Apelação Cível Nº 5008135-08.2018.4.04.7122/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: MANUEL ADIR DA SILVA (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
RELATÓRIO
Manuel Adir da Silva interpôs apelação em face da sentença que julgou improcedente o pedido para concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez. Não houve condenação em custas e honorários advocatícios pela aplicação dos arts. 55 da Lei n.º 9.099/1995 e 1.º da Lei n.º 10.259/2001 (Evento 43).
Sustentou que há prova da incapacidade para o trabalho, pois o julgador deve observar não só o teor do laudo pericial como também o conjunto probatório e as condições pessoais do requerente. Destacou que o perito constatou ser portador de Obesidade, Diabetes mellitus não-insulinodependente e Dor lombar baixa, o que caracteriza incapacidade para a atividade de motorista (Evento 48 - APELAÇÃO1).
Sem contrarrazões, subiram os autos.
VOTO
Benefício por incapacidade
Cumpre, de início, rememorar o tratamento legal conferido aos benefícios de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez.
O art. 59 da Lei n.º 8.213/91 (Lei de Benefícios da Previdência Social - LBPS) estabelece que o auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido em lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos. Por sua vez, o art. 42 da Lei nº 8.213/91 estatui que a aposentadoria por invalidez será concedida ao segurado que, tendo cumprido a carência, for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência. O art. 25 desse diploma legal esclarece, a seu turno, que a carência exigida para a concessão de ambos os benefícios é de 12 (doze) meses, salvo nos casos em que é expressamente dispensada (art. 26, II).
Em resumo, portanto, a concessão dos benefícios depende de três requisitos: (a) a qualidade de segurado do requerente à época do início da incapacidade (artigo 15 da LBPS); (b) o cumprimento da carência de 12 contribuições mensais, exceto nas hipóteses em que expressamente dispensada por lei; (c) o advento, posterior ao ingresso no RGPS, de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência do segurado.
Note-se que a concessão do auxílio-doença não exige que o segurado esteja incapacitado para toda e qualquer atividade laboral; basta que esteja incapacitado para a sua atividade habitual. É dizer: a incapacidade pode ser total ou parcial. Além disso, pode ser temporária ou permanente. Nisso, precisamente, é que se diferencia da aposentadoria por invalidez, que deve ser concedida apenas quando constatada a incapacidade total e permanente do segurado. Sobre o tema, confira-se a lição doutrinária de Daniel Machado da Rocha e de José Paulo Baltazar Júnior:
A diferença, comparativamente à aposentadoria por invalidez, repousa na circunstância de que para a obtenção de auxílio-doença basta a incapacidade para o trabalho ou atividade habitual do segurado, enquanto para a aposentadoria por invalidez exige-se a incapacidade total, para qualquer atividade que garanta a subsistência. Tanto é assim que, exercendo o segurado mais de uma atividade e ficando incapacitado para apenas uma delas, o auxílio-doença será concedido em relação à atividade para a qual o segurado estiver incapacitado, considerando-se para efeito de carência somente as contribuições relativas a essa atividade (RPS, art. 71, § 1º) (in ROCHA, Daniel Machado da. BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 15. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Atlas, 2017).
De qualquer sorte, o caráter da incapacidade (total ou parcial) deve ser avaliado não apenas por um critério médico, mas conforme um juízo global que considere as condições pessoais da parte autora - em especial, a idade, a escolaridade e a qualificação profissional - a fim de se aferir, concretamente, a sua possibilidade de reinserção no mercado de trabalho.
Cumpre demarcar, ainda, a fungibilidade entre as ações previdenciárias, tendo em vista o caráter eminentemente protetivo e de elevado alcance social da lei previdenciária. De fato, a adoção de soluções processuais adequadas à relação jurídica previdenciária constitui uma imposição do princípio do devido processo legal, a ensejar uma leitura distinta do princípio dispositivo e da adstrição do juiz ao pedido (SAVARIS, José Antônio. Direito processual previdenciário. 6 ed., rev. atual. e ampl. Curitiba: Alteridade Editora, 2016, p. 67). Por isso, aliás, o STJ sedimentou o entendimento de que "não constitui julgamento extra ou ultra petita a decisão que, verificando não estarem atendidos os pressupostos para concessão do benefício requerido na inicial, concede benefício diverso cujos requisitos tenham sido cumpridos pelo segurado" (AgRG no AG 1232820/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 26/10/20, DJe 22/11/2010).
Caso concreto
Segundo consta do laudo pericial (Evento 40), o autor, motorista, atualmente com 59 anos de idade (30/05/1961), não obstante tenha diagnóstico de Obesidade (E66), Diabetes mellitus não-insulino-dependente (E11) e Dor lombar baixa (M54.5), não apresenta incapacidade. Confira-se:
Histórico/anamnese: Periciado, 57 anos de idade, desempregado, refere lombalgia de longa data iniciada após queda da própria altura com fratura de vértebra lombar. Afirma que não lembra da data ou ano do acidente. Não traz a perícia ou comprova nos documentos o referido acidente que ensejou a fratura da vértebra lombar. Realizou uma cirurgia de artrodese na coluna lombossacra para estabilizar o segmento acometido. Apresentou boa recuperação cirúrgica, não apresentado sequelas aparentes. Nega acompanhamento ortopédico e/ou tratamento fisioterápico atual. Relata que sofreu infarto agudo do miocárdio, porém não apresenta qualquer comprovação dos fatos relatados. Apresenta comprovante de internação hospitalar para cirurgia de prostatectomia realizada no Hospital Ernesto Dorneles em 25/09/2014, por hipertrofia de próstata. Refere ainda diabetes, hipertensão e obesidade em acompanhamento e tratamento no posto de saúde. Nega internações hospitalares recentes. Não soube informar as medicações utilizadas.
(...)
Exame físico/do estado mental: Exame Físico:
Ao exame físico apresenta bom estado geral. Lúcido, orientado e coerente. Marcha sem alterações. Mucosas úmidas e coradas. Cuidados pessoais preservados. Membros superiores e inferiores sem alterações de força, sensibilidade e amplitude de movimentos. Joelhos sem alterações aparentes. Teste de estabilidade articular sem alterações. Articulações sem edema ou deformidades aparentes. Sem evidências de atrofias/hipotrofia de grupos musculares. Coluna cervical, dorsal e lombossacra, sem alterações evidentes. Presença de cicatriz cirúrgica, bem consolidada, na coluna lombossacra. Teste de Lasègue negativo bilateralmente. Peso: 160 Kg; Altura: 1,76 m.
(...)
Conclusão: sem incapacidade atual
- Justificativa: Com base na anamnese, no exame físico, nos exames complementares e nos laudos apresentados o periciado não apresenta incapacidade para o trabalho. O periciado não comprova qualquer sequela da fratura da vértebra lombar. Os exames complementares realizados não evidenciam alterações incapacitantes para o trabalho. Atualmente não comprava qualquer tratamento ortopédico. Não apresenta exames probatórios de problemas cardiológicos ou do referido infarto agudo do miocárdio. Realizou uma prostatectomia por hiperplasia prostática (doença benigna) estando atualmente completamente recuperado. A diabetes e a hipertensão são doenças crônicas de tratamento e acompanhamento ambulatorial não incapacitantes para o trabalho. Apresenta exame físico incompatível com condição de saúde incapacitante para o trabalho. Diante do exposto, o periciado não comprova incapacidade laboral.
(grifos acrescidos)
Impende ressaltar que esse foi o segundo exame pericial realizado nos autos. A perícia anterior (Evento 17) foi impugnada pelo autor (Evento 28). A decisão de Evento 31 determinou a realização de nova perícia, "Tendo em vista a declaração do próprio perito de que sua avaliação restou prejudicada". Isso porque o perito anterior havia considerado que as respostas do autor e a deficiência documental prejudicaram a análise do histórico. Confira-se:
(...) Refere que caiu do caminhão, e fraturou a coluna, colocando hastes metálicas de fixação de fratura compressiva com acunhamento anterior do corpo vertebral de L1, não sabendo referir a data. Temos que relatar que todas as perguntas realizadas tinha respostas evasivas, muitas de cunho sarcástico, portanto a história da doença atuas e anamnese, está totalmente prejudicada.
Refere que sofreu Infarto agudo do miocárdio, foi solicitado nota de atendimento, hospitalização e alta hospitalar, não apresentou, não comprovou. Somente uma nota de prostatectomia realizada no Hospital Ernesto dorneles em 25/09/2014, por hipertrofia de prostata. Refere que nesta cirurgia, os médicos realizaram a ''capação deste paciente'' (sic). (...)
UTILIZANDO O COLETE DE PUTING, e perguntado se era contínuo referiu que era somente quando estivesso andando de carro (??????). o colete é contínuo.
(...)
OBSERVAÇÃO IMPORTANTÍSSIMA: ESTE COLETE NÃO É DO PACIENTE, POIS É PEQUENO E SE NOTA NO VELCRON
(...)
Considerando o conjunto probatório, a parte autora não se desincumbiu do ônus de provar sua incapacidade. Note-se que nas duas perícias não houve comprovação documental do acidente ou do infarto relatados. O autor foi incapaz, inclusive, de informar o ano do suposto acidente ou as medicações que utiliza.
Dito isso, deve-se negar provimento à apelação, mantendo-se integralmente a sentença, pois, ausente a incapacidade, é incabível a concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez. Segundo foi esclarecido no laudo pericial, os sintomas relatados pelo autor não o impedem de exercer suas lides habituais. Destaca-se, no ponto, que os documentos apresentados no processo não são suficientes a comprovar a alegada incapacidade.
Conclui-se, assim, que o autor se encontra em condições para o trabalho, motivo pelo qual não faz jus à concessão do benefício postulado, o que leva à improcedência do pedido, e, portanto, ao desprovimento da apelação.
Custas Honorários advocatícios
O presente feito tramitou pelo rito ordinário na Justiça Federal (valor da causa: R$ 124.844,48, Evento 1, INIC1, Página 16), razão pela qual é inaplicável a disciplina de custas e honorários dos Juizados Especiais Federais.
Consideradas as disposições do art. 85, §§ 2º e 3º, do Código de Processo Civil (CPC), arbitra-se a verba honorária total no valor correspondente a 12% (doze por cento) sobre o valor corrigido da causa, percentual que já inclui os honorários decorrentes da atuação no âmbito recursal (art. 85, §11, do CPC). A parte autora também responderá pelas custas judiciais e pelos honorários dos peritos.
Porém, a exigibilidade de todas as verbas deve ser suspensa em face da concessão da assistência judiciária gratuita.
Prequestionamento
O enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal, assim como a análise da legislação aplicável, são suficientes para prequestionar junto às instâncias Superiores os dispositivos que as fundamentam. Assim, deixo de aplicar os dispositivos legais ensejadores de pronunciamento jurisdicional distinto do que até aqui foi declinado. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração tão somente para este fim, o que evidenciaria finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa.
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto no sentido de negar provimento à apelação e condenar a parte autora em honorários advocatícios e custas, nos termos da fundamentação.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001881060v5 e do código CRC e20a55bb.Informações adicionais da assinatura:
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Data e Hora: 25/7/2020, às 17:50:5
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Apelação Cível Nº 5008135-08.2018.4.04.7122/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: MANUEL ADIR DA SILVA (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. AUXILIO-DOENÇA/APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. motorista. LAUDO PERICIAL. obesidade. lombalgia.. diabetes. ausência de documentos. AUSÊNCIA DE INCAPACIDADE. HONORÁRIOS.
1. São três os requisitos para a concessão dos benefícios por incapacidade: (1) qualidade de segurado; (2) cumprimento do período de carência; (3) a incapacidade para o trabalho, de caráter permanente (aposentadoria por invalidez) ou temporário (auxílio-doença).
2. Somente contexto probatório muito relevante, constituído por exames que conclusivamente apontem para a incapacidade do segurado, pode desfazer a credibilidade que se deve emprestar a laudo pericial elaborado por profissional qualificado a servir como auxiliar do juízo.
3. Não caracterizada a incapacidade para o trabalho, imprópria a concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez.
4. O presente feito tramitou pelo rito ordinário na Justiça Federal (valor da causa: R$ 124.844,48), razão pela qual é inaplicável a disciplina de custas e honorários dos Juizados Especiais Federais. Honorários fixados em 12% (doze por cento) sobre o valor corrigido da causa.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação e condenar a parte autora em honorários advocatícios e custas, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 21 de julho de 2020.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001881061v3 e do código CRC 90f6294b.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 13/07/2020 A 21/07/2020
Apelação Cível Nº 5008135-08.2018.4.04.7122/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PROCURADOR(A): JOÃO HELIOFAR DE JESUS VILLAR
APELANTE: MANUEL ADIR DA SILVA (AUTOR)
ADVOGADO: LUCIANA PEREIRA DA COSTA
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 13/07/2020, às 00:00, a 21/07/2020, às 14:00, na sequência 137, disponibilizada no DE de 02/07/2020.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO E CONDENAR A PARTE AUTORA EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS E CUSTAS.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
Votante: Juíza Federal GISELE LEMKE
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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