui-se que não há condição incapacitante para sua atividade habitual de agricultora em regime familiar. A escoliose submete os músculos da região lombar a estresse maior em relação às pessoas que não têm essa alteração do alinhamento vertebral, assim a autora pode buscar auxílio de fisioterapeuta e/ou terapeuta ocupacional para melhorar a ergonomia postural durante a prática de sua atividade laborativa. Ao analisar a avaliação do perito do INSS (PERÍCIA1 - evento 8), tampouco houve incapacidade pretérita, pois o perito da Autarquia descreve exame físico completo e não incapacitante.
Dito isso, deve-se negar provimento à apelação, mantendo-se integralmente a sentença, pois, ausente a incapacidade, é incabível a concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez. Segundo foi esclarecido no laudo pericial, os sintomas relatados não a impedem de exercer suas lides habituais. Destaca-se, no ponto, que os documentos apresentados no processo não são suficientes a comprovar a alegada incapacidade.
Por fim, cabe destacar que o laudo foi elaborado por profissional da confiança do juízo e detalha, fundamentadamente, as razões por que a autora encontra-se apta a trabalhar, sendo que a atividade exercida por ela anteriormente e suas condições pessoais foram levadas em consideração pelo médico perito para fins de expedição do referido documento. O laudo é válido e suficiente, portanto, a embasar a presente decisão.
Sabe-se que o juiz não está vinculado ao laudo pericial judicial (art. 479, CPC). Todavia, conforme reiteradamente afirmado por esta Corte, "a concessão de benefício previdenciário por incapacidade decorre da convicção judicial formada predominantemente a partir da produção de prova pericial" (TRF4, APELREEX 0013571-06.2016.404.9999, SEXTA TURMA, Relatora SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, D.E. 11/07/2017). Apenas em situações excepcionais é que o magistrado pode, com base em sólida prova em contrário, afastar-se da conclusão apresentada pelo perito, do que aqui não se trata.
Conclui-se, assim, que a autora se encontra em condições para o trabalho, motivo pelo qual não faz jus à concessão do benefício postulado, o que leva à improcedência do pedido, e, portanto, ao desprovimento da apelação.
Honorários advocatícios
Em regra, desprovido o recurso interposto pelo autor da sentença de improcedência, devem os honorários de advogado ser majorados, com o fim de remunerar o trabalho adicional do procurador da parte em segundo grau de jurisdição.
Contudo, no presente caso, tendo em vista que a sentença fixou a verba honorária no percentual máximo de 20% sobre o valor atualizado da causa, consideradas as disposições do art. 85, §§ 2º e 3º do Código de Processo Civil (CPC), incabível a referida majoração.
Assim, mantém-se o percentual arbitrado pelo juízo a quo, suspensa a exigibilidade, no entanto, em face da concessão do benefício da assistência judiciária gratuita.
Prequestionamento
O enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal, assim como a análise da legislação aplicável, são suficientes para prequestionar junto às instâncias Superiores os dispositivos que as fundamentam. Assim, deixo de aplicar os dispositivos legais ensejadores de pronunciamento jurisdicional distinto do que até aqui foi declinado. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração tão somente para este fim, o que evidenciaria finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa.
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto no sentido de negar provimento à apelação, nos termos da fundamentação.
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Apelação Cível Nº 5020504-02.2019.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: MARLI ADRIANE LOPES
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. AUXILIO-DOENÇA/APOSENTADORIA por invalidez. laudo pericial. dor lombar. ausência de incapacidade.
1. São três os requisitos para a concessão dos benefícios por incapacidade: (1) qualidade de segurado; (2) cumprimento do período de carência; (3) a incapacidade para o trabalho, de caráter permanente (aposentadoria por invalidez) ou temporário (auxílio-doença).
2. Somente contexto probatório muito relevante, constituído por exames que conclusivamente apontem para a incapacidade do segurado, pode desfazer a credibilidade que se deve emprestar a laudo pericial elaborado por profissional qualificado a servir como auxiliar do juízo.
3. Não caracterizada a incapacidade para o trabalho, imprópria a concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 21 de julho de 2020.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001869387v3 e do código CRC f8ba888b.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 13/07/2020 A 21/07/2020
Apelação Cível Nº 5020504-02.2019.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PROCURADOR(A): JOÃO HELIOFAR DE JESUS VILLAR
APELANTE: MARLI ADRIANE LOPES
ADVOGADO: KATIUCIA RECH (OAB RS058219)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 13/07/2020, às 00:00, a 21/07/2020, às 14:00, na sequência 403, disponibilizada no DE de 02/07/2020.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
Votante: Juíza Federal GISELE LEMKE
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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