Apelação Cível Nº 5006911-32.2021.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: JORGE DALMO DA SILVA
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Jorge Dalmo da Silva interpôs apelação em face de sentença que julgou improcedente o pedido para concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, condenando-o ao ressarcimento dos honorários periciais, pagamento das custas e honorários advocatícios, fixados em R$ 1.000,00, suspensa a exigibilidade em face da gratuidade da justiça concedida (
).Sustentou que faz jus à concessão do benefícios, posto que possui hipertensão arterial sistêmica, insuficiência renal crônica e doenças císticas do rim. Alegou que os exames médicos juntados na demanda, comprovam a sua incapacidade na data do indeferimento. Defendeu que, considerando que o perito confirmou as moléstias referidas na inicial e em que pese tenha constatado pela aptidão laboral, os documentos juntados confirmam que na data do indeferimento o demandante não possuía condições para trabalhar, ainda mais como pequeno agricultor contando com 62 anos de idade (
).Com contrarrazões, subiram os autos.
VOTO
Benefício por incapacidade
Cumpre, de início, rememorar o tratamento legal conferido aos benefícios de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez.
O art. 59 da Lei n.º 8.213/91 (Lei de Benefícios da Previdência Social - LBPS) estabelece que o auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido em lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos. Por sua vez, o art. 42 da Lei nº 8.213/91 estatui que a aposentadoria por invalidez será concedida ao segurado que, tendo cumprido a carência, for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência. O art. 25 desse diploma legal esclarece, a seu turno, que a carência exigida para a concessão de ambos os benefícios é de 12 (doze) meses, salvo nos casos em que é expressamente dispensada (art. 26, II).
Em resumo, portanto, a concessão dos benefícios depende de três requisitos: (a) a qualidade de segurado do requerente à época do início da incapacidade (artigo 15 da LBPS); (b) o cumprimento da carência de 12 contribuições mensais, exceto nas hipóteses em que expressamente dispensada por lei; (c) o advento, posterior ao ingresso no RGPS, de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência do segurado.
Note-se que a concessão do auxílio-doença não exige que o segurado esteja incapacitado para toda e qualquer atividade laboral; basta que esteja incapacitado para a sua atividade habitual. É dizer: a incapacidade pode ser total ou parcial. Além disso, pode ser temporária ou permanente. Nisso, precisamente, é que se diferencia da aposentadoria por invalidez, que deve ser concedida apenas quando constatada a incapacidade total e permanente do segurado. Sobre o tema, confira-se a lição doutrinária de Daniel Machado da Rocha e de José Paulo Baltazar Júnior:
A diferença, comparativamente à aposentadoria por invalidez, repousa na circunstância de que para a obtenção de auxílio-doença basta a incapacidade para o trabalho ou atividade habitual do segurado, enquanto para a aposentadoria por invalidez exige-se a incapacidade total, para qualquer atividade que garanta a subsistência. Tanto é assim que, exercendo o segurado mais de uma atividade e ficando incapacitado para apenas uma delas, o auxílio-doença será concedido em relação à atividade para a qual o segurado estiver incapacitado, considerando-se para efeito de carência somente as contribuições relativas a essa atividade (RPS, art. 71, § 1º) (in ROCHA, Daniel Machado da. BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 15. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Atlas, 2017).
De qualquer sorte, o caráter da incapacidade (total ou parcial) deve ser avaliado não apenas por um critério médico, mas conforme um juízo global que considere as condições pessoais da parte autora - em especial, a idade, a escolaridade e a qualificação profissional - a fim de se aferir, concretamente, a sua possibilidade de reinserção no mercado de trabalho.
Cumpre demarcar, ainda, a fungibilidade entre as ações previdenciárias, tendo em vista o caráter eminentemente protetivo e de elevado alcance social da lei previdenciária. De fato, a adoção de soluções processuais adequadas à relação jurídica previdenciária constitui uma imposição do princípio do devido processo legal, a ensejar uma leitura distinta do princípio dispositivo e da adstrição do juiz ao pedido (SAVARIS, José Antônio. Direito processual previdenciário. 6 ed., rev. atual. e ampl. Curitiba: Alteridade Editora, 2016, p. 67). Por isso, aliás, o STJ sedimentou o entendimento de que "não constitui julgamento extra ou ultra petita a decisão que, verificando não estarem atendidos os pressupostos para concessão do benefício requerido na inicial, concede benefício diverso cujos requisitos tenham sido cumpridos pelo segurado" (AgRG no AG 1232820/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 26/10/20, DJe 22/11/2010).
Caso concreto
Discute-se acerca do quadro incapacitante.
Com a finalidade de contextualizar a situação ora em análise, deve-se ressaltar que o autor, 62 anos, agricultor, afirma que não consegue trabalhar por apresentar falta de ar, dores no tórax, na região lombar e "nas cadeiras", especialmente quando pratica atividades com esforço físico. Não tem havido modificação do tratamento, intercorrências clínicas, consultas em prontos-socorros ou internações hospitalares por este motivo. Todo seu tratamento tem sido custeado pelo SUS.
A perícia médica, realizada por médico urologista, cirurgião e do trabalho, datada de 27/03/2019 (
, fls. 63/68), concluiu que o autor é portador de hipertensão arterial sistêmica (I10), insuficiência renal crônica (N19.9) e doenças císticas do rim (Q61). Ter insuficiência renal crônica significa que seus rins funcionam abaixo do esperado em uma série de parâmetros. Esta condição demanda acompanhamento especializado e tratamento, de forma a evitar problemas maiores no futuro.Esta condição provavelmente é associada a hipertensão arterial sistêmica, podendo haver concausalidade com a presença de cistos renais que diminuem a área de parênquima ativo.
Entretanto, não necessitou e não necessita hemodiálise e não há evidências de que venha a necessitar no futuro. Logo, não apresenta as alterações necessárias para a caracterização legal de nefropatia grave.
O médico argumentou que o autor não é portador de deficiência nos moldes da legislação vigente, nem de doenças graves ou incuráveis como tuberculose ativa, hanseníase, alienação mental grave, neoplasia maligna, cegueira, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, estado avançado da doença de Paget (osteite deformante), S.I.D.A, contaminação por radiação ou hepatopatia grave. Não apresenta doença mental /neurológica, que incapacite para os atos da vida civil.
Não há evidência de agudização, intercorrências clínicas, necessidade de cuidados especiais, consultas em pronto-socorro ou hospitalização por estes motivos. Esta condição é de natureza constitucional, degenerativa ou relacionadas a hábitos de vida, não estando relacionada às atividades laborais.
Apresenta estrutura física, tonicidade e musculatura de uma pessoa ativa fisicamente e não apresentou no momento do exame médico pericial judicial elementos que permitissem concluir pela existência de incapacidade.
Objetivamente, não apresentou alteração de força nem de tônus muscular, distrofias musculares ou deformidades, contraturas musculares, edemas, limitação de amplitude de movimento articular ou sinais inflamatórios articulares que deveriam estar presentes em caso de doença ativa, especialmente doença incapacitante.
O autor disse que está trabalhando em sua propriedade rural com as limitações próprias de sua faixa etária.
Ainda que existam queixas, não foram observadas alterações morfofisiológicas capazes de gerar impossibilidade ou limitação ao desempenho das funções específicas da sua atividade, não havendo o preenchimento de critérios para a definição de incapacidade laboral, incapacidade para os atos da vida civil ou incapacidade para as atividades da vida diária.
Saliente-se que o próprio autor negou a ocorrência de qualquer tipo de acidente com traumatismos ao longo de sua vida, relacionados ou não ao objeto desta lide. Logo, sua patologia nefrológica não decorre da ocorrência de qualquer tipo de situação acidentária.
Cabe destacar que não se está discutindo a existência das enfermidades apontadas, contudo, não são essas causa de incapacidade laboral.
De acordo com a documentação apresentada, exame físico, tratamento realizado e as características da doença em questão, não foi observada moléstia em fase incapacitante para o seu trabalho.
A desconsideração de laudo pericial justifica-se somente diante de significativo contexto probatório, constituído por exames seguramente indicativos da inaptidão para o exercício de atividade laborativa.
Assim sendo, devem ser prestigiadas as conclusões da perícia realizada em juízo em detrimento dos documentos produzidos unilateralmente pela parte (
, fls. 10/31).Dito isso, deve-se negar provimento à apelação, mantendo-se integralmente a sentença, pois, ausente a incapacidade, é imprópria a concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez.
Honorários advocatícios
Desprovido o recurso interposto pela parte autora da sentença de improcedência do pedido, devem os honorários de advogado ser majorados, com o fim de remunerar o trabalho adicional do procurador da parte em segundo grau de jurisdição.
Consideradas as disposições do art. 85, §§ 2º e 3º, do Código de Processo Civil (CPC), majora-se em relação ao valor arbitrado mais 20% para apuração do montante da verba honorária, mantendo-se a inexigibilidade da verba em face da concessão da assistência judiciária gratuita.
Prequestionamento
O enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal, assim como a análise da legislação aplicável, são suficientes para prequestionar junto às instâncias Superiores os dispositivos que as fundamentam. Assim, deixo de aplicar os dispositivos legais ensejadores de pronunciamento jurisdicional distinto do que até aqui foi declinado. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração tão somente para este fim, o que evidenciaria finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa.
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto no sentido de negar provimento à apelação, nos termos da fundamentação, majorando, de ofício, os honorários advocatícios.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002732650v19 e do código CRC 13a2c0bc.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5006911-32.2021.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: JORGE DALMO DA SILVA
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. AUXíLIO-DOENÇA e APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. LAUDO PERICIAL. DOENÇA RENAL. AUSÊNCIA DE INCAPACIDADE. HONORÁRIOS MAJORADOS.
1. O direito à aposentadoria por invalidez e ao auxílio-doença pressupõe o preenchimento de 3 (três) requisitos: (1) a qualidade de segurado ao tempo de início da incapacidade, (2) a carência de 12 (doze) contribuições mensais, ressalvadas as hipóteses previstas no art. 26, II, da Lei nº 8.213, que a dispensam, e (3) aquele relacionado à existência de incapacidade impeditiva para toda e qualquer atividade (aposentadoria por invalidez) ou para seu trabalho habitual (auxílio-doença) em momento posterior ao ingresso no RGPS, aceitando-se, contudo, a derivada de doença anterior, desde que agravada após esta data, nos termos dos arts. 42, §2º, e 59, parágrafo único; ambos da Lei nº 8.213.
2. A desconsideração de laudo pericial justifica-se somente diante de significativo contexto probatório, constituído por exames seguramente indicativos da inaptidão para o exercício de atividade laborativa.
3. Se não caracterizada a incapacidade para o trabalho, é imprópria a concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez.
4. Majorados os honorários advocatícios a fim de adequação ao que está disposto no art. 85, §11, do Código de Processo Civil.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, majorando, de ofício, os honorários advocatícios, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 23 de setembro de 2021.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002732651v6 e do código CRC 69152029.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 15/09/2021 A 23/09/2021
Apelação Cível Nº 5006911-32.2021.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PROCURADOR(A): CAROLINA DA SILVEIRA MEDEIROS
APELANTE: JORGE DALMO DA SILVA
ADVOGADO: MARIANA BERTOLDO DORNELES (OAB RS117498)
ADVOGADO: LUCIANA ELY CHECHI (OAB RS058988)
ADVOGADO: RODRIGO RAMOS (OAB RS087266)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 15/09/2021, às 00:00, a 23/09/2021, às 16:00, na sequência 87, disponibilizada no DE de 03/09/2021.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO, MAJORANDO, DE OFÍCIO, OS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
Votante: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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