Apelação Cível Nº 5020165-49.2020.4.04.7108/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: SONIA TERESINHA THIESEN (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
RELATÓRIO
Sônia Teresinha Thiesen interpôs apelação em face de sentença que julgou improcedente o pedido para concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, condenando-a ao pagamento das custas e despesas processuais, e de honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da condenação, suspensa a exigibilidade em face da gratuidade da justiça concedida (
).Sustentou, em síntese, que faz jus à concessão de benefício, posto que o expert não levou em consideração os documentos médicos acostados aos autos, os quais não deixam dúvidas de que existe incapacidade
para o trabalho. Afirmou que o laudo judicial, a partir do qual se embasou o julgamento de improcedência do pedido, não se presta como prova suficiente para determinar a existência de incapacidade laboral, pois elaborado ao arrepio da documentação sobre a qual está fundado o pedido de benefício por incapacidade. Aduziu que foram acostados aos autos diversos atestados e exames médicos e que esses documentos não foram corretamente apreciados pelo perito na conclusão do laudo pericial, já que, apesar de constar expressamente que está em tratamento e, inclusive incapacitada para o labor, tais circunstâncias sequer foram referidas no laudo médico. Defendeu que está claro que cumpriu com todas as obrigações exigidas por Lei para ter garantido o direito ao benefício postulado. Observou que não há dúvidas quanto ao equívoco em que incorreu o INSS ao indeferir o auxílio-doença, pois consta expressamente que é portadora das patologias indicadas na exordial. Defendeu que o juízo não está adstrito às conclusões periciais, notadamente se existentes outras provas nos autos diretamente relacionadas ao direito postulado (atestados e exames médicos claros), as quais não foram devidamente analisadas pelo perito médico. Requereu que, subsidiariamente, seja determinada a realização de nova perícia com cirurgia geral ( ).
Com contrarrazões, subiram os autos.
VOTO
Benefício por incapacidade
Cumpre, de início, rememorar o tratamento legal conferido aos benefícios de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez.
O art. 59 da Lei n.º 8.213/91 (Lei de Benefícios da Previdência Social - LBPS) estabelece que o auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido em lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos. Por sua vez, o art. 42 da Lei nº 8.213/91 estatui que a aposentadoria por invalidez será concedida ao segurado que, tendo cumprido a carência, for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência. O art. 25 desse diploma legal esclarece, a seu turno, que a carência exigida para a concessão de ambos os benefícios é de 12 (doze) meses, salvo nos casos em que é expressamente dispensada (art. 26, II).
Em resumo, portanto, a concessão dos benefícios depende de três requisitos: (a) a qualidade de segurado do requerente à época do início da incapacidade (artigo 15 da LBPS); (b) o cumprimento da carência de 12 contribuições mensais, exceto nas hipóteses em que expressamente dispensada por lei; (c) o advento, posterior ao ingresso no RGPS, de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência do segurado.
Note-se que a concessão do auxílio-doença não exige que o segurado esteja incapacitado para toda e qualquer atividade laboral; basta que esteja incapacitado para a sua atividade habitual. É dizer: a incapacidade pode ser total ou parcial. Além disso, pode ser temporária ou permanente. Nisso, precisamente, é que se diferencia da aposentadoria por invalidez, que deve ser concedida apenas quando constatada a incapacidade total e permanente do segurado. Sobre o tema, confira-se a lição doutrinária de Daniel Machado da Rocha e de José Paulo Baltazar Júnior:
A diferença, comparativamente à aposentadoria por invalidez, repousa na circunstância de que para a obtenção de auxílio-doença basta a incapacidade para o trabalho ou atividade habitual do segurado, enquanto para a aposentadoria por invalidez exige-se a incapacidade total, para qualquer atividade que garanta a subsistência. Tanto é assim que, exercendo o segurado mais de uma atividade e ficando incapacitado para apenas uma delas, o auxílio-doença será concedido em relação à atividade para a qual o segurado estiver incapacitado, considerando-se para efeito de carência somente as contribuições relativas a essa atividade (RPS, art. 71, § 1º) (in ROCHA, Daniel Machado da. BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 15. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Atlas, 2017).
De qualquer sorte, o caráter da incapacidade (total ou parcial) deve ser avaliado não apenas por um critério médico, mas conforme um juízo global que considere as condições pessoais da parte autora - em especial, a idade, a escolaridade e a qualificação profissional - a fim de se aferir, concretamente, a sua possibilidade de reinserção no mercado de trabalho.
Cumpre demarcar, ainda, a fungibilidade entre as ações previdenciárias, tendo em vista o caráter eminentemente protetivo e de elevado alcance social da lei previdenciária. De fato, a adoção de soluções processuais adequadas à relação jurídica previdenciária constitui uma imposição do princípio do devido processo legal, a ensejar uma leitura distinta do princípio dispositivo e da adstrição do juiz ao pedido (SAVARIS, José Antônio. Direito processual previdenciário. 6 ed., rev. atual. e ampl. Curitiba: Alteridade Editora, 2016, p. 67). Por isso, aliás, o STJ sedimentou o entendimento de que "não constitui julgamento extra ou ultra petita a decisão que, verificando não estarem atendidos os pressupostos para concessão do benefício requerido na inicial, concede benefício diverso cujos requisitos tenham sido cumpridos pelo segurado" (AgRG no AG 1232820/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 26/10/20, DJe 22/11/2010).
Caso concreto
Discute-se acerca do quadro incapacitante.
Com a finalidade de contextualizar a situação ora em análise, deve-se ressaltar que a autora, 52 anos, agricultora, relatou que tem hérnia na barriga há uns 3 anos e há 2 meses piorou, cresceu. A área é bem sensível, mas não relatou dor nem restrição da mobilidade. Teve um tumor hospitalar na bexiga em 2015, que não era câncer. Teve 3 internações nesta época. Faz uso de analgésico (toragesic) quando tem muita dor, mas não toma diariamente. Não tem encaminhamento para cirurgia. Menstrua ainda. Recebeu benefício do INSS.
A perícia médica, realizada por médica oncologista, legista, clínica geral, especialista em medicina legal e perícias médicas, datada de 07/03/2021 (
) concluiu que a autora tem quadro de hérnia ventral (K43) e obesidade (E66). Porém, essas patologias não são causa de incapacidade para a realização das suas atividades habituais.No exame clínico, à inspeção, tem a autora peso de 92 quilos e altura de 1,60 m. Está afebril, em bom estado geral, lúcida. Pele com sinais de exposição crônica e também atual ao sol. Informa mal, algumas informações conflitantes. Hipervaloriza o quadro. Humor estável. Sem fácies de dor. Sem posição antálgica. Boa mobilidade. Caminha normalmente.
Quanto ao abdômen, é flácido, duas cicatrizes cirúrgicas antigas. Hérnia de parede em região infraumbilical sem sinais de encarceramento ou complicação. Não há fístula.
Observou que a autora não apresenta sinal, nem sequela, incapacitante para sua atividade laborativa.
Destaque-se que não se está discutindo a existência das enfermidades apontadas, contudo, não são essas causa de incapacidade laboral.
De acordo com a documentação apresentada, exame físico e as características da doença em questão, não foi observada moléstia em fase incapacitante para o seu trabalho.
Por fim, no que é pertinente ao pedido subsidiário para reabertura da instrução probatória e realização de novo exame médico, deve-se mencionar que a desconsideração de laudo pericial justifica-se somente diante de significativo contexto probatório, constituído por exames seguramente indicativos da inaptidão para o exercício de atividade laborativa.
Ressalte-se que o conjunto probatório constante dos autos é suficiente para a formação da convicção deste órgão julgador. Demais disso, o laudo foi elaborado por médico especialista em oncologia, clínica geral, medicina legal e perícias médicas, está completo, detalhado e apto a embasar o desfecho do caso ora em análise, não havendo necessidade de reabertura da instrução probatória, hipótese na qual não se verifica cerceamento de defesa, lesão ao contraditório ou à ampla defesa.
Deve-se ressaltar, ainda, que a realização de nova perícia somente é recomendada quando a matéria não parecer ao juiz suficientemente esclarecida, a teor do disposto no art. 480, caput, do CPC, o que não é a hipótese dos autos. Além disso, o resultado contrário ao interesse da parte não é causa suficiente ao reconhecimento de cerceamento de defesa em circunstâncias nas quais o laudo judicial é elaborado de forma completa, coerente e sem contradições internas.
Assim sendo, devem ser prestigiadas as conclusões da perícia realizada em juízo em detrimento dos documentos (laudos, exames e receitas) produzidos unilateralmente pela parte autora (
a ).Dito isso, deve-se negar provimento à apelação, mantendo-se integralmente a sentença, pois, ausente a incapacidade, é imprópria a concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez.
Honorários advocatícios
Desprovido o recurso interposto pela parte autora da sentença de improcedência do pedido, devem os honorários de advogado ser majorados, com o fim de remunerar o trabalho adicional do procurador da parte em segundo grau de jurisdição.
Consideradas as disposições do art. 85, §§ 2º e 3º, do Código de Processo Civil (CPC), majora-se em relação ao valor arbitrado mais 20% para apuração do montante da verba honorária, mantendo-se a inexigibilidade da verba em face da concessão da assistência judiciária gratuita.
Prequestionamento
O enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal, assim como a análise da legislação aplicável, são suficientes para prequestionar junto às instâncias Superiores os dispositivos que as fundamentam. Assim, deixo de aplicar os dispositivos legais ensejadores de pronunciamento jurisdicional distinto do que até aqui foi declinado. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração tão somente para este fim, o que evidenciaria finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa.
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto no sentido de negar provimento à apelação, nos termos da fundamentação, majorando, de ofício, os honorários advocatícios.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002836659v14 e do código CRC ba036dee.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5020165-49.2020.4.04.7108/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: SONIA TERESINHA THIESEN (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. AUXíLIO-DOENÇA e APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. LAUDO PERICIAL. DOR ABDOMINAL. AUSÊNCIA DE INCAPACIDADE. HONORÁRIOS MAJORADOS.
1. O direito à aposentadoria por invalidez e ao auxílio-doença pressupõe o preenchimento de 3 (três) requisitos: (1) a qualidade de segurado ao tempo de início da incapacidade, (2) a carência de 12 (doze) contribuições mensais, ressalvadas as hipóteses previstas no art. 26, II, da Lei nº 8.213, que a dispensam, e (3) aquele relacionado à existência de incapacidade impeditiva para toda e qualquer atividade (aposentadoria por invalidez) ou para seu trabalho habitual (auxílio-doença) em momento posterior ao ingresso no RGPS, aceitando-se, contudo, a derivada de doença anterior, desde que agravada após esta data, nos termos dos arts. 42, §2º, e 59, parágrafo único; ambos da Lei nº 8.213.
2. A desconsideração de laudo pericial justifica-se somente diante de significativo contexto probatório, constituído por exames seguramente indicativos da inaptidão para o exercício de atividade laborativa.
3. Se não caracterizada a incapacidade para o trabalho, é imprópria a concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez.
4. Majorados os honorários advocatícios a fim de adequação ao que está disposto no art. 85, §11, do Código de Processo Civil.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, majorando, de ofício, os honorários advocatícios, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 21 de outubro de 2021.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002836660v4 e do código CRC 84230651.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 14/10/2021 A 21/10/2021
Apelação Cível Nº 5020165-49.2020.4.04.7108/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PROCURADOR(A): CARMEM ELISA HESSEL
APELANTE: SONIA TERESINHA THIESEN (AUTOR)
ADVOGADO: SANDRA QUADROS DE BARROS (OAB RS070413)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 14/10/2021, às 00:00, a 21/10/2021, às 16:00, na sequência 152, disponibilizada no DE de 04/10/2021.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO, MAJORANDO, DE OFÍCIO, OS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
Votante: Juiz Federal EDUARDO TONETTO PICARELLI
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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