Apelação Cível Nº 5024305-23.2019.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: MARIA DE LOURDES BRAUN JOHANN
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Maria de Lourdes Braun Johann interpôs apelação em face de sentença que julgou parcialmente procedente o pedido para concessão de auxílio-doença, em seu favor, desde 03/12/2018 e pelo prazo de um ano a contar da publicação da sentença, momento no qual deverá ser submetida à nova avaliação, condenando o INSS ao pagamento das parcelas em atraso, corrigidas em com juros. Em face da sucumbência recíproca, condenou a autora ao pagamento de 40% das custas e honorários ao procurador da parte adversa, arbitrados em 10% sobre o valor da causa, cuja exigibilidade foi suspensa por ser beneficiária da justiça gratuita. A autarquia, por sua vez, foi condenada ao pagamento das despesas processuais e honorários ao advogado da autora, no percentual de 10% sobre o valor da condenação até a data da sentença (Evento 3 - SENT15).
Sustentou que a DIB (03/12/2018 - data do laudo) deve ser estabelecida na data em que cancelada a aposentadoria por invalidez da qual era titular (11/06/2018), cessada pela autarquia em sede de revisão administrativa. Alegou que ainda está inapta definitivamente para o exercício de qualquer tipo de atividade, motivo pelo qual, alternativamente, requer não só a alteração da DIB do auxílio-doença como também o restabelecimento da aposentadoria por invalidez (Evento 3 - APELAÇÃO16).
Sem contrarrazões, subiram os autos a este Tribunal.
VOTO
Benefício por incapacidade
Cumpre, de início, rememorar o tratamento legal conferido aos benefícios de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez.
O art. 59 da Lei n.º 8.213/91 (Lei de Benefícios da Previdência Social - LBPS) estabelece que o auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido em lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos. Por sua vez, o art. 42 da Lei nº 8.213/91 estatui que a aposentadoria por invalidez será concedida ao segurado que, tendo cumprido a carência, for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência. O art. 25 desse diploma legal esclarece, a seu turno, que a carência exigida para a concessão de ambos os benefícios é de 12 (doze) meses, salvo nos casos em que é expressamente dispensada (art. 26, II).
Em resumo, portanto, a concessão dos benefícios depende de três requisitos: (a) a qualidade de segurado do requerente à época do início da incapacidade (artigo 15 da LBPS); (b) o cumprimento da carência de 12 contribuições mensais, exceto nas hipóteses em que expressamente dispensada por lei; (c) o advento, posterior ao ingresso no RGPS, de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência do segurado.
Note-se que a concessão do auxílio-doença não exige que o segurado esteja incapacitado para toda e qualquer atividade laboral; basta que esteja incapacitado para a sua atividade habitual. É dizer: a incapacidade pode ser total ou parcial. Além disso, pode ser temporária ou permanente. Nisso, precisamente, é que se diferencia da aposentadoria por invalidez, que deve ser concedida apenas quando constatada a incapacidade total e permanente do segurado. Sobre o tema, confira-se a lição doutrinária de Daniel Machado da Rocha e de José Paulo Baltazar Júnior:
A diferença, comparativamente à aposentadoria por invalidez, repousa na circunstância de que para a obtenção de auxílio-doença basta a incapacidade para o trabalho ou atividade habitual do segurado, enquanto para a aposentadoria por invalidez exige-se a incapacidade total, para qualquer atividade que garanta a subsistência. Tanto é assim que, exercendo o segurado mais de uma atividade e ficando incapacitado para apenas uma delas, o auxílio-doença será concedido em relação à atividade para a qual o segurado estiver incapacitado, considerando-se para efeito de carência somente as contribuições relativas a essa atividade (RPS, art. 71, § 1º) (in ROCHA, Daniel Machado da. BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 15. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Atlas, 2017).
De qualquer sorte, o caráter da incapacidade (total ou parcial) deve ser avaliado não apenas por um critério médico, mas conforme um juízo global que considere as condições pessoais da parte autora - em especial, a idade, a escolaridade e a qualificação profissional - a fim de se aferir, concretamente, a sua possibilidade de reinserção no mercado de trabalho.
Cumpre demarcar, ainda, a fungibilidade entre as ações previdenciárias, tendo em vista o caráter eminentemente protetivo e de elevado alcance social da lei previdenciária. De fato, a adoção de soluções processuais adequadas à relação jurídica previdenciária constitui uma imposição do princípio do devido processo legal, a ensejar uma leitura distinta do princípio dispositivo e da adstrição do juiz ao pedido (SAVARIS, José Antônio. Direito processual previdenciário. 6 ed., rev. atual. e ampl. Curitiba: Alteridade Editora, 2016, p. 67). Por isso, aliás, o STJ sedimentou o entendimento de que "não constitui julgamento extra ou ultra petita a decisão que, verificando não estarem atendidos os pressupostos para concessão do benefíciorequerido na inicial, concede benefício diverso cujos requisitos tenham sido cumpridos pelo segurado" (AgRG no AG 1232820/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 26/10/20, DJe 22/11/2010).
Caso concreto
Discute-se acerca da data de início da incapacidade para fins de fixação da DIB do auxílio-doença, bem como sobre a possibilidade de restabelecimento da aposentadoria por invalidez.
A fim de contextualizar os fatos, cabe mencionar que a autora, agricultora, atualmente com 54 anos de idade (20/08/1965), teve seu benefício de aposentadoria por invalidez cancelado pela autarquia em sede de revisão administrativa em 11/06/2018. Na oportunidade, foi submetida a reavaliação médico pericial, e, por fim, considerada apta a retornar ao trabalho rural.
A sentença ora em discussão determinou a concessão de auxílio-doença a partir da data indicada pelo perito oficial como de início da incapacidade, ou seja, 03/12/2018 (data do laudo).
Dito isso, passa-se ao exame do contexto probatório no que diz respeito ao quadro incapacitante.
Segundo consta do laudo pericial (Evento 3 - LAUDOPERIC10), a despeito de a autora também ser portadora de síndrome do manguito rotador bilateral (CID M75) e doença degenerativa coluna cervical e lombar (CID M 54), o que motivou o expert a atestar a incapacidade temporária foi exclusivamente o quadro de depressão (CID F 33). Confira-se:
PARECER DE CAPACIDADE/ INCAPACIDADE LABORATIVA: Parte autora apresenta situação de incapacidade laborativa temporária pelo quadro depressivo não plenamente estabilizado na presente data. Reavaliar em 12 meses.
DID (DATA DE INÍCIO DA DOENÇA): Há anos.
DII (DATA DE INICIO DA INCAPACIDADE): 03/12/2018.
DCB (DATA DE CESSÃO DO BENEFÍCIO): 08/12/2019.
Assim concluiu o perito após analisar todos os exames de imagem anexados aos autos, com transcrição do que entendeu pertinente no corpo do documento (item EXAMES COMPLEMENTARES). Quanto ao exame físico, não constatou anormalidades dignas de nota:
EXAME FÍSICO: Parte autora se apresenta em atual bom estado geral, lucidez, orientação, coerência e senso crítico preservados; deambulação normal; sinais vitais estáveis; ausculta cardíaca normal; ausculta respiratória normal, movimentos articulares e trofismos musculares preservados; dor referida à palpação e movimentação de ombros, com testes de impacto e de força preservados. Peso 88 Kg; altura 1,68 m.
Dito isso, conclui-se que a inaptidão temporária deve-se unicamente ao quadro de depressão, cuja DII foi estabelecida pelo expert na data da perícia.
A fim de analisar o pedido para retroação da DIB à data de cessação da aposentadoria por invalidez (aproximadamente 06 meses antes), cabe analisar os documentos que instruem a inicial e os demais que foram juntados durante a tramitação do processo com o objetivo de confrontá-los com o parecer do perito.
É nesse aspecto, todavia, que não se encontra respaldo na prova documental, pois os exames (Evento 3 - ANEXOSPET4, fls. 15/19) e o único atestado (Evento 3 - ANEXOSPET4, fl. 13) dizem respeito aos problemas ortopédicos, não havendo prova, portanto, de que o quadro depressivo retroagisse à data de cessação da aposentadoria. No atestado inclusive constam apenas os CID's M 77-9 e M 75-5, não havendo menção alguma às doenças previstas no ítem F, próprio das condições psiquiátricas.
Assim, deve-se manter a sentença tanto em relação à concessão do auxílio-doença, pois a incapacidade é temporária, quanto em relação à DIB, já que não há prova no sentido de que o quadro depressivo a incapacitasse desde a cessação da aposentadoria. Por fim, cabe mencionar, quanto à data de cessação do auxílio-doença, que o próprio magistrado já fez constar a necessidade de novo exame pericial antes do cancelamento do benefício, oportunidade na qual a autarquia deverá verificar se a autora recuperou a capacidade de trabalho.
Nega-se provimento, portanto, à apelação.
Correção monetária
Após o julgamento, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, em regime de repercussão geral, do Tema 810 (RE n. 870.947), a que se seguiu o dos embargos de declaração da mesma decisão, rejeitados e com afirmação de inexistência de modulação de efeitos, deve a atualização monetária obedecer ao Tema 905 do Superior Tribunal de Justiça, que estabelece para as condenações judiciais de natureza previdenciária:
As condenações impostas à Fazenda Pública de natureza previdenciária sujeitam-se à incidência do INPC, para fins de correção monetária, no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91.
Assim, a correção monetária das parcelas vencidas dos benefícios previdenciários será calculada conforme a variação dos seguintes índices, que se aplicam conforme a pertinente incidência ao período compreendido na condenação:
- IGP-DI de 05/96 a 03/2006 (art. 10 da Lei n.º 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5º e 6º, da Lei n.º 8.880/94);
- INPC a partir de 04/2006 (art. 41-A da lei 8.213/91).
Juros moratórios
Os juros de mora, de 1% (um por cento) ao mês, serão aplicados a contar da citação (Súmula 204 do STJ), até 29 de junho de 2009. A partir de 30 de junho de 2009, os juros moratórios serão computados de forma equivalente aos aplicáveis à caderneta de poupança, conforme dispõe o art. 5º da Lei 11.960/09, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei nº 9.494/97.
Prequestionamento
O enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal, assim como a análise da legislação aplicável, são suficientes para prequestionar junto às instâncias Superiores os dispositivos que as fundamentam. Assim, deixo de aplicar os dispositivos legais ensejadores de pronunciamento jurisdicional distinto do que até aqui foi declinado. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração tão somente para este fim, o que evidenciaria finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa.
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto no sentido de negar provimento à apelação e, de ofício, adequar os consectários legais, nos termos da fundamentação.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001800538v18 e do código CRC 1ffcd791.Informações adicionais da assinatura:
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Data e Hora: 6/7/2020, às 8:58:2
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Apelação Cível Nº 5024305-23.2019.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: MARIA DE LOURDES BRAUN JOHANN
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. AUXÍLIO-DOENÇA. LAUDO PERICIAL. AGRICULTORA. DEPRESSÃO. DATA DE INÍCIO DA INCAPACIDADE. CONTEXTO PROBATÓRIO.
1. O direito à aposentadoria por invalidez e ao auxílio-doença pressupõe a presença de três requisitos: (1) qualidade de segurado ao tempo de início da incapacidade, (2) carência de 12 (doze) contribuições mensais, salvo as hipóteses previstas no art. 26, II, da Lei nº 8.213/91, que dispensam o prazo de carência, e (3) requisito específico, relacionado à existência de incapacidade impeditiva para o labor habitual em momento posterior ao ingresso no RGPS, aceitando-se, contudo, a derivada de doença anterior, desde que agravada após o ingresso no RGPS, nos termos do art. 42, §2º, e art. 59, parágrafo único, ambos da Lei nº 8.213/91.
2. Diante da prova no sentido de que a parte autora está inapta temporariamente para o exercício de qualquer tipo de atividade por ser portadora de depressão, é devido o auxílio-doença desde a data indicada pelo perito no laudo oficial, pois o conjunto probatório converge para essa conclusão.
3. Ausentes documentos que comprovem o início da incapacidade em data anterior à indicada no laudo pericial, deve-se observar esse marco temporal.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação e, de ofício, adequar os consectários legais, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 23 de junho de 2020.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001800539v4 e do código CRC f0aeaecb.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 15/06/2020 A 23/06/2020
Apelação Cível Nº 5024305-23.2019.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PROCURADOR(A): FÁBIO BENTO ALVES
APELANTE: MARIA DE LOURDES BRAUN JOHANN
ADVOGADO: MARILONE SEIBERT (OAB RS058828)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 15/06/2020, às 00:00, a 23/06/2020, às 14:00, na sequência 525, disponibilizada no DE de 03/06/2020.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO E, DE OFÍCIO, ADEQUAR OS CONSECTÁRIOS LEGAIS.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
Votante: Juíza Federal GISELE LEMKE
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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