Apelação Cível Nº 5014512-60.2019.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: DARI ESCOVAL
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Dari Escoval interpôs apelação em face de sentença que julgou improcedente o pedido para concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, condenando-o ao pagamento das custas e honorários, arbitrados em R$ 1000,00, cuja exigibilidade foi suspensa por ser beneficiário da justiça gratuita (Evento 3 - SENT15).
Sustentou que há prova da incapacidade para o trabalho, pois o julgador deve observar não só o teor do laudo pericial como também o conjunto probatório e as condições pessoais do requerente. Afirmou que o perito judicial "prestou informações ínverídicas acerca do estado de saúde do Recorrente", agindo, "na melhor das hipóteses com culpa, de forma negligente". Requereu a concessão dos benefícios postulados na inicial (Evento 3 - APELAÇÃO16).
Sem contrarrazões, subiram os autos.
VOTO
Preliminar - validade da perícia judicial
Embora o recorrente não tenha requerido expressamente a anulação da perícia judicial (Evento 3, LAUDOPERIC13), o conjunto das suas razões de apelação permite extrair a alegação de nulidade (art. 322, § 2º do CPC). Isso porque, segundo o recorrente, o perito judicial "prestou informações ínverídicas acerca do estado de saúde do Recorrente", agindo, "na melhor das hipóteses com culpa, de forma negligente", o que, em tese, atrairia a aplicação do art. 480 do CPC.
Frisa-se que o laudo foi elaborado por médico especialista em ortopedia e traumatologia, está completo, detalhado e apto a embasar o desfecho do caso ora em análise, não havendo necessidade de reabertura da instrução probatória, conforme adiante se verá, hipótese na qual não se verifica cerceamento de defesa, lesão ao contraditório ou à ampla defesa.
Deve-se ressaltar que a realização de nova perícia somente é recomendada quando a matéria não parecer ao juiz suficientemente esclarecida, a teor do disposto no art. 480, caput, do CPC, o que não é a hipótese dos autos.
Por fim, registre-se que o resultado contrário ao interesse da parte não é causa suficiente ao reconhecimento de cerceamento de defesa em circunstâncias nas quais o laudo judicial é elaborado de forma completa, coerente e sem contradições internas.
Benefício por incapacidade
Cumpre, de início, rememorar o tratamento legal conferido aos benefícios de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez.
O art. 59 da Lei n.º 8.213/91 (Lei de Benefícios da Previdência Social - LBPS) estabelece que o auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido em lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos. Por sua vez, o art. 42 da Lei nº 8.213/91 estatui que a aposentadoria por invalidez será concedida ao segurado que, tendo cumprido a carência, for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência. O art. 25 desse diploma legal esclarece, a seu turno, que a carência exigida para a concessão de ambos os benefícios é de 12 (doze) meses, salvo nos casos em que é expressamente dispensada (art. 26, II).
Em resumo, portanto, a concessão dos benefícios depende de três requisitos: (a) a qualidade de segurado do requerente à época do início da incapacidade (artigo 15 da LBPS); (b) o cumprimento da carência de 12 contribuições mensais, exceto nas hipóteses em que expressamente dispensada por lei; (c) o advento, posterior ao ingresso no RGPS, de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência do segurado.
Note-se que a concessão do auxílio-doença não exige que o segurado esteja incapacitado para toda e qualquer atividade laboral; basta que esteja incapacitado para a sua atividade habitual. É dizer: a incapacidade pode ser total ou parcial. Além disso, pode ser temporária ou permanente. Nisso, precisamente, é que se diferencia da aposentadoria por invalidez, que deve ser concedida apenas quando constatada a incapacidade total e permanente do segurado. Sobre o tema, confira-se a lição doutrinária de Daniel Machado da Rocha e de José Paulo Baltazar Júnior:
A diferença, comparativamente à aposentadoria por invalidez, repousa na circunstância de que para a obtenção de auxílio-doença basta a incapacidade para o trabalho ou atividade habitual do segurado, enquanto para a aposentadoria por invalidez exige-se a incapacidade total, para qualquer atividade que garanta a subsistência. Tanto é assim que, exercendo o segurado mais de uma atividade e ficando incapacitado para apenas uma delas, o auxílio-doença será concedido em relação à atividade para a qual o segurado estiver incapacitado, considerando-se para efeito de carência somente as contribuições relativas a essa atividade (RPS, art. 71, § 1º) (in ROCHA, Daniel Machado da. BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 15. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Atlas, 2017).
De qualquer sorte, o caráter da incapacidade (total ou parcial) deve ser avaliado não apenas por um critério médico, mas conforme um juízo global que considere as condições pessoais da parte autora - em especial, a idade, a escolaridade e a qualificação profissional - a fim de se aferir, concretamente, a sua possibilidade de reinserção no mercado de trabalho.
Cumpre demarcar, ainda, a fungibilidade entre as ações previdenciárias, tendo em vista o caráter eminentemente protetivo e de elevado alcance social da lei previdenciária. De fato, a adoção de soluções processuais adequadas à relação jurídica previdenciária constitui uma imposição do princípio do devido processo legal, a ensejar uma leitura distinta do princípio dispositivo e da adstrição do juiz ao pedido (SAVARIS, José Antônio. Direito processual previdenciário. 6 ed., rev. atual. e ampl. Curitiba: Alteridade Editora, 2016, p. 67). Por isso, aliás, o STJ sedimentou o entendimento de que "não constitui julgamento extra ou ultra petita a decisão que, verificando não estarem atendidos os pressupostos para concessão do benefício requerido na inicial, concede benefício diverso cujos requisitos tenham sido cumpridos pelo segurado" (AgRG no AG 1232820/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 26/10/20, DJe 22/11/2010).
Caso concreto
A sentença julgou improcedentes os pedidos formulados, ressaltando que o autor apresenta redução da capacidade laboral, mas não incapacidade (Evento 3 - SENT15).
Segundo consta do laudo pericial (Evento 3, LAUDOPERIC13), o autor, pedreiro, atualmente com 59 anos de idade (08/09/1960), não obstante possua sequela de fratura do rádio distal direito, CID-10 T92, apresenta redução da capacidade laboral, mas não incapacidade. Confira-se:
Autora queixa-se de dor no punho direito, iniciada há aproximadamente vinte e cinco anos, após ter sofrido traumatismo local (enquanto jogava futebol). (...) Refere acompanhamento médico desde o acidente sofrido, tendo realizado sutura, imobilização, tratamento fisioterápico (previamente) e medicamentoso. Nega outras doenças.
(...)
Ao exame: À inspeção sem alterações do trofismo muscular ou desvios angulares dos membros superiores. Apresenta cicatriz com 10 cm em topografia da face volar do punho direito. A palpação refere dor em topografia do dorso do punho direito. Força muscular em membros superiores normal e simétrica. Sem alterações da sensibilidade nos membros superiores. Spurling negativo. Verificada diminuição da amplitude de movimentos no punho direito (flexão de 45° à direita e 85° à esquerda, extensão de 40° à direita e 70° à esquerda, desvio radial de 10° à direita e 40° à esquerda e desvio ulnar de 15° à direita e 40° à esquerda). Sem outras alterações ao exame físico.
(...)
Síntese: Trata-se de periciado masculino, com 57 anos de idade, com quadro de sequela de traumatismo no punho direito, tendo evoluído com artrose pós-traumática (leve) e redução da amplitude de movimentos no punho direito. Há redução de 12,5% da capacidade funcional do punho direito e da sua capacidade laboral, segundo a tabela da SUSEP, de modo definitivo e irreversível, correspondente a quadro de moderada repercussão, para o qual se atribui 50% dos 25% totais possiveis para casos de rigidez completa de um punho. Apto para o labor.
(...)
5) Ha possibilidade de recuperação da capacidade laborativa da parte autora para o exercício de suas atividades profissionais habituais? Em caso positivo, como poderá ocorrer esta recuperação?
Resposta: Prejudicado. Apto para o labor. A redução da capacidade laboral apresentada é definitiva e irreversível. Já realizado o tratamento indicado para o caso.
Impende ressaltar que não há comprovação da data do acidente, razão pela qual é inviável analisar a qualidade de segurado do autor na época e, consequentemente, eventual direito a auxílio-acidente. Ademais, embora o primeiro vínculo com a Previdência social seja datado de 13/03/1986, o autor recebeu apenas um auxílio-doença, entre 21/01/2015 e 30/08/2015, demonstrando que não houve recebimento de benefício previdenciário na época do acidente.
Quanto à alegada incapacidade laboral, os documentos médicos apresentados pela parte autora foram compilados entre no Evento 3, PET14. Não há dúvidas de que o autor apresenta artrose pós-traumática no punho direito, inclusive com redução de amplitude de movimentos. Esse foi o quadro atestado pelo médico assistente em 31/05/2017, 20/10/2017, 13/12/2017 e 29/06/2018
Contudo, deve-se negar provimento à apelação, mantendo-se integralmente a sentença, pois, ausente a incapacidade, é incabível a concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez. Segundo foi esclarecido no laudo pericial, os sintomas relatados pelo autor não o impedem de exercer suas lides habituais, ainda que haja redução da capacidade laboral e limitação da amplitude de movimentos.
Destaca-se, no ponto, que os documentos apresentados no processo não são suficientes a comprovar a alegada incapacidade. Ademais, embora o acidente tenha ocorrido 25 anos antes da perícia e a cirurgia tenha sido realizada em data não informada, o autor laborou normalmente, não havendo indícios de agravamento do seu quadro clínico.
Conclui-se, assim, que o autor se encontra em condições para o trabalho, motivo pelo qual não faz jus à concessão do benefício postulado, o que leva à improcedência do pedido, e, portanto, ao desprovimento da apelação.
Honorários advocatícios
Desprovido o recurso interposto pelo autor da sentença de improcedência do pedido, devem os honorários de advogado ser majorados, com o fim de remunerar o trabalho adicional do procurador da parte em segundo grau de jurisdição.
Consideradas as disposições do art. 85, §§ 2º e 3º, do Código de Processo Civil (CPC), arbitra-se a verba honorária total no valor correspondente a R$ 1.200,00 (mil e duzentos reais), valor que já inclui os honorários decorrentes da atuação no âmbito recursal (art. 85, §11, do CPC), mantendo-se a inexigibilidade da verba em face da concessão da assistência judiciária gratuita.
Prequestionamento
O enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal, assim como a análise da legislação aplicável, são suficientes para prequestionar junto às instâncias Superiores os dispositivos que as fundamentam. Assim, deixo de aplicar os dispositivos legais ensejadores de pronunciamento jurisdicional distinto do que até aqui foi declinado. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração tão somente para este fim, o que evidenciaria finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa.
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto no sentido de negar provimento à apelação, nos termos da fundamentação.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001866319v7 e do código CRC fa1c871b.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5014512-60.2019.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: DARI ESCOVAL
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. AUXILIO-DOENÇA/APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. pedreiro. LAUDO PERICIAL. artrose pós-traumática de punho. redução da capacidade laboral. AUSÊNCIA DE INCAPACIDADE. HONORÁRIOS MAJORADOS.
1. O direito à aposentadoria por invalidez e ao auxílio-doença pressupõe o preenchimento de 3 (três) requisitos: (1) a qualidade de segurado ao tempo de início da incapacidade, (2) a carência de 12 (doze) contribuições mensais, ressalvadas as hipóteses previstas no art. 26, II, da Lei nº 8.213, que a dispensam, e (3) aquele relacionado à existência de incapacidade impeditiva para toda e qualquer atividade (aposentadoria por invalidez) ou para seu trabalho habitual (auxílio-doença) em momento posterior ao ingresso no RGPS, aceitando-se, contudo, a derivada de doença anterior, desde que agravada após esta data, nos termos dos arts. 42, §2º, e 59, parágrafo único; ambos da Lei nº 8.213.
2. Somente contexto probatório muito relevante, constituído por exames que conclusivamente apontem para a incapacidade do segurado, pode desfazer a credibilidade que se deve emprestar a laudo pericial elaborado por profissional qualificado a servir como auxiliar do juízo.
3. Não caracterizada a incapacidade para o trabalho, imprópria a concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez.
4. Honorários majorados (art. 85, §11, do CPC).
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 21 de julho de 2020.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001866320v5 e do código CRC 1102d9dd.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 13/07/2020 A 21/07/2020
Apelação Cível Nº 5014512-60.2019.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PROCURADOR(A): JOÃO HELIOFAR DE JESUS VILLAR
APELANTE: DARI ESCOVAL
ADVOGADO: DAIANA FRANCIELE DANIEL (OAB RS105643)
ADVOGADO: CRISTIANE GREGORY KLAFKE (OAB RS099054)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 13/07/2020, às 00:00, a 21/07/2020, às 14:00, na sequência 118, disponibilizada no DE de 02/07/2020.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
Votante: Juíza Federal GISELE LEMKE
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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