Apelação Cível Nº 5025882-02.2020.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: ETSON SELMAR SCHUH
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Etson Selmar Schuh interpôs apelação em face de sentença que julgou improcedente o pedido para concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, condenando-o ao pagamento das custas e despesas processuais, e de honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da causa, suspensa a exigibilidade em face da gratuidade da justiça concedida (
).Sustentou, em síntese, que faz jus à concessão de benefício, posto que o próprio perito reconheceu que apresenta limitações para exercer atividades com esforço mais intenso, inclusive da agricultura, pelo que resta comprovada a incapacidade para as atividades habituais, já que sua profissão é agricultor. Aduziu que, desde criança, exerce atividades de agricultor, em regime de economia familiar, ou seja, exerce atividades essencialmente pesadas, como capinar, arar, plantar, tratar animais, carregar e descarregar sementes, ração, adubo, etc., sendo que todas elas exigem vigor físico, não contando com auxílio de empregados. Referiu que está impedido de realizar justamente as atividades que lhe garantem o sustento, pois o esforço e o vigor físico são inerentes a atividade da agricultura, em regime de economia familiar. Alegou que o julgador não está adstrito ao laudo médico para formar suas convicções, podendo formar seu convencimento por todos os elementos de prova constantes nos autos, pois a prova pericial é de suma importância, mas não é o único elemento de prova a demonstrar a realidade dos fatos. Salientou que, caso o julgador entenda necessário o esclarecimento de mais algum ponto relacionado à capacidade laboral, deve ser realizada a baixa dos autos em diligência ou anulação da sentença, determinando-se a realização de mais provas da incapacidade laboral (
).Com contrarrazões, subiram os autos.
VOTO
Benefício por incapacidade
Cumpre, de início, rememorar o tratamento legal conferido aos benefícios de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez.
O art. 59 da Lei n.º 8.213/91 (Lei de Benefícios da Previdência Social - LBPS) estabelece que o auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido em lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos. Por sua vez, o art. 42 da Lei nº 8.213/91 estatui que a aposentadoria por invalidez será concedida ao segurado que, tendo cumprido a carência, for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência. O art. 25 desse diploma legal esclarece, a seu turno, que a carência exigida para a concessão de ambos os benefícios é de 12 (doze) meses, salvo nos casos em que é expressamente dispensada (art. 26, II).
Em resumo, portanto, a concessão dos benefícios depende de três requisitos: (a) a qualidade de segurado do requerente à época do início da incapacidade (artigo 15 da LBPS); (b) o cumprimento da carência de 12 contribuições mensais, exceto nas hipóteses em que expressamente dispensada por lei; (c) o advento, posterior ao ingresso no RGPS, de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência do segurado.
Note-se que a concessão do auxílio-doença não exige que o segurado esteja incapacitado para toda e qualquer atividade laboral; basta que esteja incapacitado para a sua atividade habitual. É dizer: a incapacidade pode ser total ou parcial. Além disso, pode ser temporária ou permanente. Nisso, precisamente, é que se diferencia da aposentadoria por invalidez, que deve ser concedida apenas quando constatada a incapacidade total e permanente do segurado. Sobre o tema, confira-se a lição doutrinária de Daniel Machado da Rocha e de José Paulo Baltazar Júnior:
A diferença, comparativamente à aposentadoria por invalidez, repousa na circunstância de que para a obtenção de auxílio-doença basta a incapacidade para o trabalho ou atividade habitual do segurado, enquanto para a aposentadoria por invalidez exige-se a incapacidade total, para qualquer atividade que garanta a subsistência. Tanto é assim que, exercendo o segurado mais de uma atividade e ficando incapacitado para apenas uma delas, o auxílio-doença será concedido em relação à atividade para a qual o segurado estiver incapacitado, considerando-se para efeito de carência somente as contribuições relativas a essa atividade (RPS, art. 71, § 1º) (in ROCHA, Daniel Machado da. BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 15. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Atlas, 2017).
De qualquer sorte, o caráter da incapacidade (total ou parcial) deve ser avaliado não apenas por um critério médico, mas conforme um juízo global que considere as condições pessoais da parte autora - em especial, a idade, a escolaridade e a qualificação profissional - a fim de se aferir, concretamente, a sua possibilidade de reinserção no mercado de trabalho.
Cumpre demarcar, ainda, a fungibilidade entre as ações previdenciárias, tendo em vista o caráter eminentemente protetivo e de elevado alcance social da lei previdenciária. De fato, a adoção de soluções processuais adequadas à relação jurídica previdenciária constitui uma imposição do princípio do devido processo legal, a ensejar uma leitura distinta do princípio dispositivo e da adstrição do juiz ao pedido (SAVARIS, José Antônio. Direito processual previdenciário. 6 ed., rev. atual. e ampl. Curitiba: Alteridade Editora, 2016, p. 67). Por isso, aliás, o STJ sedimentou o entendimento de que "não constitui julgamento extra ou ultra petita a decisão que, verificando não estarem atendidos os pressupostos para concessão do benefício requerido na inicial, concede benefício diverso cujos requisitos tenham sido cumpridos pelo segurado" (AgRG no AG 1232820/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 26/10/20, DJe 22/11/2010).
Caso concreto
Discute-se acerca do quadro incapacitante.
Com a finalidade de contextualizar a situação ora em análise, deve-se ressaltar que o autor, 49 anos, agricultor, relatou que começou a ter dores cervicais crônicas há alguns anos, com perda de força nos membros. Em agosto de 2017, fez cirurgia de hérnia cervical. Queixou-se de dores cervicais e lombares, além de dor na perna esquerda. Faz uso de anticoagulante e benzetacil uma vez por mês, por indicação médica (vascular).
A perícia médica, realizada por médico ortopedista, datada de 22/11/2019 (
, fls. 12/15), concluiu que o autor tem quadro de transtorno não especificado de disco vertebral, cervicalgia e dor lombar baixa.No laudo pericial constou que:
No exame clínico, à inspeção, apresentou-se o autor lúcido, orientado e coerente. Marcha sem parar. Lasegue negativo. Reflexos normais em membros superiores e inferiores, com forças simétricas. Espessamento leve das mãos. Ectasia venosa em perna esquerda. Capacidade de mobilidade funcional do tronco e cervical.
Referiu que o autor é portador de cirurgia por hérnia de disco cervical e alterações degenerativas com estenose foraminal em níveis lombares. Porém, não é considerado incapaz, inclusive por apresentar alguns sinais de labor recente, mas com limitação moderada para atividades laborais com esforço mais intensos (como descarregar caminhão de sacos de adubo, por exemplo), inclusive da agricultura, até porque o espectro é amplo nas atividades.
Saliente-se que o perito referiu em limitação moderada para atividades laborais intensas, referindo expressamente que não há incapacidade para o trabalho.
As atividades realizadas na agricultura são variadas, não havendo limitação para todas as elas, cabendo ao requerente buscar as mais leves e procurar ajuda para as mais intensas. Ele trabalha na agricultura em regime de economia familiar e, conforme perícia do INSS (
, fl. 7), não está sozinho no labor, é acompanhado pela esposa e dois filhos, um deles com 16 anos. Logo, essa limitação moderada não é capaz de causar a incapacidade total para o trabalho e concessão do benefício pretendido.De acordo com a documentação apresentada, exame físico e as características da doença em questão, não foi observada moléstia em fase incapacitante para o seu trabalho.
Assim sendo, devem ser prestigiadas as conclusões da perícia realizada em juízo em detrimento dos documentos produzidos unilateralmente pela parte autora (
, fls. 1/13 e , fls. 22/25).Por fim, no que é pertinente ao pedido subsidiário para reabertura da instrução probatória e realização de novo exame médico, deve-se mencionar que a desconsideração de laudo pericial justifica-se somente diante de significativo contexto probatório, constituído por exames seguramente indicativos da inaptidão para o exercício de atividade laborativa.
Ressalte-se que o conjunto probatório constante dos autos é suficiente para a formação da convicção deste órgão julgador. Demais disso, o laudo foi elaborado por médico especialista em ortopedia, está completo, detalhado e apto a embasar o desfecho do caso ora em análise, não havendo necessidade de reabertura da instrução probatória, hipótese na qual não se verifica cerceamento de defesa, lesão ao contraditório ou à ampla defesa.
Deve-se ressaltar, ainda, que a realização de nova perícia somente é recomendada quando a matéria não parecer ao juiz suficientemente esclarecida, a teor do disposto no art. 480, caput, do CPC, o que não é a hipótese dos autos. Além disso, o resultado contrário ao interesse da parte não é causa suficiente ao reconhecimento de cerceamento de defesa em circunstâncias nas quais o laudo judicial é elaborado de forma completa, coerente e sem contradições internas.
Dito isso, deve-se negar provimento à apelação, mantendo-se integralmente a sentença, pois, ausente a incapacidade, é imprópria a concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez.
Honorários advocatícios
Desprovido o recurso interposto pela parte autora da sentença de improcedência do pedido, devem os honorários de advogado ser majorados, com o fim de remunerar o trabalho adicional do procurador da parte em segundo grau de jurisdição.
Consideradas as disposições do art. 85, §§ 2º e 3º, do Código de Processo Civil (CPC), majora-se em relação ao valor arbitrado mais 20% para apuração do montante da verba honorária, mantendo-se a inexigibilidade da verba em face da concessão da assistência judiciária gratuita.
Prequestionamento
O enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal, assim como a análise da legislação aplicável, são suficientes para prequestionar junto às instâncias Superiores os dispositivos que as fundamentam. Assim, deixo de aplicar os dispositivos legais ensejadores de pronunciamento jurisdicional distinto do que até aqui foi declinado. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração tão somente para este fim, o que evidenciaria finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa.
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto no sentido de negar provimento à apelação, nos termos da fundamentação, majorando, de ofício, os honorários advocatícios.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002804746v16 e do código CRC bf044427.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5025882-02.2020.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: ETSON SELMAR SCHUH
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. AUXíLIO-DOENÇA e APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. LAUDO PERICIAL. DISCOPATIA DEGENERATIVA. AUSÊNCIA DE INCAPACIDADE. HONORÁRIOS MAJORADOS.
1. O direito à aposentadoria por invalidez e ao auxílio-doença pressupõe o preenchimento de 3 (três) requisitos: (1) a qualidade de segurado ao tempo de início da incapacidade, (2) a carência de 12 (doze) contribuições mensais, ressalvadas as hipóteses previstas no art. 26, II, da Lei nº 8.213, que a dispensam, e (3) aquele relacionado à existência de incapacidade impeditiva para toda e qualquer atividade (aposentadoria por invalidez) ou para seu trabalho habitual (auxílio-doença) em momento posterior ao ingresso no RGPS, aceitando-se, contudo, a derivada de doença anterior, desde que agravada após esta data, nos termos dos arts. 42, §2º, e 59, parágrafo único; ambos da Lei nº 8.213.
2. A desconsideração de laudo pericial justifica-se somente diante de significativo contexto probatório, constituído por exames seguramente indicativos da inaptidão para o exercício de atividade laborativa.
3. Se não caracterizada a incapacidade para o trabalho, é imprópria a concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez.
4. Majorados os honorários advocatícios a fim de adequação ao que está disposto no art. 85, §11, do Código de Processo Civil.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, majorando, de ofício, os honorários advocatícios, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 21 de outubro de 2021.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002804747v5 e do código CRC f95bbae2.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 14/10/2021 A 21/10/2021
Apelação Cível Nº 5025882-02.2020.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PROCURADOR(A): CARMEM ELISA HESSEL
APELANTE: ETSON SELMAR SCHUH
ADVOGADO: JONES IZOLAN TRETER (OAB RS057993)
ADVOGADO: SINARA LAZZAROTO (OAB RS060734)
ADVOGADO: DAIANA IZOLAN TRETER FERRAZ (OAB RS104240)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 14/10/2021, às 00:00, a 21/10/2021, às 16:00, na sequência 84, disponibilizada no DE de 04/10/2021.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO, MAJORANDO, DE OFÍCIO, OS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
Votante: Juiz Federal EDUARDO TONETTO PICARELLI
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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