Apelação Cível Nº 5024997-85.2020.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: FABIO RICARDO MIETLICKI
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Fabio Ricardo Mietlicki interpôs apelação em face de sentença que julgou improcedente o pedido, extinguindo o feito com julgamento de mérito, forte no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Condenou a parte autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios ao advogado da autarquia previdenciária, estes fixados em R$ 800,00, nos termos do artigo 85, §§ 2º e 8º, do Código de Processo Civil, cuja exigibilidade está suspensa em face da concessão da gratuidade de justiça (
, fls. 1/4).Sustentou, em síntese, que faz jus à concessão de benefício, posto que é mecânico de automóveis, profissão que exige o contato direto e habitual com produtos cancerígenos, elementos altamente prejudiciais à saúde física e mental de qualquer pessoa, ainda mais de alguém portador de câncer de língua. Aduziu que ficou com sequelas ainda não consolidadas, ocasionando dificuldades de fala e ressecamento na boca. Defendeu que é impossível sua reinserção no mercado de trabalho, na função habitual. Requereu a condenação do INSS ao pagamento dos consectários legais, com correção monetária e juros de mora (
, fls. 8/21).Com contrarrazões, subiram os autos.
VOTO
Benefício por incapacidade
Cumpre, de início, rememorar o tratamento legal conferido aos benefícios de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez.
O art. 59 da Lei n.º 8.213 (Lei de Benefícios da Previdência Social - LBPS) estabelece que o auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido em lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos. Por sua vez, o art. 42 da Lei nº 8.213 estatui que a aposentadoria por invalidez será concedida ao segurado que, tendo cumprido a carência, for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência. O art. 25 desse diploma legal esclarece, a seu turno, que a carência exigida para a concessão de ambos os benefícios é de 12 (doze) meses, salvo nos casos em que é expressamente dispensada (art. 26, II).
Em resumo, portanto, a concessão dos benefícios depende de três requisitos: (a) a qualidade de segurado do requerente à época do início da incapacidade (artigo 15 da LBPS); (b) o cumprimento da carência de 12 contribuições mensais, exceto nas hipóteses em que expressamente dispensada por lei; (c) o advento, posterior ao ingresso no RGPS, de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência do segurado.
Note-se que a concessão do auxílio-doença não exige que o segurado esteja incapacitado para toda e qualquer atividade laboral; basta que esteja incapacitado para a sua atividade habitual. É dizer: a incapacidade pode ser total ou parcial. Além disso, pode ser temporária ou permanente. Nisso, precisamente, é que se diferencia da aposentadoria por invalidez, que deve ser concedida apenas quando constatada a incapacidade total e permanente do segurado. Sobre o tema, confira-se a lição doutrinária de Daniel Machado da Rocha e de José Paulo Baltazar Júnior:
A diferença, comparativamente à aposentadoria por invalidez, repousa na circunstância de que para a obtenção de auxílio-doença basta a incapacidade para o trabalho ou atividade habitual do segurado, enquanto para a aposentadoria por invalidez exige-se a incapacidade total, para qualquer atividade que garanta a subsistência. Tanto é assim que, exercendo o segurado mais de uma atividade e ficando incapacitado para apenas uma delas, o auxílio-doença será concedido em relação à atividade para a qual o segurado estiver incapacitado, considerando-se para efeito de carência somente as contribuições relativas a essa atividade (RPS, art. 71, § 1º) (in ROCHA, Daniel Machado da. BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 15. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Atlas, 2017).
De qualquer sorte, o caráter da incapacidade (total ou parcial) deve ser avaliado não apenas por um critério médico, mas conforme um juízo global que considere as condições pessoais da parte autora - em especial, a idade, a escolaridade e a qualificação profissional - a fim de se aferir, concretamente, a sua possibilidade de reinserção no mercado de trabalho.
Cumpre demarcar, ainda, a fungibilidade entre as ações previdenciárias, tendo em vista o caráter eminentemente protetivo e de elevado alcance social da lei previdenciária. De fato, a adoção de soluções processuais adequadas à relação jurídica previdenciária constitui uma imposição do princípio do devido processo legal, a ensejar uma leitura distinta do princípio dispositivo e da adstrição do juiz ao pedido (SAVARIS, José Antônio. Direito processual previdenciário. 6 ed., rev. atual. e ampl. Curitiba: Alteridade Editora, 2016, p. 67). Por isso, aliás, o STJ sedimentou o entendimento de que "não constitui julgamento extra ou ultra petita a decisão que, verificando não estarem atendidos os pressupostos para concessão do benefício requerido na inicial, concede benefício diverso cujos requisitos tenham sido cumpridos pelo segurado" (AgRG no AG 1232820/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 26/10/20, DJe 22/11/2010).
Caso concreto
Discute-se acerca do quadro incapacitante.
Com a finalidade de contextualizar a situação ora em análise, deve-se ressaltar que o autor, 50 anos, mecânico, ensino médio completo, relatou que teve diagnóstico de suspeita de neoplasia, no ano de 2007, contudo, o tumor não tinha características malignas. No momento do exame, estava sem tratamento para a patologia principal, faz uso de Puran T4, desde a radioterapia.
Cabe esclarecer, com fundamento no laudo médico judicial, feito por médica do trabalho, datado de 08/06/2017 (
, fls. 33/35), que o autor tem quadro de neoplasia maligna da língua (C029).Concluiu a médica que o periciado se apresenta com sua doença evolutivamente estável, com possibilidade de cura completa aos cinco anos de tratamento e de controle, conforme protocolo da maioria das neoplasias.
Referiu a expert que o autor não demonstra estar em tratamento no momento, apenas realizando os controles periódicos.
No laudo pericial, datado de 06/06/2018, realizado por médica pneumologista, (
, fls. 7/11), relatou o periciado ser tabagista dos 25 aos 50 anos, fundando 30 cigarros por dia. Foi submetido, em 2013, à cirurgia torácica, desde então vem apresentando dispneia. Negou outros sintomas respiratórios, descompensação ou hospitalização.Esclareceu a perita que o autor é portador de dispneia (R06.0), contudo, não comprova distúrbio ventilatório, não apresentou espirometria e não se encontra em tratamento para pneumopatias. Logo, não apresenta incapacidade laboral.
Saliente-se que a neoplasia maligna da língua do autor está estabilizada e que não houve comprovação da existência de moléstia respiratória. Assim, não há incapacidade a ser reconhecida.
De acordo com a documentação apresentada, os exames físicos, as perícias judiciais e as características da doença em questão, não foi observada moléstia em fase incapacitante para o seu trabalho.
Assim sendo, devem ser prestigiadas as conclusões da perícia realizada em juízo em detrimento dos documentos produzidos unilateralmente pela parte autora (
, fls. 17/38, , fls. 21/29 e , fls. 1/8 e 31/47).Destaque-se que não se está discutindo a existência das enfermidades apontadas, contudo, não são essas causa de incapacidade laboral.
Dito isso, deve-se negar provimento à apelação, mantendo-se integralmente a sentença, pois, ausente a incapacidade, é imprópria a concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez.
Honorários advocatícios
Desprovido o recurso interposto pela parte autora da sentença de improcedência do pedido, devem os honorários de advogado ser majorados, com o fim de remunerar o trabalho adicional do procurador da parte em segundo grau de jurisdição.
Consideradas as disposições do art. 85, §§ 2º e 3º, do Código de Processo Civil (CPC), majora-se em relação ao valor arbitrado mais 20% para apuração do montante da verba honorária, mantendo-se a inexigibilidade da verba em face da concessão da assistência judiciária gratuita.
Prequestionamento
O enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal, assim como a análise da legislação aplicável, são suficientes para prequestionar junto às instâncias Superiores os dispositivos que as fundamentam. Assim, deixo de aplicar os dispositivos legais ensejadores de pronunciamento jurisdicional distinto do que até aqui foi declinado. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração tão somente para este fim, o que evidenciaria finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa.
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto no sentido de negar provimento à apelação, nos termos da fundamentação, majorando, de ofício, os honorários advocatícios.
Documento eletrônico assinado por ADRIANE BATTISTI, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003260790v12 e do código CRC 7c1857ea.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5024997-85.2020.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: FABIO RICARDO MIETLICKI
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. AUXÍLIO-DOENÇA E APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. LAUDO PERICIAL. NEOPLASIA. AUSÊNCIA DE INCAPACIDADE. HONORÁRIOS MAJORADOS.
1. O direito à aposentadoria por invalidez e ao auxílio-doença pressupõe o preenchimento de 3 (três) requisitos: (1) a qualidade de segurado ao tempo de início da incapacidade, (2) a carência de 12 (doze) contribuições mensais, ressalvadas as hipóteses previstas no art. 26, II, da Lei nº 8.213, que a dispensam, e (3) aquele relacionado à existência de incapacidade impeditiva para toda e qualquer atividade (aposentadoria por invalidez) ou para seu trabalho habitual (auxílio-doença) em momento posterior ao ingresso no RGPS, aceitando-se, contudo, a derivada de doença anterior, desde que agravada após esta data, nos termos dos arts. 42, §2º, e 59, parágrafo único; ambos da Lei nº 8.213.
2. A desconsideração de laudo pericial justifica-se somente diante de significativo contexto probatório, constituído por exames seguramente indicativos da inaptidão para o exercício de atividade laborativa.
3. Se não caracterizada a incapacidade para o trabalho, é imprópria a concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez.
4. Majorados os honorários advocatícios a fim de adequação ao que está disposto no art. 85, §11, do Código de Processo Civil.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, majorando, de ofício, os honorários advocatícios, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 14 de junho de 2022.
Documento eletrônico assinado por ADRIANE BATTISTI, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003260791v3 e do código CRC 54bad729.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 07/06/2022 A 14/06/2022
Apelação Cível Nº 5024997-85.2020.4.04.9999/RS
RELATORA: Juíza Federal ADRIANE BATTISTI
PRESIDENTE: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES
PROCURADOR(A): FLÁVIO AUGUSTO DE ANDRADE STRAPASON
APELANTE: FABIO RICARDO MIETLICKI
ADVOGADO: BRUNNA ASSMANN DEHNHARDT (OAB RS106880)
ADVOGADO: SANDRA MAIRA NOGUEIRA PATRÍCIO (OAB RS049674)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 07/06/2022, às 00:00, a 14/06/2022, às 16:00, na sequência 264, disponibilizada no DE de 27/05/2022.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO, MAJORANDO, DE OFÍCIO, OS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Juíza Federal ADRIANE BATTISTI
Votante: Juíza Federal ADRIANE BATTISTI
Votante: Juiz Federal RODRIGO KOEHLER RIBEIRO
Votante: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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