Apelação Cível Nº 5048064-17.2018.4.04.7100/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: BELONI DE FATIMA DE ANDRADE (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
RELATÓRIO
Beloni de Fátima de Andrade interpôs apelação em face de sentença que julgou improcedente o pedido para concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, condenando-a ao pagamento das custas e despesas processuais, e de honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor a causa, suspensa a exigibilidade em face da gratuidade da justiça concedida (
).Sustentou, em síntese, que faz jus à concessão de benefício, posto que, se quando mais jovem já apresentava restrições para o desempenho da atividade, é razoável verificar que atualmente o quadro se agravou, vez que se trata de patologia degenerativa. Alegou que o seu retorno para o trabalho, após 10 anos de afastamento, estaria prejudicado ante às limitações indicadas no laudo judicial (idade e biofísico). Defendeu que, em que pese a avaliação pericial, há nos autos elementos de convicção suficientes a comprovar sua pretensão, para que seja concedido benefício por incapacidade, com a observância da Súmula 47 da TNU, se for o caso e se assim entender possível (
).Com contrarrazões, subiram os autos.
VOTO
Benefício por incapacidade
Cumpre, de início, rememorar o tratamento legal conferido aos benefícios de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez.
O art. 59 da Lei n.º 8.213/91 (Lei de Benefícios da Previdência Social - LBPS) estabelece que o auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido em lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos. Por sua vez, o art. 42 da Lei nº 8.213/91 estatui que a aposentadoria por invalidez será concedida ao segurado que, tendo cumprido a carência, for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência. O art. 25 desse diploma legal esclarece, a seu turno, que a carência exigida para a concessão de ambos os benefícios é de 12 (doze) meses, salvo nos casos em que é expressamente dispensada (art. 26, II).
Em resumo, portanto, a concessão dos benefícios depende de três requisitos: (a) a qualidade de segurado do requerente à época do início da incapacidade (artigo 15 da LBPS); (b) o cumprimento da carência de 12 contribuições mensais, exceto nas hipóteses em que expressamente dispensada por lei; (c) o advento, posterior ao ingresso no RGPS, de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência do segurado.
Note-se que a concessão do auxílio-doença não exige que o segurado esteja incapacitado para toda e qualquer atividade laboral; basta que esteja incapacitado para a sua atividade habitual. É dizer: a incapacidade pode ser total ou parcial. Além disso, pode ser temporária ou permanente. Nisso, precisamente, é que se diferencia da aposentadoria por invalidez, que deve ser concedida apenas quando constatada a incapacidade total e permanente do segurado. Sobre o tema, confira-se a lição doutrinária de Daniel Machado da Rocha e de José Paulo Baltazar Júnior:
A diferença, comparativamente à aposentadoria por invalidez, repousa na circunstância de que para a obtenção de auxílio-doença basta a incapacidade para o trabalho ou atividade habitual do segurado, enquanto para a aposentadoria por invalidez exige-se a incapacidade total, para qualquer atividade que garanta a subsistência. Tanto é assim que, exercendo o segurado mais de uma atividade e ficando incapacitado para apenas uma delas, o auxílio-doença será concedido em relação à atividade para a qual o segurado estiver incapacitado, considerando-se para efeito de carência somente as contribuições relativas a essa atividade (RPS, art. 71, § 1º) (in ROCHA, Daniel Machado da. BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 15. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Atlas, 2017).
De qualquer sorte, o caráter da incapacidade (total ou parcial) deve ser avaliado não apenas por um critério médico, mas conforme um juízo global que considere as condições pessoais da parte autora - em especial, a idade, a escolaridade e a qualificação profissional - a fim de se aferir, concretamente, a sua possibilidade de reinserção no mercado de trabalho.
Cumpre demarcar, ainda, a fungibilidade entre as ações previdenciárias, tendo em vista o caráter eminentemente protetivo e de elevado alcance social da lei previdenciária. De fato, a adoção de soluções processuais adequadas à relação jurídica previdenciária constitui uma imposição do princípio do devido processo legal, a ensejar uma leitura distinta do princípio dispositivo e da adstrição do juiz ao pedido (SAVARIS, José Antônio. Direito processual previdenciário. 6 ed., rev. atual. e ampl. Curitiba: Alteridade Editora, 2016, p. 67). Por isso, aliás, o STJ sedimentou o entendimento de que "não constitui julgamento extra ou ultra petita a decisão que, verificando não estarem atendidos os pressupostos para concessão do benefício requerido na inicial, concede benefício diverso cujos requisitos tenham sido cumpridos pelo segurado" (AgRG no AG 1232820/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 26/10/20, DJe 22/11/2010).
Caso concreto
Discute-se acerca do quadro incapacitante.
Com a finalidade de contextualizar a situação ora em análise, deve-se ressaltar que a autora, 60 anos, auxiliar de serviços gerais, referiu que trabalhava em lavanderia e parou de trabalhar há 10 anos. Disse que vem com dores pelo corpo há 10 anos. Faz acompanhamento médico com ortopedista, em tratamento com uso de medicamentos para controle da dor, com alívio dos sintomas. Faz tratamento com fisioterapia. No exame, alegou ter dor na coluna lombar e cervical. Salientou que tem problemas cardiológicos e dor no peito.
Na perícia médica, realizada por médico ortopedista, datada de 27/11/2018 (
), concluiu que a autora tem quadro de cervicalgia (M54.2), de origem degenerativa. Justificou sua conclusão, dizendo que não encontrou, na presente avaliação, alterações no exame físico e exames de imagens que remetam a paciente a um quadro de incapacidade ou invalidez, do ponto de vista ortopédico, respeitando sua idade e biofísico. Como a paciente referiu dor no peito e problemas cardiológicos, determinou que fosse avaliada por médico especialista da área.Na perícia psiquiátrica (
), datada de 22/09/2019, a paciente informou que é uma mulher separada. Teve dez filhos em dois relacionamentos duradouros. Atualmente, mora com três filhos e com um neto. Não aprendeu a ler nem a escrever. Seu último trabalho foi como auxiliar de lavanderia na Casa da Criança de Alvorada, exercendo essa atividade por quinze anos e não trabalha há dez anos. Disse que não consegue trabalhar por ‘dor nos ossos’. Tem muitas queixas físicas. Refere início dos sintomas psiquiátricos há dezoito anos, no pós-parto de um dos filhos. Naquela época, iniciou uso de psicofármacos. Houve períodos de interrupção do acompanhamento. Nos últimos anos, tem conseguido manter a terapêutica com regularidade.O médico relatou que:
Conforme as receitas atualizadas, está em uso diário de amitriptilina 75 mg. O último atestado médico apresentado, datado em 03/09/2019, cita depressão leve no momento. Não apresenta sintomatologia psicótica. O discernimento está mantido. Há bom fluxo das ideias do pensamento. O discurso é claro, coerente e bem estruturado. Disse que faz a lida da casa, mas tem dificuldade nas tarefas que exigem esforço físico. É portadora de chlamydia trachomatis, de alterações degenerativas de coluna lombo-sacra, de hipertensão arterial sistêmica. É fumante. Nega uso de álcool e de drogas. Uma filha esquizofrênica tentou suicídio.
O diagnóstico do médico psiquiatra é de que a autora tem quadro de transtorno depressivo recorrente, episódio atual leve (F33.0). Porém, não há graves alterações no exame do estado mental, não havendo restrições para o trabalho, do ponto de vista psiquiátrico.
Na perícia cardiológica (
), datada de 06/11/2019, a autora disse que é hipertensa há muitos anos, tabagista ativa. Nunca foi hospitalizada por doença cardíaca. Esteve em benefício por 10 anos por doença da coluna. Faz uso de propranolol, AAS.Nesse laudo pericial constou que:
No exame do estado mental, trata-se de uma pessoa em bom estado geral, eupneico, mucosas úmidas e coradas, hidratado, sem confusão e orientado. No exame cardiovascular, apresentou frequência cardíaca de 80 batimentos por minuto, regular, bulhas normofonéticas, sem arritmias e sem sopro. A sua pressão arterial durante o exame, em repouso, foi de 130/80 mmHG. O aparelho respiratório apresentou murmúrio vesicular simétrico e sem estertores. Os membros inferiores estavam sem edemas
A conclusão do cardiologista é de que a requerente tem hipertensão arterial sistêmica e está em tratamento com medicação adequada e com níveis tensionais controlados. Não há incapacidade.
De acordo com a documentação apresentada, exame físico, as 3 perícias realizadas e as características das doenças em questão, não foi observada moléstia em fase incapacitante para o seu trabalho.
Destaque-se que os três peritos concluíram que a requerente não apresenta incapacidade para a realização de suas atividades diárias.
O documento juntado pelo INSS (
), traz o histórico de laudos médicos periciais da requerente, demonstrando que a autora esteve em auxílio-doença por 3 períodos (em 2004, 2006 e 2008) e que, recentemente, não apresenta incapacidade laboral, corroborando a conclusão dos peritos.Assim sendo, devem ser prestigiadas as conclusões da perícia realizada em juízo em detrimento dos documentos produzidos unilateralmente pela parte autora (
- psiquiátrico, - de ortopedista, - cardiológico e - ecocardiograma).Dito isso, deve-se negar provimento à apelação, mantendo-se integralmente a sentença, pois, ausente a incapacidade, é imprópria a concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez.
Honorários advocatícios
Desprovido o recurso interposto pela parte autora da sentença de improcedência do pedido, devem os honorários de advogado ser majorados, com o fim de remunerar o trabalho adicional do procurador da parte em segundo grau de jurisdição.
Consideradas as disposições do art. 85, §§ 2º e 3º, do Código de Processo Civil (CPC), majora-se em relação ao valor arbitrado mais 20% para apuração do montante da verba honorária, mantendo-se a inexigibilidade da verba em face da concessão da assistência judiciária gratuita.
Prequestionamento
O enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal, assim como a análise da legislação aplicável, são suficientes para prequestionar junto às instâncias Superiores os dispositivos que as fundamentam. Assim, deixo de aplicar os dispositivos legais ensejadores de pronunciamento jurisdicional distinto do que até aqui foi declinado. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração tão somente para este fim, o que evidenciaria finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa.
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto no sentido de negar provimento à apelação, nos termos da fundamentação, majorando, de ofício, os honorários advocatícios.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002804957v18 e do código CRC 5d2b25df.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5048064-17.2018.4.04.7100/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: BELONI DE FATIMA DE ANDRADE (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. AUXíLIO-DOENÇA e APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. TRÊS LAUDOS PERICIAIS. POLIQUEIXOSA. AUSÊNCIA DE INCAPACIDADE. HONORÁRIOS MAJORADOS.
1. O direito à aposentadoria por invalidez e ao auxílio-doença pressupõe o preenchimento de 3 (três) requisitos: (1) a qualidade de segurado ao tempo de início da incapacidade, (2) a carência de 12 (doze) contribuições mensais, ressalvadas as hipóteses previstas no art. 26, II, da Lei nº 8.213, que a dispensam, e (3) aquele relacionado à existência de incapacidade impeditiva para toda e qualquer atividade (aposentadoria por invalidez) ou para seu trabalho habitual (auxílio-doença) em momento posterior ao ingresso no RGPS, aceitando-se, contudo, a derivada de doença anterior, desde que agravada após esta data, nos termos dos arts. 42, §2º, e 59, parágrafo único; ambos da Lei nº 8.213.
2. A desconsideração de laudo pericial justifica-se somente diante de significativo contexto probatório, constituído por exames seguramente indicativos da inaptidão para o exercício de atividade laborativa.
3. Se não caracterizada a incapacidade para o trabalho, é imprópria a concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez.
4. Majorados os honorários advocatícios a fim de adequação ao que está disposto no art. 85, §11, do Código de Processo Civil.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, majorando, de ofício, os honorários advocatícios, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 21 de outubro de 2021.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002804958v6 e do código CRC 3f28ae95.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 14/10/2021 A 21/10/2021
Apelação Cível Nº 5048064-17.2018.4.04.7100/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PROCURADOR(A): CARMEM ELISA HESSEL
APELANTE: BELONI DE FATIMA DE ANDRADE (AUTOR)
ADVOGADO: MARIANA KNORST MACIEL (OAB RS103577)
ADVOGADO: RAUL KRAFT TRAMUNT
ADVOGADO: ACIR CRISTIANO WOLFF FERREIRA
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 14/10/2021, às 00:00, a 21/10/2021, às 16:00, na sequência 24, disponibilizada no DE de 04/10/2021.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO, MAJORANDO, DE OFÍCIO, OS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
Votante: Juiz Federal EDUARDO TONETTO PICARELLI
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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