Apelação Cível Nº 5056214-50.2019.4.04.7100/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: ANTONIO VALMIR DA COSTA ZUBIRIA (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
RELATÓRIO
Antonio Valmir da Costa Zubiria interpôs apelação contra sentença que, em 06/07/2020, julgou improcedente o pedido para restabelecimento de auxílio-doença (NB 6257039375), que usufruiu de 16/04/2018 a 02/07/2019, e/ou concessão de aposentadoria por invalidez com acréscimo do adicional de 25% previsto no artigo 45 da Lei nº 8.213, ou concessão de auxílio-acidente ou benefício assistencial. Em face da sucumbência, a parte autora foi condenada ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, arbitrados em 10% sobre o valor da causa, cuja exigibilidade foi suspensa em razão da gratuidade da justiça concedida (
).Sustentou, em síntese, que a perícia judicial não considerou os documentos médicos juntados no processo, à medida em que não houve concordância com o diagnóstico apurado pelos médicos assistentes, igualmente especialistas em psiquiatria, de que os sintomas apresentados pelo autor são de intensidade grave. Ponderou estar cientificamente comprovado que a combinação da patologia que acomete o autor (depressão) com idade avançada aumenta a gravidade dos sintomas da doença. Expendeu que o julgador não está adstrito às conclusões do laudo pericial, podendo delas discordar em razão dos demais elementos probatórios presentes nos autos. Requereu o restabelecimento do auxílio-doença, a contar de sua cessação administrativa, em 02/07/2019 (
).Com contrarrazões (
), vieram os autos ao Tribunal.VOTO
Benefício por incapacidade
Cumpre, de início, rememorar o tratamento legal conferido aos benefícios de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez.
O art. 59 da Lei n.º 8.213 (Lei de Benefícios da Previdência Social - LBPS) estabelece que o auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido em lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos. Por sua vez, o art. 42 da Lei nº 8.213 estatui que a aposentadoria por invalidez será concedida ao segurado que, tendo cumprido a carência, for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência. O art. 25 desse diploma legal esclarece, a seu turno, que a carência exigida para a concessão de ambos os benefícios é de 12 (doze) meses, salvo nos casos em que é expressamente dispensada (art. 26, II).
Em resumo, portanto, a concessão dos benefícios depende de três requisitos: (a) a qualidade de segurado do requerente à época do início da incapacidade (artigo 15 da LBPS); (b) o cumprimento da carência de 12 contribuições mensais, exceto nas hipóteses em que expressamente dispensada por lei; (c) o advento, posterior ao ingresso no RGPS, de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência do segurado.
Note-se que a concessão do auxílio-doença não exige que o segurado esteja incapacitado para toda e qualquer atividade laboral; basta que esteja incapacitado para a sua atividade habitual. É dizer: a incapacidade pode ser total ou parcial. Além disso, pode ser temporária ou permanente. Nisso, precisamente, é que se diferencia da aposentadoria por invalidez, que deve ser concedida apenas quando constatada a incapacidade total e permanente do segurado. Sobre o tema, confira-se a lição doutrinária de Daniel Machado da Rocha e de José Paulo Baltazar Júnior:
A diferença, comparativamente à aposentadoria por invalidez, repousa na circunstância de que para a obtenção de auxílio-doença basta a incapacidade para o trabalho ou atividade habitual do segurado, enquanto para a aposentadoria por invalidez exige-se a incapacidade total, para qualquer atividade que garanta a subsistência. Tanto é assim que, exercendo o segurado mais de uma atividade e ficando incapacitado para apenas uma delas, o auxílio-doença será concedido em relação à atividade para a qual o segurado estiver incapacitado, considerando-se para efeito de carência somente as contribuições relativas a essa atividade (RPS, art. 71, § 1º) (in ROCHA, Daniel Machado da. BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 15. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Atlas, 2017).
De qualquer sorte, o caráter da incapacidade (total ou parcial) deve ser avaliado não apenas por um critério médico, mas conforme um juízo global que considere as condições pessoais da parte autora - em especial, a idade, a escolaridade e a qualificação profissional - a fim de se aferir, concretamente, a sua possibilidade de reinserção no mercado de trabalho.
Cumpre demarcar, ainda, a fungibilidade entre as ações previdenciárias, tendo em vista o caráter eminentemente protetivo e de elevado alcance social da lei previdenciária. De fato, a adoção de soluções processuais adequadas à relação jurídica previdenciária constitui uma imposição do princípio do devido processo legal, a ensejar uma leitura distinta do princípio dispositivo e da adstrição do juiz ao pedido (SAVARIS, José Antônio. Direito processual previdenciário. 6 ed., rev. atual. e ampl. Curitiba: Alteridade Editora, 2016, p. 67). Por isso, aliás, o STJ sedimentou o entendimento de que "não constitui julgamento extra ou ultra petita a decisão que, verificando não estarem atendidos os pressupostos para concessão do benefício requerido na inicial, concede benefício diverso cujos requisitos tenham sido cumpridos pelo segurado" (AgRG no AG 1232820/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 26/10/20, DJe 22/11/2010).
Caso concreto
Com a finalidade de contextualizar a situação ora em análise, deve-se ressaltar ter sido deferido ao autor, que atualmente conta com 67 anos de idade (nascido em 01/07/1954), auxílio-doença, no período de 16/04/2018 a 02/07/2019 (NB 6257039375), em razão de incapacidade laboral decorrente de transtorno depressivo recorrente, patologia catalogada com CID 10 F33 (
, páginas 11/13).Discute-se acerca do quadro incapacitante.
De acordo com as informações extraídas do laudo pericial judicial, datado de 29/11/2019 e elaborado por médico psiquiatra (
), o autor exerce o labor de corretor de seguros, ofício que exige bom discernimento e capacidade argumentativa, e possui nível de escolaridade de ensino fundamental completo. No ato pericial, o autor relatou que fez várias tentativas de suicídio por enforcamento e que foi internado no HEPA em 2011, mas não apresentou comprovante. Contou que fica isolado em casa e raramente sai à rua. Referiu que realiza tratamento psiquiátrico e vem se sentindo melhor.O perito descreveu os exames físico e do estado mental do autor nos seguintes termos:
Exame físico/do estado mental: Bom estado geral. Informa bem. Lúcido, orientado e consciente. Cooperativo, juízo crítico preservado. Pensamento com fluxo e conteúdo normais. Eutímico. Memória preservada. Argumentativo. Normotenaz e normolálico. Psicomotricidade normal. Não há queixas ou evidência de delírios ou alucinações. Atualmente, não há sinais ou queixas de depressão grave. Não há queixas ou sinais de ansiedade anormal.
O diagnóstico apresentado pelo expert foi assim descrito:
Diagnóstico/CID:
- F32.0 - Episódio depressivo leve
- Z03.2 - Observação por suspeita de transtornos mentais e do comportamento
Dos quesitos respondidos, faço o registro das respostas respectivas que considero as mais relevantes para concluir sobre o direito ou não ao auxílio-doença e/ou aposentadoria por invalidez:
QUESITOS DO JUIZADO
7) Doença/moléstia ou lesão torna o(a) periciado(a) incapacitado(a) para o exercício do último trabalho ou atividade habitual? Justifique a resposta, descrevendo os elementos nos quais se baseou a conclusão.
Resposta: Não comprovou a presença de sintomas incapacitantes para a vida laborativa.
12) É possível afirmar se havia incapacidade entre a data do indeferimento ou da cessação do benefício administrativo e a data da realização da perícia judicial? Se positivo, justificar apontando os elementos para esta conclusão.
Resposta: Não foi possível identificar a presença de incapacidade pretérita por sintomas psiquiátricos.
15) Qual ou quais são os exames clínicos, laudos ou elementos considerados para o presente ato médico pericial?
Resposta: A avaliação foi baseada no atual exame psiquiátrico, nos atestados médicos apresentados e nas avaliações periciais do INSS.
17) É possível estimar qual o tempo e o eventual tratamento necessários para que o(a) periciado(a) se recupere e tenha condições de voltar a exercer seu trabalho ou atividade habitual (data de cessação da incapacidade)?
Resposta: O autor encontra-se apto para a atividade laborativa. Quesito prejudicado.
Portanto, o expert, com fundamento no atual exame psiquiátrico, nos atestados médicos apresentados e nas avaliações periciais do INSS, afirmou que o autor apresenta diagnóstico de episódio depressivo leve (CID 10 F32.0). Destacou que o autor, sob o ponto de vista psiquiátrico, encontra-se apto ao labor, ressalvando a inexistência de incapacidade pretérita em períodos diversos daqueles em que esteve em gozo de benefício previdenciário.
Conforme foi esclarecido no laudo médico, os sintomas relatados não impedem o autor de exercer suas lides habituais, devendo ser prestigiadas as conclusões da perícia realizada em juízo em detrimento dos atestados médicos produzidos unilateralmente pela parte (
, ). Ressalte-se que o resultado do exame pericial judicial vai ao encontro do que constatou a perícia médica realizada em âmbito administrativo, ou seja, que o quadro não é incapacitante.Sabe-se que o juiz não está vinculado ao laudo pericial judicial (art. 479, CPC). Todavia, conforme reiteradamente afirmado por esta Corte, "a concessão de benefício previdenciário por incapacidade decorre da convicção judicial formada predominantemente a partir da produção de prova pericial" (TRF4, APELREEX 0013571-06.2016.404.9999, SEXTA TURMA, Relatora SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, D.E. 11/07/2017). Apenas em situações excepcionais é que o magistrado pode, com base em sólida prova em contrário, afastar-se da conclusão apresentada pelo perito - hipótese de que, aqui, não se cuida.
O autor, apesar possui certa idade, executa atividades profissionais normalmente e sua patologia não atesta a impossibilidade de trabalhar. A situação, portanto, não dá oportunidade à concessão de benefício por incapacidade.
Dito isso, deve-se negar provimento à apelação, mantendo-se integralmente a sentença, pois, ausente a incapacidade, é imprópria a concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez.
Honorários de advogado
O Código de Processo Civil em vigor inovou de forma significativa a distribuição dos honorários de advogado, buscando valorizar a sua atuação profissional, especialmente por se tratar de verba de natureza alimentar (art. 85, §14, CPC).
Destaca-se, ainda, que estabeleceu critérios objetivos para arbitrar a verba honorária nas causas em que a Fazenda Pública for parte, conforme se extrai da leitura do respectivo parágrafo terceiro, incisos I a V, do mesmo artigo 85.
A um só tempo, a elevação da verba honorária intenta o desestímulo à interposição de recursos protelatórios.
Considerando o desprovimento do recurso interposto pela parte autora, associado ao trabalho adicional realizado nesta instância no sentido de manter a sentença de improcedência, a verba honorária deve ser aumentada em favor do procurador da requerida, ficando mantida a inexigibilidade, contudo, por litigar ao abrigo da justiça gratuita.
Assim sendo, em atenção ao que se encontra disposto no art. 85, §4º, II, do CPC, os honorários advocatícios deverão contemplar o trabalho exercido pelo profissional em grau de recurso, acrescendo-se, em relação ao valor arbitrado, mais 20% para apuração do montante da verba honorária (art. 85, §11, do CPC).
Prequestionamento
O enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal, assim como a análise da legislação aplicável, são suficientes para prequestionar junto às instâncias Superiores os dispositivos que as fundamentam. Assim, deixo de aplicar os dispositivos legais ensejadores de pronunciamento jurisdicional distinto do que até aqui foi declinado. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração tão somente para este fim, o que evidenciaria finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa.
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto por negar provimento à apelação, majorando, de ofício, os honorários advocatícios, nos termos da fundamentação.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002805157v19 e do código CRC b3b71cdc.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5056214-50.2019.4.04.7100/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: ANTONIO VALMIR DA COSTA ZUBIRIA (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. AUXíLIO-DOENÇA. aposentadoria por invalidez. LAUDO PERICIAL. Transtorno depressivo recorrente. AUSÊNCIA DE INCAPACIDADE. HONORÁRIOS advocatícios. majoração.
1. O direito à aposentadoria por invalidez e ao auxílio-doença pressupõe o preenchimento de 3 (três) requisitos: (1) a qualidade de segurado ao tempo de início da incapacidade, (2) a carência de 12 (doze) contribuições mensais, ressalvadas as hipóteses previstas no art. 26, II, da Lei nº 8.213, que a dispensam, e (3) aquele relacionado à existência de incapacidade impeditiva para toda e qualquer atividade (aposentadoria por invalidez) ou para seu trabalho habitual (auxílio-doença) em momento posterior ao ingresso no RGPS, aceitando-se, contudo, a derivada de doença anterior, desde que agravada após esta data, nos termos dos arts. 42, §2º, e 59, parágrafo único; ambos da Lei nº 8.213.
2. A desconsideração de laudo pericial justifica-se somente diante de significativo contexto probatório, constituído por exames seguramente indicativos da inaptidão para o exercício de atividade laborativa.
3. Não caracterizada a incapacidade para o trabalho, é imprópria a concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez.
4. Majorados os honorários advocatícios para o fim de adequação ao que está disposto no art. 85, §11, do Código de Processo Civil, ressalvada a suspensão de sua exigibilidade em face da concessão da gratuidade da justiça à parte autora.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, majorando, de ofício, os honorários advocatícios, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 21 de outubro de 2021.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002805158v4 e do código CRC 31383a7c.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 14/10/2021 A 21/10/2021
Apelação Cível Nº 5056214-50.2019.4.04.7100/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PROCURADOR(A): CARMEM ELISA HESSEL
SUSTENTAÇÃO DE ARGUMENTOS: Maria Isabel Pereira da Costa por ANTONIO VALMIR DA COSTA ZUBIRIA
APELANTE: ANTONIO VALMIR DA COSTA ZUBIRIA (AUTOR)
ADVOGADO: LUCIANA PEREIRA DA COSTA
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 14/10/2021, às 00:00, a 21/10/2021, às 16:00, na sequência 12, disponibilizada no DE de 04/10/2021.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO, MAJORANDO, DE OFÍCIO, OS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
Votante: Juiz Federal EDUARDO TONETTO PICARELLI
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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