Apelação Cível Nº 5012504-47.2018.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: ELISETE ROTERT
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Elisete Rotert interpôs apelação em face de sentença que julgou improcedente o pedido para concessão de auxílio-doença, com posterior conversão em aposentadoria por invalidez, condenando-a ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, arbitrados em R$ 800,00 (oitocentos reais), cuja exigibilidade permanece suspensa em razão de ser beneficiária da justiça gratuita (Ev. 3, SENT29).
Postulou, preliminarmente, a realização de nova perícia médica, pois não possui condições de exercer as suas atividades habituais. No mérito, requereu a reforma da sentença para que seja restabelecido o auxílio-doença desde a cessação, uma vez que há prova da incapacidade por ser portadora de distúrbios psiquiátricos (Ev. 3 - APELAÇÃO30).
Sem contrarrazões e sem remessa necessária, vieram os autos a este Tribunal, oportunidade na qual determinou-se a baixa em diligência para realização de novo exame psiquiátrico (Ev. 8). Cumprida a determinação (Ev. 18), retornaram para julgamento.
VOTO
Preliminar
Requereu a apelante a baixa do feito em diligência para a realização de nova perícia por profissional diverso, pedido que foi atendido, conforme acima relatado.
Assim, fica prejudicada a análise da preliminar por perda de objeto.
Benefício por incapacidade
Cumpre, de início, rememorar o tratamento legal conferido aos benefícios de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez.
O art. 59 da Lei n.º 8.213/91 (Lei de Benefícios da Previdência Social - LBPS) estabelece que o auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido em lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos. Por sua vez, o art. 42 da Lei nº 8.213/91 estatui que a aposentadoria por invalidez será concedida ao segurado que, tendo cumprido a carência, for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência. O art. 25 desse diploma legal esclarece, a seu turno, que a carência exigida para a concessão de ambos os benefícios é de 12 (doze) meses, salvo nos casos em que é expressamente dispensada (art. 26, II).
Em resumo, portanto, a concessão dos benefícios depende de três requisitos: (a) a qualidade de segurado do requerente à época do início da incapacidade (artigo 15 da LBPS); (b) o cumprimento da carência de 12 contribuições mensais, exceto nas hipóteses em que expressamente dispensada por lei; (c) o advento, posterior ao ingresso no RGPS, de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência do segurado.
Note-se que a concessão do auxílio-doença não exige que o segurado esteja incapacitado para toda e qualquer atividade laboral; basta que esteja incapacitado para a sua atividade habitual. É dizer: a incapacidade pode ser total ou parcial. Além disso, pode ser temporária ou permanente. Nisso, precisamente, é que se diferencia da aposentadoria por invalidez, que deve ser concedida apenas quando constatada a incapacidade total e permanente do segurado. Sobre o tema, confira-se a lição doutrinária de Daniel Machado da Rocha e de José Paulo Baltazar Júnior:
A diferença, comparativamente à aposentadoria por invalidez, repousa na circunstância de que para a obtenção de auxílio-doença basta a incapacidade para o trabalho ou atividade habitual do segurado, enquanto para a aposentadoria por invalidez exige-se a incapacidade total, para qualquer atividade que garanta a subsistência. Tanto é assim que, exercendo o segurado mais de uma atividade e ficando incapacitado para apenas uma delas, o auxílio-doença será concedido em relação à atividade para a qual o segurado estiver incapacitado, considerando-se para efeito de carência somente as contribuições relativas a essa atividade (RPS, art. 71, § 1º) (in ROCHA, Daniel Machado da. BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 15. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Atlas, 2017).
De qualquer sorte, o caráter da incapacidade (total ou parcial) deve ser avaliado não apenas por um critério médico, mas conforme um juízo global que considere as condições pessoais da parte autora - em especial, a idade, a escolaridade e a qualificação profissional - a fim de se aferir, concretamente, a sua possibilidade de reinserção no mercado de trabalho.
Cumpre demarcar, ainda, a fungibilidade entre as ações previdenciárias, tendo em vista o caráter eminentemente protetivo e de elevado alcance social da lei previdenciária. De fato, a adoção de soluções processuais adequadas à relação jurídica previdenciária constitui uma imposição do princípio do devido processo legal, a ensejar uma leitura distinta do princípio dispositivo e da adstrição do juiz ao pedido (SAVARIS, José Antônio. Direito processual previdenciário. 6 ed., rev. atual. e ampl. Curitiba: Alteridade Editora, 2016, p. 67). Por isso, aliás, o STJ sedimentou o entendimento de que "não constitui julgamento extra ou ultra petita a decisão que, verificando não estarem atendidos os pressupostos para concessão do benefício requerido na inicial, concede benefício diverso cujos requisitos tenham sido cumpridos pelo segurado" (AgRG no AG 1232820/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 26/10/20, DJe 22/11/2010).
Caso concreto
Conforme se depreende dos autos, a parte autora exerceu atividade rural até ficar incapacitada para o trabalho, quando lhe foi concedido o benefício de auxílio-doença (NB 31/6035645074) pelo período de 17/02/2010 a 05/10/2015. Dessa forma, vale registrar que o requisito relativo à qualidade de segurado foi devidamente preenchido, uma vez que o próprio INSS reconheceu a sua condição de trabalhadora rural (segurada especial) quando da concessão do benefício na via administrativa.
A controvérsia diz respeito, portanto, ao quadro incapacitante.
A primeira perícia realizada no feito concluiu pela ausência de incapacidade (Ev. 3 - LAUDPERI8), motivo pelo qual a sentença foi prolatada no sentido da improcedência do pedido.
Na segunda perícia (realizada por ordem deste Tribunal), no entanto, a psiquiatra concluiu pela existência de inaptidão temporária para o trabalho, pois a autora é portadora de F20.9 - Esquizofrenia não especificada com DII em 07/2019. Confira-se (Ev. 18 - 01/08/2019):
Conclusão: com incapacidade temporária
- Justificativa: Há incapacidade total, temporária e multiprofissional para o trabalho.
A autora é portadora de quadro compatível com o diagnóstico de esquizofrenia, com sintomas graves, havendo alterações severas em suas funções mentais, com prejuízo para o exercício de atividade laborativa.
Está em tratamento psiquiátrico regular e adequado.
Deve-se levar em conta as seguintes datas técnicas:
DID: meados de 2010
DII: 07/2019
A parte autora esteve incapaz desde 07/2019 até o momento atual. Não há elementos de convicção que comprovem incapacidade de 2015 até 07/2019.
DII - Data provável de início da incapacidade: 07/2019
- Justificativa: A metodologia utilizada para a elaboração da prova pericial consistiu na leitura prévia dos autos do processo, realização da Anamnese Psiquiátrica, composta da História Psiquiátrica passada e atual, História Familiar, História Médica pregressa e atual, Exame do Estado Mental, análise documental dos exames e atestados acostados aos autos e os apresentados no ato pericial, consulta bibliográfica, dando ênfase a artigos de medicina baseada em evidências.
- Caso a DII seja posterior à DER/DCB, houve outros períodos de incapacidade entre a DER?DCB e a DII atual: NÃO
- Data provável de recuperação da capacidade: 9 meses, a contar da realização desta perícia.
Com efeito, a conclusão acima corrobora o que já constava nos atestados anexados aos autos após a realização do primeiro exame médico e que causaram a necessidade da baixa em diligência para a realização de um segundo laudo. Neles está registrada a necessidade de afastamento da autora de suas atividades laborativas pelo prazo mínimo de 120 (cento e vinte) dias, bem como de internação psiquiátrica, sendo apontado, inclusive, a existência de risco de suicídio (Ev. 3, PET9, págs. 3 e 4).
Diante disso, deve-se dar parcial provimento à apelação para determinar a concessão de auxílio-doença desde a DII (07/2019), e não desde a cessação do benefício, em 05/10/2015, pois a perita expressamente refere no laudo que não há prova da incapacidade nesse período pretérito.
Quanto à DCB, verifica-se que o perito fixou prazo certo para a recuperação, ou seja, 09 meses contados a partir da data do exame médico (01/08/2019), o que deve ser observado pela autarquia. Caberá a parte autora, se assim entender, promover pedido de prorrogação caso ainda persista a incapacidade.
Correção monetária
Após o julgamento, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, em regime de repercussão geral, do Tema 810 (RE n. 870.947), a que se seguiu o dos embargos de declaração da mesma decisão, rejeitados e com afirmação de inexistência de modulação de efeitos, deve a atualização monetária obedecer ao Tema 905 do Superior Tribunal de Justiça, que estabelece para as condenações judiciais de natureza previdenciária:
As condenações impostas à Fazenda Pública de natureza previdenciária sujeitam-se à incidência do INPC, para fins de correção monetária, no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91.
Assim, a correção monetária das parcelas vencidas dos benefícios previdenciários será calculada conforme a variação dos seguintes índices, que se aplicam conforme a pertinente incidência ao período compreendido na condenação:
- IGP-DI de 05/96 a 03/2006 (art. 10 da Lei n.º 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5º e 6º, da Lei n.º 8.880/94);
- INPC a partir de 04/2006 (art. 41-A da lei 8.213/91).
Juros moratórios
Os juros de mora, de 1% (um por cento) ao mês, serão aplicados a contar da citação (Súmula 204 do STJ), até 29 de junho de 2009. A partir de 30 de junho de 2009, os juros moratórios serão computados de forma equivalente aos aplicáveis à caderneta de poupança, conforme dispõe o art. 5º da Lei 11.960/09, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei nº 9.494/97.
Ônus sucumbenciais
Diante do resultado do julgamento, invertem-se os ônus da sucumbência.
O INSS é isento do pagamento das custas na Justiça Federal (art. 4º, I, d, da Lei nº 9.289/96) e na Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (art. 5º, I, da Lei Estadual/RS nº 14.634/14, que instituiu a Taxa Única de Serviços Judiciais desse Estado). Ressalve-se, contudo, que tal isenção não exime a autarquia previdenciária da obrigação de reembolsar eventuais despesas processuais, tais como a remuneração de peritos e assistentes técnicos e as despesas de condução de oficiais de justiça (art. 4º, I e parágrafo único, Lei nº 9.289/96; art. 2º c/c art. 5º, ambos da Lei Estadual/RS nº 14.634/14).
Essa regra deve ser observada mesmo no período anterior à Lei Estadual/RS nº 14.634/14, tendo em vista a redação conferida pela Lei Estadual nº 13.471/2010 ao art. 11 da Lei Estadual nº 8.121/1985. Frise-se, nesse particular, que, embora a norma estadual tenha dispensado as pessoas jurídicas de direito público também do pagamento das despesas processuais, restou reconhecida a inconstitucionalidade formal do dispositivo nesse particular (ADIN estadual nº 70038755864). Desse modo, subsiste a isenção apenas em relação às custas.
No que concerne ao preparo e ao porte de remessa e retorno, sublinhe-se a existência de norma isentiva no CPC (art. 1.007, caput e § 1º), o qual exime as autarquias do recolhimento de ambos os valores.
Desse modo, cumpre reconhecer a isenção do INSS em relação ao recolhimento das custas processuais, do preparo e do porte de retorno, cabendo-lhe, todavia, o pagamento das despesas processuais.
Os honorários advocatícios deverão ser pagos no percentual de 10% e nos termos das Súmulas 111 do STJ e 76 desta Corte (parcelas vencidas até a data do acórdão).
Prequestionamento
O enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal, assim como a análise da legislação aplicável, são suficientes para prequestionar junto às instâncias Superiores os dispositivos que as fundamentam. Assim, deixo de aplicar os dispositivos legais ensejadores de pronunciamento jurisdicional distinto do que até aqui foi declinado. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração tão somente para este fim, o que evidenciaria finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação, ficando prejudicada a análise da preliminar, nos termos da fundamentação.
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Apelação Cível Nº 5012504-47.2018.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: ELISETE ROTERT
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. AUXÍLIO-DOENÇA. LAUDO PERICIAL. ESQUIZOFRENIA NÃO ESPECIFICADA. AGRICULTORA. DATA DE INÍCIO DA INCAPACIDADE. CONTEXTO PROBATÓRIO. DATA DE CESSAÇÃO. INVERSÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS.
1. O direito à aposentadoria por invalidez e ao auxílio-doença pressupõe o preenchimento de 3 (três) requisitos: (1) a qualidade de segurado ao tempo de início da incapacidade, (2) a carência de 12 (doze) contribuições mensais, ressalvadas as hipóteses previstas no art. 26, II, da Lei nº 8.213, que a dispensam, e (3) aquele relacionado à existência de incapacidade impeditiva para toda e qualquer atividade (aposentadoria por invalidez) ou para seu trabalho habitual (auxílio-doença) em momento posterior ao ingresso no RGPS, aceitando-se, contudo, a derivada de doença anterior, desde que agravada após esta data, nos termos dos arts. 42, §2º, e 59, parágrafo único; ambos da Lei nº 8.213.
2. É devido o auxílio-doença desde a a data apontada no laudo até o termo final arbitrado pelo perito judicial, assegurado à parte o direito de requerer, administrativamente, a sua prorrogação.
3. O INSS está isento do recolhimento das custas judiciais perante a Justiça Federal e perante a Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, cabendo-lhe, todavia, suportar as despesas processuais. Honorários arbitrados de acordo com as Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça e Súmula n. 76 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação, ficando prejudicada a análise da preliminar, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 21 de julho de 2020.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001862747v9 e do código CRC 5305574d.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 13/07/2020 A 21/07/2020
Apelação Cível Nº 5012504-47.2018.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PROCURADOR(A): JOÃO HELIOFAR DE JESUS VILLAR
APELANTE: ELISETE ROTERT
ADVOGADO: ELIZANDRA DALL AGNESE PIRES (OAB RS095317)
ADVOGADO: HOMERO LUIZ SEIBEL (OAB RS052678)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 13/07/2020, às 00:00, a 21/07/2020, às 14:00, na sequência 369, disponibilizada no DE de 02/07/2020.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO, FICANDO PREJUDICADA A ANÁLISE DA PRELIMINAR.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
Votante: Juíza Federal GISELE LEMKE
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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