Apelação Cível Nº 5013209-11.2019.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: EUGENIA CRISTINA GUISOLFI
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Eugenia Cristina Guisolfi interpôs apelação em face de sentença (prolatada em 20/11/2018) que julgou improcedente o pedido para restabelecimento de auxílio-doença, desde que cessado, ou concessão de aposentadoria por invalidez, condenando-a ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, arbitrados em R$ 800,00, cuja exigibilidade foi suspensa por ser beneficiária da justiça gratuita (Evento 3 - SENT14).
Sustentou, em síntese, que faz jus à concessão de benefício por incapacidade por ser portadora de tendinopatia no ombro esquerdo e lombalgia crônica, doenças que, associadas, a impedem de exercer atividade laborativa. Registrou que o julgador deve observar não só o teor do laudo pericial como também o conjunto probatório e as condições pessoais do requerente. Por fim, requereu a reforma da sentença para que seja restabelecido o auxílio-doença, desde que cessado administrativamente (20/09/2016), com conversão em aposentadoria por invalidez (Evento 3 - APELAÇÃO15).
Sem contrarrazões, subiram os autos.
VOTO
Benefício por incapacidade
Cumpre, de início, rememorar o tratamento legal conferido aos benefícios de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez.
O art. 59 da Lei n.º 8.213/91 (Lei de Benefícios da Previdência Social - LBPS) estabelece que o auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido em lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos. Por sua vez, o art. 42 da Lei nº 8.213/91 estatui que a aposentadoria por invalidez será concedida ao segurado que, tendo cumprido a carência, for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência. O art. 25 desse diploma legal esclarece, a seu turno, que a carência exigida para a concessão de ambos os benefícios é de 12 (doze) meses, salvo nos casos em que é expressamente dispensada (art. 26, II).
Em resumo, portanto, a concessão dos benefícios depende de três requisitos: (a) a qualidade de segurado do requerente à época do início da incapacidade (artigo 15 da LBPS); (b) o cumprimento da carência de 12 contribuições mensais, exceto nas hipóteses em que expressamente dispensada por lei; (c) o advento, posterior ao ingresso no RGPS, de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência do segurado.
Note-se que a concessão do auxílio-doença não exige que o segurado esteja incapacitado para toda e qualquer atividade laboral; basta que esteja incapacitado para a sua atividade habitual. É dizer: a incapacidade pode ser total ou parcial. Além disso, pode ser temporária ou permanente. Nisso, precisamente, é que se diferencia da aposentadoria por invalidez, que deve ser concedida apenas quando constatada a incapacidade total e permanente do segurado. Sobre o tema, confira-se a lição doutrinária de Daniel Machado da Rocha e de José Paulo Baltazar Júnior:
A diferença, comparativamente à aposentadoria por invalidez, repousa na circunstância de que para a obtenção de auxílio-doença basta a incapacidade para o trabalho ou atividade habitual do segurado, enquanto para a aposentadoria por invalidez exige-se a incapacidade total, para qualquer atividade que garanta a subsistência. Tanto é assim que, exercendo o segurado mais de uma atividade e ficando incapacitado para apenas uma delas, o auxílio-doença será concedido em relação à atividade para a qual o segurado estiver incapacitado, considerando-se para efeito de carência somente as contribuições relativas a essa atividade (RPS, art. 71, § 1º) (in ROCHA, Daniel Machado da. BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 15. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Atlas, 2017).
De qualquer sorte, o caráter da incapacidade (total ou parcial) deve ser avaliado não apenas por um critério médico, mas conforme um juízo global que considere as condições pessoais da parte autora - em especial, a idade, a escolaridade e a qualificação profissional - a fim de se aferir, concretamente, a sua possibilidade de reinserção no mercado de trabalho.
Cumpre demarcar, ainda, a fungibilidade entre as ações previdenciárias, tendo em vista o caráter eminentemente protetivo e de elevado alcance social da lei previdenciária. De fato, a adoção de soluções processuais adequadas à relação jurídica previdenciária constitui uma imposição do princípio do devido processo legal, a ensejar uma leitura distinta do princípio dispositivo e da adstrição do juiz ao pedido (SAVARIS, José Antônio. Direito processual previdenciário. 6 ed., rev. atual. e ampl. Curitiba: Alteridade Editora, 2016, p. 67). Por isso, aliás, o STJ sedimentou o entendimento de que "não constitui julgamento extra ou ultra petita a decisão que, verificando não estarem atendidos os pressupostos para concessão do benefício requerido na inicial, concede benefício diverso cujos requisitos tenham sido cumpridos pelo segurado" (AgRG no AG 1232820/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 26/10/20, DJe 22/11/2010).
Caso concreto
Limita-se a controvérsia à verificação do quadro incapacitante, uma vez que os requisitos referentes à qualidade de segurado e à carência foram devidamente comprovados, destacando-se, desde logo, que sequer foram objeto de discussão nos autos.
Com a finalidade de contextualizar a situação ora em análise, deve-se ressaltar que a autora, atualmente com 57 anos de idade (nascida em 24/07/1962), agricultora, postulou administrativamente a concessão de auxílio-doença, em 28/04/2016, sendo o benefício deferido até 20/07/2016 e prorrogado até 20/09/2016 (NB 614.168.424-0). Embora tenha realizado novo pedido de prorrogação, alegando a continuidade das condições incapacitantes, o benefício foi cessado a partir de 20/09/2016, diante do parecer contrário da perícia médica.
De acordo com as informações extraídas do laudo pericial judicial, datado de 05/06/2018 (Evento 3 - LAUDOPERIC12), a autora queixou-se de "dor lombar e no ombro esquerdo, iniciada há aproximadamente três anos, sem história de trauma. A dor é de intensidade variada, não é diária, sem irradiações. Nega alterações da força nos membros superiores e inferiores. Relata diminuição da sensibilidade nos membros superiores e inferiores à noite. Fator de agravo é realizar a elevação do membro superior esquerdo e realizar a flexão do tronco. Fator de alívio é o uso de medicação. Refere acompanhamento médico desde o início dos sintomas, tendo realizado tratamento fisioterápico (previamente) e medicamentoso."
Após a realização de exame físico, o perito constatou que não há alterações do trofismo muscular ou desvios angulares do tronco ou membros superiores. Além disso, a força muscular nos membros superiores é normal e simétrica, não havendo alterações na amplitude de movimentos.
O diagnóstico, baseado na anamnese, exame físico e análise dos exames complementares apresentados, foi de quadro residual de tendinopatia no ombro esquerdo (CID 10 M75), devidamente compensado devido à efetividade dos tratamentos realizados. O perito foi categórico ao afirmar que a doença não implica incapacidade laborativa, esclarecendo que o quadro residual ocasiona uma redução de apenas 7% da capacidade funcional do membro superior esquerdo, sendo passível de melhora mediante continuidade do tratamento fisioterápico e medicamentoso. Do mesmo modo, constatou que não há qualquer restrição decorrente da espondiloartrose lombar, concluindo que a autora encontra-se apta para o labor. Confira-se:
Síntese: Trata-se de periciada feminina, com 55 anos de idade, com quadro residual de tendinopatia no ombro esquerdo. Quadro clinico devidamente compensado. Não apresenta, ao exame médico pericial, alterações do exame físico capazes de implicar em impedimento para a realização de suas atividades laborais, havendo apenas redução de 7% da capacidade funcional do membro superior esquerdo (correspondente a quadro de repercussão residual, para o qual se atribui 10% dos 70% totais possiveis para casos de invalidez completa de um membro superior) e da sua capacidade laboral, segundo a tabela da SUSEP, de modo temporário. Poderá realizar, para a melhora do quadro clinico apresentado, tratamento fisioterápico e medicamentoso. Não apresenta qualquer restrição decorrente à espondiloartrose lombar veriflcada. Apto para o labor.
Conforme foi esclarecido no laudo pericial, os sintomas relatados pela autora não a impedem de exercer suas lides habituais. Do mesmo modo, os documentos que instruem o feito também não são suficientes a comprovar a alegada incapacidade, devendo-se dar destaque para o atestado médico particular datado de julho de 2016, segundo o qual a requerente "necessita de 60 dias de repouso para tratamento" (Evento 3 - ANEXOSPET4, fl. 37). Nesse sentido, tendo em vista que o auxílio-doença foi concedido administrativamente até 20/09/2016, verifica-se que a data fixada pela autarquia ré para recuperação da autora foi compatível até mesmo com o atestado particular apresentado nestes autos.
Por fim, cabe destacar que o laudo foi elaborado por profissional da confiança do juízo e especialista em ortopedia e traumatologia, detalhando, fundamentadamente, as razões por que a autora encontra-se apta a trabalhar, sendo que a atividade exercida por ela anteriormente e suas condições pessoais foram levadas em consideração pelo médico perito para fins de expedição do referido documento. O laudo é válido e suficiente, portanto, a embasar a presente decisão.
Sabe-se que o juiz não está vinculado ao laudo pericial judicial (art. 479, CPC). Todavia, conforme reiteradamente afirmado por esta Corte, "a concessão de benefício previdenciário por incapacidade decorre da convicção judicial formada predominantemente a partir da produção de prova pericial" (TRF4, APELREEX 0013571-06.2016.404.9999, SEXTA TURMA, Relatora SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, D.E. 11/07/2017). Apenas em situações excepcionais é que o magistrado pode, com base em sólida prova em contrário, afastar-se da conclusão apresentada pelo perito, hipótese de que, aqui, não se trata.
Dito isso, deve-se negar provimento à apelação, mantendo-se integralmente a sentença, pois, ausente a incapacidade, é incabível a concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez.
Honorários advocatícios
Desprovido o recurso interposto pelo autor da sentença de improcedência do pedido, devem os honorários de advogado ser majorados, com o fim de remunerar o trabalho adicional do procurador da parte em segundo grau de jurisdição.
Consideradas as disposições do art. 85, §§ 2º e 3º, do Código de Processo Civil (CPC), majora-se em 20% o valor de R$ 800,00 arbitrado em sentença, percentual que já inclui os honorários decorrentes da atuação no âmbito recursal (art. 85, §11, do CPC), mantendo-se a inexigibilidade da verba em face da concessão da assistência judiciária gratuita.
Prequestionamento
O enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal, assim como a análise da legislação aplicável, são suficientes para prequestionar junto às instâncias Superiores os dispositivos que as fundamentam. Assim, deixo de aplicar os dispositivos legais ensejadores de pronunciamento jurisdicional distinto do que até aqui foi declinado. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração tão somente para este fim, o que evidenciaria finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa.
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto no sentido de negar provimento à apelação, majorando, de ofício, os honorários advocatícios, nos termos da fundamentação.
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Apelação Cível Nº 5013209-11.2019.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: EUGENIA CRISTINA GUISOLFI
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. AUXíLIO-DOENÇA/APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. LAUDO PERICIAL. tendinopatia no ombro. lombalgia crônica. AUSÊNCIA DE INCAPACIDADE. HONORÁRIOS MAJORADOS.
1. São três os requisitos para a concessão dos benefícios por incapacidade: (1) qualidade de segurado; (2) cumprimento do período de carência; (3) a incapacidade para o trabalho, de caráter permanente (aposentadoria por invalidez) ou temporário (auxílio-doença).
2. Somente contexto probatório muito relevante, constituído por exames que conclusivamente apontem para a incapacidade do segurado, pode desfazer a credibilidade que se deve emprestar a laudo pericial elaborado por profissional qualificado a servir como auxiliar do juízo.
3. Não caracterizada a incapacidade para o trabalho, imprópria a concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez.
4. Honorários majorados (art. 85, §11, do CPC).
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, majorando, de ofício, os honorários advocatícios, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 21 de julho de 2020.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001873473v3 e do código CRC a57bb4c8.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 13/07/2020 A 21/07/2020
Apelação Cível Nº 5013209-11.2019.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PROCURADOR(A): JOÃO HELIOFAR DE JESUS VILLAR
APELANTE: EUGENIA CRISTINA GUISOLFI
ADVOGADO: JONES IZOLAN TRETER (OAB RS057993)
ADVOGADO: SINARA LAZZAROTO (OAB RS060734)
ADVOGADO: JERUSA PRESTES (OAB RS086047)
ADVOGADO: DAIANA IZOLAN TRETER FERRAZ (OAB RS104240)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 13/07/2020, às 00:00, a 21/07/2020, às 14:00, na sequência 438, disponibilizada no DE de 02/07/2020.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO, MAJORANDO, DE OFÍCIO, OS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
Votante: Juíza Federal GISELE LEMKE
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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